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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.18 no.3 Algés set. 2024  Epub 30-Set-2024

https://doi.org/10.69729/aogp.v18i3a02 

Opinion Article/Artigo de Opinião

Suplementos multivitamínicos na gravidez: qual a evidência?

Multiple-micronutrient supplementation during pregnancy: what is the evidence?

Maria Ana Kadosh1  2 
http://orcid.org/0000-0001-5506-8166

Catarina Reis-de-Carvalho3  4 

1. Laboratório de Nutrição, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

2. USF Valflores, ULS São José, Portugal.

3. Clínica Universitária de Ginecologia e Obstetrícia, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

4. Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução, ULS Santa Maria, Lisboa, Portugal.


Resumo

O período da gravidez constitui uma etapa chave na qual se deve apostar na promoção de estilos de vida saudáveis. Durante esta fase, as necessidades energéticas e de alguns nutrientes estão aumentadas para dar resposta às alterações metabólicas que ocorrem. Apesar de só haver indicação por parte da Organização Mundial da Saúde e Direção-Geral da Saúde para suplementar a mulher grávida com ácido fólico, ferro e iodo, a utilização de suplementos alimentares com vitaminas e minerais destinados para mulheres grávidas, é muitas vezes recomendada. Pretende-se neste artigo, apresentar a evidência que existe relativamente à toma destes suplementos na gravidez.

Palavras-chave: Gravidez; Suplementos; Multivitamínicos

Abstract

Evidence suggests that a healthy lifestyle during pregnancy influences growth and development and affects chronic disease susceptibility. During pregnancy, energy and nutritional requirements increase to respond to the metabolic changes. Although the World Health Organization and Direção-Geral da Saúde recommend supplementation with folic acid, iron, and iodine during pregnancy, multiple-micronutrient supplementation is often recommended. This article aims to present evidence-based regarding these supplements during pregnancy.

Keywords: Pregnancy; Multiple-micronutrient supplementation

Os fatores ambientais a que somos expostos em períodos críticos do nosso desenvolvimento, nomeadamente a alimentação e a nutrição, programam o desenvolvimento, o metabolismo e a saúde e têm efeito a longo prazo, mais concretamente no risco de desenvolver doenças crónicas1. O período da gravidez constitui uma etapa chave na qual devemos apostar na promoção de estilos de vida saudáveis. Durante esta fase da vida da mulher, as necessidades energéticas e de alguns nutrientes estão aumentadas2 para dar resposta às alterações metabólicas que ocorrem. Em relação aos macronutrientes, destaca-se o papel do ácido docosahexanóico (DHA), um ácido gordo essencial, na redução da mortalidade por doenças cardiovasculares na idade adulta e melhoria do neurodesenvolvimento nas crianças. As suas necessidades podem ser atingidas através do consumo de pescado com baixo teor de metilmercúrio (salmão, atum em conserva, sardinha) 3 a 4 vezes por semana3. Relativamente aos micronutrientes, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) 4 e da Direção Geral da Saúde5, deve-se suplementar a mulher grávida com ácido fólico, ferro e iodo, na medida em que as necessidades nestes micronutrientes não conseguem ser asseguradas através da alimentação.

Apesar de só haver indicação para suplementar a mulher grávida com estes três micronutrientes, a utilização de suplementos alimentares com vitaminas e minerais destinados para mulheres grávidas, é muitas vezes recomendada. Um estudo publicado em 20206, revelou que a utilização destes suplementos nos Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Austrália varia entre 78% a 98%. É por isso, fundamental, esclarecer alguns pontos referentes à toma dos suplementos alimentares durante a gravidez.

Os suplementos alimentares estão definidos em Decreto-Lei n.o 118/2015 de 23 de Junho, como “géneros alimentícios que se destinam a complementar ou suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de nutrientes ou outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico, comercializadas em forma doseada e que se destinam a ser tomados em unidades de medida de quantidade reduzida”. A Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) é o organismo responsável pela definição, execução e avaliação das políticas de segurança alimentar7. Mais ainda se acresce que, muitas vezes, não são sujeitos a estudos que comprovem a sua eficácia e segurança para a grávida e para o feto, ao contrário dos medicamentos que são regulados e supervisionados pelo Infarmed. Para além disso, o preço destes suplementos chega a ser 4 a 8 vezes superior ao preço do ácido fólico, ferro e iodo, prescritos de forma isolada e com comparticipação pelo serviço nacional de saúde8.

No que diz respeito ao impacto da toma destes suplementos nos desfechos fetais e maternos, importa refletir sobre a evidência que existe. Em 2019, foi publicada uma revisão da literatura pela Cochrane9 que procurou analisar a evidência relativamente aos benefícios dos suplementos com vários micronutrientes durante a gravidez e os desfechos maternos, fetais e na infância. Foram incluídos 20 estudos, dos quais 19 foram conduzidos em países de baixo a médio rendimento. Foram estudados os efeitos dos suplementos (com ferro, ácido fólico, vitamina A, B1, B2, niacina, B6, B12, vitamina C, D, E, cobre, selénio, iodo e zinco) comparativamente com dois grupos controlo - um grupo no qual foi feita a suplementação com ferro com ou sem ácido fólico, e um grupo placebo. Os autores verificaram que a toma dos suplementos alimentares com vitaminas e minerais versus a suplementação com ferro, com ou sem ácido fólico, contribuiu para uma redução ligeira dos bebés pequenos para a idade gestacional (RR 0.92, IC 95% 0.88-0.97, evidência de moderada qualidade) e contribuiu para a redução do número de recém-nascidos com baixo peso à nascença (RR 0.88, IC 95% 0.85-0.91, evidência de elevada qualidade). Não foram, contudo, observadas diferenças entre os grupos para a mortalidade perinatal (RR 1.00, IC 95% 0.90-1.11, evidência de elevada qualidade). Foi ainda verificado que não houve diferença entre os grupos para outros desfechos maternos e na gravidez, nomeadamente: anemia materna no 3.º trimestre, mortalidade materna, aborto, parto por cesariana e anomalias congénitas. Os autores sugerem, assim, um impacto positivo da suplementação com estes suplementos alimentares para alguns desfechos, mas apenas para as mulheres grávidas em países de baixo a médio rendimento, onde a probabilidade de existirem défices nutricionais é muito elevada. Neste seguimento, em 2020, a OMS10 conclui que não existe evidência para recomendar a suplementação universal com estes suplementos nas mulheres grávidas em países de elevado rendimento ou para populações que não estejam em risco de défices nutricionais, devido à adoção de uma alimentação adequada e a programas de fortificação alimentar.

Muitos destes suplementos não contêm as doses recomendadas dos nutrientes a suplementar (400 ug-5 mg de ácido fólico; 30-60 mg de ferro elementar; 150-200 ug de iodeto de potássio), particularmente em ferro em países onde a prevalência de anemia na gravidez é elevada. Um estudo recente11, que procurou avaliar se a quantidade de nutrientes disponível nos suplementos alimentares destinados a mulheres grávidas nos EUA ia ao encontro das recomendações do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), verificou que de um total de 48 suplementos alimentares disponíveis nos EUA nenhum continha as quantidades de nutrientes recomendados pelo ACOG, nomeadamente ácido fólico, ferro, DHA, vitamina D e cálcio. Dos 48 suplementos, 27% não tinha a quantidade recomendada de ácido fólico e apenas 54,1% tinha a quantidade recomendada de ferro.

Por outro lado, não contêm componentes nutricionais importantes como os fitoquímicos que apresentam efeitos benéficos para a saúde, para além de conterem misturas complexas de compostos ativos e inativos que podem interferir com a absorção entre eles12. É o caso do nitrato (NO3-) usado como mononitrato de tiamina, que pode atuar como um inibidor do transporte intestinal de iodo; e o cálcio que pode inibir a absorção de ferro.

Assim, as mulheres grávidas em Portugal devem ser encorajadas a receber um aconselhamento alimentar e nutricional individualizado sobre as fontes alimentares de cada um dos micronutrientes e a adotar uma alimentação saudável e sustentável para assegurar as suas necessidades energéticas e nutricionais. Os médicos, em particular os de ginecologia e obstetrícia e os de medicina geral e familiar, devem ser cada vez mais proactivos no aconselhamento de uma alimentação saudável no período da preconceção e conceção, estando conscientes de que os suplementos alimentares não são substitutos de uma alimentação saudável. O uso desregulado destes suplementos não só pode dar à grávida uma falsa sensação de segurança e desnecessidade quanto à necessidade de manter numa alimentação saudável, como pode inclusive interferir negativamente com a absorção de outros nutrientes.

Contribuição dos autores

Conceptualização do manuscrito: Maria Ana Kadosh; Escrita do manuscrito: Maria Ana Kadosh; Revisão crítica do manuscrito: Catarina Reis-de-Carvalho. Todos os autores aprovam a versão a ser publicada.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflitos de interesse relacionados com o presente trabalho.

Referências bibliográficas

1. Koletzko B, Godfrey KM, Poston L, Szajewska H, van Goudoever JB, de Waard M, et al. Nutrition during pregnancy, lactation and early childhood and its implications for maternal and long-term child health: The early nutrition project recommendations. Annals of Nutrition and Metabolism. 2019;74(2):93-106. [ Links ]

2. EFSA (European Food Safety Authority). Dietary reference values for nutrients: Summary report. EFSA supporting publication; 2017:e15121. 92 pp. DOI: https://doi.org/10.2903/sp.efsa.2017.e15121 [ Links ]

3. Carvalho C, Correia D, Severo M, Afonso C, Bandarra N, Gonçalves S, et al. Quantitative risk-benefit assessment of Portuguese fish and other seafood species consumption scenarios. British Journal of Nutrition. 2022;128,1997-2010. [ Links ]

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7. DR. Decreto-Lei n.º 118/2015, 23 de Junho. 2015. Disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/118-2015-67541745Links ]

8. Kadosh MA. Alimentação e nutrição nos primeiros 1000 dias de vida. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Maio 2023. ISBN 978-989-9153-08-0 [ Links ]

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Recebido: 09 de Julho de 2024; Aceito: 10 de Julho de 2024

Endereço para correspondência Maria Ana Kadosh E-mail: mariaanacarvalho@gmail.com

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