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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.4 Lisboa dez. 2018

 

CASOS CLÍNICOS

Colocação inadvertida de cateter central de diálise na artéria subclávia: stent coberto, uma alternativa terapêutica

Inadverted placement of central venous catheter for dialysis in the subclávia artery: stentgraft, a therapeutic alternative

Mariana Moutinho1, Miguel Gomes1, Luís Silvestre1, Luís Mendes Pedro1

1Departamento de Coração e Vasos, Serviço de Cirurgia Vascular, Hospital Santa Maria - Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Portugal.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A punção arterial inadvertida na colocação de catéteres de diálise é pouco comum, ocorrendo em 4,2% - 9,3% dos casos, e pode ser difícil o reconhecimento imediato em doentes previamente instáveis e em choque. É uma situação grave que ocorre mais frequentemente na região femoral em relação à subclávia e não existe um tratamento padronizado recomendado. O objetivo deste trabalho é apresentar o método de tratamento utilizado num caso de colocação inadvertida de um cateter de diálise na artéria subclávia.

Caso Clínico: Mulher de 58 anos de idade, com antecedentes de HTA e IRC em hemodiálise, internada no serviço de infeciologia com quadro de choque séptico com ponto de partida em cateter venoso central de diálise (CVCd) colocado na veia femoral esquerda e associado a endocardite. Após início de antibioterapia empírica com vancomicina e gentamicina, o CVCd da veia femoral esquerda foi removido e tentada a colocação de novo catéter na veia subclávia esquerda. Por suspeita de localização intra-arterial do cateter, realizou uma angioTC que confirmou a presença do CVCd na artéria subclávia esquerda sem extravasão de contraste ou trombose da mesma. À observação, a doente encontrava-se entubada e ventilada, com pulsos umeral, radial e cubital esquerdos amplos, sem evidência de hematoma, falso aneurisma ou frémito no local da punção. Foi submetida a colocação de um stent coberto autoexpansível Viabahn® 8 x 50 mm, na artéria subclávia esquerda, distal à emergência das artérias mamária interna e vertebral (excluindo o local da punção do CVCd). O stent coberto foi colocado no local correto e aberto imediatamente após a remoção do CVCd pelo anestesista, com controle e resolução da hemorragia. Ainda no intraoperatório foi colocado novo CVCd na veia femoral direita. Não ocorreram intercorrências vasculares e posteriormente foi isolado nas hemoculturas um Enterobacter Cloacae sensível ao ertapnem. A doente teve alta ao 24º dia com pulsos mantidos no membro superior esquerdo e sem complicações do acesso.

Conclusão: A remoção e compressão imediata do CVCd, quando introduzido no sector arterial, pode resultar em hemorragia incontrolável, pseudoaneurisma ou fístula AV, sobretudo se o local de entrada for numa zona de difícil acesso à compressão, como é o caso da artéria subclávia. O posicionamento endovascular de um stent coberto no local da entrada do CVCd e a sua abertura imediatamente após a remoção do mesmo constituiu um aspeto técnico interessante, inovador e cuja divulgação pode ser útil em casos semelhantes.

 

Palavras-chave: Tratamento de complicação vascular, Colocação de cateter central


 

ABSTRACT

Introduction: The inadvertent arterial puncture in the placement of dialysis catheters is uncommon, occurring in 4.2% - 9.3% of the cases, and it may be difficult to recognize immediately in previously unstable and in shock patients. It is a serious situation that occurs more frequently in the femoral region in relation to the subclavian and there is no recommended standard treatment. The purpose of this study is to present the treatment method used in a case of inadvertent placement of a dialysis catheter in the subclavian artery.

Clinical Case: A 58-year-old woman with a history of hypertension and CRF on hemodialysis, admitted in the infecciology service in septic shock clinic with a starting point in a central venous dialysis catheter (CVCd) placed in the left femoral vein and associated with endocarditis. After the beginning of empirical antibiotic therapy with vancomycin and gentamicin, the CVCd of the left femoral vein was removed and an attempt was made to place a new catheter in the left subclavian vein. On suspicion of intra-arterial localization of the catheter, the patient performed an angio-CT that confirmed the presence of CVCd in the left subclavian artery without contrast extravasation or thrombosis. On observation, the patient was intubated and ventilated, with normal humeral, radial and ulnar pulses, with no evidence of hematoma, false aneurysm or thrum at the puncture site. The patient underwent surgical treatment and a Viabahn® 8 x 50 mm self-expandable covered stent was deployed in the left subclavian artery, distal to the emergence of the vertebral and internal mammary arteries (excluding the site of the CVCd puncture). The covered stent was placed in the correct location and deployed immediately after the removal of the CVCd by the anesthesiologist, with control and resolution of the hemorrhage. Intraoperatively, a new CVCd was placed in the right femoral vein. There were no vascular intercurrences and an Enterobacter Cloacae sensitive to ertapnem was later isolated in the blood cultures. The patient was discharged on the 24th day with pulses kept in the left upper limb and without complications of the access.

Conclusion: Removal and immediate compression of CVCd when introduced into the arterial sector may result in uncontrollable hemorrhage, pseudoaneurysm or AV fistula, especially if the entrance site is in a zone of difficult access to compression, as it is the case of the subclavian artery. The endovascular positioning of a covered stent at the entrance site of the CVCd and its opening immediately after the removal of the CVCd constitutes an interesting, innovative technical aspect whose disclosure may be useful in similar cases.

 

Keywords: Treatment of vascular complication, Insertion of a central catheter


 

Introdução

Aproximadamente 7 milhões de catéteres venosos centrais são colocados anualmente nos Estados Unidos da América (EUA), sendo os locais mais comuns as veias jugular interna, subclávia e femoral.(1) Em Portugal não há dados disponíveis até agora.

Embora a punção orientada por referências anatómicas seja usada frequentemente, com uma taxa de sucesso entre 75 e 99%, ela não é isenta de complicações, onde se inclui a punção arterial inadvertida, cuja incidência pode ser reduzida com recurso ao uso sistemático de ecografia(2,3) A punção arterial na colocação de catéteres de diálise é relativamente comum, tendo-se estimado que ocorra em 4,2-9,3% dos casos, e pode ser difícil o seu reconhecimento imediato em doentes previamente instáveis e em choque. A punção arterial pode levar, subsequentemente, ao desenvolvimento de hemorragia, hemotórax, pseudoaneurisma, fístula arterio-venosa, dissecção arterial e até, nos casos mais graves, obstrução da via aérea por hematoma ou acidente vascular cerebral (AVC) por embolia (dependendo naturalmente da artéria puncionada).(4)

Deste modo, trata-se de uma situação potencialmente grave, que ocorre mais frequentemente na artéria femoral em relação à subclávia. Não existem guidelines na literatura para o tratamento das punções acidentais arteriais com canulação superior a 7 Fr, podendo esta condição ser tratada por cirurgia (aberta ou endovascular) ou remoção do cateter e compressão, estando esta última associada a uma elevada taxa de complicações.

O objetivo deste trabalho é apresentar um método de tratamento utilizado num caso de colocação inadvertida de um catéter de diálise na artéria subclávia.

Caso clínico

Mulher de 58 anos de idade, natural de Cabo Verde, raça negra, com antecedentes de hipertensão arterial, insuficiência renal crónica em hemodiálise desde 2013, estado pós-histerectomia e ooforectomia internada no serviço de infeciologia com quadro de choque séptico com ponto de partida em catéter venoso central de diálise (CVCd) colocado na veia femoral esquerda e associado a endocardite. Após início de antibioterapia empírica com vancomicina e gentamicina, o CVCd da veia femoral esquerda foi removido e tentada a colocação de novo catéter na veia subclávia esquerda. Por suspeita de localização intra-arterial do catéter, realizou uma angioTC que confirmou a sua presença na artéria subclávia esquerda, sem extravasão de contraste ou trombose da mesma (Figura 1). À observação, a doente encontrava-se entubada e ventilada, com pulsos umeral, radial e cubital esquerdos amplos, sem evidência de hematoma, falso aneurisma ou frémito no local da punção.

 

 

A estratégia terapêutica implicava a necessidade de evitar uma hemorragia significativa após a remoção do catéter uma vez que se tratava de uma artéria impossível de comprimir externamente.

Assim, a doente foi admitida no bloco operatório onde foi submetida a anestesia geral. Foi efectuado o isolamento cirúrgico da artéria umeral esquerda e colocado um introdutor 9F através do qual foi introduzido um stent coberto auto-expansível Viabahn® 8x50 mm (WLGore and Associates, Inc., Flagstaff, AZ, USA) e “estacionado” ao nível da artéria subclávia esquerda, distal à emergência das artérias mamária interna e vertebral, e na zona do local da punção do CVCd. A fixação cutânea do catéter foi libertada no pescoço pelo anestesista o qual removeu o CVCd num movimento combinado com a equipe cirúrgica que abriu o stent coberto imediatamente após a saída do catéter da artéria, prevenindo qualquer hemorragia (Figuras 2 e 3).

 

 

 

Ainda no mesmo tempo operatório foi colocado novo CVCd na veia femoral direita. Não ocorreram intercorrências vasculares e posteriormente foi isolado nas hemoculturas um Enterobacter Cloacae sensível ao ertapnem. A doente teve alta ao 24º dia com pulsos mantidos no membro superior esquerdo e sem complicações do acesso.

Ao sexto mês de follow-up a doente encontra-se bem, sem queixas do ponto de vista do membro superior esquerdo, com pulsos radial e umeral mantidos e sem incapacidade funcional. Neste momento encontra-se proposta para transplante renal.

Discussão

As complicações após trauma por inserção de catéteres na região cérvico-torácica podem ser devastadoras. O trauma iatrogénico das artérias carótidas ou subclávias pode provocar hemorragia grave, dissecção arterial, embolia ou trombose. Em determinados casos, pode acontecer obstrução da via área por hematoma cervical, choque por hemorragia e hemotórax, AVC por trombose arterial ou embolia cerebral, pseudoaneurisma ou fístula arterio-venosa.(5)

Uma vez que a punção arterial é, normalmente, reconhecida antes do catéter ser inserido no vaso, a colocação inadvertida do cateter na artéria é pouco comum. No entanto, existem fatores que aumentam o risco como a obesidade, o pescoço “curto” e a cateterização urgente.

A hipovolémia (com necessidade de atuação imediata) está associada a punção arterial mais frequente e mais difícil de detetar devido à menor pulsatilidade arterial. Doentes com hipotensão e/ou baixa saturação devem ser considerados particularmente em risco de punção arterial inadvertida.(3)

Deve-se suspeitar imediatamente de punção arterial acidental quando se observa um backflow excessivo, pulsátil e bem oxigenado ou quando há formação de hematoma local e ter em conta que o atraso no diagnóstico aumenta a probabilidade de complicações graves. Em caso de dúvida, a confirmação da localização dos catéteres deve ser efetuada angio-TC ou arteriografia pelo catéter.

Não existe um tratamento recomendado padronizado para este tipo de situações. As estratégias terapêuticas após a colocação inadvertida intra-arterial do cateter venoso incluem a sua remoção e compressão local, cirurgia aberta com reparação direta arterial ou tratamento percutâneo endovascular. Porém, a compressão não é uma opção em artérias como a subclávia que se encontram atrás de estruturas ósseas que a inviabilizam.

Existem ainda outros fatores que influenciam o risco de complicações após a remoção dos cateteres, aumentado o risco de complicações graves, e que são o maior diâmetro (como é o caso dos CVCd), o tempo desde a sua inserção e o local de punção. Cateteres com calibre superior a 7F estão associados a morbilidade significativamente mais elevada de AVC, hematoma expansível com obstrução da via aérea, falso aneurisma e até morte.(4)

Foi demonstrado que o tratamento aberto é seguro, mas apresenta uma elevada morbilidade uma vez que, normalmente, os doentes já se encontram numa situação clínica delicada, como no caso da doente apresentada, e a cirurgia aberta pode ser complexa com necessidade de anestesia geral, com abordagem da artéria subclávia num território com infiltração hemática e consequente distorção da anatomia com aumento do risco de lesões nervosas. Por outro lado, em punções muito proximais o controlo arterial pode necessitar de esternotomia (à direita) ou de toracotomia (à esquerda) o que pressupõe intervenções muito invasivas.

O tratamento endovascular veio modificar os paradigmas terapêuticos em múltiplas áreas vasculares e particularmente no contexto de trauma. É menos invasivo e as abordagens para controlo arterial e tratamento das lesões pode ser efetuado à distância. O desenvolvimento dos materiais teve também uma importância decisiva na aplicabilidade das técnicas endovasculares ao trauma, nomeadamente com o aparecimento de stents cobertos que permitem ocluir orifícios traumáticos por via intra-luminal. O sucesso técnico do tratamento endovascular de lesões traumáticas com stents cobertos tem-se mostrado elevado, embora seja necessário ter em conta a necessidade de preservação de ramos arteriais major. No caso apresentado, e encontrando-se a doente em choque séptico e com o cateter de diálise numa zona de difícil acesso cirúrgico, a opção endovascular proporcionou uma solução eficaz com baixo acréscimo de morbilidade. O caso teve ainda a particularidade, que julgamos ser muito relevante, de “estacionar” a endoprótese no local correto e promover a sua abertura de forma sincronizada com a remoção do cateter.

A durabilidade a longo prazo das endopróteses em posição subclávia não é muito bem conhecida, embora estudos recentes sugiram que podem ser comparados com a cirurgia aberta no trauma das artérias carótida e subclávia.(6)

Finalmente, em nenhuma circunstância se deve manter a inserção arterial de catéteres venosos, pelo risco de complicações, e a sua remoção deve ser rapidamente promovida.

Conclusão

A remoção e compressão imediata do CVCd, quando introduzido no sector arterial, pode resultar em hemorragia incontrolável, pseudoaneurisma ou fístula AV, sobretudo se o local de entrada for numa zona de difícil acesso à compressão, como é o caso da artéria subclávia.

O posicionamento endovascular de um stent coberto no local da entrada do CVCd e a sua abertura imediatamente após a remoção do mesmo constituiu um aspeto técnico interessante, inovador e cuja divulgação pode ser útil face a casos semelhantes.

Embora os stents possam não ser sempre a primeira opção nestes casos, este procedimento é vantajoso especialmente em zonas incompressíveis e de difícil acesso cirúrgico, sendo uma técnica segura e com alta taxa de sucesso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Oncu S, Ozsut H, Yildirim A et al: Central venous catheter related infections: risk factors and the effect of glycopeptide antibiotics. Annals of clinical microbiology and antimicrobials 2003;2:3        [ Links ]

2. Oliver WC, JR., Nuttall GA, Beynen FM, Raimundo HS, Abenstein JP, Arnold JJ: The incidence of artery puncture with central venous cannulation using a modified technique for detection and prevention of arterial cannulation. Journal of cardiothoracic and vascular anesthesia 1997;11:851-5        [ Links ]

3. Pikwer A, Acosta S, Kolbel T, Malina M, Sonesson B, Akeson J: Management of inadvertent arterial catheterisation associated with central venous access procedures. European journal of vascular and endovascular surgery : the official journal of the European Society for Vascular Surgery 2009;38:707-14        [ Links ]

4. Guilbert MC, Elkouri S, Bracco D et al: Arterial trauma during central venous catheter insertion: Case series, review and proposed algorithm. Journal of vascular surgery 2008;48:918-25; discussion 25        [ Links ]

5. Sekharan J, Dennis JW, Veldenz HC, Miranda F, Frykberg ER: Continued experience with physical examination alone for evaluation and management of penetrating zone 2 neck injuries: results of 145 cases. Journal of vascular surgery 2000;32:483-9        [ Links ]

6. Schonholz CJ, Uflacker R, DE Gregorio MA, Parodi JC: Stent-graft treatment of trauma to the supra-aortic arteries. A review. The Journal of cardiovascular surgery 2007;48:537-49        [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Correio eletrónico: mariana_sasm@hotmail.com (M. Moutinho).

 

Recebido a 07 de dezembro de 2017

Aceite a 20 de maio de 2018

 

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