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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.8 no.1 Lisboa mar. 2012
Novos anticoagulantes orais no tromboembolismo venoso e fibrilhação auricular
Luís Silvestre, Augusto Ministro, Ana Evangelista, Luís Mendes Pedro
Centro Hospitalar Lisboa Norte
(Hospital de Santa Maria)
Serviço de Cirurgia Vascular I
(Director. Prof. A. Dinis da Gama)
|RESUMO|
Os antagonistas da vitamina K foram, durante mais de 50 anos, os únicos anticoagulantes orais disponiveis. A imprevisibilidade da farmacocinética e farmacodinâmica desta classe de fármacos, responsável pela dificuldade na sua utilização, conduziu à necessidade do desenvolvimento de novas moléculas anticoagulantes. Estão actualmente diponíveis os resultados dos estudos de novos anticoagulantes orais no tromboembolismo venoso e na fibrilhação auricular, que se revêem neste trabalho.
Palavras-chave: novos anticoagulantes orais, dabigatrano, rivaroxabano, apixabano
New oral anticoagulants in the treatment of venous thromboembolism and atrial fibrillation
|ABSTRACT|
For more than 50 years, vitamin K antagonists were the only oral anticoagulants available. The unpredictability of its pharmacokinetics and pharmacodynamics, responsible for its difficult clinical management, has raised the need of new anticoagulants. Results of trials involving the new anticoagulants in venous thromboembolism and atrial fibrillation are now available and reviewed in this paper.
Key words: new oral anticoagulants, dabigatran, rivaroxaban, apixaban
INTRODUÇÃO
O tromboembolismo venoso e a fibrilhação auricular são duas patologias bastante prevalentes nas sociedades desenvolvidas e frequentes na prática clínica dos cirurgiões vasculares, que partilham entre si a indicação para anticoagulação a longo prazo.
Até há pouco tempo, os antagonista da vitamina K (varfarina e acenocumarol) eram os únicos anticoagulantes disponíveis na apresentação oral e, por isso, amplamente utilizados por todo o mundo.
No entanto, estes fármacos têm numerosas limitações, bem conhecidas de todos, como uma farmacocinética e farmacodinâmica pouco previsíveis, um início de acção lento, uma janela terapêutica estreita, múltiplas interacções com outros fármacos e alimentos e uma considerável variabilidade, quer inter-individual, quer intra-individual, na relação entre a dose administrada e o respectivo efeito anticoagulante[1]. Consequentemente, exigem uma monitorização regular da coagulação, através da determinação do Racio de Normalização Internacional (INR), e o correspondente ajuste na dose, de forma a evitar os riscos hemorrágico e trombótico associados à sobre-anticoagulação e sub-anticoagulação, respectivamente. A estes riscos acresce ainda o dispêndio de tempo, tanto por parte do doente como do médico, relacionado com a monitorização da coagulação, que representa custos acrescidos para o sistema de saúde. Para além disso, mesmo seguindo uma monitorização cuidadosa, o INR encontra-se frequentemente fora do intervalo terapêutico[2].
Todas estas características dos antagonistas da vitamina K que dificultam o seu manuseamento contribuem decisivamente para que esta classe de fármacos seja sub-utilizada mesmo nas situações em que estão formalmente indicados, como é o caso da fibrilhação auricular[3] e do tromboembolismo venoso.
Assim, a necessidade de anticoagulantes orais igualmente eficazes mas com um melhor perfil de segurança e facilidade de utilização conduziu ao desenvolvimento de novas moléculas que têm como mecanismo de acção a inibição directa da trombina ou do factor Xa.
Depois do primeiro inibidor directo da trombina, o ximelagatrano, não ter sido aprovado pela Food and Drug Administration por problemas de toxicidade hepática[3], estão actualmente disponíveis os resultados dos estudos que compararam o dabigatrano com a varfarina na anticoagulação de doentes com tromboembolismo venoso[4] e com fibrilhação auricular[5].
No que concerne aos inibidores do factor Xa, foram recentemente publicados os resultados do rivaroxabano no tromboembolismo venoso[6] e fibrilhação auricular[7], assim como do apixabano nesta última patologia[8]. Concomitantemente, encontram-se em curso ensaios de fase III referentes ao apixabano na profilaxia do tromboembolismo venoso recorrente e do edoxabano na fibrilhação auricular[9].
DABIGATRANO
O dabigatrano é uma molécula que inibe reversivelmente a trombina.
Após a administração oral, cuja biodisponibilidade é 6%[10], o dabigatrano atinge o pico plasmático ao fim de 2 horas e tem um tempo de semi-vida de 14 a 17 horas, o que permite a posologia de 1 a 2 vezes por dia[9].
A eliminação deste fármaco ocorre maioritariamente (80%) por via renal, através de uma bomba de efluxo designada glicoproteína P. Assim, a administração simultânea de inibidores potentes da glicoproteína P como a quinidina reduz significativamente a depuração do dabigatrano, aumentando os seus níveis plasmáticos[11] pelo que está contra-indicada. A amiodarona é um inibidor fraco da glicoproteína P, que aumenta em cerca de 50% os níveis de dabigatrano[9].
RIVAROXABANO
O rivaroxabano (inibidor directo do factor Xa) tem uma biodisponibilidade oral de cerca de 80%, atinge a concentração plasmática máxima em 2 a 4 horas e tem um tempo de semi-vida de de 7 a 11 horas[12].
A sua eliminação ocorre da seguinte forma: 1/3 é excretado pelo rim na sua forma inalterada; 1/3 tem metabolização hepática a metabolitos inactivos que são posteriormente eliminados por via renal; e o 1/3 restante tem metabolização hepática e excreção intestinal dos metabolitos resultantes[9].
Para além da metabolização via citocrómio p450, o rivaroxabano é substrato da glicoproteína P, pelo que a administração concomitante de inibidores destas duas proteínas, como é o caso do cetoconazol e do ritonavir, está contra-indicada, dado o aumento dos níveis plasmáticos de rivaroxabano[10].
APIXABANO
Tal como o rivaroxabano, o apixabano é um inibidor directo do factor Xa que, após administração oral, atinge a concentração plasmática máxima em cerca de 3 horas[10] e tem um tempo de semi-vida de 8 a 14 horas[9].
A sua excreção faz-se quer por via renal na forma inalterada (25%), quer por metabolização hepática[9].
TROMBOEMBOLISMO VENOSO
Dabigatrano versus varfarina (Estudo RE-COVER)[4]
No estudo RE-COVER, um estudo randomizado, com dupla ocultação, foi comparada a eficácia do dabigatrano na dose de 150 mg duas vezes por dia com a varfarina ajustada a um INR-alvo entre 2,0 e 3,0 após um período inicial de anticoagulação parentérica. O estudo incluiu 2564 doentes com trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar, durante um período de 6 meses.
O outcome primário, que correspondia à incidência de tromboembolismo venoso recorrente sintomático ojectivamente confirmado ou morte relacionada, ocorreu em 2,4% dos doentes no grupo do dabigatrano e 2,1% no grupo da varfarina, o que traduz a não-inferioridade do dabigatrano relativamente à varfarina (P<0,001).
A incidência de episódios hemorrágicos major foi semelhante nos dois grupos, 1,6% no grupo do dabigatrano e 1,9% no grupo da varfarina, enquanto o aparecimento de qualquer hemorragia foi ligeiramente superior no grupo da varfarina (21,9% versus 16,9%).
À excepção da dispepsia, que foi mais frequente no grupo do dabigatrano (2,9% versus 0,6%), não se observaram diferenças significativas na frequência dos eventos adversos entre os dois grupos, nomeadamente no que diz respeito à toxicidade hepática que se verificara com o ximelagatrano.
O autores concluiram que no tratamento do tromboembolismo venoso agudo o dabigatrano é tão eficaz quanto a varfarina, apresentando um perfil de segurança semelhante.
Rivaroxabano versus varfarina (Estudo EINSTEIN)[6]
O programa EINSTEIN inclui um cunjunto de 3 estudos randomizados nos quais o rivaroxabano foi comparado com os antagonistas da vitamina K em três situações distintas: a trombose venosa profunda aguda dos membros inferiores, o tromboembolismo pulmonar e o tratamento continuado destas duas situações após o periodo inicial de 6 a 12 meses de terapêutica.
No estudo da trombose venosa profunda aguda, que envolveu 3449 doentes durante um período de 3, 6 ou 12 meses, o rivaroxabano (na dose de 15 mg duas vezes/dia durante 3 semanas seguida de 20 mg/dia) foi comparado com a terapêutica standard (enoxaparina seguida de varfarina ou acenocumarol ajustada a um INR-alvo entre 2,0 e 3,0).
O outcome primário, que consistiu na recorrência do tromboembolismo venoso, ocorreu em 2,1% dos doentes no grupo do rivaroxabano e 3% no grupo da terapêutica standard, o que traduz uma eficácia semelhante para os dois esquemas anticoagulantes.
O principal indicador de segurança, a ocorrência de hemorragia major ou clinicamente relevante, foi idêntica nos dois grupos, 8,1%.
Não se verificaram diferenças entre os grupos em termos de efeitos adversos, nomeadamente hepáticos.
Os autores concluiram que, na dose utilizada, o rivaroxabano em monoterapia tem a mesma eficácia e segurança que o esquema anticoagulante standard.
FIBRILHAÇÃO AURICULAR
Neste momento, são conhecidos os resultados de três estudos que comparam os novos anticoagulantes com a varfarina na prevenção dos eventos tromboembólicos nos doentes com fibrilhação auricular.
Dabigatrano versus varfarina (Estudo RE-LY)[5]
O estudo RE-LY (Randomized Evaluation of Long-Term Anticoagulation Therapy) é um estudo randomizado multicêntrico no qual foram incluidos 18.113 com fibrilhação auricular com o objectivo de comparar o dabigatrano nas doses de 110 mg e 150 mg duas vezes por dia com a varfarina (INR-alvo entre 2,0 e 3,0) no que diz respeito à prevenção dos eventos tromboembólicos e complicações hemorrágicas.
O outcome primário (AVC ou embolismo sistémico) ocorreu em 1,53% dos doentes por ano no grupo do dabigatrano 110 mg, 1,11% no grupo do dabigatrano 150 mg e 1,69% no grupo da varfarina, o que traduz a superioridade do dabigatrano relativamente à varfarina na dose de 150 mg e a não inferioridade na dose de 110 mg. Estes resultados devem-se em grande parte à menor taxa de AVC hemorrágico nos grupos do dabigatrano (0,12%/ano na dose de 110 mg e 0,10%/ano na dose de 150 mg) comparativamente com a varfarina (0,38%/ano) o que equivale a uma redução do risco relativo desta complicação devastadora para menos de 1/3 com o dabigatrano.
Relativamente à prevenção do AVC isquémico, comparativamente com a varfarina em cujo grupo a incidência foi 1,20%/ano, o dabigatrano mostrou uma eficácia semelhante na dose de 110 mg (1,34%/ano, P=0,34) e foi mesmo mais eficaz na dose de 150 mg (0,92%%/ano, P=0,03).
A taxa de hemorragia major, quando comparada com o grupo da varfarina (3,34%/ano) foi mais baixa no grupo do dabigatrano 110 mg (2,71%/ano, P=0,003) e semelhante no grupo do dabigatrano 150 mg (3,11%/ano, P=0,31). Não obstante, a taxa de hemorragia intracraniana foi mais baixa com o dabigatrano (0,23%/ano na dose de 110 mg e 0,30%/ano na dose de 150 mg) do que com a varfarina (0,74%/ano)(P<0,05).
A dispepsia foi o único efeito adverso que ocorreu com maior frequência nos doentes medicados com o dabigatrano (11,8% na dose de 150 mg, 11,3% na dose de 110 mg e 5,8% no grupo da varfarina). Além disso, a incidência de hemorrafia digestiva tambem foi significativamente mais elevada no grupo do dabigatrano 150 mg (1,51%/ano versus 1,02%/ano, P<0,001). Estes efeitos podem ser explicados pela presença de ácido tartárico na composição dos comprimidos, cujo objectivo é a criação de pH baixo, indispensável à correcta absorção das moléculas de dabigatrano.
Em conclusão, na dose de 110 mg o dabigatrano teve uma taxa de AVC e embolismo sistémico semelhante ao da varfarina, com uma incidência mais baixa de hemorragia major. Pelo contrário, na dose de 150 mg o dabigatrano mostrou uma taxa de AVC e embolismo sistémico mais baixa que a varfarina, com uma incidência de hemorragia major semelhante.
Rivaroxabano versus varfarina (Estudo ROCKET AF)[7]
O estudo ROCKET AF (Rivaroxaban Once Daily Oral Direct Factor Xa Inhibition Compared with Vitamin K Antagonism for Prevention of Stroke em Embolism trial in Atrial Fibrillation) é um estudo multicêntrico randomizado, com dupla ocultação, que envolveu 14.264 doentes com fibrilhação auricular e um risco elevado de AVC, comparando o rivaroxabano com a varfarina na prevenção do AVC ou embolismo sistémico. O rivaroxabano foi usado na dose de 20 mg/dia nos doentes com depuração de creatinina ≥50 ml/minuto e 15 mg/dia a nos doentes com depuração de creatinina entre 30 e 49 ml/minuto. A varfarina foi usada de acordo com um INR-alvo entre 2,0 e 3,0.
O outcome primário, que consistia na ocorrência de AVC ou embolismo sistémico verificou-se em 1,2% por ano no grupo do rivaroxabano e 2,2% por ano no grupo da varfarina (P<0,001 para a não-inferioridade do rivaroxabano).
A taxa de hemorragia major e não-major clinicamente relevante foi semelhante nos dois grupos: 14,9%/ano no grupo do rivaroxabano e 14,5%/ano no grupo da varfarina (P=0,44). No entanto, no grupo do rivaroxabano constatou-se uma redução significativa quer na taxa de hemorragia intracraniana (0,5% versus 0,7%, P=0,02), quer na taxa de hemorragia fatal (0,2% versus 0,5%, P=0,003). Pelo contrário, a taxa a hemorragia digestiva major foi mais frequente com o rivaroxabano (3,2% versus 2,2%, P<0,001).
Os autores concluiram que o rivaroxabano se mostrou não-inferior à varfarina na prevenção do AVC e embolismo sistémico nos doentes com fibrilhação auricular. O risco global de hemorragia é semelhante mas a incidência de hemorragia intracraniana e hemorragia fatal são mais baixas com o rivaroxabano.
Apixabano versus varfarina(Estudo ARISTOTLE)[8]
No estudo ARISTOTLE (Apixaban for Reduction in Stroke and other Thromboembolic Events in Atrial Fibrillation), um estudo randomizado com ocultação dupla, foi comparado o apixabano na dose de 5 mg duas vezes por dia com a varfarina (INR-alvo entre 2,0 e 3,0) em 18.201 doentes com fibrilação auricular e um factor de risco adicional para AVC.
O outcome primário que correspondia à ocorrência de AVC isquémico ou hemorrágico ou embolismo sistémico, foi de 1,27%/ano no grupo do do apixabano e 1,60%/ano no grupo da varfarina, demonstrando a superioridade do apixabano (P=0,01).
A taxa de hemorragia major e de AVC hemorrágico foi significativamente mais baixa no grupo do apixabano, 2,13% versus 3,09% por ano e 0,24% versus 0,48%, respectivamente (P<0,001).
A taxa de mortalidade por qualquer causa foi inferior no grupo do apixabano (3,52% versus 3,94% por ano, P=0,047) e a ocorrência de outros efeito adversos foi semelhante nos dois grupos.
Os autores concluiram que o apixabano foi superior à varfarina na prevenção do AVC isquémico e embolismo sistémico e teve menos complicações hemorrágicos, resultando numa morbilidade mais baixa.
CONCLUSÃO
Durante mais de 50 anos, os antagonistas da vitamina K foram os únicos fármacos disponíveis para a anticoagulação a longo prazo dos doentes com fibrilhação auricular e tromboembolismo venoso. Actualmente são conhecidos os resultados dos estudos de vários dos novos anticoagulantes orais nestas duas situações.
Na profilaxia do tromboembolismo venoso tanto o dabigatrano como o rivaroxabano mostraram um perfil de eficácia e de segurança não inferior ao da varfina.
Na fibrilhação auricular, em comparação com a varfarina, todos os novos anticoagulantes (dabigatrano, rivaroxabano e apixabano) reduziram significativamente quer o risco de AVC e eventos tromboembólicos (muito à custa da redução da ocorrência de AVC hemorrágico), quer a ocorrência de hemorragias graves. A redução do risco de AVC hemorrágico por parte destes novos fármacos sugere a existência de um risco específico associado à varfarina, possivelmente relacionado com a inibição simultânea de vários factores de coagulação ou com a interacção entre a varfarina e os complexos de factor VIIa no cérebro[8].
Apesar das semelhanças entre os diversos estudos apresentados, existem várias diferenças estruturais no seu desenho que impedem a comparação directa dos novos anticoagulantes ente si[13].
Apesar de todas as vantagens enumeradas, os novos anticoagulantes orais têm também dois inconvenientes. O primeiro é o preço, muito superior ao da varfarina, mesmo depois de contabilizados os custos da monitorização do INR. O segundo é a inexistência de antídotos que revertam o seu efeito anticoagulante[13].
Assim, embora estes novos fármacos sejam alternativas atractivas aos antagonistas da vitamina K, o seu elevado custo constitui um entrave à sua utilização generalizada, pelo que no imediato devem ser reservados para os casos de difícil controlo de INR[13].
Depois de muitas décadas, estão finalmente disponíveis alternativas aos anticoagulantes tradicionais que certamente irão revolucionar o paradigma da anticoagulação oral, com uma utilização crescente nos próximos anos.
BIBLIOGRAFIA
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