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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.1 Lisboa mar. 2018

 

CASO CLÍNICO

Rotura de aneurisma da aorta abdominal pós-evar no contexto de endoleak tipo II e IA – uma solução inventiva para um desafio terapêutico

Ruptured abdominal aortic aneurysm post-evar due to combined type II and IA endoleak – an inventive solution to a therapeutic challenge

Andreia Pires Coelho1, Miguel Lobo, Paulo Barreto1, Ricardo Gouveia1, Jacinta Campos1, Rita Augusto1, Nuno Coelho1, Ana Semião1, Alexandra Canedo1

 

1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A democratização da reparação aórtica endovascular (EVAR) alterou significativamente a estratégia tera­pêutica do aneurisma da aorta abdominal (AAA), devido ao seu carácter minimamente invasivo e à menor morbi-mortali­dade perioperatória associada.

No entanto, complicações específicas, como o endoleak tipo 1a (T1aE) e o endoleak tipo 2 persistente (pT2E), foram asso­ciadas a outcomes adversos, sendo o mais grave a rotura aneurismática.

Apresentamos um caso de rotura de AAA pós EVAR devido a T1aE e pT2E tratado na nossa instituição.

Caso Clínico: Trata-se de um doente do sexo masculino, de 73 anos, submetido a EVAR noutra instituição por AAA infrar­renal sem intercorrências.

Cerca de 7 anos após-EVAR, o doente é observado no Serviço de Urgência da nossa instituição por quadro de dor abdo­minal e síncope com recuperação espontânea. Um AngioTC foi realizado e revelou crescimento do saco aneurismático, hiperdensidade espontânea do trombo, elevada densidade da gordura retroperitoneal direita e um pT2E com origem em artérias lombares.

Foi decidida intervenção cirúrgica aberta mas intra-operatóriamente, após a abertura do saco aneurismático, foram detetados tanto pT2E quanto T1aE. Foi então submetido a aneurismectomia parcial, laqueação dos óstios das artérias lombares, preenchimento do saco anerismático com produtos pró-trombóticos a selar o colo proximal e encerramento do saco de aneurisma com ajuste do colo proximal. O doente teve alta clínica 15 dias após o procedimento.

A AngioTC realizado 1 mês após o procedimento revelou ausência de endoleaks e estabilidade do tamanho do saco aneu­rismático preenchido com produtos pró-trombóticos. No follow-up a 2 anos, o doente manteve-se assintomático e os achados da AngioTC permaneceram inalterados.

Discussão: A rotura pós-EVAR é um desafio terapêutico significativo para cirurgiões vasculares. Neste caso, os achados pré-operatórios da AngioTC levaram à decisão terapêutica de endoaneurismorrafia de colaterais. O achado intra-ope­ratório de T1aE no contexto da rotura aneurismática e instabilidade hemodinâmica, forçou-nos a uma solução inventi­va com o objetivo de recuperar a selagem adequada do colo proximal. Esta foi essencialmente uma variante do banding proximal previamente descrito para T1aE. A explantação da endoprótese foi considerada demasiado time-consuming e agressiva num doente já instável. Resultados do follow-up a 2 anos são encorajadores.

Palavras-chave: Aneurisma da Aorta Abdominal; Rotura; EVAR; Endoleak.

 

ABSTRACT

Introduction: Endovascular aortic repair (EVAR) has significantly altered the therapeutic strategy for abdominal aortic aneurysm (AAA), due to less invasiveness and lower perioperative morbi-mortality.

However, specific complications such as type 1a endoleak (T1aE) and persistent type 2 endoleak (pT2E) have been asso­ciated with adverse outcomes including aneurismal rupture.

We present a case of AAA rupture due to both T1aE and pT2E treated in our institution.

Case Report: The patient is a 73-year-old male, submitted to EVAR at another institution for infra-renal AAA with no apparent complications.

He was admitted in the emergency department, 7 years post-EVAR, with abdominal pain and loss of consciousness with spontaneous recovery. A CTA was performed and revealed aneurysmal sac growth, spontaneous hiperdensity of the throm­bus, high density in the fat in the right retroperitoneum and a pT2E.

Intra-operatively, after opening the aneurysmal sac, both pT2E and T1E were detected. He was submitted to partial aneu­rismectomy, suture of the ostia of the lumbar arteries, filling of the aneurysm sac with prothrombotic products and closure of the aneurysm sac with adjustment of the proximal sealing zone. The patient was discharged 15 days post-procedure.

CTA performed 1 month after the procedure revealed no endoleak, aneurismal sac stability filled with prothrombotic products. At 2-year follow-up the patient remained asymptomatic and the CTA findings remained unchanged.

Discussion: Rupture post-EVAR is a significant therapeutic challenge for vascular surgeons. In this case, pre-operative CTA findings lead to plan an open surgery with endoaneurismorrhaphy of collaterals. Intra-operative finding of T1aE in the context of aneurismal rupture and hemodynamic instability, forced us into an inventive solution aiming to regain prox­imal sealing. This was essentially a variant of previously described proximal banding for T1aE. Endoprosthesis explanta­tion was considered too time-consuming and aggressive in an already unstable patient. Results at 2-year follow-up were encouraging.

Keywords: Aneurisma da Aorta Abdominal; Rupture; EVAR; Endoleak.

 

INTRODUÇÃO

A democratização da reparação aórtica endovascular (EVAR) alterou significativamente a estratégia terapêuti­ca no aneurisma da aorta abdominal (AAA), devido ao seu carácter minimamente invasivo e à menor morbi-mortali­dade perioperatória associada. (1)

No entanto, complicações específicas, como o endoleak de tipo 2 persistente (pT2E) e o endoleak tipo 1a (T1aE), foram associados a outcomes adversos, incluindo crescimento do saco aneurismático, re-intervenção aberta tardia e rotura de AAA.(2) A última consiste num desafio terapêutico signi­ficativo, sobretudo quando pT2E e T1aE estão simultanea­mente presentes. (3)(4)

O tratamento cirúrgico desta complicação séria não é linear, e geralmente está associado a morbi-mortalidade elevada.

Apresentamos neste case report um caso de rotura de AAA devido a T1aE e pT2E simultâneos tratado na nossa instituição, usando uma alternativa inventiva e efetiva à explantação da endoprótese.

 

CASE REPORT

Trata-se de um doente do sexo masculino de 73 anos, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial e dislipi­demia. Em 2008, foi submetido a EVAR noutra instituição para tratamento de AAA infrarrenal de 56 mm de diâmetro sem intercorrências. No entanto, o follow-up do doente foi eventualmente perdido.

Cerca de 7 anos após o procedimento de EVAR, o doente foi observado no serviço de urgência da nossa instituição com quadro clínico de dor abdominal e síncope com recupera­ção espontânea. Ao exame objetivo, o doente apresenta­va-se consciente e colaborante, mas hipotenso (perfil tensional 100/75 mmHg). O abdómen apresentava-se mole e depressível, com dor à palpação profunda. O estudo analítico, incluindo hemograma, função renal, função hepática, enzimas pancreáticas e marcadores de citólise hepática, não revelou nenhuma alteração de relevo. Uma Angio-Tomografia Computorizada (AngioTC) foi realizada e revelou saco aneurismático com diâmetro externo máximo de 72 mm, correspondendo a um crescimento marcado do mesmo, hiperdensidade espontânea do trombo, aumento da densidade da gordura retroperitoneal direita e um pT2E significativo aparentemente com origem em várias arté­rias lombares. Não foi possível ter acesso a informação relativa ao tipo de endoprótese utilizada, mas a análise da AngioTC permitiu concluir que esta apresentava ganchos de fixação suprarrenal. (Figura 1)

 

 

 

Perante achados sugestivos de rotura em contexto de endoleak tipo II persistente e perante a instabilidade hemodinâmica que o doente apresentava, decidiu-se a realização de cirurgia aberta com o objetivo de laquear artérias colaterais e encerrar o saco aneurismático.

Inicialmente e sob fluoroscopia colocou-se um balão intra­-aórtico a nível da aorta justarrenal. Intraoperatóriamen­te identificou-se hematoma retroperitoneal e hematoma a nível da parede do saco aneurismático. Após a abertura do saco aneurismático, tanto o pT2E quanto o T1aE foram detetados. Procedeu-se à clampagem aórtica com recur­so ao balão e posteriormente o doente foi submetido a aneurismectomia parcial, laqueação dos óstios das arté­rias lombares e preenchimento do saco aneurismático com produtos protrombóticos (nomeadamente Surgicel®, Tachosil® e cera inerte) com o objetivo de selar o colo proxi­mal e encerramento do saco aneurismático com ajuste da zona de colo proximal.

O doente desenvolveu uma pneumonia por Pseudomonas Aeruginosa no pós-procedimento imediato e foi tratado com antibioterapia dirigida. Teve alta para o domicilio após 15 dias de internamento sem outras complicações.

A AngioTC realizada 1 mês após o procedimento revelou ausência de endoleaks e estabilidade do tamanho do saco aneurismático preenchido com produtos pró-trombóticos.

Aos 2 anos de follow-up, o doente manteve-se assintomáti­co e os achados da AngioTC permaneceram inalterados, com estabilidade do tamanho do saco aneurismático (Figura 2).

 

 

DISCUSSÃO

Apesar de o EVAR ser a estratégia terapêutica mais comum para o tratamento de AAA, a realização de uma pesquisa da literatura sobre o tema identificou um número muito limi­tado de publicações relativas a rotura tardia pós-EVAR, o que evidencia sua raridade.

Uma vez que o objetivo principal da reparação de AAA é prevenir a sua rotura, esta complicação é inequivocamente a forma mais importante de falência do tratamento. A rotu­ra tardia após EVAR representa falha não apenas do EVAR primário, mas também da vigilância pós-EVAR e, em alguns casos, de intervenções secundárias.(5)

As possíveis causas subjacentes a rotura tardia são múlti­plas, mas a predominante é a existência de endoleak. O endoleak de tipo 1a depende da durabilidade da selagem do colo proximal, que por sua vez depende de uma série de fatores, como a presença de anatomia favorável do colo à data da realização do EVAR, procedimento inicial bem sucedido com boa selagem do colo, de possíveis alterações pós-operatórias do colo aneurismático, como dilatação e remodelação, e por último de características do design do stent-graft que minimizem a sua migração.(6)

O endoleak persistente de tipo II é uma causa reconheci­da de crescimento do aneurisma e de distorção anatómica contínua devido à expansão. Consequentemente a estas alterações anatómicas progressivas, o desenvolvimen­to de um endoleak tipo 1a tardio (T1aE) é uma possibili­dade bem descrita na literatura. Mesmo a existência de endoleak de tipo II isolado já está descrito como uma causa rara de rotura de AAA.(7)

A AngioTC pré-operatória é útil na identificação rápida e precisa da causa subjacente à rotura, permitindo proce­dimentos cirúrgicos menos invasivos, apesar de não ser inédita a presença de endoleak tipo 1a oculto em doentes com pT2E.(8)

Rotura pós-EVAR é um desafio terapêutico significativo. As opções terapêuticas incluem a implantação de stent-grafts aortouniilacos combinados com bypass de cruzado femorofemoral, implantação de extensões aórticas ou ilía­cas, embolização com coils de ramos colaterais, banding do colo proximal e explantação da endoprótese.(5)

A explantação da endoprótese está associada a elevada morbi-mortalidade em contexto de urgência, uma vez que geralmente é necessária clampagem aórtica supra-celíaca e a remoção da endoprótese sem danificar a parede arte­rial é tecnicamente complexa.(4)

Neste caso específico, os achados da AngioTC pré-opera­tória apontavam para uma rotura de AAA no contexto de pT2E isolado, tendo-se planeado o procedimento cirúrgi­co com base nesse pressuposto com a sua resolução com abertura do saco aneurismático e endoaneurismorrafia de colaterais. A presença de um T1aE só foi identificado intra­-operatóriamente.

Assim, após a abertura do saco aneurismático identificou­-se a presença simultânea de pT2E e T1aE, em contexto de rotura de AAA já com instabilidade hemodinâmica associa­da. Decidiu-se tratar esta complicação com uma variante do banding do colo proximal previamente descrito.(3)(4) Consi­derou-se que a explantação da endoprótese era dema­siado time-consuming e agressiva num doente já instável à partida. A realização de um procedimento endovascular através de uma técnica de Chimney e extensão proximal foi considerada tecnicamente complexa e time-consuming num doente com hemorragia ativa e com presença simultâ­nea de um balão intra-aórtico. Os resultados no follow-up a 2 anos desta alternativa técnica são encorajadores.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Jonker FH, Aruny J, Muhs BE. Management of type II endoleaks: preoperative versus postoperative versus expectant manage­ment. Semin Vasc Surg. 2009;22(3):165-71.         [ Links ]

2. Hajibandeh S, Ahmad N, Antoniou GA, Torella F. Is interven­tion better than surveillance in patients with type 2 endoleak post-endovascular abdominal aortic aneurysm repair? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2015;20(1):128-34.         [ Links ]

3. Van Lammeren GW, Unlu C, De Vries JP. Banding for type IA endo­leak after endovascular abdominal aortic repair: An underexpo­sed treatment option. Vascular. 2016;24(2):200-2.         [ Links ]

4. Krajcer Z, Dougherty KG, Gregoric ID. Long-term results of aortic banding for complex infrarenal neck anatomy and type I endoleak after endovascular abdominal aortic aneurysm repair. Tex Heart Inst J. 2012;39(6):799-805.         [ Links ]

5. Antoniou GA, Georgiadis GS, Antoniou SA, Neequaye S, Brennan JA, Torella F, et al. Late Rupture of Abdominal Aortic Aneurysm After Previous Endovascular Repair: A Systematic Review and Meta-analysis. J Endovasc Ther. 2015;22(5):734-44.         [ Links ]

6. Antoniou GA, Georgiadis GS, Antoniou SA, Kuhan G, Murray D. A meta-analysis of outcomes of endovascular abdominal aortic aneurysm repair in patients with hostile and friendly neck anatomy. J Vasc Surg. 2013;57(2):527-38.         [ Links ]

7. Jones JE, Atkins MD, Brewster DC, Chung TK, Kwolek CJ, LaMuraglia GM, et al. Persistent type 2 endoleak after endovascular repair of abdominal aortic aneurysm is associated with adverse late outco­mes. J Vasc Surg. 2007;46(1):1-8.         [ Links ]

8. Sidloff DA, Gokani V, Stather PW, Choke E, Bown MJ, Sayers RD. Type II endoleak: conservative management is a safe strategy. European journal of vascular and endovascular surgery : the official journal of the European Society for Vascular Surgery. 2014;48(4):391-9.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: andreiasmpcoelho@gmail.com (A.Coelho).

 

Recebido a 08 de junho de 2017

Aceite a 20 de maio de 2018

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