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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.13 no.2 Lisboa jun. 2017
ARTIGO ORIGINAL
Simpaticectomia torácica toracoscópica em doentes com hiperidrose palmar: avaliação da qualidade de vida após a cirurgia
Thoracoscopic sympathectomy in patients with palmar hyperhidrosis: evaluation of quality of life after surgery
Lisete Aires Silva1, Mafalda Botelho de Melo2, Joana Andrade Barros3, Miguel Jeri4, João Vasconcelos5, Miguel Maia6, João Almeida Pinto7, José Vidoedo8
1,3 USF Terras de Souza,
2 Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra,
4 USF São João do Porto
5, 6, 7, 8 Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa
RESUMO
Na abordagem dos indivíduos com hiperidrose palmar (HP) primária em que o tratamento conservador não é satisfatório, a simpaticectomia torácica toracoscópica (STT) constitui uma alternativa terapêutica eficaz e segura.
Métodos e material: Estudo retrospetivo com objetivo de avaliar a qualidade de vida em doentes submetidos a STT por HP, no período entre 1 Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2014. Foram consultados os processos clínicos de todos os doentes operados, tendo ainda sido realizada uma entrevista clinica com aplicação do questionário de qualidade de vida SF-36. Foi efetuada posteriormente a análise estatística dos dados recolhidos utilizando o software SPSS Statistics (versão 20).
Resultados: No período em análise, foram operados 21 doentes, dos quais 14 responderam ao questionário. Verificou-se que a STT foi um procedimento eficaz em 100% dos doentes, tendo-se apurado um resultado de qualidade de vida razoável pelo questionário SF-36. A maioria dos doentes tem a perceção de melhoria da qualidade de vida após a STT. Neste estudo, 85,7% dos doentes desenvolveu hiperidrose compensatória (HC).
Discussão: Neste estudo confirmámos o benefício associado à STT, em consonância com outros estudos publicados. No entanto, é de referir algumas limitações do trab alho como a subjetividade dos sintomas, o reduzido tamanho amostral, o viés de memória inerente e a complexidade do questionário SF-36. A possibilidade de HC deve ser abordada no processo de decisão do doente para este procedimento, dada a sua incidência elevada.
Conclusão: A STT é um procedimento seguro e eficaz e está associado a uma melhoria da qualidade da vida dos indivíduos com HP.
Palavras-chave: Simpaticectomia Torácica Toracoscópica; Hiperidrose palmar; Hiperidrose compensatória; Qualidade de vida
ABSTRACT
When approaching patients with primary palmar hyperhidrosis (PH), refractory to conservative treatment, endoscopic thoracic sympathectomy (ETS) is a safe and effective alternative.
Methods and materials: Retrospective study in order to assess the quality of life of patients with PH undergoing ETS, from 1 of January 2009 to 31 of December 2014. The data was collected from the medical registries of each patient and from a clinical interview with the application of the quality of life SF-36 questionnaire. The statistical analysis was preformed using SPSS version “xpto”.
Results: In this period, 21 patients were operated, 14 of which answered the questionnaire. It was found that ETS is an effective procedure in 100% of patients, who have a reasonable quality of life as assessed by the SF-36 questionnaire. Most patients have a perception of improved quality of life after ETS. In this study, 85.7% of patients developed compensatory hyperhidrosis (CH).
Discussion: In this study we confirmed the benefit associated to ETS, in line with previous studies. However, this study as some limitations such as the subjectivity of the symptoms, the small sample size, the recall bias and the complexity of the SF-36 questionnaire. When referring a patient to ETS, the possibility of CH should be addressed in patient's decision-making process given its high incidence.
Conclusion: The ETS is a safe and effective procedure and is associated with an improved quality of life of individuals with PH.
Keywords: Endoscopic thoracic sympathectomy; Palmar hyperhidrosis; Compensatory hyperhidrosis; Quality of life
INTRODUÇÃO
A hiperidrose palmar define-se como um aumento excessivo da produção de suor pelas mãos e pode ser primária/ idiopática ou secundária a diversas condições patológicas como diabetes, obesidade, hipertiroidismo ou tumor carcinoide. Em ambos os casos, a hiperidrose parece resultar de um aumento da estimulação do Sistema Nervoso Simpático, cujo neurotransmissor é a acetilcolina, responsável pela inervação das glândulas sudoríparas. No entanto, também está descrita uma transmissão familiar1,2. Estima-se que a hiperidrose palmar primária afete cerca de 1% da população.1 Frequentemente, começa por manifestar-se na infância, com maior evidência na fase da adolescência, prolongando-se pela vida adulta e podendo afetar o domínio psíquico e social do doente. Na abordagem do doente com hiperidrose palmar primária o tratamento inicial baseia-se nas medidas conservadoras (p.e. compostos de sais de alumínio, iontoforese, injeções de toxina botulínica). Quando o tratamento conservador falha em aliviar os sintomas do doente, a STT pode ser a única opção para o seu tratamento. O objetivo deste estudo foi avaliar os resultados em doentes submetidos a STT bilateral por hiperidrose palmar, no Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular com ênfase particular na qualidade de vida.
MÉTODOS E MATERIAL
Estudo observacional e retrospetivo com objetivo de avaliar a qualidade de vida de todos dos doentes submetidos a STT por hiperidrose palmar, no Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, entre 1 Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2014.
Do total de 21 doentes elegíveis para o estudo, foram incluídos 14 doentes, por comparecerem à entrevista clinica. Os restantes 7 doentes foram excluídos por não comparecerem à entrevista após 3 convites. A colheita dos dados foi feita através da análise retrospetiva dos processos cínicos eletrónicos, entrevista clinica presencial, na qual se aplicou o questionário validado de qualidade de vida SF-36. Este questionário compreende uma série de perguntas que em última análise são agrupadas em duas grandes dimensões, a física e a mental. A pontuação deste questionário baseia-se numa escala de 0 a 100% em que 0% corresponde a muito pouca e 100% a excelente qualidade de vida. Os doentes foram também questionados sobre características epidemiológicas, antecedentes patológicos, recurso ou não ao tratamento conservador, o motivo e especialidade de referenciação, bem como sobre as complicações pós-operatórias. Os doentes foram ainda questionados diretamente sobre a perceção da sua qualidade de vida pré e pós-operatória. A análise estatística foi efetuada com o software SPSS Statistics (versão 20). A técnica cirúrgica utilizada foi a mesma em todos os pacientes. Após derivação pulmonar, insere-se um trocarte de 10mm ao nível do 5º espaço intercostal para introdução da câmara de toracoscopia e procede-se à inspeção da cavidade torácica e identificação da cadeia do SNS. Posteriormente, introduz-se o trocarte de 5mm ao nível do 3º espaço intercostal para a utilização da pinça de coagulação. Foi realizada fulguração da cadeia simpática sobre a 2ª, 3ª e 4ªcostelas. No caso de se idenficar o nervo de Kuntz durante o procedimento, este também é submetido a fulguração. No final do procedimento os instrumentos são removidos e é introduzido um dreno torácico no 5º espaço intercostal.
Após expansão controlada do pulmão, remove-se o dreno torácico e encerram-se as incisões.
RESULTADOS
Dum total de 14 doentes submetidos a STT por HP, 9 eram mulheres (64%) e 5 homens (36%), com idade média de 29,9 anos. A STT revelou-se um procedimento eficaz em 100% dos doentes, quer por supressão, quer por diminuição significativa da perceção de HP. Neste estudo, 85,7% dos doentes desenvolveu hiperhidrose compensatória após o procedimento (quadro 1), sendo o dorso o local mais frequente de HC. Ao pedir aos doentes que classificassem a sua perceção de qualidade de vida antes e após a STT com as opções muito má, má, razoável, boa e muito boa, a melhoria da qualidade de vida foi definida pelos autores como a obtenção de um patamar superior da referida escala. Verificámos então que 12 doentes (71,4 %) obtiveram uma melhoria da qualidade de vida, 1 doente teve qualidade de vida inalterada e 1 apresentou agravamento da qualidade de vida após STT (quadro 2).
Aplicámos ainda o questionário de qualidade de vida SF-36, já previamente validado, no sentido de aferir a qualidade de vida global dos doentes deste estudo. Neste estudo, a média da pontuação obtida na dimensão física foi de 53,96 e na mental de 42,51, o que segundo a escala corresponde a uma qualidade de vida razoável. No sentido de compreender os fatores determinantes da qualidade de vida dum doente submetido a STT por HP procurámos relacionar diversas variáveis com a perceção da qualidade de vida antes e após a cirurgia e com a pontuação obtida no questionário SF-36. Neste estudo verificámos que a idade ao diagnóstico ou a idade à data da STT não têm influência estatisticamente significativa na qualidade de vida do paciente submetido a STT. A presença de antecedentes psiquiátricos nestes doentes também parece não afetar a qualidade de vida dos mesmos. Investigámos, ainda, se o atingimento concomitante de outras zonas corporais por hiperidrose, nomeadamente axilar ou plantar, teria alguma influência na qualidade de vida após a STT. Demonstrou-se então que doentes com hiperidrose axilar associada à HP obtiveram uma maior pontuação na dimensão física do questionário SF-36 o que corresponde a uma melhor qualidade de vida (p = 0.032). Por último, avaliou-se a relação entre o desenvolvimento ou não de HC após a STT e o local de desenvolvimento com a qualidade de vida dos doentes. A média das pontuações obtidas no questionário, quer na dimensão física e mental, foi menor nos doentes com HC independentemente do local do seu local de desenvolvimento, não atingindo, contudo, significância estatística. A exceção é o atingimento dos membros inferiores que revelou resultar numa menor qualidade de vida na dimensão física do questionário SF-36 (p = 0.030). (Quadro 3, 4, 5, 6 e 7)
DISCUSSÃO
A STT é um procedimento relevante no tratamento da hiperhidrose palmar, afigurando-se como uma intervenção de primeira linha em doentes com hiperidrose marcada ou se refratários ao tratamento conservador. A escolha criteriosa dos doentes a serem submetidos a este procedimento é de crucial importância, devendo ser balanceado o benefício da STT na HP com o risco da intervenção. A hiperhidrose compensatória é um efeito adverso bastante comum, estando descrita como tanto mais intensa quanto menor o nível de fulguração da cadeia simpática, e desempenha um papel fundamental na determinação do nível de satisfação do paciente. De acordo com alguns estudos, esta incidência varia entre 30 a 84%3, semelhante ao obtido neste estudo, onde se realizou a fulguração da cadeia simpática sobre a 2ª, 3ª e 4ª costelas. No entanto, a elevada incidência não traduz necessariamente uma diminuição da qualidade de vida do doente. De facto, verificámos neste trabalho que, apesar de uma taxa de hiper-hidrose compensatória de 85,7%, obteve-se uma melhoria da qualidade de vida em 71,4% dos doentes submetidos a STT. Uma das possíveis explicações para este facto é o elevado constrangimento social associado à hiper-hidrose palmar, que não se verifica de forma tão marcada noutras zonas corporais. De acordo com os estudos publicados, os locais mais comuns desta hiper-hidrose compensatória, foram idênticos aos observados neste estudo, isto é, dorso, tórax, abdómen e membros inferiores. Foram pesquisados os antecedentes psiquiátricos dos doentes, visto esta ser uma das variáveis que possivelmente pode estar implicada no sucesso do procedimento. Neste estudo esta variável não atingiu significância estatística. Como limitações deste trabalho é de referir o carácter subjetivo da sintomatologia destes doentes. Para além de não ser possível a quantificação da sudorese, a sua perceção e influência nas atividades diárias varia entre cada doente. Neste contexto está sempre inerente uma avaliação dependente de um observador e das queixas do doente. Outras limitações deste trabalho relacionam-se com o reduzido tamanho amostral que influencia a extrapolação de resultados estatisticamente significativos. Também o viés de memória inerente a um estudo retrospetivo pode exercer alguma influência na aferição correta da informação. Por fim, o próprio questionário de qualidade de vida SF-36 constitui uma limitação neste estudo decorrente da sua extensão e complexidade, o que pode exigir um nível de instrução mais elevado por parte dos doentes para a sua correta interpretação. Ainda, este questionário baseia-se em perguntas que permitem aferir, dum modo geral, a qualidade de vida dum indivíduo, não sendo específico para avaliar a qualidade de vida dos indivíduos em estudo.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que a STT é um método seguro e eficaz no tratamento da hiper-hidrose palmar. Neste grupo de doentes, a STT demonstrou ser uma opção terapêutica associada a uma melhoria da qualidade da vida, em consonância com resultados de outros estudos já publicados. Neste estudo 85,7% dos doentes submetidos a STT apresentaram HC. Ainda assim, 71,4% dos doentes obteve uma melhoria da qualidade de vida após STT. Deste modo, a seleção adequada dos doentes a serem submetidos a STT é um ponto crucial neste processo de forma a gerir expectativas e a garantir a melhoria da qualidade de vida pós-cirúrgica.
RESPONSABILIDADES ÉTICAS
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escrito.
Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
BIBLIOGRAFIA
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2. Ro KM, Cantor RM, Lange KL, Ahn SS. Palmar hyperhidrosis: evidence of genetic transmission. J Vasc Surg. 2002;35:382–6. [ Links ]
3. Araújo C.A.A., Azevedo I.M., Ferreira M.A.F., Ferreira H.P.C., Dantas J.C.M., Medeiros A.C., Hiperhidrose compensatória após simpaticectomia toracoscópica: características, prevalência e influência na satisfação do paciente. J Bras Pneumol. 2009; 35(3):213–220 [ Links ]
Correio eletrónico: liseteaires@gmail.com (L. Aires).