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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.13 no.4 Lisboa dez. 2017
ARTIGO DE REVISÃO
Acidente vascular cerebral em doentes com lesões em tandem: qual a importância clínica e o risco da revascularização emergente da artéria carótida interna extracraniana?
Stroke in patients with tandem lesions: what is the clinical significance and safety of emergent revascularization of the extracranial internal carotid artery?
Andreia Coelho1, Miguel Lobo, Ricardo Gouveia, Diogo Silveira, Jacinta Campos, Rita Augusto, Nuno Coelho, Ana Carolina Semião, Evelise Pinto, Alexandra Canedo
1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho
Autor para correspondência
RESUMO
O acidente vascular cerebral (AVC) isquémico agudo no contexto de lesões síncronas, define-se como a combinação de estenose da artéria carótida interna (ACI) extra-craniana com trombo intracraniano. Apesar de corresponder a cerca de 10–20% de todos os AVC, a sua abordagem permanece controversa e variável de acordo com a experiência do centro.
Na literatura, é consensual que a lesão com implicação imediata mais importante na apresentação clínica aguda é o trombo intracraniano. A revascularização intracraniana deve ser o mais célere possível, estando demonstrada a superioridade da trombectomia mecânica com stentretriever na oclusão de grande vaso da circulação anterior quando comparadas com a trombólise isolada. No entanto, no contexto de lesão aterosclerótica carotídea síncrona, é controverso o benefício e perfil de segurança do stent carotídeo emergente concomitante.
O objetivo da presente revisão foi avaliar a importância clínica e os riscos associados a revascularização emergente da artéria carótida interna com recurso a angioplastia e stenting no contexto de lesões síncronas.
Com esse objetivo foi realizada uma revisão da literatura existente utilizando a base de dados da Medline.
Ultrapassar uma lesão da ACI extra-craniana e colocação de stent emergente parece ter uma elevada taxa de recanalização, mas é um procedimento time-consuming, podendo assim atrasar o tempo para a recanalização distal e potencialmente condicionar resultados neurológicos menos favoráveis.
Na literatura, não existe evidência de uma melhoria do outcome do doente com o recurso a stent emergente no que concerne a recanalização intracraniana (Thrombolysis in Cerebral Infarction≥2b), outcome clínico (modified Rankin Scale≤2) e taxa de mortalidade aos 90 dias. Adicionalmente, expõe o doente a risco de complicações como AVC associado ao procedimento e hemorragia intracraniana.
Conclui-se assim não existir atualmente evidência na literatura que suporte a realização de stenting carotídeo emergente no contexto de AVC devido a lesões síncronas.
Palavras-chave: Acidente Vascular Cerebral; Lesões síncronas; Stent carotídeo emergente; Trombectomia mecânica assistida por angioplastia
ABSTRACT
Acute ischemic stroke as a result of tandem occlusion, is defined as a combination of internal cervical carotid artery (ICA) stenosis with synchronous intracranial thrombus and accounts for about 10–20% of all strokes. Nevertheless, their approach remains controversial and variable according to the center's experience.
The aim of any stroke treatment must be to successfully revascularize as soon as possible. In tandem occlusion, the primary cause of symptoms and clinical outcome is thrombus in the intracranial arteries rather than the occlusion of the cervical ICA. Today, standard of care for such intracranial lesions is mechanical thrombectomy with stent retriever combined with thrombolysis. However, distal access is hampered by the ICA stenosis/occlusion.
The objective of this review was to evaluate the clinical importance and risks associated with emergent revascularization of the internal carotid artery using angioplasty and stenting in tandem occlusions. With this purpose a revision of existing literature was performed using Medline database.
Surpassing an extra-cranial ACI lesion with subsequent stent placement seems to have a high recanalization rate, but it is time-consuming, thus delaying the time for distal recanalization and potentially conditioning less favorable neurological outcomes.
In the literature, there is no evidence of patient outcome improvement with emergent stent placement in regard to intracranial recanalization (Thrombolysis in Cerebral Infarction≥2b), clinical outcome (modified Rankin Scale ≤2) and mortality rate at 90 days. Additionally, emergent stent placement exposes the patient to the additional risk of stroke associated with the procedure and intracranial hemorrhage.
We therefore conclude that currently, there is no evidence in the literature to support emergent carotid stenting in stroke due to tandem occlusions.
Keywords: Acute ischemic stroke; Tandem occlusion; Emergent carotid stenting; Angioplasty-assisted mechanical thrombectomy
INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) continua a ser a principal causa de morte e incapacidade permanente em Portugal. De acordo com dados da Direção Geral de Saúde (DGS), estima-se uma incidência de 2 casos/1000 habitantes/ ano, com uma taxa de mortalidade de 30% no primeiro ano e uma taxa de incapacidade de 40% nos sobreviventes ao primeiro ano.1 Apesar de todos os avanços recentes na compreensão, avaliação e tratamento da fase aguda da doença cerebrovascular, esta continua a representar um desafio significativo.
O AVC isquémico agudo como resultado de lesões síncronas, que se define como a combinação de estenose significativa (>50%) da artéria carótida interna (ACI) extracraniana com trombo intracraniano síncrono, corresponde a cerca de 10–20% de todos os AVC.2
Este subgrupo considerável de doentes está associado a pior prognóstico, com elevadas taxas de incapacidade permanente e mortalidade. A taxa de resposta ao tratamento é também consideravelmente inferior, independentemente da abordagem terapêutica escolhida.2
Na literatura, é consensual que a lesão com implicação imediata mais importante na apresentação clínica do doente é a lesão intracraniana e que a sua revascularização deve ser o mais célere possível. No entanto o acesso distal à lesão intra-craniana está limitado pela lesão carotídea.2
O objetivo desta revisão foi avaliar a importância clínica e os riscos associados a revascularização emergente da artéria carótida interna com recurso a angioplastia e stenting no contexto de lesões síncronas.
MÉTODOS
Com esse objetivo foi realizada uma revisão da literatura existente utilizando o base de dados da MEDLINE® e utilizando a seguinte query “(stroke OR acute stroke) AND (((carotid occlusion OR carotid stenosis OR carotid thrombosis OR carotid stenting OR carotid acute stenting) AND (thrombectomy OR intra-cranial lesion OR intra-cranial thrombosis OR stentretriever)) OR (tandem occlusion OR tandem lesions OR tandem carotid lesion OR acute tandem))”.
Os critérios de inclusão incluíram qualquer publicação que relatasse acidente vascular cerebral isquémico agudo atribuível a lesões síncronas submetido a tratamento endovascular, independentemente do design do estudo. Lesão síncrona foi definida como estenose da ACI extracraniana associada a uma oclusão do segmento intracraniano do ACI ou ao segmento inicial da artéria cerebral média (ACM). Apenas foram considerados artigos em que se pudesse extrair dados relativos à utilização de dispositivos de trombectomia intracraniana. Foram identificados artigos potencialmente relevantes a nível do título ou a nível do resumo e o texto completo foi obtido para avaliação detalhada.
Os critérios de exclusão foram definidos da seguinte forma: artigos publicados previamente a 2010; Idioma que não o português e inglês; Pesquisa não humana; Relatos de caso clínico isolado; Artigos sem casos de lesões em tandem; Artigos sem recurso a stent-retriever; Artigos sem casos de stent carotídeo agudo; Artigos referentes a dissecção da artéria carótida ou qualquer outra etiologia que não a aterosclerose para AVC da circulação anterior.
Subsequentemente, pesquisas individuais foram realizadas na base de dados da MEDLINE® com o objetivo de identificar estudos randomizados controlados e artigos de revisão e meta-análise relativos aos temas de “Terapêutica Fibrinolítica”, “Trombectomia mecânica endovascular”, “Stenting carotídeo em fase aguda”, “Anti-agregação em contexto de Stenting carotídeo de fase aguda” e “Complicações hemorrágicas de Stenting carotídeo em fase aguda”.
RESULTADOS
Tratamento de Acidente Vascular Cerebral — Terapêutica Fibrinolítica
A terapêutica fibrinolítica é atualmente aceite de forma consensual, e o seu uso na fase aguda da doença cerebrovascular é generalizado. Esta terapêutica foi aprovada em parte com base num estudo comparativo com placebo (2 NINDS rtPA trial) revelando uma associação a outcome favorável (Odds Ratio 1,9; intervalo de confiança a 95% 1,2–2,9), incluindo incapacidade global (40% versus 28%), outcome global (43% versus 32%), atividades de vida diária (53% versus 38%), mantendo-se o beneficio em até um ano.3-4 A complicação mais frequente neste estudo foi a hemorragia intracraniana sintomática (HIS), que se define como qualquer conteúdo hemático extravascular em áreas de enfarte isquémico agudo ou subagudo conhecido e que se considera não traumática e responsável pela deterioração neurológica da doente. Esta complicação ocorreu em 6,4% dos doentes submetidos a fibrinólise, por oposição a 0,6% no grupo do placebo, mas a taxa de mortalidade a 3 meses foi semelhante (17% versus 20%).
Com mais de 15 anos de experiência com a terapêutica fibrinolítica neste contexto, e com quatro estudos randomizados publicados desde o 2 NINDS rtPA trial, nomeadamente o European Cooperative Acute Stroke Study (ECASS I), European Cooperative Acute Stroke Study (ECASS II), Alteplase Thrombolysis for Acute Noninterventional Therapy in Ischemic Stroke (ATLANTIS A) e Alteplase Thrombolysis for Acute Noninterventional Therapy in Ischemic Stroke (ATLANTIS B) com resultados sobreponíveis, esta terapêutica está aprovada com Classe I, nível de evidência A.4
No contexto de lesões síncronas, a recanalização completa ocorre num número ínfimo de doentes, fruto do elevado volume de trombo e da existência de uma oclusão proximal da ACI com diminuição da pressão de perfusão distal, o que limita a exposição da segunda lesão ao efeito de fármacos fibrinolíticos.5 Um estudo recente comparando a recanalização completa intracraniana em doentes com oclusão da artéria cerebral média e lesões em tandem revelou uma diferença estatisticamente significativa (39% versus 9%).5
Tratamento de Acidente Vascular Cerebral: Terapêutica Endovascular com Recurso a Stent Retriever
A trombectomia mecânica com recurso a stent retriever em associação com trombólise é atualmente o novo standard of care para tratamento oclusão de grande vaso da circulação anterior, fruto dos resultados de 5 estudos randomizados controlados publicados recentemente. (6-10) Estes demonstaram um outcome superior no que concerne avaliação funcional (modified Rankin Scale, mRS, <2), quando comparado com o tratamento com trombólise isolada.
Os resultados destes estudos motivaram mesmo a realização em 2015 de um update às guidelines de 2013 da American Heart Association/ American Stroke Association, que mantém a recomendação Classe I, nível de evidência A para a fibrinólise, mesmo quando se está a considerar tratamento endovascular e recomendam também com Classe I, nível de evidência A o uso de stent retrievers em doentes que cumpram critérios definidos.11
A existência de uma lesão carotídea extracraniana significativa complica o acesso a lesões mais distais e a realização de trombectomia mecânica e prolonga a duração do procedimento.12 De facto, lesões em tandem foram sistematicamente excluídas dos estudos randomizados que levaram à aprovação de stent-retrievers, e nos estudos em que não foram excluídos não são reportados especificamente os resultados em doentes com lesões em tandem.6-10
O tratamento deste grupo de doentes permanece assim um dilema, uma vez que respondem de forma insatisfatória à trombólise e foram sistematicamente excluídos de estudos randomizados controlados para trombectomia mecânica no acidente vascular cerebral agudo.13,14
Apesar da ausência de estudos randomizados, a trombectomia mecânica com recurso a stent retriever, parece ser uma solução viável para a oclusão intracraniana neste grupo de doentes. No entanto, o acesso distal à lesão é dificultado pela lesão carotídea. Estudos retrospetivos de pequena dimensão descrevem várias abordagens possíveis.
A abordagem anterógrada consiste na realização de angioplastia carotídea com recurso a stent, seguida de trombectomia intracraniana com recurso a stent retrievers. Apresenta como grande desvantagem o facto de o stenting carotídeo ser time-consuming adiando a trombectomia distal e consequentemente atrasando a revascularização cerebral.15
A abordagem retrógrada consiste na realização de trombectomia intracraniana em primeiro lugar, com realização de angioplastia com balão da artéria carótida interna se necessário. Stenting seletivo da artéria carótida interna é posteriormente considerado, após trombectomia bem sucedida. É uma técnica que permite uma revascularização cerebral significativamente mais rápida, com um tempo de angiografia significativamente inferior na abordagem retrógrada (43,1±30,8 Vs 110,8±43; p<0,001) e com uma tendência para melhor outcome clínico.16 Imediatamente após a trombectomia intracraniana, o fio-guia é retirado do lúmen carotídeo, com necessidade de re-cateterização se necessário o stent carotídeo, o que pode constituir um desafio técnico.15
Adicionalmente, podem ser utilizadas vias colaterais de acesso para recanalização distal com recurso às artérias comunicantes anterior ou posterior.17
Stenting Carotídeo em Fase Aguda
Segundo o Carotid Stenosis Trialists' Collaboration, o stenting carotídeo em fase aguda pós rotura da placa, está associado a um elevado risco de complicações peri-procedimento, sobretudo quando realizado nas primeiras 48 horas após o inicio dos sintomas.18
De facto, a irritação mecânica pela passagem de fios-guia e cateteres pode libertar fragmentos de placa aterosclerótica com embolização cerebral e risco de complicações neurológicas sérias. Fragmentos menores que 100µm não são passíveis de serem capturados por sistemas de proteção cerebral nem de serem capturados por dispositivos de trombectomia.17
A necessidade de dupla-antiagregação mandatória para stenting carotídeo está associada a um risco de hemorragia intra-craniana considerável.19 Em doentes com lesões em tandem acresce o risco hemorrágico associado à terapêutica fibrinolítica. Segundo Dorado et al, os riscos de hemorragia parenquimatosa, hemorragia intracraniana sintomática e mortalidade são inferiores no grupo submetido a trombectomia sem stenting carotídeo comparado com doentes submetidos a stenting (33,6%, 2,5% e 5% versus 45,8%, 20,8% e 16,7% respetivamente).19 Adicionalmente, e tal como descrito a lesão com implicação imediata mais importante na clínica do doente é a lesão intracraniana e que a sua revascularização deve ser o mais célere possível. Segundo um estudo publicado, o stenting carotídeo prolonga em média o tempo até à revascularização em 10 minutos.20
A American Heart Association/ American Stroke Association, emitiram uma atualização às suas guidelines salientando a falta de dados relativos a stenting emergente da ACI e a necessidade de ensaios randomizados controlados. Neste momento as recomendações conjuntas destas duas sociedades são contra o stenting carotídeo em fase aguda ((Classe IIB; Nível de evidência C).11
O regime de antiagregação plaquetária aplicável no contexto de AVC agudo está bem definido na literatura, com a administração de ácido acetilsalicílico (325mg) no intervalo de 24–48 horas após o início do quadro clínico (Classe I; Nível de evidência A).4
Em casos de stenting carotídeo por doença cerebrovascular sintomática, praticamente todas as diretrizes recomendam que os doentes devem receber dupla-antiagregação no período perioperatório. No entanto, isso é em grande parte baseado na literatura relativa a doença coronária, sem dados de grandes estudos randomizados controlados neste contexto.
A lesão da íntima após stenting carotídeo liberta fatores pró-coagulantes e expõe o colagénio subendotelial, que atua como nidus para adesão plaquetária e formação de trombo secundário. A maioria dos investigadores aconselha pelo menos 4 semanas de tratamento com aspirina e clopidogrel após stenting carotídeo. A administração conjunta de aspirina e clopidogrel subsequente não confere nenhum benefício adicional sobre a monoterapia antiplaquetária, a menos que seja indicado por patologia cardíaca.21
Neste contexto especifico de stenting emergente realizado durante as primeiras horas após o evento cerebrovascular agudo e combinado com trombectomia mecânica, não existem guidelines dirigidas na literatura. Existem sim, protocolos de pequenos estudos não-randomizados mas que são relativamente semelhantes entre si. Um exemplo inclui a administração endovenosa contínua de eptifibatide desde o procedimento e mantida durante 24 horas. Sob epitifibatide, o doente realiza uma dose de carga de ácido acetilsalicílico (500mg) e de clopidogrel (300mg), suspendendo a perfusão 4 horas após as doses de carga. Os doentes mantêm ácido acetilsalicílico (100mg) indefinidamente e clopidogrel (75mg) durante 8 semanas.20
Comparaçãode Outcome entre doentes submetidos a trombectomia intracraniana com stent retriever com e sem stenting carotídeoemergente
O sucesso da revascularização é geralmente classificado com recurso ao TICI (Thrombolysis in Cerebral Infarction), uma escala utilizada para avaliar angiograficamente o fluxo sanguíneo intracraniano. É consensual a consideração de um resultado bem sucedido como um valor de TICI≥2b (TICI 2b, TICI 2c, TICI 3 e TICI4).22 Existem diversos artigos que comparam doentes com lesões em tandem submetidos a trombectomia intracraniana com e sem stent carotídeo emergente. Em nenhum destes artigos descobriram uma diferença estatisticamente significativa entre os 2 grupos, variando entre 56–95,8% no grupo submetido a stent carotídeo emergente e 66,7–84% no grupo não submetido a stent. 19,23,24
O outcome clínico é classificado com recurso ao modified Rankin Scale (mRS) aos 90 dias, sendo considerado um outcome favorável uma classificação mRS≤2. Em 3 estudos publicados comparando o outcome emdoentescomlesõesem tandem submetidos a trombectomia intracraniana com e sem stent carotídeo emergente, não houve diferença significativa entre grupos: 53,2% versus 69,6%, p= 0.085; 36% versus 33%, p=0,09; 47% versus 50%, p não significativo.19,23,24
A taxa de mortalidade aos 90 dias nestes doentes varia entre 9–45,4% na literatura, independentemente da abordagem terapêutica.20,23–28 Em 3 estudos publicados comparando o outcome em doentes com lesões em tandem submetidos a trombectomia intracraniana com e sem stent carotídeo emergente, não houve diferença significativa entre grupos: 10% versus 11%; 12,8% versus 8,3%; 22% versus 23,5%.23,24
O risco de hemorragia intracraniana sintomática (HIS) está significativamente aumentado em doentes submetidos a stenting carotídeo emergente.12,19,29 De facto, trata-se da complicação mais grave associada a este procedimento. No entanto quando se analisa artigos publicados referentes a lesões em tandem submetidos a trombectomia intracraniana associada a stenting carotídeo emergente, os dados reportados relativos a complicações hemorrágicas são surpreendentemente escassos.20,24
Em estudos que reportam especificamente o risco de HIS, este pode atingir 45,8% em doentes submetidos a stenting.19 Dados publicados no estudo European Cooperative Acute Stroke Study (ECASS II) em 1998 associam o stenting emergente ao risco de HIS, com um odds ratio de 7.307. (19) Dorado et al, confirma a associação do stenting carotídeo emergente com o risco de HIS concluindo haver necessidade de mais estudos de grande dimensão para avaliar o seu perfil de segurança neste contexto.19
A HIS pode ter consequências adversas importantes com impacto no outcome do doente. Num estudo publicado, 83% dos doentes que desenvolveram HIS morreram como consequência da hemorragia, todos eles submetidos a stenting emergente.
O risco de trombose do stent neste contexto também não é desprezível, apesar de à semelhança da HIS, ser reportada de forma insuficiente na literatura. Steglich-Arnholm et al reportou 8 casos (17%) de trombose aguda de stent na fase aguda em adição a 4 casos (8.5%) de trombose tardia do stent.28
DISCUSSÃO
O tratamento de doentes com AVC no contexto de lesões em tandem continua a impor-se como um importante desafio. Está associado a pior outcome, com taxas de mortalidade e incapacidade permanente associadas mais graves que em doentes com lesão intracraniana isolada. Corresponde a um desafio terapêutico pelas baixas taxas de recanalização com trombólise isolada e pelo compromisso ao acesso distal intracraniano quando se pretende a realização de trombectomia intracraniana.
O objetivo de qualquer tratamento para o AVC deve ser a revascularização bem sucedida no menor tempo possível. Nas lesões em tandem, a causa primária da sintomatologia e do outcome clínico é a oclusão de artérias intracranianas ao invés da oclusão da ACI cervical. Ultrapassar uma lesão da ACI extra-craniana e colocação de stent emergente parece ter uma alta taxa de recanalização, mas é um procedimento time-consuming. Assim a recanalização da lesão da ACI previamente ao tratamento da lesão intracraniana pode atrasar o tempo para a recanalização distal e assim potencialmente levar a resultados neurológicos menos favoráveis.23 Na literatura, não existe evidência de uma melhoria do outcome do doente com o recurso a stent emergente no que concerne a recanalização intracraniana (TICI≥2b), outcome clinico (mRS≤2) e taxa de mortalidade aos 90 dias.19,20,23,24,26 Por outro lado, o stent carotídeo emergente está associado ao risco de HIS como consequência da dupla antiagregação mandatória e da síndrome de hiperperfusão associado, com o impacto neurológicos grave que daí pode advir.19 O risco de trombose de stent não é desprezível, sobretudo num contexto emergente, com estudos a apresentar taxas de complicação elevadas.28
Em 2015, a American Heart Association/ American Stroke Association publicaram um update às guidelines prévias, fruto de toda a evolução e evidência na área da trombectomia intracraniana endovascular. Relativamente ao stent carotídeo emergente, o seu uso mantém-se como uma indicação off-label e a sua utilização não é considerada útil (Classe IIB; Nível de evidência C).11
Na literatura, é cada vez mais abordada a opção terapêutica conservadora com angioplastia com balão simples da ACI se necessária para progredir com a trombectomia endovascular intracraniana. Em segunda fase, após estabilização clínica do doente e ultrapassado o período temporal de elevado risco de transformação hemorrágica a revascularização carotídea teria lugar, por stenting ou endarterectomia carotídea.32O raciocínio associado a esta abordagem assenta no risco de embolização distal durante a colocação de stent carotídeo numa placa extremamente instável, no facto de este procedimento ser time-consuming e consequentemente atrasar a revascularização intracraniana e possivelmente agravar o outcome do doente e por último no risco de hemorragia intracraniana sintomática associada às elevadas doses de antiagregação necessárias.
Conclui-se assim não existir atualmente evidência na literatura que suporte a realização de stenting carotídeo emergente no contexto de AVC devido a lesões síncronas.
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Correio eletrónico: andreiasofiacoelho@hotmail.com (A. Coelho).
Recebido a 30 de maio de 2017
Aceite a 30 de janeiro de 2018