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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.17 no.4 Algés dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

 

Opinion Article/Artigo de Opinião

Challenges of alcohol use during pregnancy: maternal and fetal implications

Desafios do uso de álcool na gravidez: implicações maternas e fetais

Maria Miguel Figueiredo1 
http://orcid.org/0009-0003-2314-6707

Ana Falcão2 

Violeta Nogueira3 

Joana Teixeira3 

1. Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Setúbal, EPE. Setúbal. Portugal.

2. Clínica 3, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Lisboa. Portugal.

3. Serviço de Alcoologia e Novas Dependências, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Lisboa. Portugal.


Abstract

Despite the international consensus recommending total abstinence from alcohol consumption during pregnancy, its global prevalence is 9.8%, with the highest percentage found in Europe (25.2%), which constitutes an important public health problem. Alcohol consumption during pregnancy is associated with high rates of maternal and infant morbidity and mortality, with prenatal exposure to alcohol being the main preventable cause of birth defects and neurodevelopmental disorders.

Keywords: Alcoholism; Pregnancy; Alcohol-Related Disorders

Resumo

Apesar do consenso internacional recomendar a abstinência total do consumo de álcool durante a gravidez a sua prevalência global é de 9,8%, com a maior percentagem evidenciada na Europa (25,2%), o que constitui um importante problema de saúde pública. O consumo de álcool durante a gravidez está associado a taxas elevadas de morbimortalidade materna e infantil, sendo a exposição pré-natal ao álcool a principal causa evitável de defeitos congénitos e perturbações do neurodesenvolvimento.

Palavras-chave: Alcoolismo; Gravidez; Perturbações relacionadas com uso do álcool

Nos últimos anos, tem-se verificado um aumento do consumo de álcool no género feminino, particularmente em padrão binge, o mais frequente em mulheres em idade reprodutiva. Dado que uma percentagem significativa (1 em cada 3) das gestações não são planeadas, é inevitável a exposição fetal ao álcool numa proporção destas1),(2.

Apesar do consenso internacional recomendar a abstinência total do consumo de álcool durante a gravidez a sua prevalência global é de 9,8%, com a maior percentagem evidenciada na Europa (25,2%), o que constitui um importante problema de saúde pública1. Contrariamente ao expectável, um estudo publicado no presente ano destaca que as mulheres que mantêm o consumo de álcool durante a gravidez tinham mais probabilidade de serem mais velhas e com estatuto socioeconómico e nível educacional mais elevados1.

O consumo de álcool durante a gravidez está associado a taxas elevadas de morbimortalidade materna e infantil, com graves consequências sociais, pessoais e familiares. A exposição pré-natal ao álcool é a principal causa evitável de defeitos congénitos e perturbações do neurodesenvolvimento, globalmente designadas de Perturbações do Espectro da Síndrome Alcoólica Fetal (PESAF), com uma prevalência global de 7.7 por 1000 nascimentos1. A Síndrome Alcoólica Fetal, constitui o extremo de gravidade deste espectro, manifestando-se por anomalias faciais características (como fenda palpebral estreita, lábio superior fino), restrição do crescimento fetal e alterações a nível do sistema nervoso central e/ou perturbações neurodesenvolvimento1), (3.

O álcool ingerido ultrapassa a barreira placentária e os níveis de álcool no feto aproximam-se aos níveis maternos cerca de 2h após a ingestão3. O consumo em padrão binge, condiciona um aumento rápido dos níveis de álcool no sangue, particularmente preocupante no primeiro trimestre, período de maior vulnerabilidade para o feto, aumentando o risco de PESAF1. A paragem do consumo de álcool durante a gravidez é a única forma eficaz de eliminar o risco de complicações associadas a esta substância. Não foi identificada uma quantidade de álcool que seja seguro consumir durante a gravidez, pelo que as principais guidelines recomendam abstinência total do consumo3.

A cessação materna da ingestão de álcool em qualquer momento durante a gravidez é benéfica3), (4. De facto, a gravidez é uma fase favorável à mudança de comportamentos em geral e pode ser encarada como uma janela de oportunidade para a cessação de consumo de álcool, o que ocorre na maioria das mulheres grávidas.

Mulheres com Perturbação do Uso de Álcool (PUA) apresentam maior dificuldade no controlo e suspensão do consumo de álcool. A base do tratamento centra-se em intervenções psicossociais, incluindo intervenções comportamentais centradas no paciente, com combinação de versões breves de terapias cognitivo-comportamentais e entrevista motivacional3. O tratamento psicofarmacológico da PUA durante a gravidez é um desafio, tendo em conta as parcas evidências e reduzidas diretrizes, sendo a gravidez critério para internamento eletivo de desintoxicação alcoólica em unidade especializada. Na síndrome abstinência alcoólica grave pode ser necessário recorrer ao tratamento com benzodiazepinas, sempre na menor dose e duração possível. Devido ao reduzido nível de evidência e à baixa relação benefício/risco, o tratamento farmacológico para manutenção de abstinência alcoólica é globalmente não recomendado durante a gravidez, apesar do risco associado ao consumo de álcool neste período3.

É essencial um foco na prevenção e identificação precoce de uso de álcool durante a gravidez, com um rastreio de rotina e acompanhamento médico e psicossocial de todas as mulheres neste período. Intervenções educacionais e programas de prevenção devem incluir todas as mulheres em idade fértil, sendo de destacar que o abuso de álcool prévio à gravidez é um forte preditor para manutenção do uso de álcool durante a gravidez3), (4.

As mulheres grávidas e respetiva família beneficiam de informações factuais e livres de julgamento sobre a saúde materna e fetal, riscos do uso de álcool e, se necessário, aconselhamento sobre estratégias para a sua cessação.

Detetar precocemente os casos de uso de álcool durante a gravidez permite que as grávidas possam receber um tratamento adequado, antes e após o nascimento do filho, permitindo um melhor prognóstico materno-fetal. (1), (3 No caso de se configurar o diagnóstico de PUA deverá ser priorizado o encaminhamento da mulher grávida para tratamento especializado em unidades dedicadas ao tratamento de dependências.

Authors’ contribution

CMMF: Contribuição substancial na conceção e desenho do trabalho. AF: Pesquisa bibliográfica e seleção da mesma. VN: Revisão crítica do texto. JT: Revisão crítica do trabalho.

Fontes de financiamento e conflitos de interesse

Este trabalho não recebeu financiamento para a sua realização e os autores negam a existência de conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

1. Popova S, Charness ME, Burd L, et al. Fetal alcohol spectrum disorders. Nat Rev Dis Primers. 2023;9(1):11. Published 2023 Feb 23. doi:10.1038/s41572-023-00420-x. [ Links ]

2. SICAD. Relatório Anual 2021: A situação do país em matéria de álcool. 2021. [consultado 2023 set 10]. A informação relativa a este Relatório está disponível no sítio web do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, https://www.sicad.pt. [ Links ]

3. Thibaut F, Chagraoui A, Buckley L, et al. WFSBP*and IAWMH** Guidelines for the treatment of alcohol use disorders in pregnant women [published correction appears in World J Biol Psychiatry. 2019 Apr 11;:1]. World J Biol Psychiatry. 2019;20(1):17-50. doi:10.1080/15622975.2018.1510185. [ Links ]

4. Highet, NJ and the Expert Working Group and Expert Subcommittees. Mental Health Care in the Perinatal Period: Australian Clinical Practice Guideline. Melbourne: Centre of Perinatal Excellence (COPE); 2023. [ Links ]

Received: December 07, 2023; Accepted: December 08, 2023

Endereço para correspondência Maria Miguel Figueiredo E-mail: maria.m.figueiredo@chs.min-saude.pt

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