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Observatorio (OBS*)
versão On-line ISSN 1646-5954
OBS* vol.11 no.4 Lisboa dez. 2017
Twitter: de espaço de mobilização a espaço de comentário: O caso do meet do Vasco da Gama
Twitter: from platform for mobilization to platform for commentary. The 2014 meet in Lisbon
Catarina Rebelo*, Ines Pereira**, Hugo Rosa***, Fernando Batista****, João P. Carvalho*****
* Centre for Research and Studies in Sociology,University Institute of Lisbon CIES- IUL
** Centre for Research and Studies in Sociology,University Institute of Lisbon CIES- IUL
*** INESC-ID: Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento
**** INESC-ID: Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento
***** INESC-ID: Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento
RESUMO
Este artigo interdisciplinar tem por objetivo analisar o papel do Twitter no meet do centro comercial Vasco da Gama de 20 de agosto de 2014, o qual se tornou particularmente mediático, trazendo para a opinião pública o debate sobre este tipo de eventos. Para tal, começamos por refletir sobre a multiplicidade dos usos do Twitter, pela sua utilização pela população mais jovem e também sobre o fenómeno dos meets e a sua finalidade. Em seguida analisamos o conteúdo de 1976 tweets publicados entre os dias 14 e 24 de agosto, que foram filtrados de forma automática recorrendo a um método de classificação designado por Fuzzy Fingerprints (Impressões Digitais Difusas) com base em hashtags e palavras-chave relevantes sobre o tema.
Esta análise empírica mostra-nos, por um lado, o Twitter como plataforma de mobilização e comentário, potencializadora de interações online/offline e que é utilizada pelos jovens como fonte de distinção social. Por outro lado, os tweets partilhados em torno do meet ilustram de modo expressivo os processos culturais, linguísticos e sociais que estão por detrás deste fenómeno.
Palavas Chave: redes sociais, jovens, meet, mobilização coletiva, Twitter
ABSTRACT
This interdisciplinary article aims to analyze the role of Twitter in the “meet” at the shopping center Vasco da Gama, in 20 August 2014, which had particularly high media coverage, bringing this type of events to debate on the public sphere. For this purpose, we start by reflecting on the multiplicity of uses of Twitter, its uses by the younger population and also about the phenomenon of “meets” and its purpose. Then, we analyze the content of 1976 tweets posted between 14 and 24 August, which were filtered automatically by a method called Fuzzy Fingerprints using hashtags and relevant keywords on the topic.
This empirical analysis shows, on the one hand, Twitter as a platform for mobilization and commentary, enabler of online/offline interactions and used by young people as a source of social distinction. On the other hand, the tweets related to the “meet” expressively illustrate the cultural, linguistic and social processes underlying this phenomenon.
Keywords: online social networks, young people, meet, collective mobilization, Twitter
O meet do Vasco da Gama e o Twitter
No dia 20 de agosto de 2014, um encontro de jovens convocado para o Parque das Nações em Lisboa atinge repercussões assinaláveis dos média e na opinião pública. Tratava-se de um meet, um encontro convocado através das redes sociais online, que se tornou notícia devido a alegados desacatos no centro comercial Vasco da Gama, próximo do ponto de encontro combinado, o que levou a uma intervenção da polícia, que deteve alguns jovens e barrou a entrada no centro comercial a outros. Nos dias que se seguiram, os meios de comunicação social acompanharam entusiasticamente o fenómeno dos meets, discutindo a potencial violência a estes associada. Simultaneamente, visões mais críticas contestaram a existência de racismo e descriminação social na atuação da polícia. Os meets tornaram-se subitamente e durante um certo período de tempo, um foco de atenção pública, mediática e política.
A discussão pública decorrida em torno desta questão desenvolveu-se, como não é de estranhar, em diferentes esferas. Uma parte desta discussão decorreu nas redes sociais como o Facebook ou o Twitter. Estava assim cumprido um movimento circular entre o espaço ‘real’, urbano, e o espaço ‘virtual’ das redes sociais. O meet, convocado nas redes sociais, propunha-se a juntar cara-a-cara um conjunto de jovens que apenas se conhecia virtualmente. Os acontecimentos sucessivos do dia 20 de agosto no centro comercial Vasco da Gama foram depois, e em tempo real, discutidos e comentados nas mesmas redes virtuais de onde o projeto deste encontro tinha emergido.
O presente artigo propõe-se a discutir este tema a partir do prisma das redes sociais e, particularmente, do Twitter. Insere-se num projeto em curso, intitulado MISNIS – Extração inteligente de Informação de Redes Sociais Públicas para Análise da sua Influência na Sociedade, coordenado pelo INESC-ID, com a parceria do CIES-IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia/Instituto Universitário de Lisboa)1. O objetivo deste projeto interdisciplinar era, por um lado, o desenvolvimento e a implementação de uma plataforma inteligente que permitisse a recolha e armazenamento de uma elevada percentagem dos tweets produzidos no espaço geográfico português e, por outro, a análise de conteúdo desses mesmos tweets, a partir da sua análise e interpretação sociológica. Os tweets surgem aqui como um espelho da realidade social e, simultaneamente, como parte constituinte dessa mesma realidade. O potencial sociológico da análise dos tweets é enorme, permitindo perceber, de forma particularmente interessante, uma sucessão de eventos desde a sua preparação e construção até às suas repercussões, juntando dados factuais sobre as práticas dos atores com informação preciosa sobre o sentido que conferem às suas ações e sobre o modo como interpretam a realidade.
Começaremos por discutir mais atentamente o papel do Twitter na sociedade atual e enquanto foco da análise sociológica, prestando uma atenção particular ao papel dos jovens enquanto utilizadores desta ferramenta. O enquadramento teórico complementa-se com uma discussão sobre os meets enquanto um fenómeno ‘novo’ mas não necessariamente inovador, e particularmente interessante na ilustração da interpenetração das esferas ‘real’ e ‘virtual’.
Após uma breve discussão metodológica necessária para perceber o trabalho que foi realizado e as suas potenciais vantagens e limitações, a análise de dados decorrerá em duas partes, por um lado, será apresentada a timeline de tweets ligados ao meet do Vasco da Gama (percebendo-se assim o fluxo de tweets sobre esta matéria ao longo dos dias em torno do evento), por outro lado, será feita uma análise de conteúdo aos próprios tweets, em torno de algumas das dimensões fundamentais, ilustrando-se desta forma quais os usos que são dados a esta ferramenta online e qual a perceção e representações construídos em torno do meet.
O Twitter e os seus usos
“In this system, as information producers, people post tweets for a variety of purposes, including daily chatter, conversations, sharing information/URL’s and reporting news, defining a continuous real-time status stream about every argument”
(Cataldi, Di Caro & Schifanella, 2010, p.1)
A popular plataforma online de microblogging Twitter, lançada em 2006, permite aos utilizadores enviar e ler curtas mensagens de no máximo 140 caracteres, conhecidos como tweets. A ferramenta teve desde o seu lançamento uma rápida adesão e crescimento e, no início de 2015, contava com 284 milhões de utilizadores mensais e com 200 milhões de tweets enviados por dia, de acordo com dados disponibilizados pelo próprio Twitter<2. Em Portugal, segundo um estudo do OberCom3, apenas 9% dos utilizadores da Internet tinha perfil criado no Twitter em 2013.
Ao contrário de outras redes sociais, o Twitter não foi inicialmente desenhado com o objetivo de ser uma plataforma para construção de comunidades, mas como uma ferramenta de disseminação de informação (Gruzd, Wellman, & Takhteyev, 2011).
Boyd e Ellison (2007) definem sites de redes sociais como um serviço online que permitem aos utilizadores construir o seu perfil público ou semi-público, gerir uma lista de outros utilizadores com os quais partilham uma conexão e ver a lista de utilizadores a quem estão conectados e as conexões de outros utilizadores.
Para Rogers (2013) o Twitter não tem as características de uma rede social, especialmente pela baixa reciprocidade entre “seguidores” (Rogers, 2013, p.15). Há, no entanto, três tipos de possibilidade de interação interpessoal entre utilizadores: “seguir” outros utilizadores, de forma a receber os tweets destes perfis; partilhar tweets de outros perfis com os seus seguidores (também conhecido com retweet); e responder ou comentar tweets de outras pessoas (também conhecido como “mentioning”). (Cha, Haddadi, Benevenuto & Gummadi, 2010, p.12).
Stephansen e Couldry (2014) identificam um solido corpo de literatura que explora as possibilidades de formação de comunidades no Twitter, nomeadamente as suas particulares características que permitem que seja um meio propenso à conversação, a forma como induz à construção de identidade e de auto-apresentação, e as formas como pode estar na base da construção de valores e significados partilhados.
Os usos feitos da plataforma foram-se modificando ao longo dos anos, assim como a visão sobre a sua importância social e o foco dos estudos que sobre ela se foram debruçando. Estas transformações aconteceram devido a um processo complexo onde influíram vários fatores, entre eles estão ajustamentos técnicos e de conteúdo que foram sendo feitos por parte dos criadores do Twitter (ex: possibilidade de criar listas de utilizadores, alteração da pergunta de status), e a “domesticação” (Silverstone, Hirsch & Morley, 1999) da tecnologia que foi sendo feita no dia-a-dia pelos utilizadores (ex: replies, retweets, hashtags e url’s encurtadas).
Para Rogers (2013) os estudos sobre o Twitter podem ser sistematizados em três períodos: Uma primeira fase em que é visto como uma máquina de “ambiente intimacy”, uma segunda abordagem que vê a plataforma como uma fonte noticiosa e uma terceira fase, que se estaria agora a desenhar, em que se vê o Twitter como uma máquina fornecedora de dados e de antecipação.
De acordo com esta análise, durante a primeira fase do Twitter, os estudos baseavam-se nos conteúdos dos tweets e focavam-se na sua banalidade. “As became the norm in Twitter research, they conceived of a series of tweet types, beginning with the senseless” (Rogers, 2013, p.12). Os tipos de tweets acentavam nas seguintes categorias: “I´m eating a sandwich” type; “Conversional”; “Pass-along value”; “Self-promotional”; “Spam” (Rogers, 2013, p.13).
Ainda durante este período, a relevância do Twitter passou a ser analisada para além do interesse ou falta de interesse dos conteúdos publicados pelos seus utilizadores. Para Miller (2008, p.388), a comunicação através do Twitter (e outros média digitais) não é dialógica ou informacional. Nesse sentido, Miller (2008) sublinha a relevância do Twitter como potenciador da “cultura pática” onde “the maintenance of a network itself has become the primary focus.” (Miller, 2008, p. 398). Assim, não é o conteúdo o mais relevante: “content is not king, but “keeping in touch” is” (Miller, 2008, p.395). No mesmo sentido, os conceitos de “digital intimacy” e “connected presence” mostram o Twitter como ferramenta para se manter conectado digitalmente com amigos pré-existentes e manter uma presença e disponibilidade digital constante. O que está, segundo Rogers, nos objetivos para os quais a ferramenta foi originalmente criada: “Twitter in that sense was conceived to and used also as an ambient, friend-following tool” (Rogers, 2013, p.11).
“Such users imagined their audience as people they already knew, conceptualizing Twitter as a social space where they could communicate with pre-existing friends. This follows the argument that Twitter’s strength is in its encouragement of “digital intimacy” (Thompson, 2008). Many tweets are phatic in nature (Miller, 2008) and serve a social function, reinforcing connections and maintaining social bonds (Crawford, 2009)” (Marwick & boyd, 2011, p.5).
Em Dezembro de 2009, o Twitter altera a pergunta que coloca aos utilizadores, que até aí tinha sido “What are you doing?” para “What’s happening?”, mostrando o próprio Twitter a intenção de se assumir como uma espécie de fonte noticiosa, uma plataforma para descobrir o que se está a passar no momento. Este evento marca a segunda fase do Twitter, que é então maioritariamente visto como uma fonte noticiosa para seguir eventos.
“Dorsey (um dos fundadores do Twitter), whose vision for Twitter usage always appeared to be more in the area of ambient intimacy, did aver that the service did “well at: natural disasters, man-made disasters, events, conferences, presidential elections” or what he calls “massive shared experiences” (Sarno, 2009 citado por Rogers, 2013, p. 16).
Os estudos sobre o Twitter nesta fase focam-se onde o Twitter correu bem: Eventos, desastres e eleições, dando novos focos à investigação sobre tipos de tweets e seus objetivos.
O sucesso do Twitter nestes eventos leva, por um lado, a um entusiasmo com a nova possibilidade de cada cidadão ser um jornalista, por outro, levanta várias questões sobre a qualidade do seguimento noticioso amador que pode ser feito através da plataforma, especialmente perante o concomitante enfraquecimento do jornalismo profissional, fruto dos baixos recursos que resultam de uma falência do modelo de negócio da imprensa tradicional, precipitada pelo novo paradigma trazido pela Internet. Neste sentido, Andrew Keen (2007) argumenta que a Internet incentiva o “culto do amador” e que é responsável pelo declínio de qualidade do Jornalismo (Keen estende o argumentos a vários outros setores da sociedade).
“Twitter increasingly has come to be studied as an emergency communication channel in times of disasters and other major events, as well as an event-following and aid machine for revolution and uprising in the Middle East and beyond” (Rogers, 2013, p. 21).
De facto, o papel do Twitter nas revoluções que ficaram conhecidas por “primavera árabe” foi particularmente estudado e a sua maior ou menor relevância na revolução bastante discutida. “It was Sullivan (blogger político americano) who famously proclaimed “The Revolution Will Be Twittered” and called Twitter “the critical tool for organizing the resistance in Iran.” (Morozov, 2009, p.10). Outras vozes, como a de Morozov, acham que o papel do Twitter nestas revoluções não é assim tão central, lembrando que “Twitter revolution is only possible in a regime where the state apparatus is completely ignorant of the Internet and has no virtual presence of its own.” (2009, p.12).
O Twitter é hoje alvo de diferentes tipos de análise, ancoradas em várias componentes das suas características: Para a análise de tweets relevantes recorrem-se aos retweets (rt); para a categorização de temas importantes analisam-se as hashtags (#); para análise de rede utilizam-se os replies e também a relação entre utilizadores que segue e por quem é seguido; para análise de referências utilizam-se as url’s encurtadas (Rogers, 2013, p.21).
Das inovações criadas pelos utilizadores elencadas em cima, sublinhamos as hashtags que são provavelmente as mais recentes e cuja utilização é menos linear. As hastags são palavras-chave precedidas pelo símbolo ‘#’. São geralmente utilizadas com o objetivo de marcar um tweet como especialmente relevante para um tema ou tópico conhecido, proporcionando a possibilidade de comunicar com uma “comunidade de interesses” (Bruns & Burgess, 2014, p.1) sem ser necessário a relação seguido-seguidor por nenhum dos participantes. “In fact, it is even possible to follow the stream of messages containing a given hashtag without becoming a registered Twitter user.” (Bruns & Burgess, 2014, p.1). As hashtags são criadas por qualquer pessoa, conforme a necessidade e sem qualquer tipo de supervisão, estas características fazem com que diferentes hashtags surjam sobre o mesmo tema em diferentes regiões da Twitosfera “or that the same hashtag may be used for vastly different events taking place simultaneously” (Bruns & Burgess, 2014, p.3). As hashtags são também utilizadas muitas vezes como forma de obter mais visibilidade para um tweet, nesses casos, várias hashtags são colocadas num tweet que pode não estar totalmente relacionado com o tema a que se refere em hashtag. Outro caso muito comum é a utilização das hashtags para expressar sarcasmo, emoções, ou um comentário à parte do tweet (Halavais, 2014, p. 37; Bruns & Burgess, 2014, p.5). Esta função, completamente diferente do seu propósito inicial, configura uma nova apropriação desta ferramenta. “(Hashtags) are used to convey extratextual meaning, in a Twitter-specific style” (Bruns & Burgess, 2014, p.5).
Rogers (2013) define uma terceira fase do Twitter, na qual se destacam dois novos usos e funções para a plataforma: o Twitter analisado como conjunto de dados, que, nos Estados Unidos, a Livraria do Congresso vai transformar em arquivo; e como meio antecipatório.
A potencialidade do Twitter como meio antecipatório (por exemplo no rastreamento de epidemias de gripe, ou na previsão de oscilações na bolsa de valores) é uma das razões apresentadas para o seu arquivo, nos E.U.A. (Rogers, 2013). Esta decisão da Livraria do Congresso demonstra sobretudo a perceção da importância do Twitter como fonte de dados para análise social (por exemplo de eventos como eleições, desastres naturais ou provocados pelo homem). Para Risse, Peters, Senellart, e Maynard (2013), “Twitter documents contemporary society in rich detail. Tweets give valuable insights into individuals, groups, and organisations, and enable an understanding of the public perception of events, people, products, or companies, including the flow of information.” (2013, p. 208).
Deste modo, o Twitter é atualmente visto como uma profícua fonte de dados para a análise de várias questões sociais, alicerçadas em diversas metodologias, continuando, no entanto, ele próprio a ser alvo de análise.
Apesar de determinados usos e objetivos na utilização do Twitter serem especialmente marcantes de uma das fases, todas estas formas de utilização do Twitter coexistem atualmente, e o mesmo utilizador pode usar o Twitter para vários fins (páticos, partilha e seguimento de informação, etc) ao mesmo tempo.
Adolescentes e jovens no Twitter
As redes sociais e plataformas como o Twitter são hoje parte do dia-a-dia de muitas pessoas. Especialmente do dia-a-dia dos adolescentes e jovens, que são a faixa etária na qual há maior número de utilizadores das redes sociais.
Em Portugal, 94,1% das pessoas entre os 15 e os 24 anos utiliza a Internet, enquanto que no escalão etário 25-24, há 85,8% de utilizadores (Obercom, 2014). Em 2010, 50% dos portugueses que diziam utilizar o Twitter tinham entre 15 e 24 anos (Taborda, Cardoso & Espanha, 2010).
Um estudo de 2015 do Pew Research Centre (PRC) enfatiza a popularidade das redes sociais online entre os adolescentes americanos, e mostra que mais de 71% dos adolescentes usam mais do que uma rede social, surgindo o Twitter em quarto lugar das redes mais utilizadas, a seguir ao Facebook, Instagram e Snapchat.4 Em 20125 aproximadamente um terço dos utilizadores de Internet americanos neste grupo etário usava o Twitter. Outro estudo do Pew Research Center, publicado em 20136, diz que, por norma (64%), os perfis dos adolescentes no Twitter são públicos.
Enquanto que o Facebook é uma rede social transversal a vários grupos demográficos (PRC, 20137), outras redes sociais e plataformas como o Twitter têm tendência a ser utilizados especialmente por determinados grupos demográficos, sendo o Twitter e o Instagram especialmente usados por jovens adultos, urbanos e não-brancos.
As questões da privacidade, identidade e auto-expressão são alguns dos principais focos nos estudos sobre adolescentes e redes sociais (Marwick, Fontaine & boyd, 2017; Hodkinson, 2015; Livingstone, 2008). Os estudos que se focam no Twitter, seguem a tendência geral dos estudos sobre esta plataforma e debruçam-se especialmente na capacidade da plataforma digital de, pelas suas características, potencializar a participação cívica e política entre os mais novos, assim como no seu potencial para a organização coletiva de ações e protestos motivados por causas cívicas ou políticas (Loader, Vromen & Xenos, 2015; Vromen, Xenos & Loader, 2015).
Mas a socialização, conhecer novos amigos e conhecerem-se melhor estre si são fortes motivações para os adolescentes usares as redes sociais online em geral (Antheunis, Schouten & Krahmer, 2014; Hinduja & Patchin, 2008; Valkenburg, Schouten, & Peter, 2005).
Estes serviços online permitem aos adolescentes rodearem-se dos seus amigos em qualquer momento e espaço, permitindo que se sintam imediatamente perto destes e, de acordo com Antheunis, Schouten e Krahmer (2014), a utilização das redes sociais parece ajudar nos processos de socialização dos mais jovens.
A utilização das redes sociais, e da Internet em geral, por parte dos mais novos foi, desde o seu início, fonte quer de grandes preocupações e medos, quer de grandes expectativas e, talvez por isso, tema de vários estudos.
A cultura dos media serviu assim para hiperbolizar esta dinâmica de preocupações relacionadas com a adolescência e a juventude, amplificando ansiedades e medos (Boyd, 2014, p.16). Hoje, as redes sociais estão no centro da cultura contemporânea e a sua utilização pelos mais novos é vista como normativa (Boyd, 2014).
A influência dos média nos processos de construção de identidade são desde há muito reconhecidas: “the media often serve as the very currency through which identities are constructed, social relations negotiated and peer culture generated” (Ziehe, 1994, citado por Livingstone & Bovill, 1999, p.10).
Para Boyd (2014, p.8) a grande diferença trazida pelos média sociais é que esses processos de construção de identidade, o desejo de autonomia e pertença social são hoje expressos num espaço que a autora apelida de “networked publics”. “Networked publics are publics that are restructured by networked technologies. As such, they are simultaneously (1) the space constructed through networked technologies and (2) the imagined community that emerges as a result of the intersection of people, technology, and practice.” (Boyd, 2014).
Assim, se as identidades são construídas através da interação com os outros, para os adolescentes de hoje implica um atento balanceamento entre as oportunidades construção e expressão de identidade, intimidade e socialização, e os riscos relacionados com a privacidade, os mal-entendidos e o abuso proporcionados pela comunicação mediada por estas plataformas digitais (Livingstone, 2008)
Uma questão que se coloca frequentemente é porque é que os adolescentes e jovens recorrem às plataformas tecnológicas para este tipo de convívio, em vez dos encontros físicos, cara a cara.
Boyd (2014, p.21) explica que os adolescentes argumentam que prefeririam encontrar-se pessoalmente, mas que os seus horários carregados, a sua falta de mobilidade autónoma e os medos que os pais têm em relação a interações cara-a-cara, tornam estes encontros impossíveis. “Facebook, Twitter, and MySpace are not only new public spaces: they are in many cases the only “public” spaces in which teens can easily congregate with large groups of their peers.” (Boyd, 2014, p.21).
Meets: inovação ou reinvenção?
A palavra meet foi introduzida na esfera pública portuguesa para descrever um encontro massivo de jovens convocado pelas redes sociais, tal como o que foi convocado para perto do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, no dia 20 de agosto de 2014. O encontro tornou-se notícia devido à intervenção policial que acabou por originar.
Na sequência deste evento, o tema meet teve durante vários dias um forte foco de atenção pública. Os média dedicaram uma intensiva atenção ao fenómeno tentando interpretá-lo, perceber o seu potencial de violência e antecipando outras possíveis datas para eventos do género8. Na esfera pública questionava-se sobretudo o que são os meets e quais os objetivos destes encontros.
Apesar de terem surgido na esfera pública como um fenómeno novo, os meets partilham características estruturais com outras manifestações sociais, cuja análise se torna importante para contextualizar e refletir sobre estes novos encontros. Uma delas, mais recente, é o fenómeno “rolezinhos”, acontecimentos que tiveram lugar no Brasil no final de 2013, com epicentro em São Paulo, em que um grande número de jovens da periferia se deslocavam para pequenos passeios (“rolezinhos”) em centros comerciais da cidade. Estes passeios coletivos de jovens da periferia foram recebidos com sentimentos de insegurança e resultaram em intervenção policial.
Outro fenómeno, mais antigo, é o flash mob. Quer os rolezinhos, quer os flash mobs caracterizam-se pela concentração de um grande número de pessoas num local público, convocada através de comunicação mediada por tecnologia. Os flash mobs foram já alvo de vários estudos com importantes contribuições para a reflecção sobre o fenómeno dos meets.
Um flash mob é uma forma de ação coletiva que tem sido organizada sobretudo via redes sociais e dispositivos de comunicação móvel e define-se pela reunião de um conjunto de pessoas que surgem num local público, desempenham uma breve performance pública pré-determinada e em seguida dispersam rapidamente. (Seo, Houston, Knight, Kennedy & Inglish 2013, p.8). Os flash mobs podem assumir várias configurações, desde não terem nenhum objetivo além de serem divertidos e originais, até servirem propósitos de interação com o espaço público, artísticos, políticos ou publicitários. (Molnar, 2009, citado por Seo et al, 2013, p.8). Diferenciam-se do conceito de smart mobs, de Rheingold (2007) por não terem como condição intrínseca veicular uma mensagem política ou uma crítica à comunicação mediática ou ao consumo.
“As with other forms of collective action, flash mobs occasionally have taken a violent turn.” (Seo et al, 2013, p. 3). O potencial de violência também foi discutido em relação aos flash mobs na sequência de eventos desta natureza que envolveram episódios de violência. O estudo de Seo e colegas (2013, p.15) conclui que esses episódios de violência não definem a visão que os adolescentes têm dos flash mobs:
“Despite the recent episodes of violence in youth gatherings that were sometimes labeled as flash mobs by the media, this study found that teens knowledgeable about flash mobs generally view them as fun and entertaining gatherings that provide an outlet for self-expression”.
Refletindo sobre a mensagem inerente aos flash mobs, Brejzek (2010, p.118) conclui que “intrinsically, the mob has no other message than its sheer and unexpected physicality”.
Rheingold (2007, p. 172) realça a perceção de Kortuem et al., de que não existe a incorporação total de “momentos humanos” nos mundos “puramente virtuais”, concentrados em formas de aumentar a mais básica esfera do comportamento social humano, os encontros cara-a-cara do dia-a-dia. E acrescenta: “Indeed, the primary question asked by the Oregon researchers is the primary question regarding smart mobs: What can communities of wearable computer users do in their face-to-face encounters?” De facto, “the ‘viral’ culture or the ‘contagious media’ in Wasik´s words”, foi capaz de se espalhar rapidamente e desenvolver um culto sem, no entanto, ter ainda desenvolvido uma agenda que vá para além das ideias de participação e entretenimento numa interação entre vida online e real (Brejzek 2010, p.116).
Desta forma, os flash mobs, tal como os meets são iniciativas que implicam interações no mundo virtual e real. Para Brejzek os flash mobs são uma forma de tornar física a “cultura viral” Wasik (2009, citado por Brejzek, 2010, p.117): “the flash mob is seen to operate as the physical articulation of a social network. It transgresses the virtual community by moving into the real”. (Brejzek, 2010, p.117). As suas características partilham uma “gramática” das comunidades virtuais, quer na sua estrutura dinâmica, quer na habilidade para aparecer de repente e depois desaparecer. (idem, p.118). Torna-se assim possível analisar este tipo de fenómenos como parte do um ciclo virtual/real, que, no caso em análise, apresenta características particularmente interessantes como a convocatória online para o encontro – que pode ser feita pelo Facebook, Twitter, Instagram ou Youtube correspondendo estas diferentes redes sociais a diferentes identidades, como veremos mais adiante – à qual se segue o encontro no espaço urbano com consequências que serão, posteriormente, amplamente debatidas no próprio espaço virtual onde o evento foi congeminado.
Nota metodológica
A análise de eventos no Twitter está dependente da capacidade de conseguir recolher, filtrar e selecionar os dados relevantes para os eventos em questão. Estima-se que atualmente sejam produzidos 500 milhões de tweets por dia. O Twitter disponibiliza através de diversas API’s9 a capacidade de recolher gratuitamente e de forma aleatória, até 1% desses tweets. Qualquer tipo de procura ou filtragem ao universo dos tweets, seja por área geográfica ou por #hashtag, é sempre feita dentro desses 1% do total de tweets produzidos. Neste projeto, procurámos contornar essas limitações, através do desenvolvimento de uma plataforma que permite a recolha e armazenamento de uma elevada percentagem dos tweets produzidos no espaço geográfico português (estima-se perto de 80%) (Brogueira, Carvalho & Batista, 2015; Brogueira, Batista, Carvalho & Moniz, 2014; Brogueira, Batista & Carvalho, 2015).
Assumindo que é possível ter acesso à totalidade dos tweets produzidos, inúmeras dificuldades se colocam relativamente à sua análise devido ao elevado volume de informação a tratar, pelo que um dos outros objetivos do projeto MISNIS foi o desenvolvimento de ferramentas que permitam lidar com toda essa informação, extraindo de forma quasi-automática os tweets que são relevantes para um determinado tópico e disponibilizando uma série de ferramentas que têm em vista auxiliar a sua posterior análise sociológica.
Neste caso particular, após os acontecimentos do meet de 20 de agosto de 2014, verificou-se que tinham sido extraídos pela plataforma MISNIS, através da API do Twitter, 673682 tweets de 18732 utilizadores que publicaram tweets em Portugal entre os dias 2014-08-14 (00:00:00) e 2014-08-24 (23:59:59). Desse conjunto de 18732 utilizadores, a plataforma tinha disponível, na altura, a timeline10 de 6345 utilizadores11.. Através da timeline obtiveram-se 593918 tweets adicionais referentes ao período em estudo.
Ficou-se assim com um universo com mais de 1,2 milhões de tweets produzidos no espaço geográfico português e em língua portuguesa, durante o período mais relevante para o acontecimento do meet do Vasco da Gama.
De entre os 1,2 milhões de tweets disponíveis, só uma pequena percentagem tem conteúdo de interesse para o estudo em questão. Dada a dificuldade e o custo de procurar manualmente os tweets relevantes dentro deste universo, foi realizada uma filtragem automática recorrendo ao mecanismo das Fuzzy Fingerprints (Impressões Digitais Difusas), um sistema de classificação baseado em texto que permite identificar tópicos dentro de grandes coleções de tweets com elevada precisão e baixo custo computacional (Rosa, Batista e Carvalho, 2014; Rosa, Carvalho e Batista, 2014).
Verificou-se que no universo de 1,2 milhões de tweets, apenas 38 continham #hashtags indicativas de estarem relacionadas com o meet do Vasco da Gama: #meet, #meet2014, #meetvdgcarapodreenoizz, #meetvasco e #meetfacebook.
A “Fuzzy Fingerprint” do meet foi construída a partir desses 38 tweets e ainda de quatro artigos de jornal publicados no dia 21 de agosto que detalham os acontecimentos em causa. Os artigos foram retirados da edição online do Expresso, Público, Correio da Manhã e RTP Notícias.
A impressão digital obtida é composta pelas seguintes palavras-chave, ordenadas por ordem de importância: 'jovens', 'meet', 'racismo', 'vasco', 'gama', 'negros', 'polícia', 'encontro', 'comercial', '@Winnydahpooh', '@BusStopMineTV', '#meet21', '@rickpeidete', 'arrastão', 'meets', 'estão', 'centro', 'brancos', 'comerciais'
Com base na “fuzzificação” da impressão digital, calculou-se a semelhança da mesma com os tweets da base de dados e identificaram-se 1976 tweets relacionados com os meets, a partir do qual o estudo sociológico foi realizado.
Note-se que os tweets considerados são tweets escritos em português e em Portugal, tendo sido recolhidos primordialmente tweets geolocalizados (enviados principalmente a partir de telemóveis ou tablets). A percentagem de tweets geolocalizados em Portugal (e no mundo) tem vindo a crescer gradualmente à medida que se generaliza o acesso a dados em dispositivos móveis, no entanto, em 2014 menos de 10% dos tweets de cada utilizador foram geolocalizados. Na plataforma MISNIS a pouca prevalência dos tweets geolocalizados é compensada pelo facto de bastar ser encontrado um tweet geolocalizado de um utilizador para que se consiga recuperar posteriormente a maioria dos seus tweets, incluindo os que não são geolocalizáveis. No caso em estudo, esta limitação – necessária – significa que os tweets de utilizadores sem acesso a dispositivos móveis não foram considerados. Por outro lado, tendo a base de dados sido fechada cinco dias após o acontecimento, é possível que nem todas as timelines de utilizadores que emitiram apenas alguns tweets geolocalizados tenham sido integralmente recuperadas. Assim, é possível que alguns utilizadores – nomeadamente os institucionais não geolocalizados – tenham ficado de fora da amostra.
Uma vez terminada a recolha, foi feita uma análise de conteúdo a este 1976 tweets, tornando qualitativa uma análise que, na sua génese, era quantitativa. Esta análise de conteúdo permitiu destacar alguns pontos particularmente interessantes e recorrentes, reconstruindo a história do debate suscitado pelo evento na twittosfera. Nas páginas que se seguem, procuraremos dar conta dessa análise destacando as conclusões mais relevantes, não sem antes analisarmos globalmente o conjunto de tweets relacionados com o tema.
Análise de conteúdo dos tweets
Como referido, foram analisados 1976 tweets relacionados ou potencialmente relacionados com o meet do Vasco da Gama, selecionados através do sistema de recolha previamente apresentado. No gráfico que se segue, podemos ver a distribuição dos tweets ao longo dos dias em que incidiu a nossa análise, com óbvio destaque para os dias 20, 21 e 22 de agosto.
No dia com mais tweets, o dia 21 de agosto, a distribuição horária foi a seguinte:
Os tweets recolhidos para análise, produzidos sobre o meet e publicados entre o dia 14 e 24 de agosto de 2014 são geralmente caracterizados por uma linguagem muito informal, com recurso a calão e jargões tipicamente atribuídos a faixas etárias jovens e muitas vezes contendo o uso de palavrões. São também em geral publicados por pessoas que participaram ou gostariam de participar num meet, ou ainda que seria expectável que participassem mas que dizem não estar interessados. Ou seja, por utilizadores pertencentes ao público-alvo destes encontros, logo, provavelmente pertencendo a um grupo etário muito jovem, que já sabia o que era um meet antes de eles se terem tornado objeto mediático na sequência dos acontecimentos do dia 20 de agosto. Por outro lado, são praticamente inexistentes os tweets de comentário a notícias por parte de pessoas que não conheciam o fenómeno dos meets, ou que não são o seu público-alvo.
Partindo destas premissas, verificamos que apesar de tudo, a diversidade de tipos de tweets é grande, o que deixa adivinhar uma diversidade de usos e apropriações desta ferramenta, como é, de resto, sugerido pela literatura sobre o tema. O conteúdo dos tweets varia a nível da sua intenção (encontrando-se textos instrumentais, de preparação e antecipação do evento, mas também textos de comentário ou reflexão); varia também o grau de envolvimento e implicação (nalguns casos encontramos afirmações puramente pessoais e até intimas sobre a relação dos seus emissores com os meets, noutros casos encontramos comentários menos pessoais, de indivíduos que se assumem mais como relatores ou comentadores da realidade; noutros ainda encontramos uma identificação coletiva que deixa adivinhar processos em rede de partilha identitária). Finalmente, a própria expressão escrita é extremamente diversa, bem como o grau de codificação das mensagens.
Para efeitos analíticos, propomo-nos a apresentar a análise de conteúdo destes tweets a partir de três pontos de vista, que correspondem a diferentes modos (não necessariamente exclusivos, de apropriação do Twitter. Em primeiro lugar, observaremos como o Twitter surge como uma ferramenta virtual com uma articulação particular com a realidade offline. Atentaremos então no modo como os primeiros tweets preparam e antecipam o meet (por exemplo através da marcação prévia de encontros com outros jovens) e, posteriormente, como os acontecimentos no Vasco da Gama se refletem na escrita de tweets de comentário que reproduzem e transformam em tempo real os acontecimentos decorridos no espaço físico. Nesta secção destacaremos então o curioso circuito online/offline que marca a relação entre Twitter e meets.
Seguidamente, observaremos o Twitter como uma ferramenta para a distinção social e a para a formação de identidade coletivas. Esta temática, que se destaca particularmente, consubstancia-se de modo expressivo na identificação que é feita com os meets convocados pelo Twitter, em contraponto aos que foram organizados no Facebook. O Twitter surge assim como causa e efeito de um processo de identificação social, reforçado nos comentários que são transmitidos a propósito dos alegados desacatos no Vasco da Gama.
Finalmente, atentaremos no Twitter como uma forma de expressão particular, com efeitos interessantes ao nível da própria linguagem, altamente codificada e parcialmente fechada.
Do cruzamento destas três abordagens podemos perceber de que forma estes jovens usam o Twitter, construindo sobre o espaço virtual identidades em constante interação com o mundo offline, mas com manifestações específicas a este contexto comunicacional.
Interações online/offline: o Twitter como espaço de antecipação e comentário
Nos primeiros tweets sobre o meet do Vasco da Gama, e ainda sem a noção de que este viria a ter contornos e repercussões diferentes dos que o antecederam, podemos observar como o Twitter é utilizado para preparar e como forma de antecipar o evento que se avizinhava. Os jovens referem com frequência quem gostariam de encontrar no meet falam genericamente de quais as suas expectativas:
“Gostava de conhecer no meet:@sabiohorrivel @QueenHeartB @oteubabelindo @OTeuTio69 @FilipeGomes444 @pequenina69 @DanielaPalongo (+)” (14 Ago)
“Posso dizer quem gostava de conhecer no meet?” (14 agosto)
“Nunca vou tar nas pessoas que vocês gostavam de conhecer num meet” (14 agosto)
“o próximo meet do twitter juro que vou tentar ir” (14 agosto)
“Nunca fui a um meet e também não pretendo ir, já ninguém lá vai para conviver.” (15 agosto)
Este tipo de antecipação do evento é consistente com aquilo que sabemos sobre a preparação virtual de um evento deste tipo e, particularmente, sobre os meets, pois sendo um dos principais objetivos deste tipo de eventos conviver e conhecer outras pessoas, a preparação antecipada dos encontros e novos conhecimentos é feita geralmente por esta via. “The opportunity for perceived positive experiences and connectedness available through online communication renders social media a popular vehicle for teens to communicate, plan events, and meet new people.” (Seo et al, 2013, p.3).
Neste caso, note-se que os tweets tendem a ser puramente pessoais, com um objetivo quer instrumental, identificar quem se pretende conhecer, quer reflexivo, sobre se se pretende ou não ir a um meet.
De resto, é patente na análise de conteúdo aos tweets que, para estes utilizadores, conviver e conhecer pessoas novas, que participam naquela rede social, são as razões evocadas para participar nestes encontros. “The tendency for teens to want to meet-up and hang out in groups is not new, nor is it solely the product of digital technologies. What social and mobile technologies bring to this is the possibility of broader and more effective peer-to-peer coordination among teens, which in turn may result, for example, in teens from different schools assembling together more often and more quickly than would have occurred in the past.” (Seo et al, 2013, p.15).
Quer através dos tweets publicados antes de um meet se realizar, revelando quais utilizadores do Twitter gostariam de conhecer no encontro, quer na reação crítica aos distúrbios que aconteceram no meet de dia 20 de agosto, verificamos que os utilizadores reclamam o convívio como o principal objetivo do meet.
“PERCEBAM QUE MEET É UM ENCONTRO DE PESSOAS DAS REDES SOCIAIS PARA SE CONHECEREM UNS AOS OUTROS, MAS PARA O BEM E NÃO PARA O MAL” (24 agosto)
Esta circularidade online/offline, é, aliás, uma das componentes mais interessantes dos meets, pois, como diz Raposo (2014), no decurso dos próprios meets, uma das práticas mais comuns é registar os usernames das pessoas que se conheceu, para manter o contacto via Twitter. Esse registo é geralmente feito no próprio corpo, algo que também encontramos em comentários sobre meets anteriores:
“admite:tu gostas bué do meet de tár com as pessoas,mas quando chegas a casa tens de tomar banho durante 20 30 minutos por te escreverem kkk” (14 agosto)
No caso em análise, o normal circuito de preparação online – meet – recolha de novos contactos – manutenção de relações virtuais acabou por ser interrompido pelos acontecimentos ímpares no Vasco da Gama. No dia 20 de agosto e nos dias seguintes, o Twitter acabou por se tornar, acima de tudo, um meio para comentar e refletir sobre acontecimentos invulgares:
“No meet é suposto conhecer pessoas, nao andar há porrada e muito menos com.policias no vdg” (21 agosto)
Nos comentários em causa, emerge fortemente a questão do meet do Vasco da Gama ter sido convocado através do Facebook, algo que sugere, desde já, uma oposição entre o meet do Twitter e o do Facebook, questão identitária que desenvolveremos mais adiante:
“Era meet do fb, VOCÊS ESTAVAM Á ESPERA DO QUE (???)” (20 agosto)
“Destruíram por completo o bom conceito de "meet". Tudo graças aos azeiteiros do facebook” (22 agosto)
Surgem simultaneamente críticas aos meios de comunicação social por não compreenderem esta diferença:
“a tvi esqueceu-se de mencionar que o meet em que houve porrada foi no meet do facebook, só podia claro” ( 22 agosto)
“A sério pkek o telejornal tende em dizer que os meets são maus? Não falem no geral , uma coisa é o meet do Facebook outra é meet do Twitter” (24 agosto)
A referência racial é também um tema padrão do conjunto de tweets em análise. As pessoas negras são frequentemente referidas nos posts produzidos sobre esta temática. Geralmente associando a presença de pessoas negras nos meets a consequências violentas e distúrbios.
“Nao sou racista nem nada, mas tenho de admitir que se o meet era so gente de cor, ja se sabia que ia haver merda” (21 agosto)
“Digam o que quiserem, mas os confrontos do meet do Facebook foram causados porque 90% das pessoas que estavam lá eram pretos.” ( 23 agosto)
“o meu pai ja me veio falar das noticias sobre o meet,ele concorda plenamente comigo que aquilo sao só chungas, pretalhada que n vai à escola” (21 agosto)
Outras vezes simplesmente dando grande relevo ao facto de haver muitas pessoas negras nestes encontros deixando transparecer um teor pejorativo em termos como “escuridão” e “bolacha oreo”.
“O meet foi tipo uma bolacha OREO GIGANTE ... pensem” (14 agosto)
“@daviiiidsanches hahahhahahhahahha é a vdd hj no meet vi cm cada :o escuridao ahha help” (15 agosto)
“Vasco da Gama é o centro comercial que foi tornado embaixada Africana em Portugal” (21 agosto)
Há ainda, embora pouco frequentes, alguns tweets a criticar a relevância que é dada ao facto de haver muitas pessoas negras nestes eventos. Ou a criticar a atuação da polícia em relação a estas pessoas.
“Tao a fazer ganda xena porcausa do meet porque maioria das pessoaa eram blacks
“ (21 Ago)
“O que me dá graça é que ontem no """meet"""" só estavam a prender e a barrar entrada a pessoas de pele escura,foi máximo racismo mesmo.” (21 agosto)
O Twitter como distinção social: Twitter vs. Facebook
A característica mais frequente do nosso corpo de análise é uma constante distinção entre as redes sociais Facebook e Twitter, mais evidente na diferenciação entre os meets do Twitter, convocados através desta rede social, e os meets do Facebook, disseminados através desta plataforma.
“@wtv_idc_idk existe uma razão para ser meet do Twitter” (15 agosto)
“Infelizmente os meus pais não percebem a diferença entre um meet do Twitter e um """meet""" do Facebook” (21 agosto)
“claro que os meet's do twitter não são como o do facebook mas pronto.” (21 agosto)
“Acho que os meet do Twitter são melhores que todos os outros” (21 agosto)
Os média sempre desempenharam um importante papel na construção de identidades. “For young people especially, as they are preoccupied with making the transition from their family of origins towards a wider peer culture (and as they are not generally part of the world of work), the media often serve as the very currency through which identities are constructed, social relations negotiated and peer culture generated (Ziehe, 1994).” (Livingstone & Boville, 1999, p.10). No entanto, os processos de transformação que os média vão sofrendo, a emergência dos chamados “novos media”, reconfiguram também a forma como estes influenciam a construção de identidades, a negociação das relações sociais e a criação de uma cultura de pares.
Nos dias que correm, partilhar informação e estar conectado com os amigos online tornou-se parte do dia-a-dia para muitas pessoas, especialmente para os adolescentes (Boyd, 2014, p.7): “Rather than being seen as a subcultural practice, participating in social media became normative.” (Boyd, 2014). Em 2008, Livingstone constatava que “creating and networking online content is becoming, for many, an integral means of managing one’s identity, lifestyle and social relations” (p.4).
Sendo a participação nas redes sociais online atualmente vista como normativa, especialmente para os adolescentes, a construção de identidades, a criação de uma cultura de pares, a distinção social e a criação de subculturas assumem outras formas e mecanismos. Uma dessas formas, além do modo como os jovens gerem os conteúdos dos seus perfis, parece ser a escolha da rede social na qual participar. Livingstone constatava em 2008 (p.8) que “in relation to social networking such identity development seemed to be expressed in terms of decisions regarding the style or choice of site. Nina, for example, moved from MySpace to Facebook, describing this somewhat tentatively as the transition from elaborate layouts for younger teenagers to the clean profile favoured by older teenagers.” (Livingstone, 2008, p. 8).
Os tweets que analisámos refletem uma distinção social entre participar no Twitter e participar no Facebook. Referem frequentemente que há uma grande diferença entre os encontros convocados por uma rede social e pela outra, atribuindo características pejorativas aos meets do Facebook, e às pessoas que nele participam.
“Meet do facebook// azeite // mar de azeite” (20 agosto)”
“convenção de azeite - meet do fb” (21 agosto)
“Só azeiteiros no meet de ontem, meets do facebook como não querem confusão?” (21 agosto)
“Meet Twitter: cantar, convívio, diversão, piadas, mcMeet Facebook: conflitos, azeite, facadas, palavroes, continente” (21 agosto)
Nas datas que antecedem o meet do dia 20 de agosto no Vasco da Gama as críticas incidem também sobre pessoas que, em meets “do Twitter” anteriores, pediram o nome de utilizador do Facebook. E também críticas ao facto de serem partilhadas fotos de encontros do Twitter no Facebook, fazendo transparecer que existe uma comunidade de utilizadores do Twitter que partilha uma ideia específica de autenticidade. Essa ideia de autenticidade de utilizador do Twitter implica não utilizar o Facebook, nem partilhar conteúdos de encontros do Twitter no Facebook. O conceito de autenticidade não é universal: “the authentic is a localized, temporally situated social construct that varies widely based on community” (Marwick & boyd, 2010, p.11). Para Grazian a ideia de autenticidade constrói-se “in contradiction to something else” (2003:13, citado por Marwick & boyd, 2010, p.11). Neste caso, a ideia de autenticidade do utilizador do Twitter constrói-se em contradição com a participação no Facebook.
Estas críticas sublinham também a conotação negativa que estes utilizadores do Twitter têm, não só dos meets convocados através do Facebook, mas também das pessoas que utilizam esta rede social e do Facebook em geral. Os utilizadores do Twitter fazem deste modo uma forte distinção social entre as pessoas que utilizam uma rede social e outra.
“Tou no meet do twitter e pediram a minha net para ir ao face. OMG OMG OMG Como reagir?” (14 agosto)
“Pediram o meu facebook umas 100 vezes no meet, rindo” (14 agosto)
“pkék eu tou a ver fotos do meet do twitter no facebook? opá socorro” (15 agosto)
“Aquelas pessoas que falam de azeiteiros do FB mas que publicam fotos do meet nele... deixem de ser ridiculos !” (16 agosto)
No nosso corpo de análise é também algumas vezes repetida a ideia de que os meets são uma ideia originalmente criada no Twitter, reforçando a ideia de “autenticidade” do utilizador do Twitter. Organizar este tipo de encontros noutras redes sociais é considerado uma imitação e, como tal, é bastante criticada.
“Meet é cena de twitter , não de facebook , por isso parem de organizar meets do facebook seus azeiteiros d merda .-.” (22 agosto)
“quando ps swaggers do facebook tentam imitar o twitter e criam um meet de azeite galo #TeamEnfim” (22 agosto)
“sobre isso do meet do fb só digo que tentarem imitar o twitter dá merda sempre, ainda por cima os azeiteiros do fb a imitar” (21 agosto)
“Destruíram por completo o bom conceito de "meet". Tudo graças aos azeiteiros do facebook” (22 agosto)
Embora por vezes também haja referência a meets do popular canal de vídeos online Youtube e do Instagram, a rede social de partilha de fotografias, a distinção mais constante é mesmo entre o Facebook e o Twitter. Permitindo concluir que, pelo menos para estes jovens, que utilizam o Twitter e costumam participar nos seus encontros, as redes sociais em que participam são uma forma de distinção social e de construção de identidade na qual é partilhada uma ideia própria de autenticidade.
Linguagem e codificação das mensagens do Twitter
Para analisar o conjunto de tweetes em questão, além do conteúdo, parece-nos importante dedicarmos também alguma atenção à forma como estas mensagens são partilhadas. A linguagem utilizada apresenta alguns padrões específicos que nos parecem ser, por um lado, palavras e gíria típica de um grupo etário jovem, por outro, configurações de linguagem normalmente atribuídas à chamada “linguagem da Internet”. O condicionamento imposto pela própria tecnologia parece também ser um importante condicionante. Este fator é especialmente evidente tratando-se do Twitter, quem impõe um limite muito pequeno de caratceres (140) que é possível utilizar por mensagem.
“meet do fb só podia dar beef” (19 agosto)
“nunca fui a um meet mas não tenho mt interesse em ir a um porque é mais um meet facebook barra beef do que meet twitter” (22 agosto)
“quando ps swaggers do facebook tentam imitar o twitter e criam um meet de azeite galo #TeamEnfim” (22 agosto)
As palavras “beef” e “swaggers”, por exemplo, são encontradas algumas vezes no nosso corpo de análise e parecem ser típicas de uma gíria juvenil partilhada também entre estes jovens nas suas comunicações cara-a-cara. A primeira aparece geralmente para se referir a confusões e brigas, a segunda parece referir-se a um “estilo” determinado a que estes jovens, utilizadores do Twitter e críticos do Facebook, atribuem uma conotação pejorativa.
A ideia de uma variante da linguagem específica da Internet não é nova e há vários estudos que se dedicaram à temática. Conhecida como “linguagem da Internet”, “netspeak”, “chatspeak”, “computer mediated communication (CMC)” ou “electronically mediated language” a esta variação da linguagem são geralmente atribuídas como características típicas as abreviaturas, mistura de palavras, escrever palavras com uma ortografia diferente, ícones para expressar emoções, maiúsculas e acrónimos. (Dahström, 2013, p. 1; Merchant, 2001, p. 302; Varnhagen et al, 2010, p. 720).
“Tou no meet do twitter e pediram a minha net para ir ao face. OMG OMG OMG Como reagir?” (14 agosto)
“pkék eu tou a ver fotos do meet do twitter no facebook? opá socorro” (15 agosto)
“Nunca vou tar nas pessoas que vocês gostavam de conhecer num meet” (14 agosto)
“@nes_lol_fixolas awwwww passa mesmo fast, amanha vais ao meet?“ (14 agosto)
Nos tweets acima temos alguns exemplos das características consideradas típicas da “linguagem da Internet”: a utilização do acrónimo “OMG” para referir a expressão em Inglês “oh my god”; a abreviatura e mistura de palavras na expressão “pkék” para dizer “por que é que” onde também se verifica uma alteração na ortografia das palavras, usando “k” em vez de “q”. Assim como o recurso a grafismos e ícones para expressar emoções.
Os estudos sobre a variação da linguagem na Internet surgiram num contexto de preocupação de país, educadores e média em relação a possíveis efeitos de deterioração da língua causados pela linguagem utilizada na Internet (Merchant, 2001; Varnhagen et al, 2010). No entanto, alguns autores consideram que estas variações não têm um efeito negativo sobre a linguagem: que não há evidências que afetem a capacidade dos jovens escreverem corretamente (Varnhagen et al, 2010) e que, pelo contrário, resultam numa inovação linguística que ultrapassa as tradicionais fronteiras de grupo social, cultura e nação (Merchant, 2001).
Os adolescentes e jovens estão geralmente na vanguarda destes processos de mudança, uma vez que têm grande fluência para explorar as possibilidades da tecnologia e fazer evoluir a literacia num diferente conjunto de novos média (Merchant, 2001, p. 294).
É importante sublinhar que apesar de haver um conjunto de características típicas da variação da linguagem na Internet, a forma como as pessoas escrevem na Internet varia conforme o utilizador, o objetivo e a plataforma em que a comunicação ocorre (Dahström, 2013, p. 1).
As variações da linguagem que ocorrem na Internet são normalmente atribuídas ao facto de a escrita na Internet ter características da linguagem falada e à vontade de acelerar a comunicação (Dahström, 2013, p. 1; Varnhagen et al, 2010, p.720). É provavelmente porque escrever é muito mais lento e propenso ao erro do que falar (Herring, 1999, 2003 citado por Varnhagen et al, 2010, p. 720) que os utilizadores da Internet desenvolveram atalhos para a escrita de palavras longas, como acrónimos, assim como formas pragmáticas para expressar o tom e a emoção das mensagens, tal como ícones e maiúsculas, que na linguagem falada seriam expressas através de comunicação paralinguística, através, por exemplo, de expressões faciais. (Varnhagen et al, 2010, p. 730).
De acordo com Squires (2010) a linguagem utilizada na Internet é predominantemente escrita, no entanto, envolve características quer da linguagem falada quer da escrita. O facto da linguagem da Internet ser informal, sincrónica e efémera significa que esta tem características da linguagem falada. E o facto de ser editável, baseada em texto e assincrónica significa que incluí características da linguagem falada (Herring, 2007, p.8 citado por Dahström, 2013, p. 1).
“Research has shown that asynchronous internet language, such as blogging, holds a position closer to writing whereas synchronous internet language, such as communication in chatrooms, is closer to speech.” (Dahström, 2013, p. 1).
No caso da linguagem utilizada no Twitter por estes jovens, ela parece-nos mais próxima de uma comunicação sincrónica, que é utilizada em grupos de conversação online e, por isso, mais próxima da linguagem falada. Numa reportagem (Raposo, 2014) que entrevista participantes de um meet em Lisboa uma jovem utilizadora do Twitter disse partilhar em média mais de 200 mensagens por dia e que, em dias em que está “com criatividade”, chega a esgotar o limite de 1500 tweets por dia. Apesar de o Twitter ser por conceito uma plataforma de microblogging, e por isso supostamente mais aproximada da linguagem dos blogues, estes jovens parecem fazer uma utilização diferente, mais próxima da utilização que é feita num grupo de conversação online.
Conclusão
O meet do Vasco da Gama, e o alvoroço público e mediático que criou, surgem como um acontecimento paradigmático, cuja análise se revela particularmente interessante, e bastante exemplificativa da relação estabelecida entre os utilizadores e o Twitter. Por um lado, o próprio conceito de meet ilustra de forma exemplar as interações online/offline que marcam o quotidiano dos jovens numa sociedade profundamente conectada. A convocatória destes encontros pela Internet, os esforços de distinção social que surgem associados às diferentes redes sociais que estão na origem dos meets e o conteúdo e a forma dos comentários partilhados na rede social em torno do meet ilustram de modo expressivo os processos culturais, linguísticos e sociais que estão por detrás deste fenómeno.
Por outro lado, o carácter único do meet do Vasco da Gama, com o seu impacto muito particular fora da esfera do público-alvo dos meets, permite por a nu os conflitos identitários em torno da própria definição do conceito de meet, exacerbando a repercussão do evento, uma vez terminado, na esfera do Twitter.
Simultaneamente, torna-se clara a multiplicidade de usos, intencionalidades e linguagens por detrás do uso do Twitter, não obstante a singularidade do evento em análise.
Esta análise exploratória, circunscrita a um evento, destaca ainda a relevância da colaboração interdisciplinar entre os autores do artigo/projeto e o interesse em conjugar técnicas avançadas de análise do Twitter com um trabalho qualitativo de análise de conteúdo que permite dar conta dos sentidos, emoções e temáticas por detrás do número de tweets considerados.
Apesar das limitações inerentes ao estudo de um só caso, esta análise permite compreender de que forma as características particulares do Twitter, facilitadoras da organização rápida e massiva de eventos coletivos, já exploradas na literatura em relação a protestos ou eventos cívicos ou políticos (Ogan & Varol, 2017; Vromen, Xenos & Loader, 2015; Segerberg & Bennett, 2011), também são usados para um objetivo, amplamente identificado como um interesse dos adolescentes (Antheunis, Schouten & Krahmer, 2014; Hinduja & Patchin, 2008; Valkenburg, Schouten, & Peter, 2005), de socializar e conhecer novas pessoas, neste caso, tornando física uma comunidade apenas existente online.
Por outro lado, na senda desta análise, é possível também obter pistas que permitam alargar o conhecimento sobre o uso das redes sociais pelos mais jovens, uma vez que é possível identificar uma multiplicidade de usos, assim como alargar o conhecimento já existente sobre as implicações do uso das redes sociais para a auto-expressão e construção de identidade dos adolescentes (Hodkinson, 2015; Livingstone, 2008), que parece não se limitar apenas através na gestão de conteúdo e das suas conexões como através da escolha da própria rede social em que participam.
Investigações futuras poderão tentar compreender de forma mais aprofundada e através da comparação entre vários fenómenos a necessidade de passar da esfera virtual para a esfera física esta “cultura da viral”.
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NOTAS
1 O projeto foi financiado por fundos nacionais, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), através do programa PTDC/IVC-ESCT/4919/2012 , com financiamento UID/CEC/50021/2013”.
2 Fonte: Twitter Link: https://about.twitter.com/company (acedido a 6 de Janeiro de 2015)
3 Fonte: OberCom (2014) A Internet em Portugal. Sociedade em Rede 2014 Link: http://www.obercom.pt/content/client/?newsId=548&fileName=internet_portugal_2014.pdf
4 http://www.pewinternet.org/2015/04/09/teens-social-media-technology-2015/
5 Fonte: Pew Research Center (May 31, 2012) Twitter Use 2012. Link: http://www.pewinternet.org/files/old-media//Files/Reports/2012/PIP_Twitter_Use_2012.pdf
6 Fonte: Pew Research Center (May 21, 2013) Teens, Social Media and Privacy. Link: http://www.pewinternet.org/files/2013/05/PIP_TeensSocialMediaandPrivacy_PDF.pdf
7 Fonte: Pew Research Internet project (December 30, 2013) Social Media Update 2013. Link: http://www.pewinternet.org/2013/12/30/social-media-update-2013/
8 No período de 21 a 31 de agosto o jornal Público publicou online 15 artigos sobre os meets: 9 notícias, 1 artigo de opinião e 5 partilhas de vídeos no âmbito de uma parceria com o canal televisivo TVI.
9 API – Application Program Interface: um conjunto de ferramentas, protocolos e rotinas que permitem a um utilizador construir ferramentas de software para interagir com um serviço.
10 A timeline de um utilizador é uma coleção de tweets que um determinado utilizador publicou ao longo do tempo.
11 Esse número é atualmente bastante superior dado que nos meses seguintes se obteve a timeline de virtualmente todos os 18732 utilizadores. No entanto esses tweets não foram analisados durante o estudo aqui apresentado.