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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.13 no.3 Lisboa dez. 2017

 

ARTIGO DE REVISÃO

Fatores de risco para calcificação aórtica e impacto da calcificação do colo proximal e saco aneurismático na sua progressão pós-evar

Risks factors for aortic calcification and impact of neck and aneurysm sac calcification on sac dynamics

José Oliveira-Pinto MD1,2, João Rocha-Neves MD 1,3, Joel Sousa 1,4, Sérgio Sampaio MD PhD 1,5 , Armando Mansilha MD PhD 1,4

 

1 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar de São João

2 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Departamento de Fisiologia e Cirurgia Cardiotorácica

3 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Departamento de Anatomia

4 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Departamento de Cirurgia

5 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Centro de Investigação e Tecnologias de Informação em Sistemas

de Saúde (CINTESIS)

 

* Autor para correspondência

 

RESUMO

A diminuição de diâmetro do saco aneurismático pós-EVAR representa o principal preditor de ausência de complicações precoces. Contudo, ocorre em apenas 60% dos pacientes. Apesar de vários relatos demonstrarem que a calcificação do colo proximal e do próprio saco aneurismático constituem fatores de risco negativos para a diminuição do saco aneuris­mático, a respetiva influência reveste-se de grande controvérsia. Adicionalmente, ainda que bem conhecidos os fatores de risco de calcificação aórtica, pouco se sabe relativamente à forma como condicionam a calcificação nos diferentes segmentos da artéria. Dadas as alterações morfológicas de uma artéria aneurismática, será de esperar uma ativação hemodinâmica diferencial nos seus diferentes segmentos.

Esta revisão centra-se, portanto, em descrever quais os fatores de risco que influenciam a calcificação do colo proximal e do próprio saco aneurismático, assim como a sua influência na progressão do saco no período pós-EVAR.

Palavras-chave: Calcificação Aórtica; Colo Proximal; Saco Aneurismático

 

ABSTRACT

Aneurysm sac shrinkage represents an important determinant of absence of early complications after EVAR. However, it occurs in about 60% of patients. Proximal neck and aneurysm sac calcification seem to constitute risk factors for absence of shrinkage, however its real impact is still under intense debate. Besides, despite well described risk factors for aortic calcification, data regarding its influence in the several aortic sectors is still scarce. Given the morphologic alterations visible in dilated arteries, a different hemodynamic activation is expected. The aim of this review is to describe which risk factors contribute to proximal neck and aneurysm sac calcification as well as the respective importance of calcification of each sector in aneurysm sac shrinkage, after EVAR.

Keywords: Aortic Calcification; Proximal Aortic Neck; Aneurysm Sac

 

INTRODUÇÃO

O aneurisma da aorta abdominal (AAA) é uma patologia com risco de mortalidade não negligenciável, podendo atingir os 90% em caso de rotura(1). Após o seu diagnóstico, será de considerar o tratamento eletivo, dado o manifesto benefício prognóstico, com uma mortalidade inferior a 5% nos casos corrigidos eletivamente(2).

A correção endovascular (EVAR) representa a principal estratégia de correção cirúrgica, sendo neste momento realizado em mais de 75% dos pacientes nos EUA, com a porção remanescente apresentando anatomia inadequa­da para o procedimento(3).

O principal preditor de sucesso pós-EVAR é a diminuição do máximo diâmetro transverso do aneurisma(4,5). A diminui­ção major do saco aneurismático é verificada em cerca de 60% dos doentes submetidos a EVAR7, daí que uma porção significativa de doentes nunca apresente diminuição do saco após correção de aneurisma.

As alterações precoces do saco aneurismático representam também um importante preditor de complicações a longo prazo após EVAR. Cieri et al, descreveram que uma diminui­ção persistente do saco aneurismático (>5mm) estava asso­ciada a ausência de mortalidade relacionada com o aneuris­ma aos 3 e 10 anos de 100 e 99,7%, respetivamente (6).

Estão descritos vários fatores de risco anatómicos quer para complicações pós-EVAR quer para a ausência de dimi­nuição do saco. Com base nestes fatores de risco a indús­tria tecnológica elabora instruções para uso das endo­próteses por forma a maximizar os resultados. Ainda que estejam bem definidos critérios quantitativos relativa­mente ao diâmetro, comprimento e angulação do colo, no que respeita à calcificação não existe ainda nenhum limite quantitativo, muito provavelmente pela inexistência de um método de medição aceite de forma unânime(7).

A presença de cálcio no colo proximal do AAA parece condi­cionar a fixação da endoprótese, impedindo a sua correta exclusão, o que pode incrementar o risco de endoleak tipo Ia(8). Contudo, não existe ainda consenso sobre este tópico.

Não é apenas a calcificação do colo que tem impacto na dinâ­mica do saco. Apesar de menos estudos se terem focado nesta temática, também a extensa calcificação do próprio saco aneurismático parece impedir a sua regressão no período pós-EVAR(9). Contudo, os mecanismos envolvidos na manutenção da endotensão permanecem controversos.

Adicionalmente, conhecem-se desde há muito tempo inúmeros fatores para calcificação vascular, que vêm ao encontro dos fatores de risco ateroscleróticos conhecidos. Porém, diferentes fatores de risco estão envolvidos em distintas áreas vasculares(10). Da mesma forma, e dadas as alterações estruturais observadas em artérias aneurismá­ticas estímulos hemodinâmicos diferenciais poderão ser expectáveis nas diferentes porções da artéria.

OBJETIVO

Perceber quais os fatores de risco envolvidos na calcifica­ção aórtica, assim como o impacto da calcificação do colo proximal e do saco aneurismático na sua progressão no período pós-EVAR.

MECANISMOS DE CALCIFICAÇÃO AÓRTICA

Virchow e Rokitansky descreveram pela primeira vez no século XIX, a presença de “tecido ósseo” em artérias com aterosclerose. Porém, sabe-se hoje que a calcificação vascular envolve complexos e regulados processos de biomineralização(11–13).

Existem duas correntes acerca da calcificação vascular: o modelo ativo, que incorpora tipos análogos de células e citocinas àqueles envolvidos na remodelagem óssea e o modelo passivo, que postula que existem inibidores presentes nas artérias que previnem a precipitação de minerais de cálcio, parcialmente explicada por quelagem de catiões de cálcio. Estre estes, o primeiro parece colher maior aceitação(14).

A calcificação vascular é classificada como íntima e média, de acordo com a camada da parede em que ocorre. Ambos os tipos podem observar-se na aorta abdominal. A maioria dos estudos concentram-se na calcificação íntima pela sua maior associação à aterosclerose, dado que a calcificação média ocorre independente da aterosclerose, sendo mais frequente em pacientes com insuficiência renal ou Diabe­tes Mellitus, acreditando-se que torna as artérias menos susceptíveis de desenvolverem aterosclerose. Trata-se de um tipo de calcificação que, apesar de rara nas artérias coronárias, ocorre na aorta abdominal (13–15).

FATORES ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DE CALCIFICAÇÃO

Inúmeros fatores de risco clínicos e demográficos parecem estar associados a um aumento da calcificação aórtica:

Idade

O processo de aterosclerose inicia-se durante a infância e progride para uma forma avançada de ateroma com algu­mas lesões a tornarem-se calcificadas. Portanto, a idade é vista como um dos mais importantes determinantes da gravidade da calcificação aórtica. Já vários estudos docu­mentaram a relação entre calcificação aórtica e idade(15–17).

Género

Indivíduos do sexo masculino apresentam risco mais alto de aterosclerose quando comparado com o sexo feminino, o que torna o género um provável fator de risco para calcifi­cação aórtica. Relativamente à calcificação coronária esta também é mais prevalente em homens. Vários estudos mostraram também a relação entre o género e a calcifica­ção da aorta abdominal(16–18).

Diabetes Mellitus

A Diabetes Mellitus (DM) encontra-se associada com ambos os processos de calcificação arterial, calcificação média e íntima. Contudo, a DM encontra-se também associada a maior incidência de outros fatores de risco como hiperten­são e dislipidemia, o que poderia tornar um fator confun­didor. Ainda assim, vários estudos parecem mostrar uma relação entre DM e maior risco de calcificação aórtica(16-20).

Hipertensão Arterial

A Hipertensão Arterial (HTA) representa também um fator de risco conhecido para aterosclerose. Por sua vez a calci­ficação aórtica altera a hemodinâmica vascular, contribuin­do para o aumento da rigidez vascular(21,22).

Dois estudos compararam indivíduos hipertensos e não hipertensos relativamente à gravidade da calcificação e concluíram que os indivíduos com HTA apresentavam calci­ficação aórtica mais marcada(19,20,22,23). Os mesmos autores verificaram uma associação entre a calcificação abdominal aórtica e um valor mais elevado de pressão arterial sistólica.

Dislipidemia

O colesterol sérico tem um papel fundamental na ateroscle­rose e, portanto, é expectável a sua influência na calcificação.

Alguns estudos revelaram a associação entre níveis séricos de colesterol e calcificação vascular. A reforçar esta ideia, está o facto de as estatinas contribuírem para a diminui­ção a calcificação vascular, efeito este, que pode ser não só atribuível ao efeito anti-dislipidémico, mas também aos efeitos pleiotrópicos e anti-inflamatórios das mesmas(24,25).

Insuficiência Renal Crónica

Distúrbios do metabolismo mineral, em particular hipercal­cemia e hiperfosfatémia, constituem os fatores que mais contribuem para a ligação entre a Insuficiência Renal (IR) terminal e a calcificação vascular. O controlo estrito dos níveis de cálcio e fosfato atenua a calcificação vascular em indivíduos sob hemodiálise(26). A insuficiência renal cróni­ca, por sua vez, associa-se a um maior número de eventos cardiovasculares mesmo antes do início de terapia de subs­tituição de função renal(27).

Outros

Existem muitos outros fatores que foram relacionados com a iniciação e progressão da calcificação abdominal aórtica: o excesso de iões inorgânicos, hormonas, citocinas (ex: citoci­nas inflamatórias, RANK-L), vesículas da matriz extracelular, micro-RNAs, proteínas estruturais (ex: elastina), proteínas dependentes da vitamina K e fármacos (ex: antagonistas da vit K). A diferenciação osteogénica das células musculares lisas vasculares e osteoprogenitores circulantes penetram na parede vascular e têm um papel major na iniciação e progressão da calcificação abdominal aórtica(28).

CALCIFICAÇÃO AÓRTICA COMO PREDITOR DE EVENTOS CARDIOVASCULARES

Quanto comparado com o microssistema coronário, exis­te menos informação na literatura relativamente a outco­mes consequentes à calcificação aórtica. Ainda assim, alguns estudos realizados confirmam que uma calcifi­cação aórtica mais grave se associa a um maior risco de eventos cardiovasculares(29–32).

Está também descrita uma associação entre a calcificação abdominal aórtica e eventos como oclusão aórtica, desen­volvimento aneurismático e embolização distal(21,33).

Os mecanismos subjacentes à relação entre a calcificação abdominal aórtica e os eventos cardiovasculares não é clara, mas pode relacionar-se com diminuição da complacência aórtica com incremento da pós-carga e hipertrofia ventri­cular esquerda, o que a longo prazo condiciona disfunção miocárdica com insuficiência cardíaca consequente(27).

DIFERENTES FATORES DE RISCO NAS DIFERENTES PORÇÕES DA ARTÉRIA?

Não existe informação na literatura relativamente a dife­rentes fatores de risco clínicos, demográficos ou hemodi­nâmicos que condicionem calcificação distinta nos diferen­tes segmentos de aortas aneurismáticas, nomeadamente em relação ao colo e saco aneurismático.

IMPACTO DA CALCIFICAÇÃO DO COLO E SACO ANEURISMÁTICO NA DIMINUIÇÃO DO SACO PÓS-EVAR

A extensa calcificação do colo proximal condiciona a corre­ta fixação da endoprótese à parede do vaso, podendo aumentar o risco de endoleak proximal, migração ou de tromboembolismo arterial(34).

Ainda assim, dados relativamente ao impacto da calcifica­ção na ocorrência de endoleak não são consistentes. Alguns estudos não demonstram associação entre a presença de trombo ou calcificação no colo proximal e a ocorrência de endoleak proximal ou migração de prótese(35,36). No entan­to, outros trabalhos revelam que a percentagem cirunfe­rencial de cálcio no colo proximal constitui um fator de risco para endoleak tipo Ia(8,37).

Um estudo levado a cabo por Wyss et al, revelou que enquanto a presença de trombo parece protetora na região proximal por permitir um aumento da plasticidade do colo e com isto melhorar a adesão entre a endoprótese e o vaso, a calcificação mesmo que não circunferencial já será um fator de risco para complicações(38).

Ainda que alguns trabalhos se tenham dedicado ao impac­to de colos calcificados na dinâmica do saco aneurismático, poucos se focaram no modo como calcificação do próprio saco aneurismático influencia a sua dinâmica no período pós-EVAR.

Num estudo conduzido por Matsushita et al, em AAA corri­gidos por via convencional verificou-se que a diminuição do diâmetro máximo do saco 3 meses após a correção era superior em indivíduos que apresentavam menor calcifica­ção pré-operatória do mesmo(39).

Também após correção endovascular de AAA, a calcificação do saco aneurismático parece estar inversamente relacio­nada com a sua diminuição(9).

Gawenda et al demonstrou que a pressão do saco pós-E­VAR é significativamente influenciada pela complacência da parede aneurismática, sendo que a pressão é significa­tivamente menor em paredes mais elásticas. Dadas estas premissas poderá ser legítimo acreditar que a calcificação da parede aneurismática poderá ter um papel no mecanis­mo de endotensão(40).

Contudo, a calcificação do saco aneurismático não apre­senta um papel apenas após correção aneurismática. A complacência aórtica revela-se um determinante funda­mental na variação do volume aórtico. Assim sendo, a taxa de crescimento anual revela-se inferior em indivíduos com mais elevada calcificação do saco aneurismático, podendo o conteúdo de cálcio aneurismático prever a história natu­ral de AAA pequenos(41).

Outros autores concluíram que, ao contrário da presença de trombo, a calcificação aumentaria o stress de pico na parede, diminuindo, portanto, a estabilidade biomecâni­ca do AAA. Porém, os mesmos autores concluem que não existe uma correlação entre o volume de cálcio e o stress­da parede, sendo a localização mais importante nos efeitos na parede que a sua quantidade(42).

 

CONCLUSÃO

A calcificação do colo proximal e do próprio saco aneuris­mático prévios à correção endovascular parecem condi­cionar a sua diminuição. Contudo, trata-se ainda de uma temática susceptível de alguma controvérsia. Extensa calcificação do colo como fator de risco para endoleak proximal e consequente crescimento aneurismático é descrita em alguns trabalhos(8), porém outros estudo não verificam os mesmos resultados(36). A calcificação exten­sa do saco aneurismático ao diminuir a sua complacência parece condicionar a diminuição do mesmo após EVAR.

Por fim, apesar de se considerarem múltiplos fatores de risco para calcificação aórtica, pouco se sabe acerca dos fatores que influenciam a calcificação nos diferentes segmentos da artéria aneurismática. Não se encontra ainda claro na literatura se as condições que influenciam a calcificação do colo proximal serão os mesmos fatores que influenciam a calcificação do próprio saco aneurismá­tico dadas as condições hemodinâmicas diferentes a que ambos estão sujeitos. São portanto, necessários mais estudos focados na biologia arterial para perceber as dife­renças entre os diversos estímulos subjacentes ao desen­volvimento aterosclerótico nos diferentes segmentos da artéria aorta.

 

REFERÊNCIAS

Moll FL, Powell JT, Fraedrich G, et al. Management of abdominal aortic aneurysms clinical practice guidelines of the European society for vascular surgery. Eur J Vasc Endovasc Surg : the offi­cial journal of the European Society for Vascular Surgery 2011;41 Suppl 1:S1-S58.         [ Links ]

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Kent KC. Clinical practice. Abdominal aortic aneurysms. N Eng J Med 2014;371:2101-8.         [ Links ]

Georgakarakos E, Georgiadis GS, Ioannou CV, Kapoulas KC, Trel­lopoulos G, Lazarides M. Aneurysm sac shrinkage after endovas­cular treatment of the aorta: beyond sac pressure and endoleaks. Vascular Medicine (London, England) 2012;17:168-73.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: oliveirapintoj89@gmail.com (J. Oliveira Pinto).

 

Recebido a 16-03-2017;

Aceite a 25-10-2017;

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