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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.13 no.2 Lisboa jun. 2017
ARTIGO ORIGINAL
Rotura de aneurisma da aorta abdominal: qual a verdadeira prevalência de doentes sem critérios para rastreio ou tratamento eletivo?
Abdominal aortic aneurysm rupture: what is the real prevalence in patients with no criteria for screening or elective repair?
Andreia Coelho1; Miguel Lobo1; Ricardo Gouveia1; Jacinta Campos1; Rita Augusto1; Nuno Coelho1; Alexandra Canedo1
1 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular; Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho;
RESUMO
Introdução: A rotura de um aneurisma da aorta abdominal (AAA) é um evento frequentemente fatal, responsável por cerca de 1% da mortalidade global. Estudos publicados constatam que o rastreio é custo-efetivo em doentes do sexo masculino com idade superior a 65 anos, com uma redução de 44% da mortalidade específica por AAA. Estudos na literatura, incluindo o UK Small Aneurysm Trial participants, concluíram não existir beneficio a longo prazo do tratamento eletivo precoce de AAA (40-55mm). No entanto, estes estudos foram realizados previamente à vulgarização do tratamento endovascular de aneurisma (EVAR). Uma vez que a realização de EVAR é mais simples em doentes com AAA de menores dimensões, estudos comparativos entre tratamento expectante e EVAR estão em curso. O objetivo deste estudo foi identificar a percentagem de casos de roturas que ocorrem antes da idade de rastreio bem como antes do limiar de tamanho para tratamento eletivo. Pretendeu-se também identificar preditores de rotura fora do limiar para rastreio ou tratamento eletivo.
Métodos: Foram selecionados os doentes admitidos no nosso centro com o diagnóstico de rotura de AAA entre janeiro de 2007 e dezembro de 2015 e procedeu-se à análise estatística dos dados.
Resultados: Foram selecionados um total de 60 doentes, 52 do sexo masculino e 8 do sexo feminino. A idade média à data da rotura foi de 74,6±9,5 anos. Onze doentes (18,3%) dos doentes tinham idade inferior a 65 anos, 21% dos doentes do sexo masculino. O diâmetro transversal médio à data da rotura foi de 72,8±20 mm. 12 doentes (20%) apresentavam dimensões inferiores a 55 mm à data da rotura, sendo que apenas em um caso se confirmou uma etiologia infeciosa. Em mulheres a prevalência de roturas antes dos 55 mm atingiu 37.5%, por oposição a 15.4% no sexo masculino, sem diferença estatisticamente significativa. A rotura ocorreu em diâmetros significativamente inferiores em fumadores (p<0,05)
Discussão: Dados deste estudo demonstram que 21% dos doentes do sexo masculino sofrem rotura de AAA antes de atingirem o limiar de idade para rastreio. Também se constatou que 20% dos doentes tratados em contexto de rotura não tinham atingido o limiar de diâmetro para reparação eletiva. A rotura ocorreu em aneurismas significativamente mais pequenos em doentes fumadores (p<0,05).
Palavras-chave: Aneurisma da aorta abdominal; Rastreio; Prevenção primária; Rotura de aneurisma da aorta abdominal; Fatores de risco
ABSTRACT
Introduction: The rupture of an abdominal aortic aneurysm (AAA) is frequently fatal and accounts for nearly 1% of all deaths. Data from literature states that screening is cost effective in male patients over the age of 65 with a 44% reduction in AAA related mortality. UK small aneurysm trial participants and other trials concluded that there was no long-term survival benefit of early elective open repair of small AAA (40-55mm). However when these trials began, endovascular aneurysm repair (EVAR) was not an option. Since many consider that EVAR is easier in smaller aneurysms, trials of early endovascular repair versus surveillance for small AAA are ongoing. The purpose of this study was to identify the proportion of abdominal aortic aneurysm ruptures that occur before the screening age or threshold diameter for operative repair is reached.
Methods:The clinical data of all patients admitted in our hospital with the diagnosis of ruptured AAA from January 2007 to December 2015 were retrospectively reviewed.
Results:A total of 60 patients were included in this study, 52 males and 8 females. Mean age at rupture was 74.6±9.5years. Eleven patients (18.3%) were younger than 65 years, with 21.1% of males and no females under the age of 65. Mean aneurysm diameter at rupture was 72.8±20mm. 12 patients (20%) had aneurysm size inferior to 55mm at rupture, and only in one of those infectious etiology was confirmed by histologic analysis. Female rupture below 55 mm reached 37.5% and male rupture reached 15.4%, with no statistically significant difference probably because of the small number of female patients. Between male patients, rupture occurred at a significantly inferior diameter in smokers (p<0,05).
CONCLUSIONS: The data from this study show that a 21% of men would not make it to the screening age of 65 before AAA rupture. It also shows that 20% of patients treated for ruptured AAA were below 55 mm diameter. Data from this study also support the previous finding that aneurysm size at the time of rupture is significantly smaller in male smokers.
Keywords: Abdominal aortic aneurysm; Screening; Primary prevention; Ruptured abdominal aortic aneurysm; Risk factors
INTRODUÇÃO
O aneurisma da aorta abdominal (AAA) é uma entidade clínica com uma prevalência considerável, sobretudo em indivíduos do sexo masculino com idade avançada (superior a 65 anos) onde atinge prevalências de 3,9 a 7,2%.(1,2,3)
Na maioria dos casos apresentam-se de forma assintomática (cerca de 75%) sendo diagnosticados de forma acidental ou em contexto de rastreio. A sua apresentação em rotura está associada a elevada taxa de mortalidade estimada em 80%. Cerca de um terço dos doentes morre em contexto pré-hospitalar e um terço morre em meio hospitalar sem receber tratamento cirúrgico.(4) Quando submetidos a tratamento cirúrgico (um terço dos doentes) têm uma taxa de mortalidade associada de 40–60%(4). Ao longo das últimas décadas, a melhoria do outcome destes doentes tem sido inconsistente, apesar da melhoria global dos cuidados prestados sobretudo a nível anestésico e de cuidados intensivos.(5,6)
Estudos de base populacional, incluindo o Mass Trial e o UK Small Aneurysm Trial Participants estiveram na base da implementação de programas de rastreio em vários países. (7,1) De facto, demostraram que a realização de rastreio em doentes do sexo masculino com idade superior a 65 anos estava associada a uma redução da mortalidade especifica por rotura de AAA em 44%.(7)
Na última década tem-se constatado uma diminuição global da prevalência de AAA, provavelmente fruto de melhor controlo de fatores de risco bem como uma melhoria global do tratamento médico. Assistiu-se também à democratização do tratamento endovascular de aneurisma (EVAR), associado a uma menor morbi-mortalidade peri-operatória.(8)
Em 2016 foi publicado o primeiro estudo de custo efetividade do rastreio de AAA que teve em consideração a diminuição da prevalência do AAA, a implementação globalizada de técnicas endovasculares e o potencial impacto da melhoria do tratamento médico na mortalidade por qualquer causa. Constatou que o rastreio é custo efetivo em doentes do sexo masculino com idade superior a 65 anos, mesmo perante os fatores supra-citados.(8)
Estudos na literatura, incluindo o UK Small Aneurysm Trial participants e o ADAM Study, concluíram não existir beneficio a longo prazo do tratamento eletivo precoce de AAA (40-55mm).(9,7) No entanto, estes estudos foram realizados previamente à democratização do tratamento endovascular de aneurisma (EVAR). Uma vez que a realização de EVAR é tecnicamente mais simples em doentes com AAA de menores dimensões, estudos comparativos entre tratamento expectante e EVAR foram realizados.(10,11) O Caesar Trial constatou que aos 3 anos de follow up de aneurismas da aorta abdominal com diâmetros transversais entre 40 e 55mm, 60% apresentaram crescimento para dimensões que necessitavam reparação cirúrgica e 16% deixaram de ser exequíveis por uma técnica de EVAR simples por perda de colo proximal adequado.(10)
Relativamente ao limiar de diâmetro para reparação de AAA em doentes do sexo feminino, não existe consenso. As recomendações da European Society for Vascular Surgery sugerem o limiar de 52 mm para reparação, embora com baixo nível de evidência (nível 3b; recomendação C) (12) Existem de facto artigos de revisão que recusam esta recomendação, refutando a existência de evidência na literatura que suporte um tratamento mais precoce no sexo feminino.(13)
A constatação, em dados de autópsias, que cerca de 13% de AAA com diâmetro transversal menor que 50mm sofreram rotura e que 60% dos AAA com diâmetro transversal superior a 50mm nunca sofreram rotura, permite concluir que basear a decisão terapêutica somente no diâmetro transversal é redutor. Atualmente, existem muitos outros parâmetros que também devem ser considerados, sobretudo com a evolução da qualidade dos métodos de imagem, bem como das técnicas de produção de imagem.(14)
O objetivo deste estudo foi identificar a percentagem de casos de roturas que ocorrem antes da idade de rastreio bem como de roturas que ocorrem antes do limiar de tamanho para tratamento eletivo. Pretendeu-se também identificar preditores de rotura fora do limiar para rastreio ou tratamento eletivo.(15)
MÉTODOS
Realizou-se uma análise retrospetiva de todos os casos admitidos por AAA em rotura no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2015 admitidos no nosso centro hospitalar. Foram recolhidos os dados dos processos clínicos dos doentes selecionados e procedeu-se à análise estatística dos mesmos.
Comparou-se o grupo de doentes do sexo masculino que apresentavam idade superior e inferior à definida como limiar para a realização de rastreio (65 anos), tendo-se investigado diferenças relativamente a fatores de risco e outcome.
Comparou-se também o grupo de doentes com diâmetro transversal superior e inferior ao limiar definido para tratamento eletivo (55mm), tendo-se investigado diferenças relativamente a fatores de risco e outcome.
Variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e percentagens. Variáveis contínuas com distribuição normal foram apresentadas como médias e desvios padrão. Variáveis contínuas sem distribuição normal foram apresentadas como medianas e amplitude interquartil. Todos os valores p são bicaudados, com uma valor menor ou igual a 0,05 a indicar significância estatística. A análise estatística foi realizada com recurso ao SPSS versão 22.0. Variáveis categóricas foram comparadas com o uso do teste de Qui-Quadrado. O teste de Levene foi usado para avaliar a igualdade de variância entre dois gruposdevariáveis contínuas, sendo que para um valorde p >0,05 foi assumido que a diferença de variância entre dois grupos era improvável que se devesse a um fator aleatório. Variáveis contínuas foram comparadas com recurso ao teste T de amostras independentes ou Teste de Mann-Whitney, caso apresentassem distribuição normal ou não, respetivamente. O teste de Kaplan-Meier foi usado para estimar e comparar sobrevivência em função do tempo.
RESULTADOS
Foram selecionados um total de 60 doentes, 52 do sexo masculino e 8 do sexo feminino. A idade média à data da rotura foi de 74,6±9,5 anos, tendo-se constatado uma elevada prevalência de fatores de risco cardiovasculares. (Tabela 1) Onze doentes (18,3%) dos doentes tinham idade inferior a 65 anos, sendo todos do sexo masculino, o que corresponde a 21% dos homens. Comparando doentes do sexo masculino com idade inferior e superior a 65 anos, constatou-se que não existiam diferenças estatisticamente significativas no tamanho do aneurisma ou na prevalência de fatores de risco. (Tabela 2)
Todos os doentes foram submetidos a tratamento urgente, sendo que 10 doentes (16,7%) foram tratados por procedimento endovascular com colocação de endoprótese aortomonoilica e bypass cruzado femoro-femoral. Os restantes casos (n=50; 83,3%) foram submetidos a tratamento por cirurgia convencional: enxerto de interposição aortobifemoral (48,3%), enxerto de interposição aorto-aortico (31,7%) ou laqueação do aneurisma e bypassaxilo-bifemoral (1,7%).
Também não se identificaram diferenças estatisticamente significativas na morbimortalidade entre os dois grupos, apesar de existir uma tendência para taxa de mortalidade precoce mais elevada no grupo com idade mais avançada (46% Vs 26%). (Tabela 3) e (Imagem 1)
O diâmetro transversal médio à data da rotura foi de 72,8±20 mm. Constatou-se que 12 doentes (20%) apresentavam dimensões inferiores a 55 mm à data da rotura, sendo que apenas em um caso se confirmou uma etiologia infeciosa. Em mulheres a prevalência de roturas antes dos 55 mm atingiu 37,5% dos casos (n=3), por oposição a 15,4% no sexo masculino (n=8), sem diferença estatisticamente significativa (p>0,05). Como não ocorreram roturas no sexo feminino em diâmetros entre 52 e 55mm a prevalência de roturas com dimensões inferiores a 52mm foi semelhante (n=3; 37,5% dos casos). (Tabela 4) Comparou-se os grupos de rotura em diâmetros inferiores a 55mm e iguais ou superiores a 55mm relativamente a idade e fatores de risco cardiovasculares. Constatou-se que a rotura ocorreu em diâmetros significativamente inferiores em doentes fumadores (p=0,034). (Tabela 4)
O impacto do tabagismo é ainda mais notório se considerarmos apenasdoentesdosexomasculino(p=0,008),sendoque37.5% dos homens fumadores apresentam rotura antes dos 55 mm. Comparou-se os dois grupos relativamente a morbimortalidade, não se tendo constatado diferenças estatisticamente significativas na morbimortalidade, com uma mortalidade aos 30 dias a rondar 40%. (Tabela 5) e (Imagem 2).
DISCUSSÃO
Neste estudo constatou-se efetivamente que a taxa de mortalidade intra-operatória e precoce (aos 30 dias) da rotura de aneurisma da aorta abdominal continua a ser considerável, apesar de todos os avanços técnicos nas últimas décadas (taxa de mortalidade global a 30 dias: 43,3%). Portanto, o rastreio da patologia e o seu tratamento eletivo em timing adequado continuam a ser a chave para o sucesso terapêutico. Dados deste estudo demonstram que 21% dos doentes do sexo masculino sofrem rotura de AAA antes de atingirem
o limiar de idade para rastreio. Se a idade de rastreio fosse reduzida para 60 anos, a percentagem de roturas abaixo desse limiar reduziria 55% (11,5% dos homens com rotura abaixo do limiar para rastreio). Se a idade de rastreio fosse reduzida para 55 anos, a percentagem de roturas abaixo desse limiar reduziria 91% (1,9% dos homens com rotura abaixo do limiar para rastreio). No entanto, obviamente isto cria problemas complexos de custo-efetividade. Também se constatou que 20% dos doentes tratados em contexto de rotura não tinham atingido o limiar de diâmetro para reparação eletiva (55mm). A rotura ocorreu em aneurismas significativamente mais pequenos em doentes fumadores (p=0,048), sendo essa diferença ainda mais notória se considerarmos apenas doentes do sexo masculino (p=0,008). Quando se considera os doentes do sexo feminino em particular, levantam-se muitas controvérsias incluindo critérios para rastreio nesta população. De acordo com as recomendações finais do U.S. Preventive Services Task Force publicadas em Junho de 2014, o rastreio de mulheres que nunca fumaram está desaconselhado e existe informação insuficiente para recomendar o rastreio de mulheres fumadoras entre os 65 e os 75 anos de idade.[ CITATION Gui14 \l 2070 ] Também os critérios para reparação eletiva no sexo feminino são controversos. As guidelines publicadas em 2011 pela European Society for Vascular Surgery sugerem o limiar de 52 mm para reparação, embora com baixo nível de evidência (nível 3b; recomendação C). [ CITATION Mol111 \l 2070 ] [ CITATION Mol11 \l 2070 ] Neste estudo constatou-se uma taxa elevada de rotura no sexo feminino para dimensões inferiores a 55mm (37,5%) quando comparado com o sexo masculino (15,4%). Esta diferença não atinge significância estatística (p>0,05), mas tal deve-se muito provavelmente ao reduzido número de doentes do sexo feminino. Admite-se diversas limitações a este estudo, nomeadamente a sua natureza retrospetiva, o diminuto número de casos e a ausência de dados relativos a morte por rotura de aneurisma da aorta abdominal em contexto pré-hospitalar. No entanto, este estudo permite fazer uma reflexão acerca da percentagem não insignificante de roturas que ocorrem abaixo do limiar para rastreio ou para tratamento eletivo e acerca das implicações na morbimortalidade dos doentes. São portanto necessários mais estudos no sentido de identificar preditores de rotura de aneurismas da aorta abdominal de menores dimensões (40-55mm), quer clínicos quer imagiológicos. Prevê-se que os avanços recentes na qualidade e processamento de imagem dos exames auxiliares de diagnóstico poderá ter um papel chave. A identificação de subgrupos específicos que careçam de rastreio mais precoce também parece fulcral no sentido de reduzir a percentagem de aneurismas da aorta abdominal tratados em rotura, salientando-se o clustering familiar ainda pouco estudado e valorizado na prática clínica.
RESPONSABILIDADES ÉTICAS
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
BIBLIOGRAFIA
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Norman P, Jamrozik K, Lawrence-Brown M, al: e. Population based randomised controlled trial on impact of screening on mortality from abdominal aortic aneurysm. 2004; 27;: p. 329(7477):1259.
Singh K, Bønaa K, Jacobsen B, al e. Prevalence of and risk factors for abdominal aortic aneurysms in a population-based study : The Tromsø Study. Am J Epidemiol. 2001; 1;: p. 154(3):236–44. [ Links ]
Beek S.C. ea. Endovascular Aneurysm Repair Versus Open Repair for Patients with a ruptured Abdominal Aortic Aneurysm: A Systematic Review and Meta-analysis of Short-term Survival. European jornal of Vascular and Endovascular Surgery. 2007; 47(6): p. 593–602.
Correio eletrónico: andreiasofiacoelho@hotmail.com (A. Coelho).