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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.17 no.1 Lisboa mar. 2021  Epub 31-Mar-2021

 

Caso Clínico

Linfangioma cístico retroperitoneal: caso clínico de uma entidade clínica Rara.

Retroperitoneal cystic lymphangioma: case report of a rare entity.

Isabel Vieira1 

Emanuel Dias1 

Lisa Borges1 

Alberto Henrique1 

Nelson Oliveira1 

Isabel Cássio1 

1 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular - Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, Portugal


Resumo

O linfangioma cístico é uma malformação benigna e rara do sistema linfático, cuja localização retroperitoneal corresponde a cerca de 1% de todos os linfangiomas. A sua apresentação clínica é frequentemente inespecífica. Os autores relatam o caso de uma mulher de 38 anos de idade com dor abdominal persistente e refratária à terapêutica médica, que por esse motivo realizou exames de imagem (ecografia abdominal e tomografia computadorizada toraco-abdomino-pélvica) que revelou uma imagem retroperitoneal de natureza cística, sugestiva de linfangioma. Foi proposta laparotomia para excisão completa da lesão. O exame histopatológico da peça operatória confirmou o diagnóstico de linfangioma cístico. A excisão cirúrgica completa é considerada a terapêutica de eleição, para além de permitir o diagnóstico definitivo.

Palavras-chave: Linfangioma cístico; Retroperitoneal; Massa abdominal cística; Excisão cirúrgica

Abstract

Cystic lymphangioma is a rare and benign malformation of the lymphatic system, with retroperitoneal location accounting for only 1% of all lymphangiomas. Clinical presentation is frequently nonspecific. Authors present a case report of a 38 years old woman with persistent abdominal pain refractory to treatment that required imaging investigation (abdominal ultrasound and thoraco-abdominopelvic computed tomography scan) unveiling a cystic retroperitoneal mass suggesting lymphangioma. Abdominal laparotomy was performed for complete excision of the tumor. Histopathological exam of surgical specimen confirmed the cystic lymphangioma diagnosis. Complete surgical excision is considered gold-standard therapy and allow definite diagnosis.

Keywords: Cystic lymphangioma; Retroperitoneum; Cystic abdominal mass; Surgical excision

Introdução

O linfangioma cístico é uma malformação benigna e rara do sistema linfático. Localiza-se com maior frequência na cabeça, pescoço e região axilar1-3. A sua localização retroperitoneal é extremamente rara, correspondendo a apenas cerca de 1% de todos os linfangiomas1,4. Na maioria dos casos o seu diagnóstico é feito na infância, sendo raro na idade adulta1,2,5. Muitas das vezes são assintomáticos, sendo frequentemente descobertos de forma incidental. Quando sintomáticos, caracterizam-se por sintomas clínicos inespecíficos.

Por se tratar de uma entidade clínica pouco comum, com menos de 200 casos documentados e publicados na literatura internacional6,7, relata-se um caso de uma mulher de 38 anos de idade com uma malformação macrocística do sistema linfático de localização retroperitoneal e na envolvência de grandes vasos, motivo pelo qual foram envolvidos Cirurgiões Vasculares no processo diagnóstico e terapêutico deste caso.

Caso clínico

Caso clínico de uma mulher de 38 anos de idade, com antecedentes pessoais de erradicação de colonização gástrica por Helicobacter pylori com queixas de dor epigástrica persistente e refratária à terapêutica médica, mesmo após a erradicação da bactéria. Por este motivo realizou uma ecografia abdominal superior que revelou uma imagem nodular anecóica em topografia para-aórtica esquerda, medindo cerca de 21,5 mm por 15 mm de diâmetros axiais, numa extensão crânio-caudal de cerca de 37,5 mm, sugestiva de lesão cística (fig. 1). Para melhor caracterização da lesão realizou TC (tomografia computadorizada) toraco-abdomino-pélvica que confirmou imagem de natureza cística com conteúdo puro, envolvida por parede fina bem definida, com dimensão aproximada de 38×20×16mm, adjacente e à esquerda da aorta abdominal infra-renal, com limites anterior e superior adjacentes à veia renal esquerda, sugestiva de linfangioma cístico (fig. 2 e 3). Não foram encontradas outras malformações linfáticas, arteriais ou venosas. Realizou também ecografia com estudo doppler dos vasos do pescoço, membros superiores e inferiores, sem alterações.

Figura 1 Ecografia abdominal superior que revelou imagem nodular anecóica em topografia para-aórtica esquerda, medindo cerca de 37,5×21,5×15mm, sugestiva de lesão cística (**).Ao- aorta abdominal; VCI- veia cava inferior. 

Ao exame objetivo, apresentava abdómen mole e depressível, sem tumefações palpáveis, ligeiramente doloroso à palpação profunda do epigastro, sem sinais de irritação peritoneal. Todos os pulsos eram palpáveis e simétricos em ambos os membros superiores e inferiores.

Foi proposta uma laparotomia, que a doente aceitou, a fim de se estabelecer a verdadeira natureza da lesão, em que a abordagem terapêutica visasse a sua excisão completa.

Foi submetida a: laparotomia mediana; mobilização do ângulo de Treitz e afastamento de ansas de delgado e cólon; abertura do retroperitoneu com identificação da veia mesentérica inferior, veia renal esquerda, aorta abdominal infra-renal e lesão de localização posterior e inferior à veia renal esquerda, adjacente e à esquerda da aorta abdominal infra-renal (fig. 4). A aparência macroscópica da lesão era muito sugestiva de lesão benigna de natureza cística, com paredes finas e bem definidas. Procedeu-se a dissecção do plano entre a lesão e as estruturas adjacentes com a sua posterior excisão completa, sem rotura da mesma.

Intervenção cirúrgica e pós-operatório decorreram sem complicações. Paciente teve alta ao 3º dia pós-operatório, assintomática, a tolerar dieta geral e com trânsito intestinal restabelecido. O exame histopatológico da peça operatória confirmou o diagnóstico de linfangioma cístico.

Figura 2 e 3  Tomografia computadorizada (TC) abdominal com contraste confirmou imagem de natureza cística com conteúdo puro, envolvida por parede fina bem definida, com dimensão aproximada de 38×20×16mm, adjacente e à esquerda da aorta abdominal infra-renal (Ao), com limites anterior e superior adjacentes à veia renal esquerda (seta branca), sugestiva de linfangioma cístico (seta preta) 

Figura 4 Abordagem intra-operatória da lesão. Ao- aorta abdominal infra-renal; VRE- veia renal esquerda;VMI- veia menestréis inferior; Setas brancas- lesão com aspectosmacroscópicos sugestivos de linfangioma cístico. 

Doente mantém-se em follow-up em consulta de Cirurgia Vascular desde há 4 anos, encontrando-se assintomática e sem evidência imagiológica de recidiva.

Discussão

A etiopatogenia dos linfangiomas ainda não está completamente compreendida. Consiste numa malformação do sistema linfático onde se acredita que haja uma falha da drenagem de linfa e a sua consequente acumulação. Autores defendem que se trata de uma malformação congénita8-10, outros acreditam que, no adulto, possam existir um conjunto de fatores predisponentes ao seu desenvolvimento, nomeadamente a combinação de processos inflamatórios, traumáticos, entre outros fatores que, combinados com fatores genéticos, contribuam para a sua patogénese1,5-11.

Na grande maioria dos casos o seu diagnóstico é feito na infância, sendo que 50% das vezes estão presentes ao nascimento e 90% são diagnosticados antes dos 2 anos de idade1,3.

Não existem diferenças na sua incidência no que respeita aos sexos e a sua maioria tem localização superior: cabeça e pescoço (75%); região axilar (20%)1-3,12. A sua localização intra-abdominal é incomum, correspondendo a aproximadamente 5% dos casos, e apenas cerca de 1% de todos os linfangiomas tem localização retroperitoneal1,4.

A sua apresentação clínica é altamente inespecífica e polimórfica, sendo muitas das vezes assintomáticos e descobertos de forma incidental (por exemplo, em exames de imagem pedidos por uma razão não relacionada, ou no intra-operatório de uma intervenção cirúrgica). O aparecimento de sintomas está relacionado essencialmente com a sua dimensão e localização, podendo desencadear sintomatologia secundária a compressão de estruturas adjacentes. Os sintomas mais frequentemente encontrados são: dor abdominal, náuseas, fadiga e perda ponderal6. As complicações relacionadas aos linfangiomas são pouco frequentes, no entanto poderão apresentar-se como abdómen agudo em casos de hemorragia intra-cística, rotura, torção ou infeção5,6.

Os exames de imagem, como a ecografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética nuclear, fornecem detalhes acerca da sua localização, tamanho, forma, envolvimento e relação com estruturas adjacentes. Contudo, existe um vasto espectro de diagnósticos diferenciais de lesões de natureza cística com localização retroperitoneal que incluem uma grande variedade de entidades, quer benignas (p.e. pseudocistos pancreáticos, cistos do urotélio, cistos ováricos, adenoma pancreático microcístico, adenopatias, abcesso), quer malignas (p.e. mesotelioma cístico, teratoma, sarcoma indiferenciado, metástases císticas)13,14. Assim, diferenciar um linfangioma cístico de outras lesões císticas através de exames de imagem, poderá tornar-se muitas das vezes inconclusivo, sendo a sua excisão cirúrgica necessária para o diagnóstico definitivo através de um exame histopatológico.

A excisão cirúrgica completa, por laparotomia ou laparoscopia15, é considerada o tratamento de eleição1,3,6. Alguns autores defendem que se houver risco de lesão de estruturas vitais durante a ressecção da lesão, deverá optar-se por uma atitude conservadora, procedendo-se a excisão parcial da lesão, tendo em conta a sua natureza benigna, ainda que o risco de recorrência seja superior7.

Existem outros tratamentos alternativos à excisão cirúrgica descritos na literatura, como a aspiração e drenagem percutânea guiada por imagem e a injeção percutânea de agentes esclerosantes1,2,7,16

A excisão cirúrgica completa deve ser realizada sempre que possível, com um ótimo prognóstico a longo prazo, permitindo o diagnóstico definitivo e estando associada à diminuição do risco de recorrência1,3,16,17.

O follow-up destes doentes não está bem definido na literatura, nomeadamente no que respeita ao seguimento imagiológico. O caso clínico descrito, trata-se de uma doente com o diagnóstico em idade adulta de uma malformação linfática macrocística em localização retroperitoneal e adjacente aos grandes vasos, cuja excisão completa da lesão foi tecnicamente bem sucedida, o que permitiu o seu diagnóstico histopatológico, para além da intervenção terapêutica. O facto de se ter conseguido a excisão completa desta lesão benigna, associa-se a uma diminuição do risco de recorrência e consequentemente melhora o prognóstico a longo prazo7,12,13. Esta doente mantém-se em follow-up em consulta de Cirurgia Vascular desde há 4 anos, encontrando-se clinicamente assintomática, tendo realizado controlo imagiológico com TC toraco-abdomino-pélvica após 3 anos da intervenção cirúrgica, sem evidência imagiológica de recidiva.

Conclusão

As malformações linfáticas macrocísticas com localização retroperitoneal são uma entidade clínica rara, sobretudo em adultos. Exames de imagem fornecem detalhes acerca da sua localização, tamanho e relação com estruturas adjacentes4. A excisão cirúrgica completa é considerada a terapêutica de eleição, permite o diagnóstico definitivo, estando associada à diminuição do risco de recorrência com um bom prognóstico a longo prazo1,3,6.

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Recebido: 31 de Dezembro de 2020; Aceito: 29 de Março de 2021

Autor para correspondência. Correio eletrónico: isabelvieira201@gmail.com (I. Vieira).

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