Introdução: as organizações como entidades comunicativas
Em 1978, Katz e Kahn defenderam que as organizações deviam ser descritas como construções coletivas, baseadas em redes de relacionamentos apenas possíveis através de processos de comunicação. De acordo com estes académicos as sociedades, na sua própria natureza, compunham-se através de agrupamentos de pessoas cujas atividades eram institucionalmente canalizadas, com vista à persecução de objetivos comuns. No seguimento deste pensamento, Weick (1979) chamou a atenção para a importância dos relacionamentos no contexto organizacional, descrevendo a comunicação como um fenómeno essencial à vida humana e às organizações, já que se tratava do mecanismo pelo qual os seres humanos produziam e reproduziam a realidade, atribuindo significado e sentido às suas ações. Esta foi uma visão que, ao longo dos anos, se discutiu e desenvolveu nos estudos da Comunicação Organizacional. Fisher (1993), por exemplo, afirmou que uma organização é comunicação Eisenberg, Jr. e Trethewey (2010) ajudaram a entender esta perspetiva ao lembrar que desde que existem humanos e interação entre eles existem organizações pois, desde a pré- história, os indivíduos têm procurado unir-se em torno de propósitos comuns, de forma a facilitar a sua sobrevivência e promover o desenvolvimento das suas comunidades.
Tal afirmação transporta-nos para a definição de organização como um grupo de indivíduos que se unem e trabalham coletivamente, de forma coordenada e ao longo do tempo, para alcançarem objetivos comuns desenvolvendo, para tal, atividades especializadas (Carrillo, 2014; Goldhaber & Barnett, 1998; Jones, Watson, Gardner & Gallois, 2004; Kreps, 1990; Ruão, 2008; Scroferneker, 2006; Zorn, 2002). No centro deste processo está a comunicação como a atividade simbólica através da qual as pessoas se envolvem para partilhar e interpretar os significados que são fundamentais para alcance dos objetivos organizacionais. Tal como afirmou Kreps (1990), é através da comunicação que os membros organizacionais discutem experiências; produzem e trocam informações relevantes que simplificam atividades complexas; promovem mecanismos de adaptação à mudança individual e coletiva; interpretam e coordenam as suas responsabilidades; entendem e atingem as suas metas individuais e coletivas; alcançam as informações que dão sentido à vida organizacional; e entendem as constantes mudanças no ambiente das organizações. A comunicação é, então, o processo dinâmico e contínuo que permite aos membros da organização trabalharem juntos, cooperarem, interagirem e interpretarem as necessidades e as atividades organizacionais que estão em constante mutação (Cheney, Grant & Hedges, 2013).
Comunicar e organizar são, então, atividades humanas intimamente relacionadas. A comunicação é, na verdade, inevitável e inseparável das relações humanas e logo do contexto organizacional (Cheney et al., 2013; Fisher, 1993). Portanto, sem comunicação não há organizações. Assim idealizada, a organização é bem definida nas palavras de Gomes (2000) como uma realidade simbólica, social e interactivamente mantida por indivíduos dotados de capacidade de significação, que são responsáveis pela sua construção e manutenção através de atividades comunicativas que conduzem o processo de interpretação dos acontecimentos e comportamentos. Tal conceptualização é partilhada por Mumby (2001, 2013) que nos lembra que as organizações são estruturas intersubjetivas de significados que são produzidos, reproduzidos, e transformados através das atividades comunicativas contínuas dos seus membros. Falar de organizações é, portanto, falar de trocas de informação, de partilha de significados e, portanto, é falar de comunicação, que é anterior ao seu estabelecimento (Ruão, Salgado, Freitas & Ribeiro, 2014).
Estabelecemos, assim, aquela que é a relação de interdependência entre a organização e a comunicação. Este é o entendimento de um vasto conjunto de teóricos que, desde os anos quarenta do século XX, têm vindo a investir esforços no reconhecimento e desenvolvimento do campo de estudo da Comunicação Organizacional. Neste trabalho procuramos traçar o estado da arte da desta disciplina, analisando as suas principais abordagens de investigação que foram criadas e desenvolvidas pelos principais académicos da área - a positivista, a interpretativa, a crítica e a constitutiva. Além disso, pretendemos compreender e apontar as tendências e temas de pesquisa que caracterizam a relação entre a organização e a comunicação no seculo XXI.
Para concretizar estes objetivos, utilizámos uma metodologia qualitativa, mediante a revisão e análise de vários artigos científicos e de livros publicados no âmbito dos estudos da Comunicação Organizacional (desde o aparecimento da disciplina), pelos académicos que são reconhecidos na área. Para perceber quem são estes académicos, pesquisámos sobre o assunto do estado de arte Comunicação Organizacional1, em motores de busca (principalmente no google académico), e apareceram-nos diversos artigos científicos e livros que discutem o assunto, bem como a indicação dos seus autores. Da leitura destas publicações fomos percebendo quem são os indivíduos que fundaram e desenvolveram os estudos da Comunicação Organizacional, bem como aqueles que se têm destacado no âmbito do seu crescimento. Com estes contributos, compreendemos e descrevemos as perspetivas os paradigmas, as metodologias, os temas e as tendências que têm influenciado o estudo da comunicação nas organizações.
Em seguida, apresentámos os resultados desta investigação em três fases: primeiro descrevemos as origens disciplinares e a evolução da Comunicação Organizacional; depois traçamos as suas principais abordagens de investigação; e, por fim, discutimos as tendências de estudo que caracterizam a disciplina no século XXI.
As origens disciplinares e a evolução da Comunicação Organizacional
Num certo sentido, podemos encontrar referências aos estudos de Comunicação Organizacional na antiguidade (Allen, Tompkins & Busemeyer, 1996). Esta é uma ideia partilhada por Redding e Tompkins (1988), que dão como exemplo o Antigo Egipto e a sua elaboração de uma série de manuais para guiar os aspirantes a burocratas. Contudo, como disciplina, a Comunicação Organizacional é mais recente, encontrando a sua origem na primeira metade do século XX, em particular entre as décadas de 1940 e 1950, nos Estados Unidos da América (Allen et al., 1996; May, 2011; Miller, 2008, 2015; Redding, 1985; Redding & Tompkins, 1988; Ruão, 2004, 2008; Taylor, Flanagin, Cheney & Seibold, 2001; Tompkins & Wanca-Thibault, 2001).
Ainda que, desde então, esta disciplina tenha sido objeto de considerável atenção (Kunsch, 2006; Roberts & O'Reilly, 1974), os teóricos alertam para a dificuldade em estabelecer uma identidade clara para o campo (Allen, Gotcher & Seibert, 1993; Mumby & Stohl, 1996; Tompkins & Wanca-Thibault, 2001). A justificação para tal facto encontra-se na história do desenvolvimento da disciplina. Por um lado, desde a sua introdução, a Comunicação Organizacional herdou a tradição e o interesse de investigadores provenientes de vários campos de estudos, nomeadamente da Sociologia, da Antropologia, do Comportamento Organizacional, das Ciências da Informação, da Psicologia Social, da Administração, da Ciência Política, da Educação e até da Retórica, da Crítica Literária, da Filosofia da Ciência ou da Linguística (Allen et al., 1996; Goldhaber & Barnett, 1988; Miller, 2015; Redding, 1985; Taylor et al., 2001), de tal forma que, atualmente, constitui-se uma mistura eclética de abordagens, teorias e metodologias (Jones et al., 2004), fruto dessa interação entre diferentes áreas de conhecimento. Por outro lado, a rápida e complexa evolução das organizações e do seu contexto obriga os teóricos a uma constante redefinição das fronteiras e do futuro da Comunicação Organizacional (Tompkins & Wanca-Thibault, 2001) e, é por isso que a concretização do seu estado de arte se revela de particular interesse.
Para chegar àquilo que hoje a caracteriza, a Comunicação Organizacional passou, desde 1940, por um longo período de evolução. Tal como apontam Tompkins e Wanca-Thibault (2001), os primeiros estudos deste assunto remontam aos anos 60 do século XX. Deste período destaca-se o trabalho de Tompkins, publicado no ano de 1967, Organizational Communication: A state-of-the-art review, que representou o primeiro resumo da investigação realizada no campo da Comunicação Organizacional. Tompkins centrou-se nos trabalhos empíricos até então elaborados e, utilizando duas categorias de análise - 1) canais formais e informais de comunicação; 2) relações superior - subordinado -, concluiu que a comunicação topdown2, focada na gestão eficiente, deu forma à maior parte dos estudos da época. Como veremos adiante, este foi o tipo de trabalhos que marcaram a primeira abordagem de investigação em Comunicação Organizacional a qual é denominada de Positivista. Esta caracterizou-se pela utilização de modelos epistemológicos e metodológicos estreitamente alinhados com a observação objetiva, destinada a medir o comportamento de comunicação dentro dos ambientes organizacionais. Nesta época, as preocupações centravam-se nos assuntos de gestão que estavam focados em encontrar modelos de comunicação capazes de aumentar a produtividade, a eficiência e a eficácia dos fluxos de informação no cerne dos sistemas organizacionais (Miller & Dinan, 2008).
De facto, em 1978, Frederic M. Jablin, veio confirmar as tendências de investigação positivistas ao apresentar, no encontro anual da Associação de Comunicação do Discurso (Speech Communication Association), um trabalho3 que analisou as questões de investigação predominantes no campo da Comunicação Organizacional entre 1940 e 1970. De acordo com os seus resultados, nesta época, os académicos privilegiaram os temas da comunicação superior-subordinado, das redes e canais de comunicação e da eficiência e desempenho organizacional. Estas são, de resto, temáticas que se enquadram no positivismo, que dominava a investigação em Comunicação Organizacional neste período.
Todavia, também na década de 70, já W. Charles Reddings publicava um trabalho que punha em causa os ideais positivistas. No seu livro Communication within the organization: An interpretative review of theory and research (1972), Redding analisou a comunicação de uma perspetiva interna, apresentando os dez postulados ou princípios básicos que, para si, caracterizavam a comunicação humana nos ambientes organizacionais. Assim: 1) em primeiro lugar, Redding posicionou o significado nos processos interpretativos dos recetores e não na transmissão da mensagem; 2) em segundo defendeu que, numa organização, todos os comportamentos verbais e não-verbais são potenciais mensagens; 3) no terceiro princípio enfatizou a capacidade de escuta, defendendo que uma característica comportamental fundamental de um gerente é a sua capacidade de ouvir os subordinados de uma forma empática; 4) em quarto, afirmou que o recetor age à mensagem recebida em função do seu enquadramento pessoal; 5) em quinto lugar, Redding destacou a importância do feedback e da respetiva capacidade de resposta; 6) no sexto postulado abordou o fator custo/eficiência da comunicação nas organizações e concluiu que mais comunicação não é necessariamente melhor; 7) com o sétimo princípio sugeriu que a necessidade social de redundância deve ser equilibrada com a necessidade económica de eficiência argumentando que, por um lado, o excesso de comunicação pode aborrecer e, no entanto, a sua escassez pode gerar mensagens incompreensíveis; 8) no oitavo postulado, ”sobrecarga de comunicação (communication overload)”, o teórico descreveu os problemas associados ao limite do processamento de mensagens dos indivíduos; 9) no nono princípio chamou a atenção para aquilo que designou de efeito de transmissão em série, discutindo as mudanças de significado decorrentes dos processos de filtragem e distorção, à medida que as mensagens são passadas de uns indivíduos para os outros, nas redes organizacionais; 10) por último, Redding sugeriu que o clima da organização para a comunicação é mais importante do que as suas técnicas.
O trabalho de Redding veio revolucionar os estudos da época e, certamente, trouxe um impulso para o aparecimento da teoria interpretativa nos estudos da Comunicação Organizacional, entre as décadas de 1970 e 1980. Para este académico, o processo interpretativo dos membros que constituem a organização é fundamental. Ao colocar a responsabilidade da atribuição do significado do lado do recetor e ao enfatizar a importância do feedback, Redding pôs em causa a metáfora da máquina e o modelo de container (os quais são explicados em seguida) que figuravam nas propostas dos teóricos positivistas.
Então, nas primeiras décadas de desenvolvimento, segundo Redding e Tompkins (1988), os estudos da Comunicação Organizacional passaram por três fazes de evolução: entre 1900 e 1940, deu-se o momento de preparação para a emancipação; de 1940 a 1970 a disciplina passou pela fase de identificação e consolidação; e, por último, a partir de 1970 iniciou-se o momento de maturidade e inovação.
No momento de preparação para a emancipação, o campo da Comunicação Organizacional foi dominado pelos estudos sobre competências comunicativas e eficiência organizacional, enfatizando-se o treino das competências de comunicação dentro dos ambientes organizacionais. Nesta fase, destacaram-se as metodologias de investigação que Redding e Tompkins (1988) denominaram de formulário-prescritivas, as quais dependiam de um conjunto de regras orientadas para a eficácia comunicativa.
A etapa de identificação e consolidação caracterizou-se pelo reconhecimento da Comunicação Organizacional como disciplina académica autónoma. Para tal, contribuíram o aparecimento dos primeiros programas de pós-graduação, a manifestação das primeiras publicações especializadas4 e o reconhecimento do campo através da criação de associações profissionais, como é o caso da Internacional Communication Association (ICA), fundada no ano de 19505. Redding (1985) descreve, ainda, o ano de 1967 como o Ano da Aceitação Oficial, pois nele se realizaram dois eventos fundamentais para o reconhecimento do campo: a primeira Conferência sobre Comunicação Organizacional (Conference on Organizational Communication, em Hunstville - Alabama) e publicação da bibliografia mais antiga sobre Comunicação Organizacional6. Relações superior-subordinado, redes informais de comunicação e canais e processos de comunicação para a satisfação dos funcionários foram, como vimos, os temas determinantes deste período. Durante estas duas fases, a investigação em Comunicação Organizacional, fortemente ancorada no modelo positivista, adotou o uso de métodos quantitativos, suportados por abordagens mecanicistas, nas quais os investigadores se posicionavam como observadores completamente objetivos.
A partir de 1970, Redding e Tompkins (1988) afirmaram que a Comunicação Organizacional atingiu o seu período de maturidade e inovação, no qual se deu o seu reconhecimento como uma disciplina estabelecida sob a égide dos Estudos da Comunicação, com ligações a uma variedade de outras disciplinas como a Administração, a Antropologia, a Comunicação Empresarial, a Psicologia Organizacional, a Ciência Política, a Psicologia Social, a Sociologia, a Retórica, entre outras. Para esta maturidade contribuiu a proliferação da investigação empírica que resultou no crescimento dos artigos e livros publicados7 e, consequentemente, no desenvolvimento das bases teóricas da disciplina. Foi, também, entre as décadas de 1970 e 1980 que floresceu aquilo que os académicos denominam de reviravolta nos estudos da comunicação organizacional, a qual chamou a atenção para a conceptualização das organizações enquanto dimensões expressivas e simbólicas (Taylor & Trujillo, 2001), fazendo surgir os paradigmas interpretativo e crítico.
Os teóricos apontam o ano de 1981 como o momento de afirmação do paradigma interpretativo e crítico. Tal ficou a dever-se à realização da Primeira Conferência de Abordagens Interpretativas para a Comunicação Organizacional, em Alta - Utah, nos Estados Unidos. Neste encontro científico, o grupo de investigadores reunido discutiu o presente e o futuro da Comunicação Organizacional, o qual consideravam limitado face às possibilidades reduzidas da teoria positivista (Cheney et al., 2013; Miller, 2008, 2015; Mumby, 2013; Putnam & Mumby, 2014; Ruão, 2008; Taylor & Trujillo, 2001; Taylor et al., 2001; Tompkins & Wanca- Thibault, 2001). De acordo com Taylor et al. (2001), dois motivos explicam a realização da Conferência de Alta - Utah. O primeiro foi a vontade de distanciar e diferenciar a investigação em Comunicação
Organizacional das preocupações de gestão que enfatizavam as questões da eficiência comunicativa ou do fluxo de informações superior - subordinado, procurando-se, na verdade, alcançar uma identidade autónoma para o campo. O segundo motivo circunscreveu-se na crescente insatisfação face às metodologias exclusivamente quantitativas e à racionalidade objetiva, baseada numa relação de causa-efeito, que caracterizava a recolha e análise de dados da disciplina.
Como resultado deste encontro académico, em 1983, foi publicado o livro Communication and Organizations: An Interpretative Approach, editado por Linda L. Putnam e Michael E. Pacanowsky, um volume que cresceu a partir dos trabalhos apresentados na Conferência de Abordagens Interpretativas e cuja função, segundo os editores, era esclarecer a aplicação da teoria interpretativa ao campo da Comunicação Organizacional (Putnam & Pacanowsky, 1983). Os ensaios publicados neste livro sugeriam que os estudos interpretativos enriqueceriam as metodologias existentes, as quais ainda eram principalmente objetivas, quantitativas por natureza e baseadas em pressupostos funcionalistas (Taylor et al., 2001; Tompkins & Wanca-Thibault, 2001). Assim surgiu o paradigma interpretativo, o qual alertou para a importância da cultura organizacional e para a centralidade da comunicação no processo de organizar. A sua influência na diversificação do campo parece ter sido profícua, já que, como Allen et al. (1993)8 observaram, no período entre 1980 e 1991, as relações interpessoais nas organizações, as estratégias de comunicação, a cultura organizacional e o simbolismo foram os assuntos mais estudados na disciplina de Comunicação Organizacional. Tais temas representavam uma rutura face ao que tinha sido o enfoque mecanicista dos estudos positivistas.
Em consequência deste desenvolvimento, entre as décadas de 1980 e 1990, a Comunicação Organizacional enfrentou aquilo a que Taylor e Trujillo (2001) chamam do período de crise de legitimidade e representação. Tal ficou a dever-se à manifestação das teorias críticas, as quais condenavam todas as formas de poder e controlo que consideravam dominar os aspetos da Comunicação Organizacional, tanto na sua aplicação prática como nos seus estudos. Os seus defensores criticavam a racionalidade, o capitalismo consumista, o militarismo, o racismo, o imperialismo, o sexismo e outras formas de dominação. Ainda que este tenha representado um período de crise, as teorias críticas tornaram-se compatíveis com os princípios da Comunicação Organizacional e mantêm-se na investigação da disciplina.
No que respeita à fase posterior aos anos 90, Taylor e Trujillo (2001) consideraram que a Comunicação Organizacional enfrentou um momento de assimilação das várias teorias emergentes. Como consequência deste desenvolvimento, no início do século XXI, esta já era uma disciplina estabelecida, caracterizada por uma convivência harmoniosa entre as diversas abordagens que marcaram o seu desenvolvimento. Este foi, também, o momento em que novas teorias de estudo começaram a surgir, com especial destaque para as abordagens constitutivas. Os teóricos estavam interessados em considerar as formas pelas quais a organização e a comunicação se produziam e influenciavam mutuamente. Esta visão é denominada de Constituição Comunicativa das Organizações e considera as formas através das quais o processo de comunicação cria e recria sistemas de significado e de compreensão nos ambientes organizacionais (Miller, 2015). Para os defensores desta abordagem a realidade não é algo subjetivo, mas, antes uma construção intersubjetiva criada através da comunicação.
O quadro atual de investigação em Comunicação Organizacional reflete, então, as tradições e desenvolvimentos de todos estes paradigmas - positivista, interpretativo, crítico, pós-moderno e constitutivo
- desenrolando-se numa diversidade de compromissos teóricos, abordagens metodológicas e tópicos de investigação. É, precisamente, nessa diversidade que nos concentraremos em seguida.
Perspetivas de estudo da Comunicação Organizacional
A Comunicação Organizacional tornou-se um campo académico universal, no qual convivem múltiplas perspetivas, vários métodos de pesquisa e diversos âmbitos de estudo. De acordo com os académicos que temos vindo a citar neste estudo9, as abordagens positivista, crítica, interpretativa, pós-moderna e, mais recentemente, a constitutiva assinalaram a história do desenvolvimento da disciplina e marcam a sua tradição de investigação, a qual se iniciou nos Estados Unidos, mas foi conquistando, também, o interesse de vários académicos europeus. É sobre estas abordagens que nos ocuparemos nas próximas páginas.
A abordagem clássica, o positivismo e o pós-positivismo
Temo-nos focado, ao longo destas páginas, no estudo da Comunicação Organizacional enquanto disciplina. No entanto, não podemos ignorar que a evolução do campo académico está estreitamente relacionada com a aplicação prática da comunicação no âmbito das organizações.
De acordo com Cheney (2007), Miller (2015) e Kunsch (2016), foi a partir do Pós-Revolução Industrial que as questões da comunicação começaram a despertar alguma atenção no contexto organizacional. Os métodos tradicionais de produção de bens deram lugar à mecanização e à produção em série e o número de trabalhadores nas fábricas aumentou exponencialmente. Face aos impactos profundos nos modos de trabalho, no início do século XX, vários estudiosos procuraram dar sentido a estas novas formas organizacionais fornecendo conselhos, às indústrias, sobre a melhor maneira de atuarem à luz do seu novo contexto (Miller, 2015). A metáfora da máquina, tal como é apresentada por Miller (2015) foi tida, nesta época, como a melhor estratégia para dar resposta à gestão das organizações. De acordo com esta metáfora, as organizações podiam ser explicadas tal e qual como máquinas, porque funcionavam de maneira especializada, padronizada e previsível. A comunicação servia, exclusivamente, para assuntos de trabalho, privilegiando-se o formato escrito e o tom formal, num processo unidirecional no qual os funcionários recebiam ordens da gestão superior, para as quais não se esperava qualquer tipo de feedback. A função exclusiva da comunicação era ajudar a organização a aumentar a sua produtividade e eficiência, assumindo um carácter funcional e instrumental (Kunsch, 2006). Assim, nesta abordagem clássica, os teóricos davam pouca atenção às necessidades individuais dos funcionários, à valorização das suas ideias e à existência de interação social dentro das organizações. A única contribuição valiosa dos membros era, na verdade, o seu trabalho físico (Miller, 2015).
Tendo em conta esta abordagem comunicativa, não é de estranhar que os primeiros estudos sobre Comunicação Organizacional tenham acompanhado esta tendência. Referimo-nos, portanto, à abordagem positivista que dominou o campo até meados de 1960. Tal como nos lembra Ruão (2008), os estudos positivistas das organizações tiveram origem no positivismo filosófico de Augusto Comte (1798 - 1857), o qual privilegiava a observação de fenómenos, a recolha de dados empíricos e a produção de teorias formais como formas de gerar conhecimento. Os defensores desta teoria afirmavam o princípio da verificação e da generalização dos fenómenos na construção do conhecimento científico (Deetz, 2001; Redding & Tompkins, 1988).
A influência desta abordagem de investigação ficou marcada pela definição das organizações como containers, uma espécie de espaço com fronteiras delimitadas, cuja tarefa exclusiva de produzir bens e serviços atribuía uma função mecanicista aos processos de comunicação (Cheney et al., 2013; Miller, 2008). Os investigadores centravam-se, então, na análise das questões da eficácia comunicativa e na sua relação com a eficiência organizacional, com o objetivo de prescrever determinadas práticas às empresas. Para tal, privilegiavam metodologias quantitativas, estreitamente alinhadas com a observação rigorosa e dita “objetiva” da realidade, processo no qual o investigador assumia o papel de observador neutro dos fenómenos (Miller, 2008; Redding & Tompkins, 1988; Ruão, 2008). Os temas mais analisados nos primeiros estudos de Comunicação Organizacional eram, então: a comunicação superior - subordinado, as redes emergentes de comunicação, o fluxo de informação, os canais de comunicação e os nos componentes do clima organizacional (Miller, 2008, 2015; Ruão, 2008; Tompkins, 1967 e Jablin 1979 in Tompkins & Wanca- Thibault, 2001). Estes estudos positivistas inscrevem-se numa visão funcionalista da realidade, ao pensá-la como algo externa à experiência do indivíduo, visando atingir o conhecimento por meio de métodos científicos rigorosos e pela generalização dos fenómenos (Taylor et al., 2001).
Ao longo da década de 60, porém, os investigadores começaram a questionar a fidelidade e a validade das teorias positivistas e funcionais. No âmbito das críticas principais, destacava-se a rejeição face às conceções realistas das organizações e, portanto, à metáfora de container (Miller, 2008), que se considerava infrutífera, dada a dificuldade crescente em medir os limites da organização (Zorn, 2002). Renunciava-se, também, a objetividade epistemológica baseada em métodos de investigação quantitativos e na observação rigorosa da realidade, a qual se destinava a explicar relações de causa-efeito (Miller, 2008, 2015; Ruão, 2008). A objetividade absoluta deixava de fazer sentido, bem como a posição do investigador como um observador neutro. Os académicos ambicionavam, antes, aplicar novos métodos de investigação de cariz qualitativo, ao mesmo tempo que procuravam distanciar-se dos temas ligados às preocupações de gestão que se centravam nas questões da eficiência dos processos comunicativos (Taylor et al., 2001).
Foi neste contexto de consciencialização das realidades organizacionais e de novos interesses de investigação que surgiram as abordagens interpretativa e crítica. Estas novas teorias atribuíam maior consideração aos membros que compunham as organizações e questionavam-se sobre os mecanismos expressivos e simbólicos através dos quais estas eram construídas (Cheney et al., 2013). Todavia, esta viragem ou reviravolta interpretativa não sentenciou o fim do modelo positivista. Na verdade, estes estudos revelaram-se fundamentais para o crescimento e para a firmação da Comunicação Organizacional e representam uma abordagem de investigação ativa, ainda que marcada por importantes desenvolvimentos. Assim, podemos encontrar as manifestações desta tradição de investigação na abordagem normativa apresentada por Deetz (2001), que corresponde ao pós-positivismo. Deetz (2001) explica que os estudos normativos posicionam a organização como "objetos existentes naturalmente abertos à descrição, previsão e controle" (p. 19). Esta perspetiva modernista baseia-se em metáforas económicas e descreve as empresas e instituições como um mercado de ideias e práticas que requerem intervenção para manter a sua ordem social (May & Roper, 2014). Portanto, os seus assuntos de investigação centram-se nas questões da eficácia comunicativa e na respetiva resolução dos problemas. Deetz (2001) afirma que os investigadores que produzem este discurso são descritos como funcionalistas, uma vez que enfatizam a codificação e a busca pela regularidade e normalização dos fenómenos comunicativos. Os estudos normativos mantêm, então, o percurso do realismo e da objetividade que herdaram do positivismo clássico com o propósito de encontrar explicações causais para as regularidades observadas no mundo físico e social (Ruão, 2008). No entanto, rejeitam os pressupostos da verdade absoluta e da observação objetiva.
No seguimento da análise da abordagem pós-positivista, Miller (2008) refere três avanços fundamentais face ao positivismo clássico. Em primeiro lugar, considera que os investigadores pós-positivistas evitam o foco ontológico estritamente realista, rejeitando a visão das organizações como container e a descrição da comunicação como um processo mecânico de transferência de informação. Em vez disso, tendem a adotar perspetivas mais próximas do construtivismo social. O segundo avanço concentra-se nas escolhas metodológicas mais sofisticadas, que incluem análises longitudinais ou análises de redes de comunicação, deixando de lado os métodos estritamente quantitativos. Por último, Miller (2008) afirma que os académicos pós-positivistas estão envolvidos com assuntos fundamentais que os indivíduos e as organizações enfrentam na sociedade contemporânea, nomeadamente: questões sobre tecnologias de comunicação avançadas, problemáticas sobre a globalização, estruturas organizacionais alternativas e organizações sem fins lucrativos.
De acordo com Deetz (2001), à entrada para o século XXI, o discurso normativo pós-positivista ainda era largamente aplicado um pouco por todo o lado, acompanhando o desenvolvimento contemporâneo do campo da Comunicação Organizacional.
Conhecidos os contornos deste paradigma de estudos, passamos para aqueles que se tornaram dominantes a partir dos anos 80: os movimentos interpretativo e crítico.
O movimento interpretativo
Tal como já tivemos oportunidade de discutir, o movimento interpretativo nasceu dos limites da teoria positivista. O momento que marca a grande reviravolta nos estudos da Comunicação Organizacional pode ser encontrado no ano de 1981, quando um grupo de investigadores se reuniu na Primeira Conferência de Abordagens Interpretativas para a Comunicação Organizacional, realizada em Utah, nos Estados Unidos. Estes académicos mostravam-se descontentes com os métodos e temas de investigação limitados que caracterizavam o campo da Comunicação Organizacional e desejavam alcançar uma identidade autónoma para a disciplina, que estava, até então, muito dependente dos estudos de Gestão.
Taylor et al. (2001), afirmam que o surgimento das teorias interpretativas nos Estudos Organizacionais foi influenciado por duas disciplinas principais: a fenomenologia de Husserl e Heidegger e o estruturalismo, mais especificamente a semiótica, de Sausurre. Inspirados nestas influências, os estudos interpretativos pretendiam mostrar como é que as realidades particulares são socialmente produzidas e mantidas através de conversas, de histórias, de rituais e de outras atividades quotidianas (Deetz, 2001). Os seus investigadores estão, portanto, interessados em compreender os modos pelos quais a realidade organizacional é socialmente construída, mediante as interações que acontecem no meio organizacional.
A abordagem interpretativa resultou, então, numa nova conceção de organização e de comunicação. Afastadas do modelo de container, as organizações passaram a ser descritas como comunidades sociais que partilham características com outros tipos de comunidades (Deetz, 2001). Neste contexto, a comunicação deixou de ser conceptualizada como um instrumento exclusivo de transmissão de informações passando a ser pensada como um elemento fundamental no processos de criação de sentido e de organizar (Miller, 2008; Weick, 1979).
O aparecimento do pensamento interpretativo significou, também, um desvio da atenção face às preocupações de gestão que ocupavam os académicos da Comunicação Organizacional. O foco do seu interesse passou a estar nas experiências e interações dos vários atores organizacionais (Miller, 2008). De acordo com May e Roper (2014), os estudos interpretativos concentram-se nas dimensões sociais e não económicas da organização, explorando as maneiras pelas quais as suas realidades são criadas, mantidas e transformadas em práticas diárias informais. Assim sendo, os investigadores envolveram-se com novos tópicos de estudo, dos quais se destaca a centralidade da Cultura Organizacional (Taylor et al., 2001). Agora conscientes da existência de várias culturas dentro da mesma organização, os interpretativistas procuravam averiguar o papel dessas subculturas nos processos de socialização, de conflito, de tomada de decisão e de mudança organizacional (Miller, 2008). Também nos anos 80, os temas da Identidade e da Imagem Organizacional foram objeto das primeiras atenções. Cultura, Identidade e Imagem Organizacional são, de resto, temas que se mantêm na agenda contemporânea da investigação da Comunicação Organizacional. De acordo com Deetz (2001), o número e a importância dos estudos interpretativos cresceram rapidamente durante os anos 80. Este é, na verdade, um tipo de discurso que se manteve ao longo das décadas e que ainda hoje prevalece no campo da Comunicação Organizacional. Os interpretativistas contemporâneos descrevem a realidade como algo que é socialmente construído pela interação e pelas experiências subjetivas dos indivíduos e os seus estudos procuram descobrir a natureza e o papel das formas simbólicas que mantêm a ordem social (Taylor et al., 2001).
Os estudos críticos e pós-modernos
Da reviravolta no campo da Comunicação Organizacional nasceria outra tendência de estudos: a abordagem crítica, na qual os investigadores descreveram as organizações como sistemas de controlo e dominação.
A investigação em Comunicação Organizacional sob uma perspetiva crítica encontra as suas raízes no trabalho de Karl Marx e na tradição neomarxista interessada nas questões de hegemonia e ideologia (Mumby, 2013, 2014). Marx foi um importante intelectual alemão do século XIX, que dedicou grande parte da sua vida a examinar as relações entre os proprietários e os trabalhadores nas sociedades capitalistas. De acordo a sua visão, essas relações eram caracterizadas por um desequilibro eminente, no qual os funcionários representavam a classe oprimida. Seguindo esta ideologia, e tal como declara Miller (2015), os teóricos críticos concordam com três princípios fundamentais: 1) defendem que certas estruturas e processos sociais resultam em desequilíbrios fundamentais de poder; 2) acreditam que esses desequilíbrios de poder conduzem à alienação e opressão de certas classes e grupos sociais; 3) e argumentam que o papel do investigador crítico é explorar e descobrir esses desequilíbrios denunciando-os ao grupo oprimido, de modo a que este, por meio da ação política ou da resistência individual, alcance a emancipação.
Tal como nos recordam Cheney et al. (2013), a visão crítica defende a necessidade de um maior equilíbrio nas organizações, pois parte do pressuposto que existem diferenças nas relações entre gestores e funcionários, o que resulta num ambiente caraterizado por situações de dominação, opressão e injustiça na sociedade capitalista. Assim, de acordo com Mumby (2013), no contexto destes estudos, os investigadores têm explorado as formas pelas quais os mecanismos de construção de significado e os processos de comunicação operam ideologicamente para estruturar as relações de poder no local de trabalho.
Tal como afirma Deetz (2001), o objetivo dos discursos críticos contemporâneos tem sido criar organizações e sociedades livres das relações de poder e dominação, nas quais todos os membros possam contribuir igualmente para a satisfação das necessidades humanas que conduzam ao desenvolvimento progressivo de todos. Mumby (2014) concorda e prevê que o futuro da teoria crítica está ligado à sua capacidade de participar, de forma proveitosa, nos debates contemporâneos sobre o significado do trabalho e o seu lugar na vida das pessoas num ambiente marcado pela globalização da economia.
Foi precisamente no contexto desta luta pela igualdade e pela emancipação dos grupos oprimidos que nasceram os estudos feministas, com particular desenvolvimento a partir do século XIX. De acordo com Ashcraft (2014), a investigação feminista no âmbito da Comunicação Organizacional tornou-se relativamente estável e reconhecida a partir do início do milénio graças a vários especialistas que defenderam a sua ascensão, com destaque para Dennis Mumby. De facto, tal pode comprovar-se, por exemplo, pela conquista de capítulos autónomos em edições recentes de algumas obras de referência10.
Dos desenvolvimentos da teoria crítica nasceu, também, a tradição pós-moderna no campo da Comunicação Organizacional. Com início na década de 1990, os estudos pós-modernos, de acordo com Mumby (2013), refletiam um conjunto diferente de preocupações empíricas quando comparados com a investigação crítica. Enquanto os críticos se concentravam nas formas organizacionais fordistas tradicionais, marcadas pelo poder centralizado, pelas hierarquia, pela opressão dos funcionários e pelas estruturas burocráticas, os estudos pós-modernos focavam-se nas estruturas pós-fordistas, caracterizadas pelas hierarquias mais flexíveis e pelos mecanismos de decisão mais descentralizados e em equipa. Em vez de pensar no poder como algo centralizado, a visão pós-moderna discute-o como algo que está disperso e descentralizado na organização. Assim, examinam-se as formas pelas quais os funcionários, no contexto empresarial moderno e face ao ambiente economicamente globalizado, estão sujeitos, acomodam e resistem aos esforços da organização para moldar os seus comportamentos num contexto de crescente precariedade laboral (Mumby, 2014).
No entanto, hoje em dia, a distinção entre estas duas teorias - a crítica e a pós-moderna - é cada vez mais difícil. O fim das formas fordistas e os novos contextos de trabalho nas organizações contemporâneas fizeram com que os estudos críticos se fossem aproximando dos objetivos do pós-modernismo. Ambos têm procurado estudar, por exemplo, a precariedade laboral nos ambientes economicamente globalizados, facto que torna a divisão de fronteiras entre as duas abordagens cada vez mais desafiante.
Teorias interpretativa, crítica e pós-moderna constituem, então, as abordagens que protagonizaram a reviravolta nos estudos da Comunicação Organizacional e que contribuíram para que a disciplina alcançasse a riqueza e diversidade epistemológica que hoje a caracterizam. De acordo com Mumby (2014), podemos medir este contributo em três consequências: 1) as “novas” abordagens reposicionaram a comunicação, atribuindo-lhe um papel central no processo de organizar e excluíram a sua visão como mero auxiliar dos fenómenos organizacionais; 2) a Comunicação Organizacional tornou-se uma área de interesse e investigação interdisciplinar; 3) e a Comunicação Organizacional é, hoje, uma disciplina com reconhecidas capacidades para explorar os processos e estruturas de grande complexidade que caracterizam o contexto organizacional contemporâneo. Tal capacidade torna-se fundamental num panorama político, económico, social e ambiental cada vez mais complexo, no centro do qual está a organização moderna e a sua capacidade de estruturar a vivência das sociedades.
Os movimentos interpretativo, crítico e pós-moderno conseguiram, então, assegurar a centralidade da comunicação nas estruturas organizacionais. No contexto específico da Comunicação Organizacional, a consolidação deste princípio trouxe um desenvolvimento no campo teórico, com o fortalecimento de uma nova abordagem denominada pelos teóricos contemporâneos como a visão Constituição Comunicativa das Organizações.
A Constituição Comunicativa das Organizações
Como é que uma organização é criada? O que garante a sua continuidade? Ou, por outras palavras, o que é uma organização? De acordo com Brummans, Cooren, Robichaud e Taylor (2014), estes são os interesses que têm motivado um número crescente de investigadores ao longo das últimas duas décadas, os quais se têm concentrando no papel que a comunicação tem na produção e reprodução das organizações. Os seus trabalhos encontram-se inscritos no âmbito da constituição comunicativa das organizações, uma abordagem que tem conquistado terreno nos estudos da Comunicação Organizacional e que coloca a comunicação no centro do processo de organizar (Brummans et al., 2014; Deetz & Eger, 2014; Schoeneborn, Blaschke, Cooren, McPhee & Seidl, 2014; Zorn, 2002).
Influenciados pelo construtivismo social e pela análise do discurso, os defensores desta corrente estão interessados nas formas pelas quais a organização e a comunicação se influenciam mutuamente (Miller, 2015), mediante a criação de sistemas de significados (Iedema & Wodak, 1999). As organizações são descritas como fenómenos socias constantemente (re)produzidos pelos atos de comunicação e de produção de sentido. Esta é, de resto, uma ideia que encontra origens na teoria da produção de sentido organizacional de Weick (2009), segundo a qual uma empresa ou instituição não deve ser vista como estável, mas como uma entidade que se vai organizando através dos processos de comunicação contínuos que os membros utilizam para interagir e para se relacionarem.
Portanto, a abordagem da constituição comunicativa das organizações deixa claro que a comunicação não pode ser reduzida a uma única função porque é um processo que atravessa toda a organização e fundamenta a sua existência (Heide, Platen, Simonsson & Falkheimer, 2018). Tal como nos diz Mumby (2013), é através das várias formas discursivas que os públicos moldam os significados e as interpretações organizacionais, legitimando os seus próprios interesses e, ao mesmo tempo, desenvolvendo mecanismos de fidelização. Portanto, os defensores desta perspetiva consideram que as vozes individuais são importantes na constituição das organizações (Christensen & Cornelissen, 2011), descrevendo a realidade organizacional como algo que é construído intersubjetivamente através da interação contínua entre os membros (Brummans et al., 2014; Miller, 2015).
À medida que nos movemos para o século XXI, a investigação em Comunicação Organizacional deixou de descrever a comunicação como algo que acontece no interior das organizações, para lhe ser atribuído o papel central no processo de organizar. Neste contexto, a constituição comunicativa das organizações tem- se emancipado nos estudos contemporâneos. Aliás, tal como afirmam Putnam e Mumby (2014), o campo é irreconhecível quando comparado com a sua identidade em meados da década de 1980. A gama de perspetivas teóricas multiplicou-se, assim como os conceitos, os processos e as práticas empregues pelos investigadores. A transformação mais significativa está ligada à forma como os académicos estruturam o relacionamento entre organização e a comunicação afirmando, cada vez mais, que as organizações são produtos das práticas de comunicação de seus membros.
A investigação em Comunicação Organizacional no século XXI
Tal como já tivemos oportunidade de discutir, a evolução da Comunicação Organizacional enquanto disciplina acompanhou de muito perto os desenvolvimentos e as preocupações que se foram sentindo, ao longo das décadas, no próprio contexto das organizações e, nesse sentido, alguns trabalhos destacaram- se, precisamente, pela tentativa de prever aquelas que têm sido as preocupações dos investigadores ao longo do século XXI.
No ano de 1996, Mumby e Stohl apresentaram quatro problemáticas centrais para o estudo da Comunicação Organizacional contemporânea, nomeadamente: 1) a problemática da voz; 2) a problemática da racionalidade; 3) a problemática da organização; 4) e a problemática da relação organização/ sociedade. Nos estudos da voz, os investigadores estão concentrados na visão das organizações como coletividades sociais que colocam problemas de comunicação particularmente complexos. Argumentam que a comunicação não é um processo neutro de transmissão de informações e que, ao ser o elemento que constitui as organizações, tem consequências que possibilitam ou restringem certos tipos de comportamento coletivo. As organizações, por sua vez, desempenham um papel significativo na construção das identidades pessoais e de grupo, bem como nas perceções da sociedade como um todo. Já a problemática da racionalidade centra-se na ideia de que as organizações modernas estão vinculadas a metas racionais instrumentais e técnicas, tais como a eficiência. No entanto, existe uma tensão entre essas organizações e os objetivos individuais coexistentes que, sendo socialmente construídos, fogem da lógica instrumental e são frequentemente negligenciados. Por sua vez, na problemática da organização, os académicos defendem a premissa de que os comportamentos de comunicação, de interação e de entendimento entre os membros são responsáveis por afirmar a organização. Por fim, a problemática da relação organização/ sociedade baseia-se na premissa de que as fronteiras entre as organizações e a sociedade são cada vez mais indefinidas e, dessa forma, também as pressões do ambiente externo se tornam indissociáveis daquelas que acontecem no interior das empresas e instituições.
Também Taylor et al. (2001) apresentaram um conjunto de temas de investigação que emergiram, no início do século XXI, nos estudos da Comunicação Organizacional e que procuraram problematizar as transformações organizacionais decorrentes dos processos de globalização e do desenvolvimento de novas tecnologias. Novas formas de organização; tecnologia, organização e sociedade; liderança; e ética, foram algumas das preocupações apontadas pelos autores.
Já no ano de 2004, num trabalho intitulado Organizational Communication: Challenges for the New Century, Jones, Watson, Gardner e Gallois, analisaram vários trabalhos publicados entre 1993 e 2003 com o objetivo de identificarem os principais desafios para o campo de estudos da Comunicação Organizacional no século
XXI. Em primeiro lugar, chegaram à conclusão de que existia a necessidade de inovar em teoria e metodologia, incluindo teorias de outras disciplinas - além das tradicionais que incluem Psicologia Social, a Ciência Política, a Sociologia ou a Economia - e expandindo a utilização da pesquisa longitudinal como método para observar a comunicação no contexto real das organizações. Jones et al. (2004) perceberam, ainda, que começavam a surgir várias solicitações para que a investigação em Comunicação Organizacional se concentrasse mais em questões da ética organizacional. Assim, começou a enfatizar-se a importância de abordar o papel da ética mediante o incremento da discussão sobre a Responsabilidade Social das organizações. Esta é, na verdade, uma tendência que se tem desenvolvido no seio da investigação em Comunicação Organizacional, a qual tem sido encarada como promissora para o futuro da disciplina. Mas, além desta tendência de investigação, os autores concluíram que era preciso enveredar pela exploração de temas relacionados com as novas estruturas e tecnologias organizacionais. Os últimos anos do século XX assistiram ao aumento da globalização e, consequentemente, à proliferação de novas estruturas organizacionais desenvolvidas através de processos sociais e comunicativos isentos de fronteiras espaciais e temporais (Jones et al., 2004). Tais formas organizacionais surgiram devido aos avanços tecnológicos, cada vez mais significativos e que, por isso, são uma necessidade de estudo e análise constante. Por último, e estreitamente relacionado com a diluição das barreiras físicas e temporais, Jones et al. (2004) referiram que é imperativo examinar a diversidade e a comunicação entre grupos. De acordo com estes investigadores, a natureza dos grupos e equipas de trabalho é cada vez mais diversa e mutável, pelo que, interessa investigar a Comunicação Organizacional de uma perspetiva intergrupal.
Estes trabalhos traçaram um panorama de evolução da Comunicação Organizacional que a colocou num patamar de efetiva evolução face às teorias, metodologias e temas que caracterizaram a disciplina até ao início dos anos 90. Julgamos que as perspetivas destes investigadores se revelaram acertadas quanto à evolução que o campo tem protagonizado no início do século XXI e Putnam e Mumby (2014) certificaram estes avanços afirmando que, entre 2001 e 2014, a Comunicação Organizacional não só proliferou os seus temas de investigação, como também revelou transformações nos processos e estruturas das organizações, que exigem abordagens diferenciadas e mais orientadas para a comunicação. Além disso, a ideia da organização comunicativa tornou-se um assunto dominante na investigação e no ensino da Comunicação Organizacional (Zorn, 2002).
Mas, além da abordagem da constituição comunicativa das organizações, também o assunto da responsabilidade social tem conquistado os académicos que estudam a comunicação no contexto das organizações. De acordo com May (2011), nos últimos 20 anos, o campo da Comunicação Organizacional tem-se ocupado das questões da ética e da responsabilidade social como resposta a um contexto de debilidade organizacional caracterizado pelo aparecimento de grandes escândalos empresariais que, no início do século XXI, resultaram na denúncia de comportamentos reprováveis como: o impacto na degradação ambiental, as más condições de trabalho, a baixa qualidade dos produtos e serviços, a degradação do nível de vida das minorias, entre outros.
Como consequência desta conjuntura, os públicos ficaram preocupados com o poder das organizações na sociedade contemporânea e tornaram-se mais rigorosos, impondo atitudes transparentes, comportamentos éticos e ações de sustentabilidade ambiental (Kunsch, 2016; Putnam & Mumby, 2014) exigindo, no fundo, verdadeiros compromissos de responsabilidade social. Tal como afirma Kunsch (2016), as organizações estão a ser questionadas quanto ao seu papel no sistema social global e, hoje, o grande desafio é superar a visão económica e a ideia da responsabilidade social como uma manobra de reputação promovendo, realmente, o bem de todos os seus públicos.
A Responsabilidade Social, enquanto abordagem aplicada à disciplina da Comunicação Organizacional tem conquistado o interesse de muitos investigadores, que reúnem esforços no sentido de tornarem as atividades organizacionais consistentes com práticas social e ambientalmente responsáveis (Putnam & Mumby, 2014). Tal como apontou Lurdes de Oliveira (2019), as organizações procuram, cada vez mais, repensar e atualizar a sua atuação na sociedade para se aproximarem dos seus diferentes públicos, estabelecendo vínculos duradouros.
A par do interesse no estudo dos comportamentos éticos e socialmente responsáveis das organizações, e numa conjuntura de rápida mudança social e organizacional, Deetz (2001), Putnam e Mumby (2014) e Lurdes de Oliveira (2019) enfatizam a necessidade de se investigarem as interações, cada vez mais complexas, que se desenrolam entre os indivíduos e as organizações. Tais relações, na atualidade, desenvolvem-se em múltiplas dimensões, já que extravasam as paredes das empresas e transpõem as fronteiras da vida profissional, para se estenderem à generalidade dos contextos que caracterizam o dia - a- dia dos indivíduos. Este contexto é impulsionado pelo aparecimento de novas tecnologias de comunicação e informação, que são responsáveis por transformar as formas de interação e de relacionamento com os públicos. De facto, no ambiente digital, os indivíduos tornam-se emissores e recetores, com vozes mais críticas e com maior poder no processo comunicativo. Desta forma, as organizações precisam, necessariamente, de pensar e planear a comunicação com o meio que permite estabelecer relações e promover o envolvimento das partes interessadas. Esta é, de resto, uma temática que tem vindo a preocupar os académicos da Comunicação Organizacional, em particular aqueles que se ocupam do estudo da Comunicação Estratégica.
A Comunicação Estratégica, como uma subdisciplina da Comunicação Organizacional, tem despertado o interesse da comunidade académica, principalmente a partir da segunda década do século XXI (Falkheimer & Heide, 2018; Werder, Nothhaft, Verčič & Zerfass, 2018; Zerfass, Verčič, Nothhaft & Werder, 2018). Trata- se de um tipo de comunicação intencional e planeado, que se orienta para o cumprimento da missão e dos objetivos organizacionais. No entanto, também procura responder às necessidades dos públicos organizacionais e, por isso, molda o significado, constrói confiança e gera relacionamentos simbólicos (Falkheimer & Heide, 2018). Macnamara e Gregory (2018), que ampliam a importância destas relações ao afirmar que, embora os objetivos de comunicação devam ser projetados para apoiar os objetivos organizacionais, também devem levar em conta as necessidades, expectativas e interesses dos públicos e da sociedade. De acordo com Heide, Platen, Simonsson e Falkheimer (2018), as potencialidades desta forma de comunicação fazem dela um dos caminho atuais e futuros das organizações, que lidam com os desafios da comunicação digital e com públicos cada vez mais dispersos e exigentes, com os quais o estabelecimento de relacionamentos favoráveis se revela desafiante.
Estas são, então, as tendências no estudo da Comunicação Organizacional, que têm procurado compreender os processos, os cenários e os desafios de comunicar e organizar no contexto de uma sociedade global.
Conclusão
Depois de várias décadas de franca evolução, a Comunicação Organizacional é uma disciplina bem estabelecida nos Estudos de Comunicação, convivendo com uma variedade de abordagens teóricas que procuram explicar as diferentes formas através das quais a organização e a comunicação se relacionam. Ainda que distintas, as maneiras de descrever a comunicação de cada uma das perspetivas - positivista, interpretativa, crítica e constitutiva - ajudam a lidar com os diferentes desafios que se colocam às organizações contemporâneas. Tal como afirmou Miller (2015), haverá momentos em que é importante pensar na comunicação como uma forma de obter informações, noutras ocasiões será importante descrevê- la como um diálogo partilhado e, por vezes, é útil estruturá-la como um meio de persuasão e de motivação. Assim, as quatro abordagens apresentadas são úteis nos estudos da Comunicação Organizacional e devem articular-se para ajudar a compreender os processos, os cenários e os desafios de comunicar e organizar no contexto de uma sociedade global.
A perspetiva constitutiva, no entanto, parece ser aquela que mais se desenvolveu na primeira década do século XXI, chamando a atenção para as formas pelas quais a organização e a comunicação se influenciam mutuamente, através da interação contínua entre todos os públicos internos e externos. De facto, tal como constatamos, a evolução tecnológica e o desenvolvimento crescente dos meios digitais trazem novas formas de interação e de partilha e atribuem maior poder aos públicos no processo de comunicação das organizações. Fruto desta “nova” capacidade de interferir diretamente na comunicação das organizações, os cidadãos também revelam novas exigências e novas preocupações, obrigando as organizações a repensarem a sua atuação na sociedade, de forma a refletirem as preocupações dos seus públicos estabelecendo, com eles, vínculos duradouros. Neste contexto, a Comunicação Organizacional é chamada a intervir mediante a proposta de novas soluções e a perspetiva da constituição comunicativa das organizações pode trazer importantes contributos ao analisar a forma como, na atualidade, os públicos moldam os significados e as interpretações organizacionais, legitimando os seus próprios interesses e, ao mesmo tempo, desenvolvendo mecanismos de fidelização. Assim se poderá compreender e descrever a realidade organizacional moderna.
Financiamento
Publicação realizada no âmbito da Bolsa de Doutoramento com a referência PD/BD/114002/ 2015 co- financiada pelo Fundo Social Europeu (FSE), pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH) e por fundos nacionais do Ministério da Educação e Ciência (MEC), através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia.