SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número4Aneurismas da artéria esplénica: Seguimento de 2 casos tratados com Recursoa endoprótese vascular recobertaFibroblastoma desmoplásico envolvendo a artéria braquial: um caso clínico único índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.13 no.4 Lisboa dez. 2017

 

CASO CLÍNICO

Tratamento endovascular de síndrome da veia cava superior por dispositivo de acesso venoso central totalmente implantável Caso clínico

Endovascular treatment for totally implantable central venous access device-related superior vena cava syndrome case report

Miguel Fróis Borges1,3, Filipa Clara Eiró1, Ana Afonso2, Hugo Rodrigues2, António Gonzalez2, Gil Marques2, Maria José Barbas2

 

1Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Garcia de Orta

2Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Garcia de Orta

3Clínica Universitária de Cirurgia I da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Introdução: O síndrome da Veia Cava Superior (sVCS) benigno é raro e pode estar relacionado com um dispositivo de acesso venoso central totalmente implantável (DAVCTI). Nos últimos 20 anos, a dilatação com colocação de stent por via percutânea endovascular tem surgido como uma opção viável para a terapêutica do sVCS.

Casoclínico: Apresentamos o caso de uma mulher de 42 anos com o diagnóstico de linfoma de Hodgkin clássico que desenvolveu sVCS um ano após a colocação de DAVCTI e em que, após falência da terapêutica conservadora, se colocou uma endoprótese auto-expansível pelo DAVCTI com bom resultado imagiológico e clínico.

Conclusão: O tratamento endovascular do sVCS usando o lúmen do DAVCTI é seguro e pode ser considerada terapêutica de primeira linha.

Palavras-chave: Síndrome da veia cava superior, Dispositivo de acesso venoso central totalmente implantável, Complicações tardias, Tratamento endovascular

 

ABSTRACT

Introduction: Benign superior vena cava syndrome (SVCs) is rare and may be related to a totally implantable vascular access device (TIVAD). In the past 20 years, percutaneous endovascular placement of a stent has been rising as a viable option for SVCs treatment.

Case Report: We report the case of a 42-year-old woman with the diagnosis of classical Hodgkin lymphoma who presented a SVCs one year after placement of a TIVAD. After failure of conservative treatment, we placed an auto-expansible stent through the TIVAD with good radiologic and clinical result.

Conclusion: Endovascular treatment for TIVAD-related SVCs is safe and may be considered a first line approach.

Keywords: Superior vena cava syndrome, Totally implantable vascular access device, Late complications, Endovascular treatment

 

INTRODUÇÃO

A etiologia e terapêutica do síndrome da VCS (sVCS) tem evoluído ao longo do século XXI. O sVCS de etiologia benigna é raro e pode ser tratado com antibióticos ou anticoagulantes, em função da sua etiologia (infecciosa ou trombótica, respectivamente)1. Em cerca de 16% dos casos, está relacionado com um dispositivo de acesso venoso central totalmente implantável (DAVCTI)2. Nestes casos, permanece a questão de retirar ou não o catéter e ainda se a sua remoção é suficiente para a regressão dos sintomas, nomeadamente nos casos mais graves3. Nos últimos 20 anos, a dilatação com colocação de stent por via percutânea endovascular tem surgido como uma opção viável para a terapêutica do sVCS4. Reportamos um caso de revascularização endovascular de uma oclusão completa da VCS associada a um DAVCTI com fluxo invertido através do sistema ázigos.

 

CASO CLÍNICO

Apresentamos o caso de uma mulher de 42 anos com o diagnóstico de linfoma de Hodgkin clássico que recorreu ao serviço de urgência por edema da face e membros superiores bilateralmente com evidência de circulação colateral na região superior do tórax e parestesias com cerca de 15 dias de evolução (Figura 1). Negava dispneia. Um ano antes, tinha sido submetida a colocação guiada por ecografia de um DAVCTI por via jugular direita. A colocação decorreu sem intercorrências, tendo a ponta do catéter ficado na transição da veia cava superior com a aurícula direita (Figura 2). Após exclusão de recidiva da doença com compressão extrínseca da VCS por angio-TC, a doente foi internada com o diagnóstico de sVCS trombótico em contexto de DAVCTI com um score de Kishi = 3 (tabela 1)5. Durante o internamento, foi realizada venografia por via jugular esquerda, constatando-se oclusão segmentar da VCS em relação com o DAVCTI com colateralização para o sistema ázigos do tipo Stanford/Doty II (Tabela 2)6

 

 

 

 

 

 

 

 

Após internamento sob terapêutica anticoagulante com heparina de baixo peso molecular e sem melhoria clínica, optou-se por realizar terapêutica endovascular.

O procedimento foi realizado sob sedação endovenosa (hidroxizina), analgesia (petidina), profilaxia antibiótica cefazolina 2g) e heparina em bólus de 5000 UI (70UI/Kg).

Após exposição cirúrgica do DAVCTI, foi excisada a câmara subclavicular mantendo o catéter de 8,5F na veia jugular interna. O lúmen do catéter foi cateterizado usando um fio-guia hidrofílico de 0,018 que permitiu cruzar a oclusão. Procedeu-se a pré-dilatação com balão simples (POBA 4x20, 8x40, 10x40, 18x20mm) e depois a colocação de stent Sinus-XL da Optimed® 18x60mm e remoção do DAVCTI. A venografia final revelou um bom resultado sem refluxo significativo (Figura 3), sendo que no primeiro dia de pós operatório se verificou a resolução do edema da face e mão (Figura 4), com retorno quase imediato às actividades da vida diária.

 

 

 

 

COMENTÁRIOS

Em cerca de 16% dos casos, o sVCS está relacionado com um dispositivo de acesso veno so central totalmente implantável (DAVCTI)2. Os factores de risco para sVCS após colocação de um acesso venoso

Nos casos de sVCS associada a trombo sem compressão extrínseca associada, a terapêutica anticoagulante é a primeira linha de tratamento e pode ser eficaz em até 88% dos doentes se iniciada até 5 dias após a instalação do trombo9. De acordo com o algoritmo proposto por Straka et al.1, foi iniciada terapêutica com anticoagulante (heparina de baixo peso molecular) já que a doente não apresentava critérios para abordagem invasiva emergente(endovascularououtra), por apresentar um score de Kishi inferior a 41 5,10

Descrita pela primeira vez em 1986, a colocação de um stent na VCS está a tornar-se no tratamento de escolha para o sVCS (em casos de eixos venosos não trombóticos ou em eixos venosos repermeabilizados por angioplastia). Vários estudos já demonstraram a sua rapidez de acção, eficácia e baixa morbilidade5. Após falência da terapêutica anticoagulante nesta doente e a avaliação imagiológica do caso, por venoTC e venografia, optou-se por porpôr a revascularização endovascular à doente, que aceitou.

Para além da dilatação com balão, é necessário decidir que tipo de stent escolher para suportar esta repermeabilização: stent auto-expansível ou expansível por balão11. Não há na literatura evidência sobre a superioridade de qualquer um destes tipos de stent. De acordo com a prática clínica de Lacout et al.5, optámos pela colocação de um stent auto-expansível com um calibre adaptado ao de uma VCS saudável, tendo o seu comprimento sido escolhido de acordo com a extensão da lesão constatada na angio-TC pré-operatória e confirmada intra-operatoriamente. Foi por isso utilizado um stent auto-expansível de nitinol com 18mm de calibre por 60mm de comprimento. Os stents de nitinol são preferíveis aos de aço inoxidável uma vez que a recorrência do síndrome está descrita ser superior com estes últimos12.

Após a repermeabilização da VCS, é necessário no pós-operatório imediato estar atento ao síndrome de sobrecarga cardíaca pelo retorno do líquido que estava no terceiro espaço e que, ao retornar para o espaço vascular, pode central são a realização de hemodiálise, antecedentes de múltiplos levar a hipertensão pulmonar pré-capilar e edema pulmonar13. Esta doente não desenvolveu este quadro após 2 horas de recobro, pelo que não foi necessário utilizar o cateterismos com catéteres de grande calibre, permanência longa do catéter 7 e trombose associada a catéter 8. A doente não fazia hemodiálise, não tinha antecedentes de colocação de outros acessos venosos centrais, a punção foi única, o catéter tinha 8-5fr de calibre (médio calibre), estava colocado há cerca de 12 meses e não tinha factores de risco para trombose associada a catéter (a ponta estava na transição entre a VCS e a aurícula direita, o catéter não estava infectado e tinha um único lúmen). Assim, a doente apresentava um baixo risco para a esta complicação.

Nos casos de sVCS associada a trombo sem compressão extrínseca associada, a terapêutica anticoagulante é a primeira linha de tratamento e pode ser eficaz em até 88% dos doentes se iniciada até 5 dias após a instalação do trombo9. De acordo com o algoritmo proposto por Straka et al.1, foi iniciada terapêutica com anticoagulante (heparina de baixo peso molecular) já que a doente não apresentava critérios para abordagem invasiva emergente (endovascular ou outra), por apresentar um score de Kishi inferior a 41,4,5. Descrita pela primeira vez em 1986, a colocação de um stent na VCS está a tornar-se no tratamento de escolha para o sVCS (em casos de eixos venosos não trombóticos ou em eixos venosos repermeabilizados por angioplastia). Vários estudos já demonstraram a sua rapidez de acção, eficácia e baixa morbilidade5. Após falência da terapêutica anticoagulante nesta doente e a avaliação imagiológica do caso, por venoTC e venografia, optou-se por porpôr a revascularização endovascular à doente, que aceitou.

Para além da dilatação com balão, é necessário decidir que tipo de stent escolher para suportar esta repermeabilização: stent auto-expansível ou expansível por balão11. Não há na literatura evidência sobre a superioridade de qualquer um destes tipos de stent. De acordo com a prática clínica de Lacout et al.5, optámos pela colocação de um stent auto-expansível com um calibre adaptado ao de uma VCS saudável, tendo o seu comprimento sido escolhido de acordo com a extensão da lesão constatada na angio-TC pré-operatória e confirmada intra-operatoriamente. Foi por isso utilizado um stent auto-expansível de nitinol com 18mm de calibre por 60mm de comprimento. Os stents de nitinol são preferíveis aos de aço inoxidável uma vez que a recorrência do síndrome está descrita ser superior com estes últimos12.

Após a repermeabilização da VCS, é necessário no pós-operatório imediato estar atento ao síndrome de sobrecarga cardíaca pelo retorno do líquido que estava no terceiro espaço e que, ao retornar para o espaço vascular, pode levar a hipertensão pulmonar pré-capilar e edema pulmonar13. Esta doente não desenvolveu este quadro após 2 horas de recobro, pelo que não foi necessário utilizar o tratamento de primeira linha desta complicação: vigilância em Unidade de Cuidados Intensivos e diuréticos.

Após a intervenção, e mesmo na presença de uma regressão clínica completa em menos de uma semana como foi o caso, recomendamos a utilização de terapêutica anticoagulante com heparina de baixo peso molecular durante pelo menos dois meses5, que a doente cumpriu.

 

CONCLUSÃO

Os DAVCTI são uma causa cada vez mais comum de sVCS de etiologia benigna. A recanalização da VCS usando o lúmen do DAVCTI como via de acesso é seguro, exequível e pode representar uma terapêutica de primeira linha. No entanto, o tratamento do doente com sVCS deve ser feito caso-a-caso. A abordagem multidisciplinar melhorará a velocidade e eficácia do tratamento.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Straka C, Ying J, Kong F-M, et al. Review of evolving etiologies, implications and treatment strategies for the superior vena cava syndrome. 2016;5:229.

2. Tonak J, Fetscher S, Barkhausen J, et Endovascular recanalization of a port catheter-associated superior vena cava syndrome. J Vasc Access. 2015;16(5):434–6.

3. Crawford JD, Liem TK, Moneta Management of catheter-associated upper extremity deep venous thrombosis. J Vasc Surg Venous Lymphat Disord. 2016 Jul;4(3):375–9.         [ Links ]

4. Rizvi AZ, Kalra M, Bjarnason H, et al. Benign superior vena cava syndrome: Stenting is now the first line of J Vasc Surg. 2008 Feb 1;47(2):372–80.

5. Lacout A, Marcy P-Y, Thariat J, et al. Radio-anatomy of the superior vena cava syndrome and therapeutic orientations. Diagn Interv 2012 Jul;93(7–8):569–77.

6. Stanford W, Jolles H, Ell S, et Superior vena cava obstruction: a venographic classification. AJR Am J Roentgenol. 1987 Feb;148(2):259–62.

7. Pikwer A, Acosta S, Kölbel T, et Endovascular intervention for central venous cannulation in patients with vascular occlusion after previous catheterization. J Vasc Access. 2010 Dec;11(4):323–8.

8. Nakazawa Challenges in the Accurate Identification of the Ideal Catheter Tip Location. J Assoc Vasc Access. 2010 Jan 1;15(4):196–201.

9. Gray BH, Olin JW, Graor RA, et al. Safety and Efficacy of Thrombolytic Therapy for Superior Vena Cava Chest. 1991 Jan;99(1):54–9.

10. Kishi K, Sonomura T, Mitsuzane K, et Self-expandable metallic stent therapy for superior vena cava syndrome: clinical observations. Radiology. 1993 Nov 1;189(2):531–5.

11. Qanadli SD, El Hajjam M, Mignon F, et al. Subacute and chronic benign superior vena cava obstructions: endovascular treatment with self-expanding metallic Am J Roentgenol. 1999 Jul 1;173(1):159–64.

12. Fagedet D, Thony F, Timsit J-F, et Endovascular treatment of malignant superior vena cava syndrome: results and predictive factors of clinical efficacy. Cardiovasc Intervent Radiol. 2013 Feb;36(1):140–9.

13. Yamagami T, Nakamura T, Kato T, et al. Hemodynamic changes after self-expandable metallic stent therapy for vena cava syndrome. AJR Am J 2002 Mar;178(3):635–9.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: mfroisborges@gmail.com (M. Borges).

 

Recebido a 14 de maio de 2017

Aceite a 01 de março de 2018

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons