Introdução
No presente relatório, fruto do protocolo de colaboração entre a Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular e a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa, apresentam-se os dados relativos ao “peso” no internamento hospitalar das principais doenças arteriais, nomeadamente: aneurisma da aorta; doença aterosclerótica carotídea e; doença arterial periférica, no período de nove anos compreendido entre 2009 e 2017. Os resultados aqui apresentados foram analisados a partir da informação contida na base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e referem-se aos episódios de internamento, de doentes com idade superior a 18 anos, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde de Portugal Continental, no período entre 01 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro 2017. Foram analisados os casos com diagnóstico principal e, nalgumas situações, também os casos com diagnóstico secundário das doenças atrás referidas. No período 2009 a 2016 foram usados os códigos ICD 9. Relativamente aos resultados de 2017, tiveram por base a codificação da ICD 10.
Relatório
Aneurismas da aorta abdominal e toraco-abdominal
No gráfico 1 pode-se ver a evolução, por ano, do nº de casos de internamento com diagnóstico principal e secundário de aneurisma da aorta. Como diagnóstico principal passou de um total de 656 episódios em 2009 para 896 episódios em 2017, uma variação positiva de 36%. Ao incluir as situações com diagnóstico principal e secundário esses valores passaram de 1882 em 2009 para 3847 em 2017, possivelmente refletindo um aumento na prevalência ou no diagnóstico de aneurisma da aorta em Portugal.
No gráfico 2 são discriminados os casos com diagnóstico principal de aneurisma da aorta abdominal e aorta toraco-abdominal (ATA), com e sem rotura. Os casos de AAA com e sem rotura aumentaram ao longo do período em análise, passando de 374 episódios em 2009 para 479 em 2017 (AAA sem rotura) e de 76 para 100, respetivamente, para os casos de AAA com rotura. Deduz-se assim que cerca de 1 em cada 5 AAAs em Portugal é tratado no contexto de rotura, sem variação ao longo deste período, o que deve ser um importante ponto de reflexão. Verificou-se também um ligeiro aumento nos casos de ATA que passaram de 20 episódios em 2009 para 43 em 2017.
O grupo etário predominante situou-se nos 65-84 anos, seguido do grupo entre os 45 e os 64 anos (gráfico 4).
Relativamente à distribuição por sexo (gráfico 5), verificou-se uma elevada percentagem de casos do sexo masculino (83%) comparado com o sexo feminino (17%).
No que se refere à abordagem terapêutica utilizada (gráfico 6), verifica-se que os casos de AAA e ATA sem rotura houve predomínio pelo tratamento endovascular. Nas situações com rotura, verificou-se um maior número de situações tratadas por cirurgia convencional.
Doença carotídea
No gráfico 7, verifica-se uma ligeira diminuição dos casos com diagnóstico principal de doença carotídea com e sem enfarte, ao longo do período em análise.
Os casos de DC sem enfarte passaram de 844 em 2009 para os 627 em 2017, uma variação negativa de 34%, acompanhando a tendência global para uma atitude mais conservadora face à estenose carotídea assintomática. Relativamente aos casos de DC com enfarte esse número passou de 396 em 2009 para 350 em 2017, traduzindo uma maior estabilidade no número de procedimentos por doença sintomática.
Quando se juntam os casos de diagnóstico principal com secundário (gráfico 8) verifica-se um aumento do total de episódios entre 2009 e 2017. Tendo em consideração que o número de episódios com diagnóstico principal de doença carotídea diminuiu ligeiramente de 2009 a 2017 passando de 1240 para 977, respetivamente, a morfologia da linha azul no gráfico (ligeiro crescimento no nº de episódios com diagnóstico principal e secundário de doença carotídea entre o período de 2009 a 2017) se deveu ao registo desta patologia como diagnóstico secundário.
A faixa etária dominante, quer nos casos com ou sem enfarte, é o grupo dos 65 aos 84 anos, seguido do grupo dos 45 aos 64 anos (gráfico 9).
No que diz respeito à distribuição por sexo (gráfico 10), constata-se predomínio de casos no sexo masculino em ambas as situações, com e sem enfarte, tendo esse predomínio maior expressão no caso de doença carotídea sem enfarte.
Em termos de estratégia terapêutica (gráfico 11) verifica-se que nas situações de DC sem enfarte o tratamento endovascular foi superior quando comparado com o tratamento por cirurgia convencional. Este dado, contrário à prática habitual em serviços de Angiologia e Cirurgia Vascular, sugere que um número significativo de procedimentos seja realizado por médicos de outras especialidades. Nos casos de DC com enfarte o resultado é inverso, verificando-se maior número de casos tratados por abordagem cirúrgica convencional, em relação aos casos tratados por abordagem endovascular, o que está de acordo com as atuais recomendações clínicas.
Doença arterial periférica
No gráfico 12 pode-se ver que o número de episódios com diagnóstico principal de DAP aumentou ligeiramente de 2009 a 2015 (passando de 3931 para 4535), verificando-se uma redução nos anos 2016 (3909) e em 2017 (3503), o que surpreende e cuja razão se desconhece.
No gráfico 13 pode-se ver que as situações de internamento por estádios mais precoces - ou seja menos graves (concretamente, a claudicação intermitente) são as que têm menor expressão em Portugal (825 e 754, em 2009 e 2017, respetivamente). Em 2017 parece haver um aumento dos casos de claudicação intermitente e de dor em repouso. Os casos de gangrena representam a principal indicação para internamento e mantiveram uma tendência estável entre 2010 e 2017.
O grupo etário predominante situou-se nos 65-84 anos, seguido de grupo dos 45 aos 64 anos (gráfico 14).
Em relação à distribuição por sexo, verifica-se um predomínio dos casos no sexo masculino quando comparado com o sexo feminino (gráfico 15).
No que se refere à abordagem terapêutica (gráfico 16), verifica-se predomínio do tratamento endovascular a partir de 2010 (870 casos por endovascular vs 830 por cirurgia aberta), aumentando de forma mais expressiva em 2016 (1191 vs 839) e 2017 (3079 vs 424). Esta tendência está em concordância com o observado nos restantes países da Europa Ocidental.
Pode-se verificar no gráfico 17 que o tratamento endovascular é mais utilizado que o tratamento cirúrgico convencional em todos os subgrupos de doentes, sendo essa diferença mais expressiva nos estádios mais avançados - úlcera e gangrena. Um dado surpreendente e contrário às atuais recomendações internacionais é o facto de 41% dos claudicantes serem tratados por cirurgia convencional.
Conclusão
O presente relatório apresenta as tendências verificadas nas admissões hospitalares e intervenções nos três grupos de patologia arterial mais expressivos da especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular. Observa-se que a grande maioria dos doentes tratados se encontram na faixa etária dos 65-84 anos e o sexo masculino é mais afetado. Nota-se uma significativa proporção de doentes tratados por patologia não eletiva, o que tem importantes implicações na gestão da programação dos Serviços. Verifica-se, na globalidade, um progressivo aumento na utilização de técnicas endovasculares, sendo dominantes em quase todas as áreas de intervenção e com aumento crescente ao longo do tempo. No entanto a cirurgia convencional permanece relevante como modalidade terapêutica sendo inclusivamente dominante no caso de patologia carotídea sintomática.
Apesar da sua relevância como ferramenta de monitorização da atividade e gestão de recursos, a utilização de dados administrativos tem limitações significativas que devem ser tomadas em conta ao interpretar os resultados apresentados. Em primeiro lugar, os dados são exclusivos das instituições do Serviço Nacional de Saúde em território continental e dependem da correta codificação, não existindo de momento auditorias específicas na doença vascular que permitam aferir a qualidade dos mesmos nas doenças apresentadas. Também importa referir que as características de base se limitam à idade e sexo, não existindo a capacidade de caracterizar adequadamente as populações no que respeita a co-morbilidades ou outras características de base. Relativamente à forma da codificação, verificou-se entre 2016 e 2017 uma transição da codificação por ICD-9 para codificação por ICD-10 1, o que pode ter resultado num viés. É impossível determinar com segurança e baseado na informação existente se existiram discrepâncias quanto à captação e correta codificação, ou tão pouco afirmar se existe uma vantagem de um método sobre o outro. Ainda mais relevante é o facto de não ser possível aferir a qualidade dos tratamentos, pois não existem dados que permitam avaliar a mortalidade e morbilidade associada aos procedimentos. Estas limitações reforçam a importância da existência de registos clínicos como ferramenta de melhoria da qualidade dos Serviços.