Nos últimos anos, tem-se verificado um aumento do consumo de álcool no género feminino, particularmente em padrão binge, o mais frequente em mulheres em idade reprodutiva. Dado que uma percentagem significativa (1 em cada 3) das gestações não são planeadas, é inevitável a exposição fetal ao álcool numa proporção destas1),(2.
Apesar do consenso internacional recomendar a abstinência total do consumo de álcool durante a gravidez a sua prevalência global é de 9,8%, com a maior percentagem evidenciada na Europa (25,2%), o que constitui um importante problema de saúde pública1. Contrariamente ao expectável, um estudo publicado no presente ano destaca que as mulheres que mantêm o consumo de álcool durante a gravidez tinham mais probabilidade de serem mais velhas e com estatuto socioeconómico e nível educacional mais elevados1.
O consumo de álcool durante a gravidez está associado a taxas elevadas de morbimortalidade materna e infantil, com graves consequências sociais, pessoais e familiares. A exposição pré-natal ao álcool é a principal causa evitável de defeitos congénitos e perturbações do neurodesenvolvimento, globalmente designadas de Perturbações do Espectro da Síndrome Alcoólica Fetal (PESAF), com uma prevalência global de 7.7 por 1000 nascimentos1. A Síndrome Alcoólica Fetal, constitui o extremo de gravidade deste espectro, manifestando-se por anomalias faciais características (como fenda palpebral estreita, lábio superior fino), restrição do crescimento fetal e alterações a nível do sistema nervoso central e/ou perturbações neurodesenvolvimento1), (3.
O álcool ingerido ultrapassa a barreira placentária e os níveis de álcool no feto aproximam-se aos níveis maternos cerca de 2h após a ingestão3. O consumo em padrão binge, condiciona um aumento rápido dos níveis de álcool no sangue, particularmente preocupante no primeiro trimestre, período de maior vulnerabilidade para o feto, aumentando o risco de PESAF1. A paragem do consumo de álcool durante a gravidez é a única forma eficaz de eliminar o risco de complicações associadas a esta substância. Não foi identificada uma quantidade de álcool que seja seguro consumir durante a gravidez, pelo que as principais guidelines recomendam abstinência total do consumo3.
A cessação materna da ingestão de álcool em qualquer momento durante a gravidez é benéfica3), (4. De facto, a gravidez é uma fase favorável à mudança de comportamentos em geral e pode ser encarada como uma janela de oportunidade para a cessação de consumo de álcool, o que ocorre na maioria das mulheres grávidas.
Mulheres com Perturbação do Uso de Álcool (PUA) apresentam maior dificuldade no controlo e suspensão do consumo de álcool. A base do tratamento centra-se em intervenções psicossociais, incluindo intervenções comportamentais centradas no paciente, com combinação de versões breves de terapias cognitivo-comportamentais e entrevista motivacional3. O tratamento psicofarmacológico da PUA durante a gravidez é um desafio, tendo em conta as parcas evidências e reduzidas diretrizes, sendo a gravidez critério para internamento eletivo de desintoxicação alcoólica em unidade especializada. Na síndrome abstinência alcoólica grave pode ser necessário recorrer ao tratamento com benzodiazepinas, sempre na menor dose e duração possível. Devido ao reduzido nível de evidência e à baixa relação benefício/risco, o tratamento farmacológico para manutenção de abstinência alcoólica é globalmente não recomendado durante a gravidez, apesar do risco associado ao consumo de álcool neste período3.
É essencial um foco na prevenção e identificação precoce de uso de álcool durante a gravidez, com um rastreio de rotina e acompanhamento médico e psicossocial de todas as mulheres neste período. Intervenções educacionais e programas de prevenção devem incluir todas as mulheres em idade fértil, sendo de destacar que o abuso de álcool prévio à gravidez é um forte preditor para manutenção do uso de álcool durante a gravidez3), (4.
As mulheres grávidas e respetiva família beneficiam de informações factuais e livres de julgamento sobre a saúde materna e fetal, riscos do uso de álcool e, se necessário, aconselhamento sobre estratégias para a sua cessação.
Detetar precocemente os casos de uso de álcool durante a gravidez permite que as grávidas possam receber um tratamento adequado, antes e após o nascimento do filho, permitindo um melhor prognóstico materno-fetal. (1), (3 No caso de se configurar o diagnóstico de PUA deverá ser priorizado o encaminhamento da mulher grávida para tratamento especializado em unidades dedicadas ao tratamento de dependências.