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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.14 no.3 Lisboa set. 2020  Epub 15-Fev-2022

https://doi.org/10.15847/obsobs14320201579 

Artigos Originais

Plataformas de online dating: dinâmicas de incorporação e integração numa lógica de domesticação

Online dating platforms: incorporation and integration dynamics on a domestication logic

iISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, CIES-IUL - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Lisboa, Portugal

iiISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, CIES-IUL - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Lisboa, Portugal


Resumo

Entre o conjunto de aplicações disponíveis parasmartphonesas específicas deonline datingtêm sido alvo de atenção por parte da imprensa e da academia. Porém, este interesse não se traduziu numa tentativa de descrição e problematização de comportamentos no âmbito da domesticação das mesmas. Face a esta lacuna, este estudo tem como objetivo identificar e caracterizar padrões de uso em função da fase de incorporação e concluir face à integração das plataformas deonline datingno quotidiano dos seus utilizadores. Para tal, recorreu-se a uma metodologia quantitativa através da aplicação de um questionário distribuído online e dirigido a utilizadores portugueses de plataformas deonline dating(n=326). Foi realizada uma análise de correspondência múltipla (ACM) e uma análise de agrupamentos (clusters) que indiciou a existência de três perfis distintos. Os perfis diferenciaram-se em função da dimensão incorporação no âmbito da temporalidade (antiguidade, frequência e intensidade de uso) e da socialização (iniciativa no envio da primeira mensagem, contacto de perfis e rutura comunicacional sem motivo aparente), assim como em função da dimensão integração (partilha de contacto alternativo, procura de informação nas redes sociais online e partilha de perfis com outros). Tais características permitiram concluir que os perfis se distinguem em função da experiência e de uma utilização mais ou menos consolidada. Adicionalmente a distinção também reside na transposição das lógicas comunicacionais para o ecossistema dos media sociais mais alargado, evidenciando o dinamismo do processo de domesticação.

Palavras-chave: Domesticação; plataformas online dating; Portugal; práticas

Abstract

Among the set of applications available for smartphones, those specific to online dating have been the focus of attention by the press and academia. However, this interest did not attempt to describe and problematize behaviors within their domestication. In view of this gap, this study aims to identify and characterize usage patterns according to the incorporation phase and conclude with the integration of online dating platforms in the daily lives of its users. To this end, a quantitative methodology was used through the application of a questionnaire distributed online and addressed to Portuguese users of online dating platforms (n = 326). A multiple correspondence analysis (MCA) and a cluster analysis were performed that indicated the existence of three distinct profiles. The profiles differed according to the incorporation dimension in terms of temporality (seniority, frequency and intensity of use) and socialization (initiative in sending the first message, contacting profiles and communicational disruption for no apparent reason), as well as in function of integration dimension (sharing alternative contact, searching for information on online social networks and sharing profiles with others). These characteristics allowed us to conclude that the profiles differ according to experience and more or less consolidated use. In addition, the distinction also resides in the transposition of communicational logics to the wider social media ecosystem, showing the dynamism of the domestication process.

Keywords: Domestication; online dating platforms; smartphones; Portugal; practices

Introdução

A popularização do smartphone resultou na conversão deste objeto, cada vez mais presente, para o desempenho de várias tarefas diárias, permitindo aos utilizadores a adoção de um estilo de vida móvel em termos de conectividade e disponibilidade, refletindo-se em diferentes áreas e práticas sociais. O processo de domesticação social e a consequente adoção de tal tecnologia e das diferentes oportunidades disponibilizadas, veio introduzir novas dinâmicas através de diversas práticas decorrentes da negociação, podendo resultar na complementaridade ou substituição de novas e antigas estruturas, estimulando por essa via alterações sociais (Thulin, 2018).

Entre o conjunto de oportunidades inclui-se a variedade de aplicações (apps) disponíveis para uso após o download das lojas (App Store e Google Play) onde se encontram as específicas de online dating. Tais aplicações têm registado um aumento na oferta e na procura (Albury et al., 2017), representando um subsetor substancial da crescente economia de apps (Goldsmith, 2014).

Com a evolução das tecnologias de informação e comunicação as plataformas de online dating têm-se adaptado e diversificado. Se nos anos 2000 tais serviços eram apresentados no formato de site, atualmente o acesso e consequente uso encontra-se simplificado e assente em características comunicacionais dos media móveis (Schrock, 2015) combinadas com lógicas de funcionamento das próprias plataformas.

Tendo em conta os dados que indicam um aumento no número de utilizadores de redes de online dating móveis em Portugal (Statista, 2018)1, partimos do princípio que o recurso a tais serviços ocupará parte das atividades que os utilizadores realizam através do smartphone, cujo uso será resultado da negociação tendo em conta, entre outras, estruturas sociais, o processo de domesticação e a integração no sistema dos media sociais.

Como tal, definiu-se como pergunta de partida para esta investigação: Como se caracterizam as práticas dos utilizadores portugueses nas plataformas de online dating? Estipulou-se como objetivo principal descrever tais práticas no âmbito da relação com as mesmas e como objetivo secundário identificar as características sociodemográficas caracterizadoras de tais perfis. Para tal, recorreu-se a uma metodologia quantitativa através da realização de um inquérito por questionário online dirigido a utilizadores portugueses de redes de online dating (n=326) cujos resultados foram analisados através do software SPSS com recurso a análise de correspondência múltipla e análise hierárquica de clusters.

Teoricamente o trabalho está assente na teoria da domesticação (Silverstone et al., 1992; Haddon, 2003; Berker et al., 2006), focando com especial atenção a etapa de incorporação das plataformas de online dating. Adicionalmente, exploram-se os conceitos de ideologia de media e idiomas de práticas (Gershon, 2010) identificando e contextualizando comportamentos resultantes das dinâmicas de utilização.

Para tal, o artigo segue a seguinte estrutura: no enquadramento teórico aborda-se o ecossistema de online dating, a teoria da domesticação e os conceitos de ideologia de media e idiomas de práticas. Nas secções seguintes explica-se a metodologia aplicada e a apresentação de resultados, cujos dados são abordados com maior detalhe na discussão. Seguidamente apresentam-se as considerações finais e limitações apresentando uma reflexão para estudos futuros.

Online dating: contextualização

No sentido lato o conceito de online dating refere-se ao “uso da internet ou tecnologia para facilitação da ligação romântica e interação” (Markowitz et al., 2018, p.51) porém, optando por estreitar o conceito, definimos neste artigo o conceito de online dating como o recurso a um conjunto específico de sites ou aplicações, dirigidas àqueles que procuram e pretendem estabelecer relações com outros, de diversos formatos ou durações, de acordo com as suas necessidades ou motivações, maioritariamente, mas não exclusivamente, num espectro romântico e/ou sexual.

A lógica de funcionamento de tais soluções baseia-se na correspondência de perfis calculada pela articulação da informação disponível e pela utilização em função de algoritmos cuja ação tem sido criticada por não ser clara (Sepúlveda & Vieira, 2019; David & Cambre, 2016). Economicamente, a receita de tais plataformas está dependente de publicidade, recolha de dados e/ou do recurso ao modelo freemium, no qual se combina o registo e uso gratuitos, com a oferta de serviços premium, aos quais o utilizador terá de pagar para aceder.

De forma geral e segundo Markowitz et al. (2018) o processo de online dating desenvolve-se em três fases: criação do perfil, correspondência e descoberta. Na fase de criação do perfil, o utilizador constrói-o, com mais ou menos informação, de acordo com o que pretende revelar sobre si e de acordo com as regras da plataforma. Dependendo da estrutura da mesma, pode ser exigido o preenchimento de um questionário, mais ou menos extenso, enquanto noutras o questionário é inexistente e as informações requeridas abertamente podem ser tão simples como nome, género e idade (note-se que muitas apps poderão recolher informação de forma sub-reptícia para além da declarada expressamente). Algumas plataformas conferem ao utilizador a possibilidade de criação de perfil através de outro já existente, como por exemplo através do Facebook, remetendo para questões de autenticidade (Duguay, 2017). Podem ainda, no mesmo contexto, permitir a integração de outras redes sociais online no perfil das plataformas de online dating.

Na fase da correspondência, o utilizador define os filtros de procura em função dos quais serão apresentadas potenciais correspondências. Os filtros podem variar entre características específicas de ordem pessoal, mas também genéricas como a distância geográfica. Já a comunicação entre utilizadores está condicionada pelas normas impostas pelas plataformas. Existem aquelas cuja única regra imposta é a manutenção da conta ativa, já outras exigem uma correspondência mútua ou que a iniciativa de envio da primeira mensagem parta de um género específico.

Por fim, na fase da descoberta, cujo propósito da mesma é que os utilizadores se conheçam, dar-se-á início à troca de mensagens através do chat. A conversa poderá manter-se somente na plataforma, com um fluxo de mensagens variável, poderá evoluir para outros meios, de acordo com o grau de intimidade a desenvolver, na medida em que os media sociais oferecem diferentes formas e graus de intimidade (Schofield, 2009), resultar num encontro pessoal face a face ou simplesmente cessar.

Numa perspetiva de integração dos media sociais, os utilizadores podem procurar informações sobre os outros não só com o objetivo de saber mais, mas também para verificar se a informação facultada, através do perfil ou das mensagens, é verdadeira (Gibbs et al., 2011; Gershon, 2010).

Embora as soluções de online dating, mediadas em rede através de um ecrã e da internet, estejam presentes desde o final do século XX (Slater, 2013), com a popularização do smartphone houve uma adaptação dos serviços existentes para uma lógica assente na mobilidade e, com o surgimento nas lojas online, apareceram variadas apps que podem ser descarregadas diretamente. O funcionamento destas assenta no conjunto de affordances comunicacionais caracterizantes dos media móveis: portabilidade, disponibilidade, localização e multimédia (Schrock, 2015) moldando as práticas através das quais as tecnologias estão envolvidas (Hutchby, 2001) em resultado do processo de domesticação.

Domesticação: contextualização

O recurso ao quadro conceptual da teoria da domesticação tem sido referência no estudo dos processos de apropriação das tecnologias, nomeadamente as tecnologias de informação e comunicação, no quotidiano e significados a elas imputadas. Algumas dimensões de análise a um nível diacrónico passam pelos formatos variáveis de experienciação quotidiana ao papel atribuído do ponto de vista da utilização (de Reuver, et al., 2016; Haddon, 2003; Silverstone et al., 1992; Silverstone, 2006).

Afastando-se do determinismo tecnológico, alicerçada no construtivismo social e na modelação social da tecnologia (Mackenzie e Wajcman, 1999), a teoria da domesticação parte da premissa que o papel da tecnologia não está definido exclusivamente pelas características desta, mas também pela agência individual, e de como o agente social as molda de acordo com os seus ideais, em função do conjunto percebido de affordances, das suas necessidades e inserido num determinado contexto (Ling, 2003). Ou seja, a domesticação vai para além da tecnologia em si, tendo em conta o indivíduo (Bakardjieva, 2005) e as negociações decorrentes do contexto, seja este temporal, espacial, económico ou social (Watulak & Whitfield, 2006) influindo no processo de atribuição de significados à mesma (Haddon, 2011) e que se traduz no (tipo de) uso(s).

Tal processo, que se caracteriza por ser de caráter contínuo e não estanque ou resultante de um evento único (Haddon, 2006), ocorre em quatro momentos tipificados que se intersectam entre si: 1) a apropriação, que se traduz na posse ou aquisição da tecnologia (Silverstone et al., 1992), 2) a objetificação, diz respeito por um lado, à dimensão espacial, à atribuição de um lugar do ponto de vista estético à tecnologia, e por outro lado, à exploração e uso das suas funcionalidades (Silverstone et al., 1992), 3) a incorporação, etapa que se refere às práticas temporais na qual é atribuído um lugar à tecnologia no decurso das rotinas diárias (Silverstone, 2006) e 4) a conversão, que se manifesta através da exibição da tecnologia aos demais e a sua integração “como parte das nossas identidades” (Haddon, 2011: 313).

Os objetos alvo de domesticação sejam estes materiais ou imateriais, como os serviços de online dating, podem ser re-domesticados na medida em que os significados e usos podem ser alterados em função das circunstâncias (Green & Haddon, 2009) e motivações, substituídos por outros ou abandonados, com o surgimento de soluções mais recentes ou mais apropriadas às necessidades do utilizador (Bertel & Ling, 2016; Lie & Sørensen, 1996).

Numa primeira instância e de forma geral, os estudos sobre a domesticação focavam-se na relação das famílias em torno da tecnologia estando centrados no espaço privado da casa, sendo esta a unidade de análise primordial (Silverstone et al., 1992) ainda que não de forma independente do exterior e do espaço público, como são exemplo a domesticação da televisão ou da rádio, tecnologias através das quais os espaços públicos e privados se medeiam ou, nas palavras de Lopes (2010) se ligam. Com o surgimento das tecnologias de informação e comunicação móveis como o telemóvel e mais tarde o smartphone, foram introduzidas novas dinâmicas, nomeadamente na fronteira entre os espaços público e o privado, na medida em que o universo pessoal é transportado para fora de casa, sendo assim expandida a metáfora da domesticação (Haddon, 2003, 2007; de Reuver et al., 2016).

No caso concreto do smartphone, o utilizador encontra novos desafios. Se por um lado o aparelho reúne de forma convergente (Jenkins, 2006) diferentes tecnologias já domesticadas como o telemóvel, câmara fotográfica, computador ou internet (Bertel & Stald, 2013), adiciona novas possibilidades como a customização do aparelho através das apps, tornando tal dispositivo num objeto único, com significados e simbologias próprios, através do qual é possível desempenhar diversas funções e, cujas práticas, poderão ser moldadas pela aplicação que se está a usar.

Entre o conjunto de aplicações disponíveis, as de carácter social como as redes sociais online, os sistemas instantâneos de troca de mensagens e as plataformas de online dating, são um exemplo daquelas que permitem caracterizar o smartphone como uma tecnologia com um alto grau de sociabilidade e, ao mesmo tempo, de individualidade.

Domesticação: plataformas de online dating

Aplicar a teoria da domesticação às aplicações para smartphones (de Reuver et al., 2016; Matassi et al., 2019) requer adaptações tendo em conta de que não se trata de um objeto tangível. Ao interpretarmos o processo de domesticação, este será processual e faseado. A domesticação do smartphone corresponderá a uma primeira etapa que antecede necessariamente o uso de apps de online dating numa segunda etapa, que terá em conta as affordances comunicacionais (Schrock, 2015) e sendo a unidade de análise o indivíduo.

Neste sentido, e considerando a adaptação das plataformas de online dating aos quatro momentos do processo de domesticação proposto por Silverstone et al. (1992), a apropriação residirá no download da app ou o acesso móvel a determinado site. A objetificação consistirá no lugar de uso, potenciado pelo caráter móvel do smartphone, assim como na criação do perfil e ajuste dos critérios de pesquisa/procura, que correspondem respetivamente à primeira e segunda fase do processo de online dating (Markowitz et al., 2018), explorando affordances, design e arquitetura da plataforma tornando-as familiares (Silverstone e Haddon, 1996).

A incorporação refletirá rotinas quotidianas e ritmos de uso em termos temporais. Evidenciará também relações entre hábitos existentes e novos, possibilitados pelo recurso às plataformas de online dating. Por fim, a conversão reflete-se nos formatos de representação da plataforma que são partilhados socialmente de forma discursiva ou mesmo na demonstração grupal do uso da tecnologia (Haddon, 2011). Consistirá, portanto, na partilha, ou não, com outros dos usos da plataforma - um utilizador poderá mostrar como funciona, mostrar resultados ou até utilizar conjuntamente. A conversão consistirá também na transposição dos resultados do uso das plataformas de online dating, traduzindo-se em situações como a partilha de outro contacto ou a procura em redes sociais online de informações sobre utilizadores com os quais tiverem correspondência, conferindo informação sobre a integração das plataformas de online dating.

O processo de domesticação das plataformas de online dating também se caracteriza pelo seu dinamismo e interação. Podendo o utilizador ir alterando o seu perfil sempre que assim o considerar, ajustar critérios de procura, estar temporadas sem utilizar a aplicação ou desinstalar e voltar a instalar. Consequentemente, sendo a comunicação realizada com recurso a tecnologias móveis, e tendo em conta o caráter social de tais tecnologias, é expectável que no decorrer da conversão e paralelamente na fase da descoberta (Markowitz et al., 2018) a comunicação possa divergir para outras plataformas.

Comunicação e integração multicanais: ideologias da escolha

Na escolha das plataformas não só estão refletidas as dimensões do processo de domesticação, mas também as representações e atitudes face às mesmas, à sua estrutura e o significado atribuído, ou seja, as ideologias de media (Gershon, 2010). Estas não são universais entre os utilizadores, afetando a perceção sobre diferentes media, a ação em cada um deles, a escolha do meio que entregará a mensagem e como esta será recebida. Como consequência, na decisão de uso de um canal em detrimento de outro estão implícitos significados sociais, morais e emocionais (Madianou & Miller, 2013) assim como, o posicionamento da plataforma no mercado e como o grupo de pares a vê.

Tais aspetos não se refletem apenas na escolha da plataforma de online dating ou na construção do perfil, mas também em todas as dimensões do processo comunicacional, na decisão de abandono do chat e opção por outro(s) meio(s) para o qual a comunicação pode progredir, o teor das mensagens que serão trocadas e o formato, tornando-as mais ou menos adequadas e moldando a comunicação aos contextos.

Inerentes às ideologias de media e resultado dos usos dessas com outros emerge um léxico de práticas possíveis - idiomas de práticas (Gershon, 2010) - e que se traduzem em diferentes formatos de agência na apropriação e modelação social da tecnologia. Este processo depende do contexto e decorre informalmente. A mudança social ocorre assim como resultado dos idiomas e das ideologias, aos quais se somam as lógicas de funcionamento das plataformas e num contexto social onde a comunicação é mediada, vão surgindo novas práticas.

No contexto de online dating, têm sido reportados diversos comportamentos, não exclusivos de tais plataformas, mas do contexto digital em rede. Um exemplo decorre da integração de vários media sociais, nomeadamente redes sociais online, numa mesma tecnologia (smartphone), às quais os indivíduos recorrem para procurar e recolher dados sobre com quem estão a comunicar e/ou verificar a veracidade da informação partilhada, muitas vezes, sem o seu conhecimento e de forma despercebida. Tal comportamento foi apelidado de stalking ou creeping (Gershon, 2010; Bjornsen, 2018).

Também se pode dar a situação de desaparecimento abrupto do perfil ou da ausência na resposta às mensagens, por parte de com quem se tinha estabelecido uma relação. Essas ações de abandono não anunciado e disrupção comunicacional foram apelidadas de ghosting (Turkle, 2015) e não são passíveis de acontecer com tais contornos em meio offline podendo levar o utilizador a desfazer a correspondência (Jackson, 2019).2

Tais ações refletem não só ideologias de media e idiomas de prática em função do propósito da interação, mas também affordances da tecnologia cujo resultado são um conjunto de dinâmicas comportamentais e comunicacionais.

Metodologia

No seguimento do exposto, consegue-se compreender a relevância do processo de domesticação das plataformas de online dating no âmbito da integração e utilização que é feita das mesmas nas atividades diárias. No resultado do processo de domesticação, estão refletidas ideologias de media e espelhados idiomas de práticas. Tais assunções conduziram à construção e definição da pergunta de partida para o presente estudo: Como se caracterizam as práticas dos utilizadores portugueses nas plataformas de online dating? Sendo o objetivo principal, identificar e descrever perfis no âmbito da relação com a plataforma/grau de incorporação e numa ótica de integração da mesma e o objetivo secundário explorar se os perfis estavam associados a características sociodemográficas específicas.

Procedimento metodológico

Para se obter uma visão sobre as práticas no contexto das plataformas de online dating, foi desenhado um questionário online, aplicado através do programa Qualtrics, com base na literatura sobre online dating, dados secundários estatísticos que caracterizavam o uso e entrevistas prévias realizadas com utilizadores nas quais se explorou o uso de tais plataformas.

Ao aceder ao questionário eram facultadas informações aos participantes sobre o âmbito do estudo, objetivos e critérios de elegibilidade3: nacionalidade portuguesa, ser maior de idade e ter utilizado plataformas de online dating pelo menos, no último ano. Garantiu-se o anonimato das respostas e facultou-se o endereço de contacto para potenciais questões.

O questionário esteve disponível para resposta entre maio e dezembro de 2018, o tempo de preenchimento era de aproximadamente 10 minutos e os participantes não receberam contrapartidas.

Tendo conta que o uso de plataformas de online dating ainda é considerada uma temática sensível do ponto de vista da investigação e pouco estudada no contexto português reuniram-se vários esforços na divulgação do questionário, para que este pudesse alcançar o maior e mais variado número de utilizadores possível. Para tal, o link gerado pelo Qualtrics, e através do qual se acedia ao questionário, foi partilhado nas redes sociais Instagram e Facebook. No Facebook os esforços concentraram-se na partilha do link em grupos, previamente identificados e selecionados, após consentimento dos gestores dos mesmos.

As redes sociais online, nomeadamente o Facebook, têm-se revelado uma forma económica e rápida na disseminação de estudos e na recolha de dados quando comparadas com as tradicionais (Bhutta, 2012; Kosinski et al., 2015).

Descartou-se a partilha do referido link em plataformas específicas de online dating uma vez que várias plataformas proíbem tal comportamento, podendo o perfil ser bloqueado por não respeitar os termos de utilização - veja-se por exemplo a app Tinder e o apartado referente a promoting ou soliciting.

Ainda no contexto online e para além das redes sociais, solicitou-se junto de um estabelecimento de ensino profissional o envio de um e-mail à comunidade escolar informando sobre o estudo e solicitando a participação e/ou divulgação do mesmo. No e-mail, enviado pela escola, foi incluída uma pequena apresentação do estudo, quais os critérios de elegibilidade e o link para acesso direto ao questionário.

Também foram operacionalizados esforços no campo offline. Desenharam-se cartazes e panfletos colocando um QR-code que permitia aceder, através do smartphone, diretamente ao questionário. Os cartazes foram afixados em contexto escolar (universidades) e em locais de passagem ou concentração social (junto a estações de comboio e metro). Já os panfletos foram distribuídos em parques de estacionamento, no contexto de aulas, após autorização dos professores, e colocados em estabelecimentos comerciais.

Medidas de análise

Na sua generalidade, as medidas de análise das variáveis eram maioritariamente qualitativas, com perguntas fechadas e respostas de escolha simples ou múltipla. Em alguns casos, complementaram-se com perguntas abertas cujos resultados foram codificados, agrupados em diferentes categorias constituindo cada uma delas uma categoria.

Incorporação

A relação com a plataforma traduziu-se em comportamentos caracterizantes do uso tendo em conta variáveis como: 1) a antiguidade (moda = até dois anos), 2) a frequência, medida através do número de vezes que consultavam a plataforma (moda = entre 1 e 5 vezes), 3) a intensidade, obtida através do tempo que passavam online (moda = mais de 10 minutos, mas menos de 30) e 4) a tipologia de recurso (moda= intermitente, intercalando temporadas de uso diário com outras de não utilização.

A incorporação da plataforma também foi medida em termos de socialização, através de variáveis como: 1) iniciativa no envio da primeira mensagem (moda = sim), 2) exaustividade no contacto de todos os perfis considerados interessantes (moda = não) e 3) rutura comunicacional com outro utilizador sem motivo aparente (moda = sim).

Integração

O grau de integração da plataforma no conjunto de atividades diárias paralelas e complementares ao uso das redes de online dating foi medido através de variáveis como 1) partilha de contacto (Moda = Sim), 2) partilha de perfis aos quais vai tendo acesso, com outras pessoas (moda = não) e 3) procura de informação nas redes sociais online sobre outros utilizadores (moda = sim).

Informação sociodemográfica

Considerou-se que a informação sociodemográfica poderia ter um potencial explicativo sobre a descrição dos perfis específicos dos utilizadores. A recolha incluiu o género dos participantes (feminino, masculino, outro), idade (18-71 anos), escolaridade (desdobrada no processo analítico em básica, secundária, superior), estado civil (solteiro, casado, divorciado) e coabitação (familiares, sozinho, amigos, companheiro, outro).

Análise estatística

Com o objetivo de identificar perfis de utilizadores de redes de online dating no contexto da relação destes com a plataforma, numa ótica de incorporação da mesma e o grau de integração de tais soluções no ecossistema dos media e consequentemente em rotinas diárias, foi realizada uma análise de correspondência múltipla (ACM) (Carvalho, 2008).

O recurso a este método permitiu analisar relações entre múltiplas variáveis, projetar as categorias dessas variáveis num plano a duas dimensões através de uma representação gráfica e identificar perfis de utilizadores de redes de online dating. Posteriormente, realizou-se uma análise hierárquica de clusters (Hair et al., 2010) sobre os object scores resultantes da ACM. Tal procedimento permitiu validar os padrões da ACM e agrupar os indivíduos de acordo com os seus perfis. Para realizar tal análise estatística recorreu-se ao programa SPSS, versão 26.

Caracterização da amostra

A amostra por conveniência foi composta por 326 participantes cuja caracterização sociodemográfica é exposta na tabela 1. Mais de metade dos participantes, 58,6%, identificaram-se como sendo do género masculino, 40,8% do género feminino e 0,6% de outro género embora não especificassem qual.

Quando questionados sobre o seu estado civil, 81,3% dos participantes indicaram estarem solteiros, 15,6% divorciados e 3,1% casados. A idade dos inquiridos variou entre os 18 e os 71 anos (média (M)=30,66; desvio padrão (DP)=8,61) sendo que, a grande concentração de participantes se situou nas faixas etárias até aos 35 anos (70%). Tais dados vão ao encontro dos dados globais relativos aos utilizadores de redes de online dating disponíveis pelo GlobalWebIndex (Paisley, 2018)4 que indicam que é nas coortes etárias entre os 18 e os 34 anos que se concentra o maior número de utilizadores. Estas faixas de idade também correspondem aquelas nas quais é mais provável os indivíduos experimentarem e formarem relações de caráter romântico/sexual (Arnett, 2004).

Tabela 1: Caracterização sociodemográfica da amostra. 

N %
Género Masculino 191 58,6
Feminino 133 40,8
Outro. Qual? 2 0,6
Escolaridade Básico 2 0,6
Secundário 70 21,5
Superior 254 77,9
Estado civil Solteiro‎/a 265 81,3
Casado/a 10 3,1
Divorciado‎/a 51 15,6
Coabitação Familiares 129 39,6
Sozinho‎/a 128 39,3
Amigos 51 15,6
Companheira/o 14 4,3
Outros. Quem?5 3 1,2
Escalões etários 18-24 73 22,4
25-29 97 29,8
30-35 58 17,8
36-41 62 19,0
>=42 36 11,1

Entre as escolhas dos participantes, a app Tinder sobressaiu como indicada por mais usada no último ano pelos utilizadores (72,2%) seguindo-se o Happn (5,2%) e o Badoo (4,9%). O Tinder é a app de online dating onde 4,8% dos portugueses afirma ter perfil criado (Marktest, 2018)6.

As escolhas dos utilizadores remetiam para plataformas cuja versão inicial tinha sido criada especificamente para smartphone colocando em evidência o grau de penetração de tal tecnologia, mas também a importância atribuída às tecnologias móveis no contexto de online dating.

Resultados

Os resultados da análise de correspondência múltipla indicaram duas dimensões, responsáveis por 22,3% e 15,7% do total da variância respetivamente, e cuja interpretação permitiu compreender a configuração dos perfis de utilizadores. Na tabela 2 estão indicadas as medidas de discriminação das variáveis ativas para as duas dimensões tendo sido considerados para a análise os valores acima da inércia, destacados em negrito. Ainda que a variável intensidade fosse importante nas duas dimensões considerou-se mais lógico, no contexto teórico e no âmbito da análise, que fosse contemplada na dimensão 1.

A dimensão 1 discriminou utilizadores numa ótica de incorporação da plataforma e em função da caracterização temporal do uso e o grau de socialização. A dimensão 2 discriminou utilizadores através de um conjunto de comportamentos no âmbito da integração das aplicações nas atividades diárias e numa ótica de ecossistema dos media, que se traduziram em atividades complementares ao uso das plataformas de online dating, mas desempenhadas fora da mesma.

Tabela 2: Contribuições das variáveis ativas. 

Nota: Os valores em negrito são aqueles superiores à inércia para cada dimensão.

Os resultados da análise e posterior configuração topológica resultante da ACM, onde as diferentes categorias das variáveis que compunham as duas dimensões estavam representadas, permitiu a identificação de três perfis de utilizadores de redes de online dating distintos. Já a análise de clusters permitiu agrupar os participantes em três clusters que se apresentam na figura 1.

Figura 1:  Configuração topológica dos padrões e projeção de clusters  

O perfil do cluster 1 estava associado aos utilizadores recentes (<1 ano), cujo recurso à plataforma se caracterizava por ser casual, com baixa frequência e tempo de uso. A atitude deste perfil de utilização era de espectador, traduzindo-se num baixo grau de socialização. No mesmo sentido, os participantes que pertenciam a este cluster caracterizavam-se por um diminuto grau de integração do uso de plataformas de online dating no conjunto de atividades diárias e complementares.

O perfil do cluster 2 reunia aqueles participantes que foram apelidados de utilizadores de grau intermédio refletido em aspetos como a antiguidade e a frequência diária de uso. Eram utilizadores que já tinham eliminado/apagado a plataforma/perfil. No âmbito da socialização situavam-se num nível intermédio. Já quanto ao grau de integração este revelou-se elevado, na medida em que integravam resultados do uso de plataformas de online dating num conjunto de atividades associadas com estas, mas desempenhadas fora da plataforma.

No polo aposto, o perfil do cluster 3 era caracterizado por um alto grau de incorporação da plataforma. Não só em termos de antiguidade de uso (≥2 anos), mas também espelhado no considerável número de consultas diárias, pelo tempo online, no uso continuado, mas também por serem indivíduos com uma predisposição para mais sociabilidades. Quanto ao grau de integração, este caracterizava-se por ser intermédio, ao transporem um conjunto de atividades no contexto do uso de plataformas de online dating.

O segundo objetivo do estudo passou pela exploração da existência de características sociodemográficas caracterizadoras dos perfis. O perfil do cluster 1, utilizadores iniciantes e passivos, estava associado ao género feminino, com idades compreendidas entre os 24-29 anos e que viviam com familiares. O perfil do cluster 2, utilizadores exploradores e ativos, estava associado ao género masculino, com utilizadores com idades compreendidas entre os 24-29 anos e que, à semelhança do cluster 1, também viviam com familiares. O perfil do cluster 3, utilizadores experientes e sedimentados, estava associado ao género masculino, cuja faixa etária mais representativa compreendia utilizadores com idades entre os 36-41 anos e cujos participantes indicavam viver sozinhos.

Discussão dos resultados

O presente estudo pretendeu explorar, entre os utilizadores portugueses de redes de online dating, os formatos de domesticação destas plataformas abordando especificamente a etapa da incorporação e, de forma complementar, concluindo sobre a integração.

Focando a etapa da incorporação, exploraram-se aspetos relativos ao tempo, quer em termos de antiguidade, frequência e intensidade de uso das plataformas numa ótica do tempo atribuído à tecnologia, neste caso às plataformas de online dating, e onde se refletem comportamentos das fases correspondência e descoberta do processo de online dating (Markowitz et al., 2018).

Ainda no contexto da incorporação exploraram-se dinâmicas comunicacionais relativas à socialização. Considerámos que as dinâmicas associadas a tal processo eram um fator importante, permitindo concluir face ao envolvimento do utilizador com a plataforma refletido em atitudes mais ou menos ativas e por vezes proporcionadas pelas características do meio online.

A integração das plataformas de online dating refletiu-se na realização de um conjunto de atividades que podiam ser complementares à utilização das mesmas, facultando dados face à transposição do uso numa ótica da comunicação e sociedade em rede. À semelhança da etapa de incorporação, espelharam-se comportamentos e decisões relativas às fases da correspondência e da descoberta inerentes ao processo de online dating (Markowitz et al., 2018). Tais comportamentos podiam ser operacionalizados através da procura de informações sobre os utilizadores noutras redes sociais online, práticas apontadas por Gibbs et al. (2011) como comuns, através da partilha de outro contacto, podendo a comunicação migrar para outras plataformas, e através da partilha dos perfis ou dos resultados do uso, com outras pessoas.

De uma forma geral, os resultados mostraram a existência de três perfis, permitindo uma diferenciação relativa aos graus de incorporação e integração. A cada um dos perfis identificado foi associada uma expressão que teve como propósito, reunir em si o conjunto de características dominantes inerentes a cada perfil, tendo em conta as dimensões em análise, as variáveis e as categorias. O resumo de todas estas encontram-se detalhadas na tabela 3.

Tabela 3: Características dos clusters: frequência/percentagem dos participantes nas dimensões incorporação e integração. 

Perfil 1: Utilizadores iniciantes e passivos

Este perfil era o mais exíguo em termos amostrais entre os três identificados (18,7%). Na sua maioria era composto por utilizadores do género feminino, 54,1% face a 45,9% do género masculino, cujas idades estavam compreendidas entre os 24-29 anos (37,7%), com habilitações académicas superiores (77%) e que viviam com familiares (41,0%). No âmbito da coabitação, a situação “viver sozinho”, um indicador da fase adulta, era característica dos indivíduos pertencentes a este cluster. Porém, o momento sair de casa pode ser adiado por questões económicas ou sociais. Não obstante, a conjugalidade tem constituído um acontecimento preditor para a saída do lar parental (Nico, 2011).

Os utilizadores que pertenciam a este perfil eram, na sua maior parte, utilizadores do Tinder (67,2%), com perfil criado há menos de um ano, justificando a denominação atribuída: “iniciantes”.

O recurso à plataforma era maioritariamente casual (41%) ou seja, não formal, sem regras, seguindo-se um uso caracterizado como intermitente (36,1%) isto é, a combinação intercalada de temporadas de uso diário com a não utilização. Reflete-se aqui umas das características do processo de domesticação das plataformas de online dating, a possibilidade de poder estar temporadas sem usar, mas mantendo o perfil.

As demais variáveis relativas à temporalidade na extensão da incorporação, também sustinham a denominação “iniciantes”, na medida em que, quando os utilizadores usavam a app, consultavam-na diariamente entre 1-5 vezes, estando online, no total e por dia, 10 minutos ou menos.

No uso estão refletidas motivações, mas também acontecimentos decorrentes da biografia de vida do utilizador que o fazem estar mais ou menos ativo na plataforma (Sepúlveda & Vieira, no 2020) assim como, a perceção e consequente significado atribuído à mesma (Gershon, 2010).

No âmbito da socialização online, mensurada através de variáveis como a iniciativa de envio da primeira mensagem (Não=73,8%), contacto com os perfis com correspondência (Não=88,5%) e abandono comunicacional sem motivo aparente (Sim=88,5%), este perfil revelou um baixo grau de interação com os outros utilizadores, sustentando uma atitude de espectador e recetor, remetendo até para práticas de ghosting (Tukle, 2015).

Respeitante à integração comunicacional com outras redes, este cluster era caracterizado por um grau nulo, na medida em que os utilizadores não partilhavam outro contacto seu (Não=52,5%), não procuravam informações sobre os utilizadores em redes sociais online (Não=59%) e não partilhavam perfis com outras pessoas (Não=77%). Equaciona-se assim que a frequência de consulta e tempo online fosse numa ótica de visionamento, tanto de perfis ou de mensagens, mas não de interação e transposição de tais resultados para outros media ou na integração dos mesmos no conjunto de atividades realizadas.

Advogamos que as práticas caracterizantes deste perfil são, em parte, explicadas pelo facto de este ser composto por mais participantes do género feminino. Ainda que as redes de online dating permitam uma transformação face ao passado tradicional no que a comportamentos relativos ao género na iniciação de um relacionamento diz respeito, estudos demostram que as mulheres, nomeadamente aquelas com idades até 30 anos, consideram que o homem deveria estar no controlo do início do relacionamento indicando o desejo de voltar aos tempos de namoro mais tradicionais (Albright & Carter, 2019). De acordo com (Knudson, 2017) no âmbito da comunicação em contexto de online dating, as mulheres são quatro vezes menos prováveis de enviar mensagens do que os homens.

Este perfil indicou que a razão para o não envio da primeira mensagem se devia ao facto de preferir que o outro tomasse a iniciativa comunicacional (80,6%), reforçando os resultados dos estudos anteriores. Estes dados também remetem para dinâmicas de apropriação, consequente utilização da plataforma e resultados do uso.

Resultados de investigações prévias indicaram também que as mulheres reportavam que raramente ou apenas às vezes se sentiam respeitadas ao usar o Tinder (Thompson, 2018; Lopes & Vogel, 2019). Neste contexto, utilizadoras pertencentes a este perfil revelaram já terem bloqueado outros utilizadores (59%) sendo que entre as principais razões indicadas estavam “comentários impróprios” (11,1%) e “má educação” (16,7%).

É um perfil composto por utilizadores nascidos na década de 1990, já com a existência da internet e de redes sociais online, que presenciaram uma rápida evolução das tecnologias de informação e o crescimento das plataformas de redes de online dating e da adaptação das mesmas aos serviços móveis, que parecem revelar-se reticentes na utilização das mesmas.

Perfil 2: Utilizadores exploradores e ativos

Este foi o perfil que agregou o maior número de utilizadores (58,3%). Maioritariamente composto por utilizadores do género masculino (54,2%), solteiros (85,8% ), com uma representação mais alargada na faixa etária 24-29 anos (31,1%), seguindo-se aqueles utilizadores entre os 18-23 anos (26,3%). Em termos da abordagem biográfica e do curso de vida, estas coortes etárias abrangem tipicamente o período de início da fase adulta, marcada pela exploração e desenvolvimento de relações interpessoais que podem levar à formação de relacionamentos no âmbito da intimidade (Erikson & Erikson, 1997).

No que respeitava à situação habitacional a maioria vivia com familiares (42,6%), embora também estivessem presentes no perfil aqueles utilizadores que viviam sozinhos (39,5%). Quanto às habilitações académicas, grande parte detinha o ensino superior (78,4%).

Este perfil agregava o maior número de utilizadores da app Tinder (78,4%). A antiguidade de uso situava-se entre 1 e 2 anos (48,4%) sendo que, no decorrer da utilização, já a tinham desinstalado e/ou eliminado o perfil (34,7%). Estas possibilidades ilustram o conceito de re-domesticação destes serviços tecnológicos existindo, neste contexto, a possibilidade de voltar a instalar e/ou voltar a criar o perfil, com a mesma informação, visual ou textual, ou outra.

O abandono, definitivo ou temporário, pode ser justificado por razões como a (não) satisfação das gratificações inerentes às motivações que levaram ao uso da app (Timmermans & De Caluwé, 2017), as experiências vividas proporcionadas pelo uso (Lopes & Vogel, 2019) e questões decorrentes do curso de vida dos utilizadores, podendo o significado atribuído às plataformas de online dating ser alterado em função de tais circunstâncias e refletido na re-domesticação (Green & Haddon, 2009).

Ainda no contexto da incorporação, as variáveis relativas à temporalidade indicaram que a frequência de consulta diária por parte deste perfil situava-se entre 1-5 vezes (94,2%), estando os utilizadores online diariamente entre 10 e 30 minutos (65,8%), mais tempo quando comparados com os utilizadores do cluster 1.

Este conjunto de dados apontaram para utilizadores de nível intermédio. Ainda que a frequência de consulta fosse semelhante à do cluster 1 (1-5 vezes), este perfil usava a plataforma há mais tempo e passava mais tempo online.

No que se refere à socialização online, eram indivíduos que não contactavam todos os perfis com os quais tinham tido correspondência (51,1%), embora a percentagem de utilizadores que o faziam também fosse elevada (48,9%). Novamente, a razão apontada, inclusive entre os utilizadores do género masculino, era a preferência de que o outro tivesse iniciativa em fazê-lo (92%). Tais aspetos podem ser atribuídos a características pessoais como a timidez (Whitty & Buchanan, 2009), passividade ou até a idiomas de prática (Gershon, 2010) resultantes da perceção de funcionamento da app como por exemplo, o utilizador que gostou primeiro deve ser quem tem a iniciativa de contacto.

Os utilizadores agregados neste perfil também se caracterizavam por já terem deixado de comunicar com outros sem motivo aparente (87,9%), remetendo este dado, à semelhança do cluster 1, para práticas de ghosting proporcionadas pelas características do meio (Turkle, 2015).

Os dados relativos à socialização mediada no âmbito da incorporação reforçaram assim a caracterização de um perfil de grau intermédio. Pondera-se que a frequência de consulta e tempo online fosse não só numa ótica de visionamento de perfis ou mensagens, mas também de comunicação refletindo tempo de interação entre utilizadores.

No contexto da integração, o perfil caracterizou-se por partilhar outro contacto (98,4%), sendo o contacto indicado como o mais frequentemente partilhado o WhatsApp (59,9%). Tendo em conta a natureza do WhatsApp - sistema de troca de mensagens - tais dados remetiam para a etapa da descoberta do processo de online dating, com a comunicação a ampliar-se para fora da app, refletindo preferências e consumos relativos a determinados media sociais.

A escolha do WhatsApp tem em conta o grau de (in)formalidade entendido (Gershon, 2010), o tipo de intimidade desejado (Markowitz et al., 2018), mas também o formato de conteúdo que se pode partilhar, a lógica de funcionamento, posicionamento e grau de imiscuidade da plataforma entre as práticas dos utilizadores. Estudos indicam que 68% dos utilizadores portugueses de internet recorreu ao WhatsApp no último mês (Kemp, 2020)7.

Ainda no recurso a outros media, o perfil caracterizou-se pela procura de informações sobre os perfis nas redes sociais online (98,4%), nomeadamente no Facebook e Instagram (74,9%). A preferência das redes vai ao encontro dos dados relativos às redes sociais online onde os portugueses têm maioritariamente perfil criado (Marktest, 2018). O recurso a redes sociais online para saber mais sobre o utilizador ou confirmar informações (Heino et al., 2010) pode remeter para os conceitos de stalking ou creeping (Gershon, 2010; Bjornsen, 2018). Porém, numa sociedade em rede consideramos que tal comportamento não deverá ser diretamente encarado numa aceção negativa, mas sim como uma camada adicional da descoberta do outro.

No âmbito da partilha de outro contacto e de procura de informação adicional nas redes sociais online, este foi o cluster que revelou os valores mais elevados - 98,4% em ambas as categorias.

Era um perfil que se caracterizava pela partilha social dos perfis aos quais ia tendo acesso (54,2%), sendo os amigos aqueles com quem habitualmente partilhavam (86,4%). Tal partilha poderia significar a procura de uma opinião, assim como a validação ou a pertença entre pares, transpondo a utilização das plataformas de online dating para redes de amizade.

As práticas registadas revelaram que o grau de integração das redes de online dating no conjunto do ecossistema dos media é elevado, sendo um perfil que recorria a outras aplicações fosse para comunicar com utilizadores como para saber mais sobre estes. Tal integração também se vê reforçada através da partilha de perfis com outros.

A idade e o género são duas variáveis demográficas que parecem caracterizar este perfil: são sobretudo homens, nascidos na década de 1990 e 2000. Revelaram uma alta integração dos resultados das plataformas de online dating para as redes sociais online, indicando-se mais propensos para o uso de tecnologias em tal âmbito. Porém, e ainda que o tempo de uso das plataformas de online dating fosse caracterizado por um grau intermédio, mostravam-se sociáveis e refletindo padrões tradicionais associados ao género masculino, como tomar iniciativa em contactar os outros perfis e envio da primeira mensagem.

Perfil 3: Utilizadores experientes e sedimentados

Este perfil era composto por 23% dos participantes, sendo a grande parte do género masculino (80%). A faixa etária mais representada era aquela entre os 36-41 anos (25,3%), mas com uma distribuição semelhante nas faixas etárias 30-35 anos (22,7%), ≥42 anos (20%) e 24-29 anos (20%), viviam sozinhos (46,7%) e com habilitações académicas superiores (77,3%).

Consistiu num perfil que se caracterizava por ser solteiro (68%), ainda que este cluster tenha agrupado a maior percentagem de indivíduos divorciados (29,3%). Como elemento comparativo, refira-se que a taxa média de casamento em Portugal, entre os indivíduos do género masculino, situa-se nos 33,6 anos (Pordata, 2019)8 a de divórcio nos 46,7 anos (INE, 2018)9.

O recurso a plataformas de online dating entre a faixa etária mais representada neste cluster pode surgir como complemento aos grupos tradicionais como os amigos ou família, e aos locais tradicionais como a escola, local de trabalho ou espaços de diversão, na medida em que estes podem não dar resposta à procura de pessoas com quem desenvolver um relacionamento (Sepúlveda & Vieira, 2020).

Os utilizadores deste perfil eram aqueles que usavam as plataformas de online dating há mais tempo, 2 ou mais anos (60%) e de forma continuada (46,7%), ou seja, desde que a instalaram não estiveram períodos sem usar, como o perfil 1, e/ou não eliminaram a app/perfil, como o perfil 2. Também agrupava aqueles utilizadores que a usavam com uma maior frequência diária, consultando-a seis ou mais vezes (50,7%) e estando online diariamente mais de 30 minutos (68%). Estes dados apontam para uma incorporação sedimentada, na qual é atribuída às plataformas de online dating um tempo específico, refletindo tal etapa do processo de domesticação e resultando em que a utilização de tais plataformas fizesse parte e estivesse articulada com as demais atividades quotidianas.

Ainda no âmbito da incorporação, mas respeitante à socialização, os dados remeteram para uma intensidade elevada na medida em que os utilizadores afirmaram tomar iniciativa no envio da primeira mensagem (90,7%), tinham por hábito contactar todos os outros perfis com os quais tinham tido correspondência (73,3%) e não deixavam de comunicar com outros utilizadores sem motivo aparente (56%).

Tais práticas, características deste perfil, podem não só ser explicados por questões de género, tal como no perfil 2, mas também por variáveis relativas à temporalidade no contexto da incorporação que apontaram para um hábito de uso enraizado.

Quando analisadas as variáveis respeitantes à integração, deparou-se que este perfil partilhava com os utilizadores com os quais era correspondido outro contacto (93,3%) e procurava informação sobre os utilizadores nas redes sociais online (76%), remetendo, à semelhança do perfil 2, para uma transposição do uso específico de plataformas de online dating para o contexto mais alargado dos media sociais online e de plataformas de comunicação em rede.

Porém, é um perfil que não tendia a partilhar com outros os perfis aos quais ia tendo acesso ao longo do processo de uso (85,3%). Tendo em conta que o perfil agregava um maior número de utilizadores de faixas etárias superiores às dos perfis 1 e 2, tal facto podia remeter para questões relacionadas com a perceção do estigma social associado ao uso de plataformas de online dating. Durante anos, tais plataformas foram alvo de um processo de construção social de estigma e embora haja uma tendência atual crescente para que este desapareça (Ellison et al., 2006), pode ainda permanecer entre os participantes mais velhos.

Podemos então concluir que o perfil revelou um grau médio relativo à integração no âmbito da domesticação de plataformas de online dating.

Tratava-se de um perfil caracterizado por um uso não só mais longo como mais duradouro revelando tal fator um uso diacronicamente mais enraizado fazendo as plataformas de online dating parte das atividades diárias de tais utilizadores há algum tempo. A variável idade, veja-se que 45,3% tem idade igual ou superior a 36 anos, remeteu para um uso das plataformas de online dating complementar às redes e locais tradicionais, existindo alguma reserva na partilha do uso e que pode refletir questões associadas a uma auto perceção de estigma.

Considerações finais

O uso de smartphones influi dialeticamente nas rotinas diárias dos indivíduos pelo conjunto de possibilidades conferidas através do aparelho. Com recurso ao mesmo, o utilizador poderá fazer o download de apps, entre as quais as específicas de online dating, tornando o smartphone num objeto único (de Reuver et al., 2016), refletindo um conjunto de comportamentos no decorrer do processo de domesticação destes media. No processo de domesticação de plataformas de online dating está refletido o conjunto de affordances comunicacionais dos media móveis (Schrock, 2015). Não se pode ignorar que a domesticação de tais plataformas acontece no âmbito de um aparelho (smartphone), cuja utilização é também reflexo do processo de domesticação, e através do qual se disponibilizam outros serviços que podem ser integrados no âmbito do online dating.

Comprova-se então o dinamismo de tal processo, caracterizando-se por não ser estanque, mas sim flexível, com diferenciações padronizadas, no qual se refletem objetivos do uso, fases ou momentos do curso de vida, perceções sobre as plataformas, o sentido conferido às mesmas e a perceção sobre normas sociais. Tal carácter processual e diacrónico reflete também o conceito de re-domesticação, introduzindo dinâmicas que podem ser operacionalizadas nas diferentes fases do processo de online dating, mas também no âmbito de estruturas sociais já existentes.

A exploração analítica realizada ao longo deste artigo e cujos resultados são produto de um questionário online dirigido a utilizadores portugueses de aplicações de online dating, incidiu sobre a etapa incorporação do processo de domesticação de tais aplicações e à integração das mesmas no conjunto de atividades diárias dos seus utilizadores permitindo identificar três perfis entre esta amostra de utilizadores.

De acordo com as dimensões analisadas (incorporação e integração) e as suas respetivas variáveis, intersectadas com as categorias sociodemográficas, estabeleceram-se perfis diferenciados de utilizadores de plataformas de online dating nesta amostra e pelos quais estes se dividiram em diferentes proporções.

Verificou-se, entre os três perfis, uma diferenciação em função do grau de incorporação das plataformas de online dating relativa à utilização. Caracterizando-se esta por ser recente e com diminuta intensidade (perfil 1), intermédia (perfil 2) ou alta (perfil 3) fazendo, neste caso, o uso das redes de online dating parte do conjunto de atividades quotidian as realizadas pelos utilizadores. Ainda no âmbito da incorporação, também foi possível segmentar os perfis em função das variáveis que caracterizam a socialização. O resultado permitiu a distinção de utilizadores com uma atitude mais passiva (perfil 1), intermédios (perfil 2) ou fortemente ativa (perfil 3). A distinção entre os perfis 2 e 3 consistiu na evidência de idiomas de práticas (Gershon, 2010) associados ao fenómeno de online dating como o ghosting (Turkle, 2015) por parte do perfil 2, remetendo para um fenómeno caraterístico do meio digital.

As variáveis relativas à dimensão integração permitiram distinguir perfis em função da transposição dos resultados do uso das plataformas de online dating para outras atividades online tais como o recurso de redes sociais online como fonte de procura de informação sobre outros (Gershon, 2010; Bjornsen, 2018) ou ainda a disponibilização de outro contacto - o que evidencia uma vontade de migração comunicacional para outras plataformas e, por fim, a partilha de resultados com outros. Assim, foi possível distinguir aqueles utilizadores que não transpunham tais resultados para outros meios digitais (perfil 1) ou os que não os partilhavam com outros (perfil 3).

As variáveis género e idade assumiram papéis importantes na caracterização dos perfis e consequentemente na contextualização de atitudes que os caracterizam diferenciando-os entre si. O perfil onde o género feminino prevalecia (perfil 1) revelou ser aquele cujo grau de incorporação bem como o de integração eram baixos. Já entre os perfis onde o género masculino predominava (perfil 2 e 3), indiciaram graus médios e altos de incorporação e integração.

Os perfis, independentemente da incorporação e integração, estão distribuídos, com pequenas diferenças, entre as faixas etárias. Se por um lado, a faixa etária 24-29 anos é dominante, o perfil 3 distingue-se por na sua composição agregar aqueles com idade igual ou superior a 36 anos. Note-se, contudo, a relativa concentração etária desta amostra.

Os perfis de utilizadores de plataformas de online dating identificados neste artigo devem ser interpretados como um ponto de partida para outros estudos preenchendo uma lacuna identificada na literatura académica.

Limitações

Aponta-se como maior limitação do trabalho o facto de a amostra não ser representativa, não permitindo que os resultados sejam generalizáveis à população portuguesa. Ademais é de referir que o uso, e o conjunto de comportamentos decorrentes deste, não devem ser considerados estanques. Em estudos futuros, e numa perspetiva qualitativa, fará sentido mobilizar uma abordagem próxima ao curso de vida, com uma componente mais biográfica e diacrónica, que explore as motivações relativas ao uso e turning points, aspetos fundamentais na ótica de uma compreensão mais holística e compreensiva da domesticação das plataformas de online dating.

Financiamento

Este trabalho foi financiado através de uma bolsa de doutoramento com a referência SFRH/BD/130648/2017 financiada com fundos do MCTES e atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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1STATISTA (2018). Online Dating: Portugal. Disponível em: www.statista.com/outlook/372/147/online-dating/portugal. (Consultado em 20-09-2019).

2Jackson, K. (2019). 6 Reasons You’re Getting Unmatched. Disponível em: https://swipelife.tinder.com/post/tinder-unmatch/

3Os participantes não elegíveis eram conduzidos automaticamente para o final do questionário.

4Paisley, E. (2018, outubro, 18). What to know about online dating landscape in 2018. Disponível em: https://blog.globalwebindex.com/trends/online-dating/

5Familiares e amigos; Companheiro/a e amigos; Colegas de casa

6Marktest (2018). Os Portugueses e as Redes Sociais 2018. (PDF).

7Kemp, S. (2020), Digital Report: Portugal. Disponível em https://datareportal.com/reports/digital-2020-portugal (Consultado em 08-03-2020).

8Pordata, (2019, abril, 29). Idade média ao primeiro casamento, por sexo. Disponível em: www.pordata.pt/Portugal/Idade+m%c3%a9dia+ao+primeiro+casamento++por+sexo-421-5200

9INE (2018, Novembro, 15. Número de casamentos aumenta e número de divórcios volta a diminuir; mortalidade infantil regista o valor mais baixo de sempre - 2017. Disponível em: www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=315406783&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt

Recebido: 04 de Novembro de 2019; Aceito: 12 de Abril de 2020

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