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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830versão On-line ISSN 2183-007X

Acta Obstet Ginecol Port vol.19 no.3 Algés set. 2025  Epub 30-Set-2025

https://doi.org/10.69729/aogp.v19i3a06 

Original Study/Estudo Original

Contracepção no pós-parto em Portugal: atitudes e perceções em relação aos métodos reversíveis de longa duração

Postpartum contraception in Portugal: attitudes and perceptions toward long-acting reversible methods

Catarina Soares1 
http://orcid.org/0009-0008-7894-1886

Catarina Ferreira2 

Joana Figueiredo1 

Liliana Perpétuo3 

Inês Peralta1 

Vera Oliveira1 

Ana Paula Santos3 

Ana Paula Ferreira3 

1 Unidade Local de Saúde do Oeste - Unidade de Caldas da Rainha. Portugal.

2 Unidade Local de Saúde Almada-Seixal. Portugal.

3 Unidade Local de Saúde Amadora-Sintra. Portugal.


Resumo

Introdução e Objetivos:

O aconselhamento contracetivo no puerpério assume particular relevância, devendo ser adaptado às expectativas e necessidades individuais de cada mulher. Este estudo teve como objetivo principal caracterizar uma amostra de puérperas e compreender as suas necessidades e preferências no que respeita à contraceção. Como objetivo secundário, pretendeu-se avaliar os fatores associados à escolha de métodos de contraceção reversível de longa duração (LARC) no período pós-parto.

Desenho do estudo, População e Métodos:

Estudo transversal, realizado através de um questionário distribuído a puérperas internadas em dois hospitais portugueses.

Resultados:

Entre 241 puérperas inquiridas, 79,2% já tinham utilizado um método contracetivo no passado, sendo a pílula combinada o método mais frequente. Cerca de 41,9% não planearam a gravidez, das quais 47,5% eram utilizadoras de um método contracetivo quando engravidaram. A grande maioria pretendia utilizar algum método contracetivo no pós-parto, valorizando a eficácia e a segurança. A intenção de utilizar LARCs no pós-parto foi influenciada pela idade e pela utilização prévia dos mesmos. As inquiridas consideraram o aconselhamento por profissionais de saúde como fonte de informação preferencial.

Conclusões:

A maioria das puérperas tencionava utilizar contraceção no pós-parto, no entanto consideraram-se desinformadas sobre a temática. Sobre os LARC, verificou-se desinformação sobre a sua eficácia, segurança e efeitos adversos no pós-parto. Devem ser desenvolvidas estratégias que melhorem a eficácia do aconselhamento, bem como a acessibilidade aos métodos contracetivos no período pós-parto.

Palavras-chave: Contraceção; Pós-parto; Contraceção reversível de longa duração

Abstract

Overview and Aims:

Contraceptive counselling in the postpartum period is of particular importance and should be tailored to the individual expectations and needs of each woman. The main objective of this study was to characterize a sample of post-partum women and to understand their contraceptive needs and preferences. As a secondary objective, the study aimed to assess the factors associated with the choice of long-acting reversible contraception (LARC) in the postpartum period.

Study Design, Population and Methods:

Cross-sectional study, carried out through a questionnaire distributed to puerperal women hospitalized in two Portuguese hospitals.

Results:

Among the 241 women included, 79.2% had already used a contraceptive method in the past, with the combined pill being the most frequent method. About 41,9% had an unplanned pregnancy, of which 47,5% were using a contraceptive method at the time they became pregnant. The vast majority intended to use some contraceptive method in the postpartum period, valuing efficacy and safety. The intention to use LARC in the postpartum period was influenced by age and previous use of these methods. Physicians and other health professionals were considered the preferential source of information.

Conclusions:

Most women intended to use contraception in the postpartum period, however they considered themselves uninformed on the subject. About the LARC, there has been observed misinformation about its efficacy, safety and post-partum effects. Strategies to improve the counseling effectiveness, as well as the accessibility of contraceptive methods in the postpartum period must be developed.

Keywords: Contraception; Postpartum; Long-acting reversible contraception

Introdução

O período pós-parto representa uma oportunidade crucial para promover uma escolha contracetiva informada e eficaz, capaz de contribuir para a redução da taxa de gravidez não desejada e otimização do intervalo entre gestações, com vista a melhorar os desfechos obstétricos de uma eventual gravidez futura1,2.

Os Serviços de Obstetrícia e os Cuidados de Saúde Primários desempenham um papel central na promoção do aconselhamento contracetivo, devendo assegurar uma escolha informada, livre e centrada na utente, respeitando os critérios de elegibilidade3.

No contexto do pós-parto, a determinação da elegibilidade contracetiva requer a consideração de especificidades inerentes a este período, nomeadamente ocorrência de eventuais complicações obstétricas, tipo de aleitamento, presença de comorbilidades e fatores sócio-culturais1,3. Entre as opções disponíveis, encontram-se métodos hormonais e não hormonais3,4. Os métodos de contraceção com progestativo e os não hormonais são elegíveis para a maioria das mulheres no período pós-parto precoce e durante a amamentação. Em contrapartida, a elegibilidade da contraceção hormonal combinada depende do intervalo de tempo decorrido desde o parto, tipo de aleitamento e presença de fatores de risco tromboembólicos.

Os métodos de contraceção reversível de longa duração (Long-acting reversible contraceptives - LARC), que incluem métodos hormonais com progestativo (injetável, subcutâneo e intrauterino) e não hormonais (dispositivo intrauterino de cobre), destacam-se pela sua elevada eficácia, segurança e independência da ação da utilizadora5,6. Como tal, várias sociedades científicas recomendam que os LARC sejam oferecidos e disponibilizados de forma proativa, especialmente no contexto do pós‑parto1,7,8.

Segundo o Atlas Europeu da Contraceção, uma ferramenta publicada anualmente pela European Parliamentary Forum for Sexual & Reproductive Rights, que avalia o acesso à contraceção nos países europeus, incluindo acesso à informação, aconselhamento, políticas públicas e disponibilidade dos métodos, Portugal integra a categoria de “Bom acesso à contraceção”, com uma pontuação de 91,2% e uma taxa de uso de contraceção moderna de 51%, destacando-se pela disponibilização de contraceção gratuita, acesso ao aconselhamento profissional e divulgação de informação online de qualidade9.

No entanto, no que diz respeito ao aconselhamento contracetivo pós-parto, este é habitualmente diferido para a alta da maternidade ou para a consulta de revisão puerperal10. Uma vez que muitas mulheres não comparecem a esta consulta, a escolha de realizar ou não contraceção após o parto pode, muitas vezes, ser tomada sem acompanhamento de profissionais de saúde2,11. Dados de 2023 mostram que 31% das mulheres que recorreram à consulta de interrupção da gravidez por opção da mulher (IGOM) tinham tido pelo menos um parto nos dois anos anteriores12. Estes números sugerem lacunas na eficácia do aconselhamento e acompanhamento neste período.

Face à escassez de dados nacionais, este estudo assume particular relevância e originalidade ao procurar compreender as preferências e necessidades contracetivas no pós-parto em Portugal, com vista à melhoria da resposta dos cuidados de saúde materno-infantil no contexto nacional.

O estudo teve como objetivo principal caracterizar uma amostra de puérperas internadas em dois hospitais públicos portugueses, nomeadamente quanto aos seus hábitos contracetivos anteriores à gravidez, à sua perceção do conhecimento sobre métodos contracetivos e às suas intenções sobre a utilização de contraceção no pós-parto. Como objetivo secundário, procurou-se identificar fatores sociodemográficos e antecedentes obstétricos associados à escolha de LARC como método contracetivo no pós-parto.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional transversal analítico na população de puérperas internadas nos Serviços de Obstetrícia de dois hospitais públicos portugueses (nível I e II da rede de referenciação em Obstetrícia) durante dois meses (julho e agosto de 2022).

Este estudo respeitou os princípios éticos da Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial13 e foi aprovado pelas Comissões de Ética das respetivas instituições. Todos os dados foram recolhidos, armazenados e analisados anonimamente. Todas as participantes assinaram consentimento informado previamente à inclusão no estudo.

Os dados foram recolhidos através do preenchimento autónomo de um questionário (redigido em português), distribuído pela equipa médica durante o internamento do pós-parto. O questionário foi elaborado após revisão da literatura, sendo constituído por perguntas de escolha múltipla ou de resposta rápida para caracterização sociodemográfica, história obstétrica, opções contracetivas prévias à gravidez, motivo de abandono ou falha do método e expectativas relativamente às opções contracetivas após o parto. Não foi realizado teste prévio de compreensibilidade.

Foram incluídas puérperas com idade igual ou superior a 18 anos e fluentes em português. Excluíram-se puérperas com défice cognitivo, impossibilidade de compreensão e preenchimento do questionário, questionário incompleto e recusa de participação.

A análise estatística foi realizada no programa R, versão 4.1.0. Variáveis categóricas são apresentadas como número absoluto (n) e frequência relativa (%), variáveis contínuas como média e desvio padrão (DP). A comparação de variáveis contínuas foi realizada utilizando o teste t para amostras independentes e de variáveis categóricas utilizando o teste qui-quadrado. Resultados com p<0,05 foram considerados como estatisticamente significativos. Por fim, foi usada análise de regressão logística para averiguar a existência de fatores associados a maior probabilidade de escolher LARC no pós-parto. Foram calculados odds ratios (OR) e as associações com p<0,05 foram incluídas num modelo de regressão multivariada. Os resultados são reportados com intervalo de confiança de 95%.

Resultados

Caracterização demográfica da amostra (Quadro I)

A taxa de resposta foi de 89,3%, com um total de 241 questionários devidamente preenchidos em 270 inquiridas. A idade média das puérperas foi 30,5 anos, a idade mínima foi 18 anos e a máxima 51 anos. A maioria das mulheres eram portuguesas (n=141, 58,5%), as restantes eram imigrantes com origem em países africanos (n=71, 29,5%), americanos (n=22, 9,1%) e outros países europeus (n=7, 2,9%). Relativamente à situação conjugal, 36,1% encontrava-se em situação de união de facto, 29% estavam solteiras e 28,6% estavam casadas. A maioria tinha o 12º ano de escolaridade (n=117, 48,5%) ou ensino superior (n=69, 28,6%) e encontrava-se empregada (n=160, 66,4%). A maioria das inquiridas eram multíparas (n=133, 55,2%) e 17,4% tinham realizado pelo menos uma IGOM.

Quadro I Características demográficas e antecedentes obstétricos. 

Métodos contracetivos prévios e planeamento da gravidez (Quadros II e III)

Das inquiridas, 191 mulheres (79,2%) tinham utilizado um método contracetivo no passado, sendo os métodos contracetivos mais usados a pílula combinada (n=112, 46,5%), o preservativo masculino (n=20, 8,3%), o implante subcutâneo (n=16, 6,6%), a pílula progestativa (n=15, 6,2%) e dispositivo intrauterino (n=12, 5%). Destas, 29,3% utilizavam o mesmo método há mais de 10 anos, maioritariamente a pílula combinada (n=82, 82,1%). As restantes (n=50, 20,8%) nunca tinham usado um método contracetivo anteriormente.

Excluindo as 12 mulheres utilizadoras de métodos naturais, as restantes 179 adquiriram os métodos, na sua maioria, nos CSP (53,6%). Cerca de 80% estava satisfeita com o seu método contracetivo. Os principais motivos de insatisfação relacionavam-se com o esquecimento de toma diária e perdas hemáticas irregulares.

Das 241 mulheres incluídas, 101 (41,9%) não tinham planeado a gravidez. Destas, 52,5% (53/101) não era utilizadora de nenhum método contracetivo: 23 nunca tinham iniciado e 30 tinham descontinuado, não intencionalmente, o método habitual. Pelo contrário, 47,5% era utilizadora de um método contracetivo na altura que engravidou, na sua maioria pílula combinada (n=33, 68,8%).

Quadro II Hábitos contracetivos anteriores. 

Quadro III Planeamento da gravidez. 

Informação e intenções futuras (Quadros IV e V)

A maioria referiu desconhecer o intervalo intergravídico recomendado pela OMS (n=134, 55,6%) ou considerou ser de 1 ano ou menos (18,7%). Cerca de 39% considerou-se desinformada sobre as opções contracetivas adequadas ao período pós-parto e amamentação.

Relativamente a contraceção futura, a maioria (n=177, 73,4%) planeava utilizar algum método contracetivo, enquanto 20,3% ainda não tinha tomado uma decisão e 6,2% não pretendia utilizar contraceção no pós-parto. As características dos métodos contracetivos mais valorizadas foram eficácia (n=184, 76,4%), segurança para as próprias (n=107, 44,4%) e para os filhos durante a amamentação (n=144, 59,8%).

Quadro IV Intenções contracetivas no pÓs-parto. 

Quadro V Valorização das características do método contracetivo. 

Timing e fontes de informação

A maioria (n=135, 56%) referiu preferir receber informação sobre esta temática na consulta pós-parto, mas 27,8% escolheu as consultas durante a gravidez e 19,9% o internamento pós-parto. As puérperas elegeram o médico ou outros profissionais de saúde como fontes preferenciais de informação sobre contraceção, dando também importância à informação obtida nas redes sociais ou internet.

Utilização de LARC no pós-parto (Quadros IVeVI)

Quando questionadas especificamente sobre a possibilidade de utilização de LARCs no pós-parto, 40,2% admitiu considerar essa opção. As restantes não ponderavam utilizar implante subcutâneo ou dispositivo intrauterino no pós-parto, essencialmente por receio de complicações e efeitos adversos, dor na colocação e ineficácia.

Quadro VI Fatores associados À intenção de uso de LARC no pós-parto. 

O grupo que considerou escolher LARCs no pós-parto tinha uma média de idade significativamente inferior ao grupo que não os considerou (29,3 vs 31,3, p=0,016), sendo as mulheres com mais de 35 anos menos propensas a escolher esta opção (OR 0,357; IC 95% 0,151 a 0,820). Por outro lado, as puérperas provenientes do continente americano foram mais propensas a ponderar LARCs no pós-parto (OR 2,995; IC 95% 1,200 a 7,952).

O uso prévio de LARCs associou-se de forma significativa à intenção de utilização dos mesmos no pós-parto (67,9% vs 36,6%, p=0,002), sendo as utilizadoras prévias de LARCs 3 vezes mais propensas a optar por estes métodos em comparação com as mulheres que nunca tinham utilizado LARCs anteriormente (OR 3,654; IC 95% 1,616 a 8,849).

A duração de utilização de um método contracetivo também se relacionou inversamente com a escolha de LARCs no pós-parto, sendo as utilizadoras de contraceção há mais de 5 anos (77,9% das quais utilizadoras de contraceção oral combinada) menos propensas a ponderá-los (OR 0,453; IC 95% 0,244 a 0,824).

As mulheres cuja gravidez não tinha sido planeada foram tendencialmente mais propensas a ponderar utilização de LARCs no pós-parto, ainda que sem significado estatístico (p=0,050).

Discussão

O presente estudo procurou compreender as preferências contracetivas no puerpério em Portugal, com ênfase na intenção de uso de métodos de longa duração (LARCs). Os resultados mostram que, embora a maioria das puérperas manifeste intenção de utilizar contraceção no pós-parto, uma proporção significativa permanece indecisa ou desinformada quanto à escolha do método.

A amostra apresentou uma composição heterogénea, incluindo participantes provenientes de duas instituições com diferentes características e dimensões, abrangendo uma faixa etária entre os 18 e os 51 anos, das quais 41,5% (100/241) eram imigrantes (Quadro I). A representação significativa de imigrantes oriundas de países em desenvolvimento poderá ter influenciado mitos, perceções, conhecimentos e preferências contracetivas no pós-parto. Em contrapartida, o nível de escolaridade relativamente elevado da amostra constitui um fator potencialmente favorável à literacia em saúde, o que, teoricamente, poderá repercutir-se positivamente no conhecimento, atitudes e comportamentos contracetivos14,15. No plano socioeconómico, cerca de um terço das participantes encontrava-se em situação de desemprego e 6% identificou o preço como fator determinante na escolha do método contracetivo (Quadro V). A maioria recorreu aos Cuidados de Saúde Primários para aquisição do método contracetivo (Quadro II), em consonância com o último Inquérito Nacional de Saúde16, o que reforça a importância da acessibilidade e da manutenção das políticas de saúde reprodutiva e sexual implementadas.

Previamente à gravidez (Quadro II), o método mais utilizado foi a pílula combinada (n=112, 47%), corroborando a literatura16,17. A utilização anterior de LARCs nesta amostra foi de apenas 12%, sobreponível a métodos menos eficazes, como os métodos de barreira ou naturais e inferior à proporção de utentes que nunca tinha utilizado qualquer método contracetivo.

Verificou-se uma boa continuidade do método escolhido, já que 70% das participantes usava o mesmo método há pelo menos três anos. O principal motivo de insatisfação relativamente ao método prévio foi o esquecimento da toma diária (6,3%). Estes resultados são consistentes com estudos que reportam que cerca de 47% não cumpre corretamente a toma diária e 22% afirma esquecer-se de pelo menos dois comprimidos por ciclo18-21.

Observou-se uma elevada prevalência de gravidezes não planeadas (41,9%), quase metade em mulheres que utilizavam contraceção (maioritariamente a pílula combinada (68%)) e a outra metade em mulheres que não fazia contraceção (Quadro III). Estes resultados salientam mais uma vez as limitações de métodos dependentes da ação da utilizadora18, bem como a elevada proporção de mulheres sexualmente ativas em idade fértil sem necessidades contracetivas garantidas, em concordância com literatura recente17. Neste contexto, os LARCs assumem um papel central, dada a sua elevada eficácia e independência da colaboração da utilizadora.

O método mais selecionado para o período pós-parto e amamentação foi a pílula progestativa (32%), o implante subcutâneo (22%) e a pílula combinada (18%) (Quadro IV). A eficácia (76%) e a segurança para o recém-nascido e para a puérpera (60%) constituíram as características mais valorizadas na escolha do método (Quadro V).

O subgrupo que considerou a utilização de LARC no pós-parto (Quadro VI), apresentou uma média de idade significativamente inferior (29,3 vs 31,3 p=0,016), sendo as mulheres com menos de 35 anos significativamente mais propensas a considerar LARCs (OR 0,357; IC 95% 0,151-0,820), o que poderá refletir tanto uma maior probabilidade de esquecimento da toma da pílula, como a intenção de prolongar o intervalo até à próxima gravidez20. O facto de as mulheres provenientes do continente americano se mostrarem mais recetivas à escolha de LARCs (OR 2,995; IC 95% 1,200-7,952) poderá refletir diferenças culturais ou experiências anteriores no sistema de saúde dos seus países de origem, em que o uso de LARCs possa ser mais prevalente e socialmente aceite.

A experiência prévia com LARCs foi o fator com associação mais forte à intenção de utilização dos mesmos no pós-parto (67,9% vs 36,6%; OR 3,654; IC 95% 1,616-8,849), salientando a provável satisfação prévia com estes métodos. Destaca-se ainda uma relação, sem significado estatístico, entre as mulheres com gravidez não planeada e a intenção de escolha de LARCs no pós-parto comparativamente com o resto da amostra (47,5% vs 35%, p=0,050), o que alerta para o desejo de escolherem um método eficaz, com efeito a longo prazo.

Mais de metade (57%) das participantes tinha pelo menos dois filhos, não se tendo observado, contudo, associação entre a paridade e a intenção de escolha de LARCs neste estudo. De igual modo, aproximadamente 65% das mulheres encontravam-se casadas ou em união de facto, o que pode socialmente facilitar a escolha de um LARC15, mas que não foi evidente nesta amostra. Em contrapartida, o uso prévio de um contracetivo por tempo superior a 5 anos (que em 77,9% dos casos se tratou de contraceção oral combinada) relacionou-se de forma inversa com a escolha de LARCs no pós-parto, o que pode refletir uma boa adaptação e boa taxa de continuidade do contracetivo habitual.

Apesar das vantagens dos LARCs, cerca de 60% das mulheres não ponderava o seu uso, sobretudo por receio de dor, complicações ou ineficácia (Quadro IV), evidenciando lacunas de literacia em saúde sexual e reprodutiva. Este estudo ilustra a necessidade de desmistificar algumas ideias erradas sobre estes métodos e de informar adequadamente sobre a eficácia, segurança, relação custo-benefício e baixas taxas de complicações3,22-27.

Mais de metade das inquiridas desconhecia o intervalo intergravídico recomendado28-30. A informação sobre as diferentes alternativas contracetivas no puerpério é fundamental para uma escolha livre e personalizada. Contudo, neste grupo, quase 40% afirmou sentir-se desinformada e 20%, apesar de expressarem intenção de iniciar contraceção nesse período, não sabia que método escolher (Quadro IV). Apesar do enquadramento favorável em termos de acesso à contraceção em Portugal, estes dados sugerem níveis insuficientes de literacia em saúde contracetiva e evidenciam fragilidades na integração desta temática durante a vigilância pré-natal.

Salienta-se ainda a importância atribuída pelas puérperas à abordagem desta temática nas consultas durante a gravidez (27,8%), bem como no internamento de puerpério (19,9%) e não exclusivamente na consulta pós-parto (56%). Várias sociedades científicas reforçam a importância de integrar o aconselhamento contracetivo de forma sistemática e contínua durante a vigilância pré-natal, incluindo recursos escritos e digitais, por forma a melhorar o uso de um método de contraceção efetivo3,31-33. Neste contexto, destaca-se o papel central dos médicos e de outros profissionais de saúde, identificados como principais fontes de informação, na promoção de decisões informadas e adequadas às necessidades individuais.

Entre as limitações do estudo, destacam-se a recolha de dados em apenas dois hospitais, num período limitado, o que pode restringir a generalização dos resultados, bem como o carácter autorreportado e restrospetivo dos dados, sujeitos a viés de memória ou desejabilidade social, sem uma componente prospetiva que compare a intenção manifestada durante o internamento com a adoção efetiva do método posteriormente à alta. Como pontos fortes, ressalta a relevância da temática e a escassez de estudos nacionais sobre contraceção no pós-parto.

Este estudo permite-nos concluir que a maioria das mulheres planeia adotar contraceção no pós-parto, mas que à altura do internamento após o parto, muitas se sentem desinformadas ou indecisas quanto à escolha do método. Experiência prévia com LARCs, idade mais jovem e gravidezes não planeadas associaram-se a maior propensão a optar por LARCs. Apesar das reconhecidas vantagens destes métodos, persistem mitos e receios, verificando-se desinformação sobre a sua eficácia, segurança e efeitos adversos. Os resultados reforçam a necessidade de estratégias eficazes de aconselhamento contínuo, culturalmente sensível e integradas no acompanhamento pré-natal e pós-parto.

São necessários mais estudos que explorem as necessidades contracetivas no pós-parto, para que seja possível definir estratégias eficazes de aconselhamento contracetivo, evitando gravidezes não planeadas neste período tão particular da vida dos casais.

Contribuição dos autores

Conceptualização e desenho do estudo: Catarina Soares e Catarina Ferreira. Aquisição, análise ou interpretação de dados: Catarina Soares, Catarina Ferreira, Joana Figueiredo, Inês Peralta e Liliana Perpétuo. Redação do manuscrito: Catarina Soares e Catarina Ferreira. Revisão crítica do manuscrito: Joana Figueiredo, Inês Peralta, Vera Oliveira, Ana Paula Santos e Ana Paula Ferreira.

Conflitos de interesses

Os autores não têm conflitos de interesses a declarar.

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Recebido: 30 de Junho de 2025; Aceito: 28 de Setembro de 2025

Endereço para correspondência Catarina Soares E-mail: catarinacabralsoares@gmail.com

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