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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.8 no.3 Lisboa set. 2012
Aneurisma da Artéria Renal: cirurgia renal ex-vivo a propósito de um caso clínico*
Renal Artery Aneurysm:ex-vivo repair a case report
Clara Nogueira*, Rui Machado*, Carlos Pereira*, Paulo Almeida*, Carolina Vaz*, Luís Osório**, José Tavares*, Arnaldo Lhamas**, Rui Almeida*
* Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar do Porto
Hospital de Santo António, Porto
** Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Porto
Hospital de Santo António, Porto
|RESUMO|
Os aneurismas da artéria renal (AAR) são raros, frequentemente assintomáticos, de etiologia variada, frequentemente secundários a aterosclerose e anomalias congénitas. Os AAR com diâmetro superior a 2 cm têm indicação cirúrgica. A escolha da técnica cirúrgica depende da localização anatómica e complexidade do AAR, bem como do tempo previsível de isquemia renal. Os autores descrevem um caso de auto-transplante renal, para tratamento de dois AAR complexos.
Palavras-chave: artéria renal, aneurisma, displasia fibromuscular, autotransplante, ex-vivo
|ABSTRACT|
Renal artery aneurysms (RAA) are rare, frequently asymptomatic, with variable etiology, frequently due to atherosclerosis and congenital anomalies. Surgical treatment is indicated for RAA with a diameter greater to 2 cm. Surgical technique will depend on RAA anatomic localization and complexity, as well as, predicted renal isquemic time. The authors report an auto-transplant for treatment of two complex RAA.
Key words: renal artery, aneurysm, fibromuscular dysplasia, autotransplantation, ex-vivo repair
INTRODUÇÃO
Os aneurismas da artéria renal (AAR) são raros (0,01 1%)[1,2], correspondendo a 22% dos aneurismas viscerais[2]. Tipicamente são únicos e unilaterais (90%). A maioria é assintomática e o seu diagnóstico é, frequentemente, incidental, por métodos de imagem[3]. Quando sintomáticos, manifestam-se por: hipertensão (80%) de início precoce (antes dos 35 anos), dor, hematúria, podendo cursar com quadro de choque hipovolémico, se em ruptura.[3]
As causas mais frequentes são a aterosclerose e as anomalias congénitas, nomeadamente, a displasia fibromuscular. Raramente, surgem no contexto de dissecção, traumatismo, coartação da aorta ou Síndrome de Marfan.[3,4]
A incidência entre sexos é igual, excepto nos casos secundários a displasia fibromuscular, em que é mais frequente no sexo feminino. O tratamento cirúrgico do AAR está indicado quando: diâmetro superior a 2 cm; aneurisma em expansão ou dissecante; hipertensão renovascular; sintomas locais (dor, hematúria); embolização distal; estenose significativa da artéria renal. [1,2,3,4] O risco de ruptura do AAR é superior na displasia fibromuscular e na gravidez.[1,3]
A displasia fibromuscular é uma doença vascular, de etiologia idiopática, não aterosclerótica e não inflamatória, que afecta, principalmente, mulheres jovens (entre 15 a 50 anos), com baixo risco cardiovascular.[3] As artérias atingidas com maior frequência são a artéria carótida interna (ACI) e a artéria renal, no entanto, já foi descrita em quase todos os leitos arteriais. O segmento da artéria renal frequentemente mais afectado pela displasia fibromuscular é o médio-distal do tronco principal. O padrão angiográfico típico é em "colar de pérolas".[3]
CASO CLÍNICO
Doente de 43 anos, sexo feminino, nuligesta. Hipertensão arterial diagnosticada aos 26 anos, medicada com a associação de valsartan e hidroclorotiazida, sem outros factores de risco cardiovascular.
Recorre ao Serviço de Urgência por diminuição da sensibilidade na hemilíngua direita há três dias, disartria e disfagia. Nega náuseas, vómitos, perda de consciência ou outros défices neurológicos. Sem história de traumatismo ou episódios prévios semelhantes.
Ao exame objectivo salienta-se parésia isolada do nervo hipoglosso direito, sopro sistólico grau III/VI da artéria carótida direita e sopro sistólico grau III/VI no flanco abdominal direito.
Analiticamente, sem alterações da função renal, sem hematúria ou proteinúria.
O ecodoppler carotídeo e vertebral revela tortuosidade das ACI, com aceleração de fluxo, sem estenose hemodinamicamente significativa.
Durante a realização da angiografia cerebral identifica-se um aneurisma do segmento intra-cavernoso da ACI direita | FIGURA 1 | e dois aneurismas na porção distal da artéria renal direita | FIGURA 2 |, com as seguintes dimensões: 22,4x23,2mm e 11,0x8,5mm.
| FIGURA 1 | Angiografia cerebral: aneurisma do segmento intra-cavernoso da ACI direita.
| FIGURA 2 | Angiografia renal: AAR direita. A sua localização no segmento distal da artéria renal principal é a favor do diagnóstico displasia fibromuscular.
Na angiografia selectiva da artéria renal direita obtém-se projecções em antero-posterior e oblíquas, para melhor avaliação das relações anatómicas das artérias renais.
Após discussão multidisciplinar, decide-se, numa primeira fase, pelo tratamento cirúrgico dos AAR direitos, para controlo da hipertensão arterial; protelando-se o tratamento do aneurisma da ACI.
Opta-se por submeter a doente a um auto-transplante renal, segundo a técnica descrita:
> Abordagem retroperitoneal, nefrectomia, envolvimento do rim em compressa embebida em solução salina a 4°C e perfusão do rim com soluto eurocollins® a 4ºC.
> Colheita de grande veia safena (GVS) do membro inferior esquerdo e confecção de conduto em espiral, para prolongamento da veia renal direita | FIGURA 3 |.
| FIGURA 3 | Procedimento cirúrgico: colheita de GVS e confecção de conduto em espiral .
> Aneurismectomia e angioplastia cirúrgica com patch de GVS da artéria renal principal | FIGURA 4 E 5 |.
| FIGURA 4 | Procedimento cirúrgico: aneurismectomia.
| FIGURA 5 | Procedimento cirúrgico: angioplastia cirúrgica com patch de GVS; prolongamento de ramo da artéria renal com segmento de GVS invertida, re-implantação da artéria renal principal.
> Aneurismectomia, angioplastia cirúrgica com patch de GVS, prolongamento de ramo da artéria renal com segmento de GVS invertida e re-implantação da artéria renal principal na GVS | FIGURA 4 E 5 |.
> Prolongamento da veia renal com conduto espiralado de GVS | FIGURA 6 E 7 |.
| FIGURA 6 | Procedimento cirúrgico: prolongamento da veia renal com conduto espiralado de GVS.
| FIGURA 7 | Procedimento cirúrgico: reconstrução da artéria e veia renais; comparação entre o diâmetro dos AAR e da artéria renal principal.
> Secção da artéria hipogástrica direita, anastomose termino terminal (T-T) entre prolongamento de GVS da artéria renal e artéria hipogástrica | FIGURA 8 |.
| FIGURA 8 | Procedimento cirúrgico: anastomose T-T artéria renal artéria hipogástrica direita; anastomose T-L veia renal veia ilíaca externa direita.artéria renal principal.
> Anastomose termino - lateral (T-L) entre veia renal prolongada com conduto espiralado de GVS e veia ilíaca externa | FIGURA 8 |.
> Re-implantação do ureter na bexiga.
O tempo total de isquemia renal fria foi de 75 minutos e o enxerto reperfundiu homogeneamente. O pós-operatório decorreu sem intercorrências, com alta hospitalar ao sexto dia.
O exame histopatológico da parede aneurismática comprovou o diagnóstico de displasia fibromuscular da média.
Aos seis meses de follow-up a doente encontra-se assintomática, com controlo tensional apenas com restrição salina e sem alterações da função renal.
Aguarda tratamento do aneurisma da ACI.
DISCUSSÃO
No tratamento do AAR deve considerar-se as diferentes técnicas cirúrgicas: cirurgia in-situ (pontagem, angioplastia), cirurgia ex-vivo, procedimentos endovasculares (stenting, endoprótese, embolização) e nefrectomia.[3,5,6] Os factores determinantes são o tempo previsto de isquemia renal e a necessidade de uma adequada exposição da lesão.[3] Um período máximo de isquemia renal quente de 20 minutos é considerado seguro, no entanto, até períodos mais curtos podem precipitar disfunção renal.[1] Quando se prevê um tempo de isquemia renal quente superior a 45 minutos Calligaro K. e Dougherty M. defendem a utilização de medidas de protecção renal, podendo-se optar por cirurgia renal ex-vivo[3]. Até ao momento, não está provado qual a melhor técnica de protecção renal.[1,2]
Vários autores defendem o tratamento endovascular em AAR simples e proximais. [2,6,7,8] AAR complexos, múltiplos, com atingimento de pequenos ramos distais poderão beneficiar da cirurgia renal ex-vivo. [3,5,7]
Em 1967, Ota descreve o primeiro caso de reparação ex-vivo de lesão da artéria renal, por hipertensão renovascular.[9]
Várias publicações de cirurgia renal ex-vivo de AAR demonstram baixa morbilidade e mortalidade, bons resultados a longo prazo, melhoria ou cura da hipertensão arterial em 50 a 100% dos casos (taxas superiores nos casos de displasia fibromuscular).[3,4]
Com a experiência obtida com transplante renal de dador vivo, os autores consideram que a cirurgia renal ex-vivo deve ser sempre ponderada no tratamento de lesões complexas da artéria renal distal e seus ramos.
CONCLUSÃO
A cirurgia renal ex-vivo é um procedimento seguro e eficaz para lesões complexas da artéria renal. Ao ser realizado por cirurgiões experientes, tem uma morbilidade e mortalidade sobreponíveis a outras técnicas cirúrgicas.
BIBLIOGRAFIA
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[3] CALLIGARO K. MD, DOUGHERTY M. MD: Renal Artery Aneurysms and Arteriovenous Fistulae. Vascular Surgery, Rutherford RB et al, 6th edition; cap.133: 1861-1870; [ Links ]
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[9] OTA K. et al: Ex situ repair of renal artery for renovascular hypertension. Arcg Surg 1967; 94:370-373. [ Links ]
E-mail: rmvasc@gmail.com
*Apresentado no VII Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular
Distinguido com o Prémio Inovação SPACV/ Boston Scientifi