O Planeamento Familiar no geral e a contraceção, em particular, promovem uma vivência adequada da sexualidade e do planeamento reprodutivo, constituindo uma forma privilegiada de diminuir as gravidezes indesejadas e programar a gravidez em mulheres com condições e em situações de saúde especiais.
São múltiplos os métodos contracetivos disponíveis em Portugal, desde métodos hormonais ou não hormonais, com riscos e efeitos laterais diferentes, bem como diferentes benefícios não contracetivos.
Contraceção e risco tromboembólico
Um dos fatores de risco mais relevantes para um tromboembolismo venoso (TEV) em mulheres em idade fértil é a utilização de contraceção hormonal combinada (CHC). Tal risco deve-se à interferência estrogénica na função hepática, sendo modulado pelo progestativo em associação. Deste modo, em contracetivos combinados incluindo etinilestradiol, os principais fatores de risco para TEV são a concentração do mesmo e o tipo de progestativo combinado, sendo progestativos androgénicos aparentemente mais seguros.
Atualmente, estudos genéticos demonstram que apenas cerca de 6% dos TEV podem ser explicados pela hereditariedade. De forma a identificar mulheres sob CHC com risco de TEV, Lo Faro et al., conduziram um estudo cujo objetivo principal era estimar o risco de TEV associado ao início da toma de CHC bem como ao seu uso continuado. Incluiram mulheres com risco genético elevado, utilizando scores de risco poligénico e fatores de risco como FV Leiden ou mutações da protrombina1. Para tal usaram a população do UK Biobank, uma coorte com mais de 500.000 pessoas, criada entre 2006 e 2010, de forma prospetiva. Nesta análise foram avaliadas 244.420 mulheres, com 10.856 eventos de TEV. Independentemente do risco genético, foi observado um risco aumentado de TEV durante os primeiros 2 anos de utilização de contracetivos (hazard ratio, 3,09; IC 95%, 3,00-3,20), mas não durante o uso continuado (hazard ratio, 0,92; IC 95%, 0,80-1,05). No entanto, quando o risco genético foi considerado, as mulheres na categoria de pontuação de risco poligénico mais elevada tiveram uma maior prevalência de TEV durante os primeiros 2 anos de utilização de contracetivos orais (hazard ratio, 6,35; IC 95%, 4,98-8,09), tal como nas mulheres com mutações do FV Leiden (hazard ratio, 5,73; IC 95%, 5,31-6,17) e da protrombina (hazard ratio, 5,23; IC 95%, 4,67-5,87). As mulheres com alto risco genético também mantiveram um risco aumentado de TEV durante o uso continuado de CHC. Nesta base de dados, não foram discriminados os tipos de contracetivos usados. Os autores concluem que a avaliação de alterações genéticas comuns e conferidoras de risco de TEV em mulheres que pretendem iniciar CHC pode ser útil na sua estratificação de risco de TEV.
Os estrogénios naturais, apresentam, em ensaios clínicos, aparente menor impacto no metabolismo hepático, pelo seu perfil farmacodinâmico e farmacocinético. No entanto, a evidência existente na comparação de risco tromboembólico entre contracetivos contendo etinilestradiol (EE) com contracetivos com estradiol ou estetrol é ainda escassa. Nesse sentido, Douxfils et al. realizaram uma revisão sistemática e meta-análise com o objetivo de comparar o risco de TEV entre os estrogénios sintéticos e os naturais2, sendo o desfecho primário avaliado a incidência de TEV ou de qualquer tipo de trombose. Foram incluídos 5 estudos, 3 coortes e 2 casos-controlos. O estudo incluiu 560.152 mulheres, tendo encontrado um OR para TEV de 0,67 (95% IC 0,51, 0,87) a favor dos estrogénios naturais avaliados (estradiol e valerato de estradiol). As análises de estratificação utilizando taxas de risco ajustadas dos principais estudos observacionais mostraram uma redução de 49% no risco de TEV com contracetivos à base de estradiol em comparação com EE em associação com levonorgestrel. Os autores concluíram que os resultados da sua revisão sistemática reforçam o papel dos estrogénios naturais na contraceção, nomeadamente no seu menor impacto na hemóstase e risco trombótico associado. Um trabalho publicado pelo mesmo grupo, reforça estes mesmos resultados, agora com o estetrol também incluído. Didembourg et al. realizaram uma análise de desproporcionalidade, com uma base de dados que incluiu cerca de 43.000 casos de TEV3. Neste trabalho, foi assumido como gold standard para comparação de risco de TEV a formulação com EE e levonorgestrel. Os contracetivos com estrogénios naturais apresentaram taxas de eventos tromboembólicos menores, que as apresentados pelo método gold standard, sendo que o contracetivo contendo estetrol apresentou taxas semelhantes às descritas para a drospirenona isolada: Estradiol-acetato nomegestrol 0,44 (95% IC, 0,38-0,51), Estradiol-dienogeste 0,45 (95% IC, 0,41-0,49) e E4 drospirenona 0,24 (95% CI, 0,17-0,33). De realçar que o contracetivo com EE e drospirenona apresentou a maior taxa de eventos descritos 2,66 (95% IC, 2,59-2,74). Os autores concluem que este estudo suporta a hipótese de que os estrogénios naturais são mais seguros que o EE em termos de risco de TEV.
Contraceção e neoplasias
A contraceção hormonal tem sido frequentemente associada a neoplasias, quer num contexto de aumento de risco quer também da sua diminuição. Neste sentido, Aliabadi et al. publicaram um documento de orientação clínica, apoiada pelos comités da FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) de contraceção e de cancro na mulher4, avaliando o papel dos diferentes métodos contracetivos em neoplasias do sistema reprodutor. Neste documento são detalhadas as principais características das neoplasias do sistema reprodutor, bem como o papel dos métodos contracetivos em cada uma destas. Na mesma toada, Jahanfar et al. conduziram uma revisão sistemática e meta-análise, incluindo ensaios randomizados e estudos observacionais, tendo como objetivo avaliar a evidência sobre a associação entre o uso de métodos contracetivos e o risco de cancros da mama e do sistema reprodutor5. Dos diferentes resultados reportados, destacam-se os associados ao risco de neoplasias em mulheres portadoras de mutações conferidoras de maior risco neoplásico. Relativamente às mulheres portadoras de mutações BRCA 1 e 2, dois estudos de coorte demonstram que a toma de contracetivos orais combinados estava associada a menor risco de carcinoma de ovário (hazard ratio = 0,55, IC 95% 0,44, 0,69), mas, por outro lado, também em 2 estudos de coorte, a contraceção oral foi associada a um maior risco de carcinoma da mama (hazard ratio = 1,39, IC 95% 1,15, 1,67).
No contexto de mulheres portadoras de mutações conferidoras de risco oncológico nos genes BRCA 1 e 2, Phillips K et al., conduziram um estudo observacional, incluindo dados de 4 estudos coorte prospetivos, com o objetivo de avaliar a associação entre a contraceção hormonal e cancro da mama nestas mulheres6. Foram incluídas 5.391 mulheres, 3.882 com mutação BRCA1 e 1.509 com BRCA2 com toma em algum momento da sua vida de contraceção hormonal. Nas mulheres com mutação BRCA 1, a toma de contraceção hormonal, foi associada a um risco aumentado de carcinoma da mama (hazard ratio, 1,29, IC 95%, 1,04-1,60). Além disso, o risco de cancro da mama aumentou com períodos mais longos de utilização de contracetivos hormonais, com um aumento estimado do risco de 3% (1%-5%, P = 0,002) por cada ano adicional de utilização. Para a mutação BRCA2 não houve evidência de que o uso atual ou passado de contracetivos hormonais estivesse associado a aumento do risco de cancro da mama [HR, 0,70 (IC 95%, 0,33-1,47), e 1,07 (0,73-1,57), respetivamente]. Os autores concluem que o uso de contraceção hormonal em mulheres com mutações BRCA1, deve ser criteriosa; enquanto o uso destes contracetivos numa curta duração pode resultar em pequenos aumentos de risco de cancro da mama, o uso cumulativo prolongado pode resultar em aumentos maiores neste risco absoluto, que podem não ser aceitáveis para algumas mulheres.
Por último, damos ênfase ao trabalho desenvolvido por Huan Yi et al., ao avaliarem uma coorte de mulheres suecas com idades compreendidas entre os 18 e 50 anos portadoras de um dispositivo intra-uterino com libertação de Levonorgestrel (DIU-LNG), conduzido entre 2005 e 20187. Um total de 514.719 mulheres foi comparada com 1.544.157 mulheres não utilizadoras deste método, selecionadas aleatoriamente. O uso do DIU-LNG foi associado a um risco 13% superior de cancro da mama (hazard ratio ajustado, 1,13; IC 95%, 1,10-1,17), condicionando um aumento de 1,63 casos por 10.000 pessoas-ano. Por outro lado, foi associado a um risco 33% inferior de cancro do endométrio (hazard ratio ajustado, 0,67; IC 95%, 0,56-0,80), 14% menor risco de cancro do ovário (hazard ratio ajustado, 0,86; IC 95%, 0,75-0,99) e 9% menor risco de cancro do colo do útero (hazard ratio ajustado, 0,91; IC 95%, 0,84-0,99). Os autores concluem que neste estudo, o uso de DIU-LNG tem maioritariamente um efeito benéfico em termos de risco de desenvolvimento de uma neoplasia. No entanto, parece estar associado a maior risco de cancro da mama, pelo que deve ser prestada particular atenção à monitorização do desenvolvimento desta doença.
Conclusão
Os tópicos selecionados são essenciais na prescrição de um método contracetivo. Em relação ao TEV, percebemos que a atenção aos mais modernos ensaios genéticos pode vir a ser fundamental na prescrição de contraceção hormonal. Por outro lado, é dado destaque ao papel dos estrogénios naturais, aparentemente associados de forma consistente a menor risco de TEV, devendo ser considerados em mulheres com maior risco, sem contra-indicação formal para CHC, incluindo em mulheres >40-45 anos de idade.
Por outro lado, a relação entre contracepção hormonal e carcinomas ginecológicos foi também explorada. Parece haver maior incidência de carcinoma da mama em mulheres com DIU-LNG, bem como nas portadoras de mutações BRCA. É de destacar, que embora tenha sido encontrada esta associação, também foi descoberta uma associação protetora do risco de carcinoma do ovário com métodos contracetivos hormonais nas mulheres portadoras destas mesmas mutações.














