Os fatores ambientais a que somos expostos em períodos críticos do nosso desenvolvimento, nomeadamente a alimentação e a nutrição, programam o desenvolvimento, o metabolismo e a saúde e têm efeito a longo prazo, mais concretamente no risco de desenvolver doenças crónicas1. O período da gravidez constitui uma etapa chave na qual devemos apostar na promoção de estilos de vida saudáveis. Durante esta fase da vida da mulher, as necessidades energéticas e de alguns nutrientes estão aumentadas2 para dar resposta às alterações metabólicas que ocorrem. Em relação aos macronutrientes, destaca-se o papel do ácido docosahexanóico (DHA), um ácido gordo essencial, na redução da mortalidade por doenças cardiovasculares na idade adulta e melhoria do neurodesenvolvimento nas crianças. As suas necessidades podem ser atingidas através do consumo de pescado com baixo teor de metilmercúrio (salmão, atum em conserva, sardinha) 3 a 4 vezes por semana3. Relativamente aos micronutrientes, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) 4 e da Direção Geral da Saúde5, deve-se suplementar a mulher grávida com ácido fólico, ferro e iodo, na medida em que as necessidades nestes micronutrientes não conseguem ser asseguradas através da alimentação.
Apesar de só haver indicação para suplementar a mulher grávida com estes três micronutrientes, a utilização de suplementos alimentares com vitaminas e minerais destinados para mulheres grávidas, é muitas vezes recomendada. Um estudo publicado em 20206, revelou que a utilização destes suplementos nos Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Austrália varia entre 78% a 98%. É por isso, fundamental, esclarecer alguns pontos referentes à toma dos suplementos alimentares durante a gravidez.
Os suplementos alimentares estão definidos em Decreto-Lei n.o 118/2015 de 23 de Junho, como “géneros alimentícios que se destinam a complementar ou suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de nutrientes ou outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico, comercializadas em forma doseada e que se destinam a ser tomados em unidades de medida de quantidade reduzida”. A Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) é o organismo responsável pela definição, execução e avaliação das políticas de segurança alimentar7. Mais ainda se acresce que, muitas vezes, não são sujeitos a estudos que comprovem a sua eficácia e segurança para a grávida e para o feto, ao contrário dos medicamentos que são regulados e supervisionados pelo Infarmed. Para além disso, o preço destes suplementos chega a ser 4 a 8 vezes superior ao preço do ácido fólico, ferro e iodo, prescritos de forma isolada e com comparticipação pelo serviço nacional de saúde8.
No que diz respeito ao impacto da toma destes suplementos nos desfechos fetais e maternos, importa refletir sobre a evidência que existe. Em 2019, foi publicada uma revisão da literatura pela Cochrane9 que procurou analisar a evidência relativamente aos benefícios dos suplementos com vários micronutrientes durante a gravidez e os desfechos maternos, fetais e na infância. Foram incluídos 20 estudos, dos quais 19 foram conduzidos em países de baixo a médio rendimento. Foram estudados os efeitos dos suplementos (com ferro, ácido fólico, vitamina A, B1, B2, niacina, B6, B12, vitamina C, D, E, cobre, selénio, iodo e zinco) comparativamente com dois grupos controlo - um grupo no qual foi feita a suplementação com ferro com ou sem ácido fólico, e um grupo placebo. Os autores verificaram que a toma dos suplementos alimentares com vitaminas e minerais versus a suplementação com ferro, com ou sem ácido fólico, contribuiu para uma redução ligeira dos bebés pequenos para a idade gestacional (RR 0.92, IC 95% 0.88-0.97, evidência de moderada qualidade) e contribuiu para a redução do número de recém-nascidos com baixo peso à nascença (RR 0.88, IC 95% 0.85-0.91, evidência de elevada qualidade). Não foram, contudo, observadas diferenças entre os grupos para a mortalidade perinatal (RR 1.00, IC 95% 0.90-1.11, evidência de elevada qualidade). Foi ainda verificado que não houve diferença entre os grupos para outros desfechos maternos e na gravidez, nomeadamente: anemia materna no 3.º trimestre, mortalidade materna, aborto, parto por cesariana e anomalias congénitas. Os autores sugerem, assim, um impacto positivo da suplementação com estes suplementos alimentares para alguns desfechos, mas apenas para as mulheres grávidas em países de baixo a médio rendimento, onde a probabilidade de existirem défices nutricionais é muito elevada. Neste seguimento, em 2020, a OMS10 conclui que não existe evidência para recomendar a suplementação universal com estes suplementos nas mulheres grávidas em países de elevado rendimento ou para populações que não estejam em risco de défices nutricionais, devido à adoção de uma alimentação adequada e a programas de fortificação alimentar.
Muitos destes suplementos não contêm as doses recomendadas dos nutrientes a suplementar (400 ug-5 mg de ácido fólico; 30-60 mg de ferro elementar; 150-200 ug de iodeto de potássio), particularmente em ferro em países onde a prevalência de anemia na gravidez é elevada. Um estudo recente11, que procurou avaliar se a quantidade de nutrientes disponível nos suplementos alimentares destinados a mulheres grávidas nos EUA ia ao encontro das recomendações do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), verificou que de um total de 48 suplementos alimentares disponíveis nos EUA nenhum continha as quantidades de nutrientes recomendados pelo ACOG, nomeadamente ácido fólico, ferro, DHA, vitamina D e cálcio. Dos 48 suplementos, 27% não tinha a quantidade recomendada de ácido fólico e apenas 54,1% tinha a quantidade recomendada de ferro.
Por outro lado, não contêm componentes nutricionais importantes como os fitoquímicos que apresentam efeitos benéficos para a saúde, para além de conterem misturas complexas de compostos ativos e inativos que podem interferir com a absorção entre eles12. É o caso do nitrato (NO3-) usado como mononitrato de tiamina, que pode atuar como um inibidor do transporte intestinal de iodo; e o cálcio que pode inibir a absorção de ferro.
Assim, as mulheres grávidas em Portugal devem ser encorajadas a receber um aconselhamento alimentar e nutricional individualizado sobre as fontes alimentares de cada um dos micronutrientes e a adotar uma alimentação saudável e sustentável para assegurar as suas necessidades energéticas e nutricionais. Os médicos, em particular os de ginecologia e obstetrícia e os de medicina geral e familiar, devem ser cada vez mais proactivos no aconselhamento de uma alimentação saudável no período da preconceção e conceção, estando conscientes de que os suplementos alimentares não são substitutos de uma alimentação saudável. O uso desregulado destes suplementos não só pode dar à grávida uma falsa sensação de segurança e desnecessidade quanto à necessidade de manter numa alimentação saudável, como pode inclusive interferir negativamente com a absorção de outros nutrientes.