Introdução
Em survey encomendado pela rede Avaaz e realizado pela consultoria IDEIA Big Data no Brasil entre 26 e 29 de outubro de 2018 com 1491 indivíduos (intitulado “Eleições e Fake News” (2018))1, constatou-se que, no segundo turno da corrida presidencial de 2018, 86% dos entrevistados foram expostos ao boato de que as urnas eletrônicas teriam sido fraudadas; enquanto outros 74% ouviram a história de que o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, iria implementar um “kit gay” nas escolas caso fosse eleito. Dentre os que tiveram acesso a esses boatos, 53% acreditaram que o rumor sobre as urnas era baseado em fatos reais e 56% consideraram que o ex-prefeito de São Paulo iria concretizar o polêmico projeto se eleito.
Em cenário internacional, as eleições norte-americanas de 2016 (e posteriormente o referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia) popularizaram a percepção de que a internet, e particularmente as redes sociais, podem ser instrumentalizadas para a disseminação de falsas informações (Genesini, 2018). Em pesquisa conduzida pela Edelman Trust Barometer (2018)2, verifica-se que 70% da população mundial teme os impactos nocivos de fake news na esfera pública, 63% tem dificuldade em diferenciar conteúdos jornalísticos de boatos (no Brasil os índices atingem 67%), e 59% tem julgado mais difícil identificar matérias produzidas pela grande imprensa. Somente nos EUA, conforme Petter Brandtzaeg, Asbjorn Folstad e María Domínguez (2017), um em cada quatro adultos relataram já terem partilhado notícias falsas. Outro levantamento, conduzido pela consultoria IDEIA Big Data em janeiro de 2018 a pedido da revista Veja3 em 37 cidades e cinco regiões do Brasil, atestou que 83% dos entrevistados temiam compartilhar mentiras em suas redes sociais; 63% alegaram não checar as informações que compartilhavam, e outros 45% sequer sabiam o significado da expressão fake news.
A resposta do jornalismo profissional a este fenômeno tem sido capitaneada por projetos de checagem de fatos (fact-checking), que surgiram no início dos anos 2000 nos EUA como meio de questionar declarações insustentáveis de políticos em contraponto à reprodução integral de seus discursos pela imprensa (Dobbs, 2012). Distintamente do processo convencional de apuração dos fatos antes de sua publicação (Graves, 2016), o fact-checking se caracteriza pela verificação de possíveis erros a posteriori de sua circulação na mídia. Em paralelo, outras iniciativas passaram a também contestar boatos propagados nas mídias sociais, ampliando o escopo das agências de checagem. No Brasil, tais projetos se encontram em franca expansão. Agências como a Aos Fatos, lançada em julho de 2015 pela ex-repórter de política da Folha de São Paulo, Tai Nalon; e a Lupa, capitaneada por Cristiane Tardáguila e inaugurada no mesmo ano, vem se consolidando no país e estabelecendo sólidas parcerias no enfrentamento das fake news: em 2016 e nas eleições de 2018, o Facebook fechou parcerias com estas agências para avaliar notícias denunciadas como falsas pelos usuários da plataforma; em 2017, a Aos Fatos recebeu o selo “Fact-Check” da Google, o que torna a agência uma referência para aprimoramento dos resultados de pesquisas online dos usuários brasileiros (Nalon, 2017)4; e a Lupa inaugurou, em abril de 2018, juntamente com o Messenger, o “Projeto Lupe!”, um bot que pretendia esclarecer o eleitor brasileiro sobre declarações de candidatos à presidência e aos governos estaduais, desmentindo boatos e informando sobre as regras do pleito com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs)5. Ademais, no segundo turno da corrida eleitoral de 2018 no Brasil, o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do TSE convidou representantes de agências de checagem com a finalidade de conhecer a atuação dessas empresas na prevenção e no combate à disseminação de notícias falsas6, estabelecendo uma proposta de cooperação com elas para detecção e correção de boatos nas 48 horas que antecederam à votação7.
Em face deste contexto de proliferação de desinformações na esfera pública e da popularização de iniciativas que buscam limitar os seus impactos sociais, este trabalho se propõe a realizar um estudo exploratório (Gil, 2002) acerca de um acontecimento que marcou a última corrida presidencial no Brasil, visando averiguar a recepção de boatos e checagens que sucederam o ocorrido, a saber, o atentado contra a vida do então presidenciável pelo Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, ocorrido em 6 de setembro de 2018, quando de sua visita à cidade de Juiz de Fora (MG) em campanha para o 1º turno das eleições presidenciais. Dado o cenário de intensa circulação de fake news, a escalada de polarização política no país (a poucos dias da votação para o 2º turno, uma pesquisa do Datafolha constatou que Bolsonaro tinha 44% de rejeição do eleitorado e Haddad, 52%8), e as inconsistências que ainda parecem permear o caso, o atentado criou terreno fértil para a propagação de boatos e teorias da conspiração. Nos dias subsequentes ao ataque, as agências especializadas em fact-checking dedicaram considerável espaço em suas páginas a desmentir os rumores que surgiam em escala vertiginosa9, e que ora pendiam para uma denúncia de supostos elos escusos entre Adélio Bispo de Oliveira e grupos à esquerda do quadro partidário nacional (que teriam ordenado o atentado), ora pendiam para falsos indícios de que o presidenciável do PSL teria ele mesmo forjado o ato para conquistar a opinião pública a pouco mais de um mês do 1º turno das eleições10. Até hoje circulam boatos sobre o caso como, por exemplo, o que sugeria que o ex-deputado federal Jean Wyllys havia sido o mandante do crime11 e o de que a morte do jornalista Ricardo Boechat teria ocorrido por ele ter informações sigilosas sobre Adélio Bispo12.
Nas seções subsequentes, interessa-nos avaliar especificamente três hipóteses de trabalho vinculadas a este acontecimento:
H1: O consumo de informações que se referem ao atentado inclui os boatos sobre ele que circulam na esfera pública.
H2: A recepção e credibilidade atribuída às fake news são influenciadas por inclinações partidárias.
H3: A confiabilidade ou ceticismo dos receptores em fact-checkings estão relacionados às suas inclinações partidárias.
Visando atender a esse objetivo, o artigo é organizado da seguinte forma: o tópico seguinte é dedicado a uma revisão da literatura internacional sobre desinformação, indicando alguns dos desafios que a cognição humana impõe ao trabalho das agências de checagem; logo após, é apresentado o desenho metodológico da incursão empírica que integra este trabalho (incluindo o detalhamento de um survey aplicado a uma amostra de 108 estudantes universitários). Em seguida, os resultados são expostos com segmentação dos dados por inclinação partidária dos colaboradores e são discutidas as suas implicações para os propósitos mais gerais da pesquisa. Ao final, são listadas algumas das limitações desta análise e as suas contribuições ao crescente referencial sobre circulação de fake news e fact-checking.
Revisão de literatura
Obras clássicas no campo da teoria democrática (Dewey, 2004) e dos estudos em deliberação (Habermas, 1997) possuem forte crença nas competências dos cidadãos para tomarem decisões racionais e bem informadas, promovendo o progresso dos sistemas políticos vigentes. Como James Kuklinski et al. (2000) e Larry Bartels (2002) pontuam, nestes estudos parte-se da falsa premissa de que os atores sociais conseguem julgar consistentemente os problemas concernentes à coletividade e se engajar em debates profícuos por serem alimentados por boas doses de informação sobre o mundo à sua volta. A circulação destas informações na esfera pública serviria para corrigir eventuais ruídos ao bom funcionamento da democracia, uma vez que os cidadãos aceitariam com facilidade correções quando desmascarados boatos e mentiras. “O que é crucial é que as preferências derivem dos fatos e dos dados objetivos sobre o mundo13” (Kuklinski et al., 2000, p. 791). Por esta perspectiva, decisões de voto e sobre políticas econômicas e sociais seriam tomadas após avaliações detidas dos sujeitos sobre os problemas públicos que lhes concernem (Bartels, 2002).
Mas diante da constatação de que nas democracias liberais há atualmente uma torrente de desinformações em circulação, como indicam os relatórios supracitados na introdução, não é razoável supor que os próprios receptores se considerem bem informados para discriminarem do manancial de narrativas disponíveis quais delas de fato oferecem subsídios adequados para a tomada de decisões. Ademais, diversos estudos (Nyhan & Reifler, 2010, 2013; Gottfired et al. 2013, Garrett et al. 2013) têm demonstrado como a abundante disponibilidade de falsos materiais jornalísticos no ambiente online torna os usuários mais suscetíveis a consumirem conteúdos que estejam em correspondência aos seus valores morais e inclinações políticas. A literatura sobre o tema tem apontado esta tendência tanto em tópicos que mobilizam fortes sensibilidades partidárias, como a crença em fraudes eleitorais (Edelson et al. 2017), bem como em questões sociais, como a pena de morte (Lord, Ross & Lepper, 1979) e mesmo em assuntos mais técnicos, como o aquecimento global (Hart & Nisbet, 2011). Ou seja, em muitas circunstâncias os cidadãos não estão somente desprovidos de informações consistentes sobre os acontecimentos do mundo, mas sim resolutamente desinformados. Conforme Brendan Nyhan (2010, p. 11), “os membros do público que são pouco informados sabem que carecem de informações sobre certa questão, enquanto que aqueles que detêm desinformações são paradoxalmente mais propensos a acreditarem que são bem informados”.
Tal fenômeno foi primeiramente detectado em estudos experimentais no campo da psicologia cognitiva (a exemplo dos trabalhos de Collen Seifert (1991) e Ulrich Ecker, Stephan Lewandowsky & David Tang (2010)), que acentuam a tendência humana em reter na memória informações preliminares ou incompletas de um acontecimento, ainda que elas se revelem posteriormente equivocadas. Este processo, que recorrentemente conduz o receptor à desinformação, é também conhecido como “efeito de influência contínua” (Seifert, 1991), e foi reproduzido exaustivamente em experimentos em que participantes eram apresentados a dados equivocados sobre determinado fato, e posteriormente recebiam correções sobre os erros na descrição apresentada, visando avaliar as condições que favoreciam ou prejudicavam o efeito da desinformação na memória.
Os subsídios desta literatura nos conduzem a ponderar o excessivo entusiasmo de certos autores, que vêm saudando as iniciativas de fact-checking como panaceia para combater a proliferação de desinformações na contemporaneidade, corrigindo falsas crenças sustentadas pelo público e robustecendo a democracia (Gottfried et al. 2013; Frindkin, Kenney & Wintersieck, 2015; Wintersieck, 2017). Isto, pois, as próprias correções oferecidas pelas agências de fact-checking não são imunes às inclinações partidária dos públicos, inclinações estas que podem torna-los mais suscetíveis à desinformação quando as checagens tratam de boatos que despertam suas sensibilidades políticas e morais. Conforme investigação paradigmática empreendida por Nyhan & Jason Reifler (2010) nos EUA, foi detectada uma disposição entre indivíduos com fortes vieses partidários de sofrerem o que foi designado como “efeito bumerangue”, ou seja, diante de correções de fake news que estavam em consonância às suas preferências ideológicas (como a crença infundada de que haveriam armas de destruição em massa no Iraque), os participantes tendiam a reforçar sua confiança nos boatos para não terem de revisar suas preferências iniciais. Na perspectiva dos autores, “a maneira pela qual a memória humana funciona pode dificultar o endereçamento das percepções errôneas. Uma vez que uma informação é codificada, pode ser muito difícil eliminar seus efeitos nas atitudes e raciocínios subsequentes” (Nyhan & Reifler, 2013, p. 14)14.
Importante ponderar, contudo, que nestas pesquisas o fenômeno da recepção é apreendido em viés cognitivo-funcional, ou seja, como equivalente ao processamento de informação pelo cérebro (Seifert, 1991; Nyhan & Reifler, 2010). Tal abordagem é providencial para estudos que lançam mão de questionários fechados com o objetivo de mapear as reações de entrevistados diante de determinadas questões (como no caso do presente estudo), contemplando a influência de preferências político-partidárias na predisposição ou não de uma pessoa a se tornar desinformada ou mal informada sobre determinado assunto. Todavia, uma limitação desta abordagem é o seu distanciamento das situações reais de recepção no cotidiano, que não correspondem a um processamento mecânico de dados, conforme reconhecem autores desta própria seara de pesquisa (Shin & Thorson, 2017). A despeito desta insuficiência, considera-se que mesmo esses estudos têm indicado alguns dos obstáculos que permeiam o trabalho das agências de fact-checking, moderando os argumentos mais entusiásticos de alguns autores acerca de tais iniciativas.
Procedimentos metodológicos
Definindo esta investigação exploratória como um estudo sobre a circulação e recepção de boatos e checagens que toma por referência o atentado contra Jair Bolsonaro ocorrido em 2018, optou-se pela aplicação de um questionário online para coleta de dados pertinentes ao escopo da pesquisa. Por se tratar de um trabalho preliminar não financiado por agência de fomento com o único de propósito de estimular investigações mais exaustivas sobre a questão, o recorte amostral é não probabilístico, ou seja, não permite “determinar a probabilidade de seleção de cada participante na pesquisa” (Vinuto, 2014, p. 203), e por esta razão também não atende a critérios de representatividade estatística, bastante usuais em estudos do gênero (Lord, Ross & Lepper, 1979; Kuklinski et al. 2000; Nyhan & Reifler, 2010; Edelson et al. 2017).
Não obstante, o recurso a questionários para aferição do acesso a desinformações e da suscetibilidade a aceitar correções é fartamente empregado nestes trabalhos, especialmente em temas que despertam inclinações morais e políticas (Nyhan & Reifler, 2012; Lewandowsky et al. 2012). Com frequência, o público-alvo destas pesquisas é composto por estudantes universitários (Lord, Ross & Lepper, 1979; Kuklinski et al. 2000; Ecker, Lewandowsky & Apai, 2011; Swire et al. 2017), seja por facilidade de acesso, seja por serem considerados um público que comumente consome maior volume de informação15. Procurou-se seguir esta sugestão, preparando um survey online a ser divulgado em grupos de redes sociais que agregam estudantes universitários e pesquisadores de programas de pós-graduação das distintas regiões do Brasil16.
O questionário foi desenvolvido na plataforma Zoho17 seguindo as indicações de design empregadas em investigações internacionais similares (Nyhan & Reifler, 2010; Swire et al. 2017; Flynn, Nyhan & Reifler, 2017; Uscinski, Klofstad & Atinkson, 2016). A enquete foi dividida em cinco seções com 21 questões no total (todas elas fechadas com opções de respostas em múltipla escolha)18. As primeiras seis interrogações traçam um perfil sócio demográfico da amostra (distribuição por gênero, idade, estado de residência, escolaridade e inclinação partidária na última eleição presidencial19) e as subsequentes são principiadas com uma nota do portal G1 com um breve relato do atentado, publicado no dia 6 de setembro. Ao final do texto segue um link com a fonte da matéria original e um vídeo com o Plantão da Globo, que primeiro divulgou o acontecimento. Os respondentes são então interrogados se se consideram bem informados sobre o caso20, e na sequência são apresentados dois boatos sobre o ocorrido que circularam à época, acompanhados de duas checagens fornecidas pelas agências Lupa e Aos Fatos. Os boatos elegidos se referem à suposta alegação de que Adélio Bispo, autor do ataque, seria filiado ao PT, e ao rumor de que Jair Bolsonaro teria arquitetado o atentado para cooptar a opinião pública a seu favor. Ambas as fake news foram classificadas com o selo “falso” pelas agências especializadas21, diferindo-se, portanto, de eventos e declarações que dão margem para etiquetas menos taxativas também adotadas por essas iniciativas (e que por esta razão estão mais abertas a outras interpretações). Dentre a miríade de boatos disponíveis que emergiram após o atentado, estes foram escolhidos por mobilizarem inclinações ideológicas díspares. Não subjaz a esta opção metodológica, todavia, a sugestão de que respondentes mais à esquerda ou mais à direita são mais bem ou pior informados22, mas sim que, no contexto político polarizado supracitado, estas inclinações ideológicas podem ter exercido certa influência no consumo de desinformações por cidadãos mais engajados com a disputa em curso (como já evidenciavam, nos anos de 1950, Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson & Hazle Gaudet (1962) ao discorrerem sobre a manifestação de uma seletividade de exposição à mídia em períodos de corrida eleitoral).
Na sequência da apresentação de cada um dos dois boatos os participantes são indagados se já tinham conhecimento prévio da história e são instigados a atribuírem um grau de confiança a ela em uma escala Likert de cinco pontos (em que 1 se refere à discordância plena e 5 à concordância plena)23. Posteriormente, são apresentados a checagens fornecidas pelas agências supracitadas, que corrigem de modo assertivo cada um dos boatos com os links para as fontes originais. Os níveis de concordância nas correções também são aferidos em escalas Likert de cinco pontos e, por fim, os entrevistados são indagados sobre como relatariam o caso para um estrangeiro que não estivesse a par da política nacional, no intuito de avaliar o impacto dos boatos e das correções na percepção do evento.
Resultados
Entre os dias 7 e 13 de fevereiro (período da coleta de dados) o questionário obteve 215 visitas e foi respondido por 137 pessoas. Todavia, deste total, 29 fichas tiveram que ser descartadas por não terem sido preenchidas até o final. Assim, a coleta de dados se encerrou com 108 contribuições completas24. No que diz respeito ao perfil sócio demográfico dos participantes, 56% da amostra foi composta por homens (N=61) e 44% por mulheres (N=47); a idade predominante foi entre 19 e 30 anos, com 74% do total (N=80), seguidas por 23% de participantes entre 31 e 40 anos (N=25); e 3% de contribuições de pessoas com mais de 40 anos. Este perfil hegemonicamente jovem da amostra decorre do próprio público visado pelo survey, formado por universitários e alunos de cursos de pós-graduação. No que concerne aos Estados de residência, foram registradas contribuições de todas as cinco regiões do país, mas possivelmente em função do algoritmo de alcance orgânico do Facebook, que define a abrangência de postagens em função de sua presumida relevância para um público potencial25, uma esmagadora parcela de participantes foi da região Sudeste (83% do total), sendo 36% deles oriundos de São Paulo (N=39), 27% de Minas Gerais (N=29) e 20% do Rio de Janeiro (N=22). Foram registradas 6% de contribuições da região Nordeste; 5% da região Sul; e 3% tanto da região Norte quanto do Centro-Oeste.
A média de escolaridade também foi bem mais elevada que os percentuais nacionais26, dado o público elegido para compor a amostra. 37% dos respondentes tinham ensino superior incompleto (N=40) e os outros 63% tinham concluído o ensino superior (N=68) (sendo que 6% eram especialistas (N=7); 26% eram mestres (N=28) e 19% doutores (N=21)). Já no que tange à inclinação partidária na última eleição presidencial, foram registradas contribuições de eleitores dos distintos espectros ideológicos presentes na disputa, muito embora com predominância de respostas mais à esquerda do quadro partidário. Os participantes que votaram em candidatos do PSTU, PSOL, PT/PC do B e PPL, integraram 37% do total (N=40); os respondentes mais ao centro do conjunto, eleitores de presidenciáveis da Rede/PV, do PDT e do MDB totalizaram 31% do total (N=33); enquanto que as contribuições mais à direita do eixo, formado pelos partidos dos concorrentes do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB, compuseram 25% da amostra (N=27). Nulos e brancos corresponderam a 7% do total (N=8).
Após lerem a notícia publicada pelo portal G1 em 6 de setembro de 2018 sobre o atentado sofrido pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro, 86% dos respondentes se disseram bem informados sobre o acontecimento. Segmentando esta interrogação pelas inclinações partidárias dos participantes, só houve variação neste percentual médio entre aqueles que optaram por votar nulo ou branco na última eleição, uma vez que, neste segmento, 25% não se consideraram bem informados sobre o ocorrido.(gráfico 1)
Após a leitura do boato de que o então presidenciável do PSL teria forjado o atentado para obter apoio popular a pouco mais de um mês para o 1º turno das eleições de 2018, acompanhado de supostas imagens e vídeos seus circulando por um hospital com a mesma camisa que usava quando foi atacado por Adélio Bispo de Oliveira, 81,5% dos respondentes alegaram já terem lido sobre esta história. Seccionado novamente os dados no espectro partidário da disputa presidencial, contata-se que 87,5% dos eleitores de candidatos do PSTU, PSOL, PT/PC do B e PPL já tinham conhecimento desta narrativa, enquanto que 79% dos votantes em presidenciáveis da Rede/PV, do PDT e do MDB conheciam o boato; e 78% dos respondentes que optaram por concorrentes do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB e 75% dos cidadãos que votaram nulo ou branco já haviam tido acesso a esta trama. (gráfico 2)
Na sequência, os respondentes foram indagados sobre o seu grau de confiança na história lida. Quase 50% dos participantes desacreditavam completamente do boato, outros 23,2% discordaram parcialmente dele e o mesmo percentual era neutro, enquanto que somente 2,8% dos respondentes confiavam parcialmente no relato e 1,9% acreditavam integralmente na história. Inserindo a variável de identificação partidária na análise, é perceptível sua influência nos graus de crença no boato: dentre os respondentes mais à direita na amostra, 59,3% não atribuía qualquer credibilidade à história, enquanto que 18,5% discordavam parcialmente dela e 22,2% eram neutros ao relato. Na faixa mais à esquerda, por sua vez, 42,5% dos participantes eram totalmente descrentes da narrativa, 20% discordavam parcialmente dela, 30% eram neutros e 7,5% acreditavam que Jair Bolsonaro de fato havia simulado o atentado que sofrera em Juiz de Fora. Há, portanto uma variação positiva de desconfiança ou crença no boato com base na inclinação partidária, com o gráfico 3 a seguir evidencia:
Na sequência, diante da checagem oferecida com créditos das agências Aos Fatos e Lupa, que asseguravam que a história anterior se tratava de um boato, uma vez que as imagens de Jair Bolsonaro circulando por um hospital em Juiz de Fora eram anteriores ao atentado (capturadas quando o então presidenciável visitava, no fim da manhã daquele 6 de setembro, a Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer (Ascomcer)), 42,6% da amostra alegou concordar totalmente com a checagem, 33,3% consentiu parcialmente com a verificação; outros 16,7% se disseram neutros e 2,8% e 4,6% apontaram divergência parcial ou total com a correção oferecida. Mais uma vez, os dados foram segmentados por inclinação partidária, e novamente foram detectadas oscilações nos percentuais ao introduzir esta variável: muito embora eleitores à esquerda em sua expressiva maioria estivessem total ou parcialmente de acordo com a correção, não é possível desconsiderar que 10% deste segmento discordava parcial ou integralmente dela. Este índice de discordância com a checagem também atinge média similar nos respondentes ao centro da amostra (9,1%), mas entre os colaboradores à direita não houve registros de desacordo com a correção (ainda que quase 30% dos participantes tenha se posicionado de modo neutro à nota das agências de fact-checking). (gráfico 4)
Na sequência, o segundo boato fora apresentado aos colaboradores do survey, relatando uma suposta associação do agressor Adélio Bispo de Oliveira com o PT. A história sugere que o autor do crime teria ligação com a militância do partido e teria participado de manifestações com o ex-presidente Lula, como em uma imagem que compõe a apresentação do boato, em que o rosto de Adélio é marcado em vermelho em uma passeata protagonizada pelo PT com Lula e com a deputada federal Gleisi Hoffmann em primeiro plano. Os créditos da história constam ao final do texto, com link para um portal intitulado F7 Notícias (um dos responsáveis pela propagação do boato à época do atentado).
Dos 108 respondentes da pesquisa, 83,3% já conheciam este boato. Este índice sofre distorção positiva quando segmentado por viés partidário: ao passo em que nulos e brancos são os que menos conheciam a história (62,5% do total), o percentual eleva-se paulatinamente entre os eleitores à direita (70,8%), ao centro (84,8%) e atinge seu ápice entre os respondentes à esquerda (95%), como evidencia o gráfico 5:
Os percentuais totais de descrença integral ou parcial nesta história gravitam entre 65,7% e 16,7%, respectivamente, mas estes índices mais uma vez sofrem alterações quando o viés de identificação partidária é levado em consideração: se entre os respondentes que votaram em candidatos do PSTU, PSOL, PT/PC do B e PPL, 82,5% divergiam completamente do relato, este percentual cai para 66,7% entre eleitores da Rede/PV, do PDT e do MDB, e para 62,5% entre nulos e brancos, atingindo seu menor valor entre participantes alinhados aos candidatos do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB, 40,5% (os mesmos que registraram o maior valor de concordância parcial com o boato, 18,5%). (gráfico 6)
Na sequência do boato, novamente foi apresentado um fact-checking das agências Aos Fatos e Lupa que informava ao leitor que o autor do ataque a Bolsonaro nunca foi filiado ao PT e que a imagem em que ele aparece em uma manifestação com o ex-presidente Lula se tratava de uma montagem feita com uma fotografia capturada por Ricardo Stuckert (do Instituto Lula) quando do depoimento do político ao juiz Sérgio Moro, ocorrido em 5 de maio de 2017. Além disso, o texto indica que Adélio Bispo havia sido filiado ao PSOL entre 2007 e 2014, época em que pediu a desfiliação do partido, conforme dados do TSE. Após ler este material, o respondente era mais uma vez indagado sobre seu grau de concordância na checagem. Os índices gerais indicam um elevado percentual de convergência com a informação, dado que 87,1% consentem integral ou parcialmente com o fact-checking, enquanto que 10,2% são neutros em face da matéria, e tão somente 2,8% divergem com o conteúdo total ou parcialmente. Não obstante, há nova variação nos indicadores quando inserido o marcador de inclinação partidária na análise dos dados: entre os colaboradores mais à esquerda na última eleição presidencial, 95% estão em completa ou parcial afinação com a checagem das agências especializadas, ao passo que entre os eleitores de centro os valores declinam sutilmente para 93,9% e entre os participantes que votaram nulo ou branco e aos mais à direita estes índices atingem seus menores percentuais, 75% e 70,1%, respectivamente. (gráfico 7)
Após a apresentação de dois dos principais boatos que circularam à época do atentado ao então aspirante à Presidência, Jair Bolsonaro, seguidos de verificações oferecidas por agências nacionais especializadas em fact-checking, uma última interrogação solicitava que o participante informasse como descreveria sucintamente o acontecimento para um estrangeiro que não está a par da política nacional. O objetivo da questão, como anteriormente apontado, era rastrear o impacto das checagens na compreensão do ocorrido. Foram apresentadas três alternativas, a saber: a) O então candidato à Presidência Jair Bolsonaro foi esfaqueado por um militante de esquerda que pretendia assassiná-lo; b) O então candidato à Presidência Jair Bolsonaro forjou um atentado para conquistar a opinião pública a seu favor e eleger-se Presidente da República; c) O então candidato à Presidência Jair Bolsonaro sofreu um atentado por um agressor que sofria de transtornos delirantes graves. Além destas três opções, foi acrescida uma última alternativa para respondentes que não se identificassem com nenhuma das descrições supracitadas. Caso o participante assinalasse esta caixa, todavia, ele deveria especificar em linhas gerais sua versão do caso.
A despeito de as checagens levarem a 50% do total de participantes a assinalarem a alternativa c) como a melhor descrição do ocorrido27 (em afinação às checagens oferecidas e à descrição mais precisa do relato fornecida pelos principais veículos de informação28) surpreende que 13,9% tenham indicado que o atentado teria sido perpetrado por um militante de esquerda, enquanto que outros 10,2% persistiram na crença de que a agressão teria sido forjada com intenções políticas. Ao promover uma nova segmentação dos dados por inclinação partidária, percebe-se que a narrativa de uma conspiração promovida por Bolsonaro para se eleger Presidente da República prossegue sendo sedutora para 17,5% dos respondentes que votaram em candidatos mais à esquerda na corrida presidencial, enquanto que o boato sobre o suposto engajamento com a esquerda - que teria sido o motor para o ataque de Adélio - é uma narrativa que permanece sendo a melhor descrição do ocorrido para 40,7% dos respondentes à direita. A resistência ao fact-checking, portanto, está de certa forma vinculada ao viés partidário, como o gráfico 8 a seguir evidencia:
Discussão
Após a exposição detalhada dos resultados do survey, cabe retomar as hipóteses condutoras desta pesquisa exploratória visando avaliar sua adequação ou não diante dos dados preliminares. No que tangencia à H1, a saber, a hipótese de que os cidadãos não só são informados pelo caso em tela conforme os relatos disponíveis na mídia, mas também pelos boatos que circularam acerca do ataque sofrido pelo então presidenciável do PSL, não restam dúvidas de que há comprovação de sua pertinência, em afinação ao relatório do Avaaz publicado em outubro de 2018. Isto é, os percentuais gerais de respondentes que alegaram serem bem informados sobre o acontecimento (86%) estão em patamares similares aos que conheciam os boatos sobre a conspiração para forjar o crime visando sensibilizar a opinião pública em favor do capitão da reserva (81,5%) e aos que responsabilizavam a militância de esquerda de ser idealizadora do ataque (83,3%).
Já no que diz respeito à H2, isto é, a hipótese de que a recepção e credibilidade atribuída a boatos e teorias da conspiração é influenciada por inclinações partidárias (posto que em contextos de intensa polarização política, como o presenciado no Brasil na corrida presidencial de 2018, a identificação ideológica é uma mediação fundamental ao estabelecimento de interações sociais e ao acesso seletivo de informações e eventuais checagens), mais uma vez atesta-se certa razoabilidade da proposição, na medida em que o maior percentual de conhecedores do rumor sobre a maquinação política do atentado a Bolsonaro são os respondentes que votaram em candidatos alinhados aos partidos mais à esquerda da disputa presidencial (87,5%), respondentes estes que são também os que mais confiam no boato (7,5% deste segmento); ao passo que entre os eleitores que indicaram preferência por concorrentes do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB, não há qualquer indicativo de concordância no boato e o mais elevado índice de ceticismo nele (atingindo a marca de 59,3% de desacordo pleno com o relato fornecido no survey).
Situação similar ocorre ao avaliarmos os índices derivados da apresentação do relato sobre a suposta associação de Adélio Bispo ao PT por um falso portal de notícias: ainda que os respondentes mais à esquerda sejam os que mais conhecem o boato (95%) - dado o fato de que o relato aponta nominalmente um dos partidos preferidos por estes receptores quando da eleição - destaca-se que são também estes colaboradores os que mais se posicionam em franca discordância a ele (92,5% do total se somados os indicadores de desacordo total e parcial); em contrapartida, estes índices atingem seu menor valor em eleitores do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB, 62,7%. Outrossim, são também estes participantes os que mais se posicionam em concordância parcial ao rumor de que o ex-deputado teria sido esfaqueado por um militante de esquerda (18,5% do total).
Por fim, H3 propunha (em afinação à literatura disponível sobre resistência à correção de desinformações em função de partidarismo) que os graus de convergência e dissonância às checagens apresentadas por fact-checkers especializados seria moderada pela inclinação política na última eleição presidencial. Esta terceira hipótese também é promissora à luz dos resultados deste estudo preliminar, diante do fato de que há novamente uma razoável variação nos indicadores de concordância com as checagens apresentadas e de percepção geral do acontecimento à luz da inclinação partidária: ao lerem a checagem desmentindo a suspeita de que Jair Bolsonaro teria forjado o atentado contra a sua vida, não houve qualquer manifestação de discordância com a informação no segmento mais à direita da amostra, opção registrada (ainda que minoritariamente) em todos os outros fragmentos do corpus29. Em compensação, quando instigados a relatarem o caso após lerem as correções fornecidas por fact-checkers, 17,5% dos respondentes mais à esquerda do quadro partidário ainda insistiam que o ataque contra o então presidenciável do PSL se tratava de uma conspiração com fins eleitoreiros (o índice mais elevado entre todos os segmentos da amostra).
A mesma tendência se confirma, de modo mais proeminente, quando comparadas as reações às checagens que certificavam que Adélio Bispo não era filiado ao PT e não havia agido por ordem da militância de esquerda: a maioria expressiva (95%) dos colaboradores que votaram em candidatos do PSTU, PSOL, PT/PC do B e PPL na última disputa presidencial se mostrou total ou parcialmente afinado à correção fornecida pelas agências Aos Fatos e Lupa, um índice 2,5% mais elevado do que os já significativos 92,5% de respondentes que desacreditavam no boato antes mesmo da leitura da checagem. Comparativamente, entre os eleitores mais à direita, foram 70,1% os que se mostravam em acordo pleno ou relativo com a correção do boato (a recepção à checagem aumentou em quase 8% o índice de descrentes no falso relato), mas quase 30% ainda permaneciam neutros após a leitura do texto informativo, o maior percentual entre todos os segmentos da amostra. Não obstante, quando convidados a indicarem qual seria a melhor descrição para o caso que pautou esta pesquisa, 40,7% dos respondentes que votaram em presidenciáveis do Podemos/PSC, do PSDB/PP, do NOVO, do DC, do Patriota e do PSL/PRTB ainda acreditavam que Adélio Bispo havia esfaqueado Bolsonaro devido à sua suposta afinação ideológica, relato insustentável diante das correções apresentadas. Em nenhuma outra seção do corpus os indicadores atingiram o mesmo patamar (tendo sido menos expressivos, evidentemente, entre os eleitores mais à esquerda no último pleito, representando somente 2,5% do total).
Por fim, surpreende a baixa efetividade das correções oferecidas pelas agências neste caso em específico, pois os índices de confiança nas fake news inclusive se elevam após as checagens, o que alguns estudos nomeiam como “efeito bumerangue” (Byrne & Hart, 2009; Nyhan & Reifler, 2010, Hart & Nisbet, 2011), isto é, a tendência de partidários se tornarem mais convictos de suas crenças quando elas são confrontadas por fatos: se entre os colaboradores mais à esquerda da amostra em torno de 7,5% afirmavam inicialmente acreditar integral ou parcialmente no boato de que Bolsonaro teria forjado o atentado sofrido, após as checagens esses índices ascendem para 17,5%; o mesmo ocorre com os participantes mais à direita do corpus, já que se inicialmente 18,5% destes respondentes alegavam acreditar parcialmente que Adélio era militante do PT, após as correções 40,7% indicaram que a melhor descrição do acontecimento era a de que o agressor de Bolsonaro seria ativista da esquerda.
Considerações e limitações do estudo
Em se tratando de um estudo exploratório com amostra não probabilística e que não cumpre critérios de representatividade estatística, as inferências passíveis de serem extraídas dos dados são bastante limitadas. Não obstante, a ausência de recursos por agências de fomento e o auxílio de um grupo de trabalho também restringiram o emprego de estratégias metodológicas frequentemente utilizadas em investigações do gênero, como a adoção de grupos de controle, a análise dos resultados por codificadores independentes e estímulos e convites mais sistemáticos a participação do público-alvo (o que por certo teria aumentado substancialmente o número de respondentes do questionário). No limite, como já antecipado, estes resultados servem como um encorajamento a investigações mais sistemáticas sobre a influência de boatos na percepção pública de acontecimentos e sobre a influência da inclinação partidária no ceticismo ou na credulidade diante de rumores que se propagam em alto volume na esfera pública.
Outra limitação desta pesquisa, que pode ter gerado distorções nos resultados, como já detectado em outros trabalhos (Wood & Porter, 2018), refere-se ao modo como determinados enunciados foram formulados. A título de exemplo, alguns entrevistados salientaram incompreensão quando solicitados a responderem se se consideravam bem informados sobre o atentado, uma vez que não sabiam se a questão se referia ao texto em si ou ao acontecimento como um todo. Outros respondentes também apontaram, acertadamente, a dessemelhança entre militância e filiação partidária, algo que permitiria ao mesmo tempo discordar do boato de que Adélio Bispo seria filiado ao PT, mas que, não obstante, viabilizaria descrevê-lo como um militante de esquerda (ainda que esta interpretação tenha sido majoritária entre colaboradores mais à direita do quadro partidário). Outrossim, como muitos dos participantes indicaram, não necessariamente a descrição do agressor do político do PSL como alguém que possui transtornos delirantes graves equivale ao relato mais preciso do ocorrido, haja vista que o caso ainda estava em julgamento quando da aplicação do questionário.
É importante também pontuar que, embora o público-alvo do estudo seja composto por cidadãos que usualmente dispõem de mais recursos e tempo para acesso à informação, é este também o público mais suscetível de sofrer de “raciocínio motivado”, um fenômeno detectado em estudos similares em psicologia política (Flynn, Nyhan & Reifler, 2017) que indica que a sensação de possuir mais conhecimento sobre determinado tema pode tornar um indivíduo mais propenso a descartar dados que estejam na contramão daquilo que consideram como uma descrição precisa dos fatos (frequentemente alinhada às suas visões de mundo e preferências político-partidárias). Como este trabalho não contemplou uma amostra mais diversificada no que diz respeito à escolaridade dos entrevistados, também não foi possível detectar se as respostas de brasileiros com alto grau de instrução formal são influenciadas pelo fenômeno supracitado.
Não obstante, e à vista das limitações supracitadas, reforça-se não só o argumento de que as últimas eleições presidenciais no Brasil foram inundadas por uma torrente de desinformações, bem como a crítica formulada por Kuklinski et al. (2000) e Bartels (2002) de que a ação civil nas democracias modernas (não só em países com instituições políticas consolidadas, mas também em regiões em desenvolvimento) não é intrinsecamente virtuosa, uma vez que muitas das decisões tomadas pelos cidadãos são contaminadas por filtros de inclinação partidária e camadas de desinformação - que os tornam propensos a interpretarem os acontecimentos conforme suas preferências políticas prévias, resistindo aos fatos que as contradigam.
Por fim, delineia-se também uma importante ressalva à recente literatura internacional em fact-checking, que tende a saudar as iniciativas do setor como agentes de fortalecimento da democracia que necessariamente tornam os políticos mais cautelosos em suas declarações (Nyhan & Reifler, 2012), os cidadãos mais capazes de discernir entre boatos e informações (Gottfried et al. 2012), e mais críticos em face de representantes que propagam mentiras na esfera pública (Frindkin, Kenney & Wintersieck, 2015; Wintersieck, 2017). Em perspectiva mais realista, um filão mais promissor de investigação corresponde aos trabalhos experimentais que visam averiguar meios de tornar as correções mais eficientes para distintos tipos de receptores, rompendo mediações partidárias exacerbadas (Ecker, Lewandowsky & Tang, 2010; Lewandowsky et al. 2012; Nyhan & Reifler, 2012)30. A provisão de alternativas quando da negação de boatos, a repetição de correções sem remeter às desinformações, a ênfase em fatos e o uso de argumentos concisos e recursos gráficos são algumas das muitas estratégias testadas que, muito embora não eliminem completamente os prejuízos causados por fake news, ao menos podem tornar públicos relutantes em terem suas visões de mundo questionadas mais suscetíveis a basearem suas decisões em informações críveis.