Introdução
A degenerescência aneurismática em doentes com dissecção crónica tipo B (CTBAD) ocorre em aproximadamente 20 a 40%, sendo que destes, 10 a 20% desenvolvem rotura tardia. A cirurgia convencional destes doentes encontra-se associada a uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade(1). As alternativas endovasculares incluem endopróteses fenestradas ou ramificadas, que permitem um tratamento eficaz com baixa morbi-mortalidade. No entanto, o uso destes dispositivos em doentes com dissecção crónica apresenta algumas particularidades. O tratamento normalmente implica o implante da endoprótese no verdadeiro lúmen com o objetivo de excluir o falso lúmen. Devido à grande variabilidade de anatomia que ocorre neste tipo de aneurismas dissecantes, o tratamento pode ser muito complexo ou mesmo impossível. Os autores reportam um caso de aneurisma dissecante (Crawford tipo II) em que se procedeu, numa intervenção estadeada, à exclusão do verdadeiro lúmen através do implante de uma endoprótese ramificada no falso lúmen de forma a ultrapassar as dificuldades anatómicas apresentadas.
Caso clínico
Trata-se de um doente de 65 anos, sexo masculino, com antecedentes pessoais de HTA, dislipidémia e DRC. Foi referenciado ao nosso centro por achado em angioTC que revelou CTBAD com dilatação da aorta tóraco-abdominal associada (arco aórtico 56mm; aorta torácica 85mm; aorta abdominal 60mm). A anatomia da aorta torácica descendente e abdominal era muito tortuosa e a lamella apresentava-se elíptica. O verdadeiro lúmen estava significativamente estenosado e o tronco celíaco (TC), artéria mesentérica superior (AMS) e artéria renal direita (ARD) emergiam do falso lúmen, enquanto que a artéria renal esquerda (ARE) tinha origem no verdadeiro lúmen. (Fig. 1, 2 e 3)
O doente foi inicialmente submetido a pontagem carotido-subclávia. Cerca de 3 semanas depois foi realizado um frozen elephant trunk (FET) sendo que o componente de TEVAR foi intencionalmente implantado no falso lúmen. Este procedimento foi complicado por um quadro de insuficiência respiratória com necessidade de ventilação prolongada, o que levou a um atraso significativo na realização do procedimento final.
Cinco meses depois, através de acesso femoral bilateral e axilar direito, os autores procederam ao implante de uma endoprótese ramificada customizada (Zenith® Cook) no falso lúmen da dissecção. Previamente ao implante, foi utilizado um balão de 12mm para dilatar uma pequena fenestra existente ao nível da ARE para permitir a cateterização e implante do bridging stent respetivo (Fig. 4). O componente distal foi implantado num segmento não dissecado da aorta abdominal infra renal. O procedimento foi moroso (7 horas de duração) e desafiante, dada a elevado tortuosidade da aorta, requerendo significativo tempo operatório e radiação. (Fig. 5)
O angioTC do primeiro mês revelou adequada zona de selagem proximal e distal e ramos viscerais permeáveis. Verificou-se trombose parcial e zonas com perfusão do verdadeiro lúmen através das artéria intercostais, que requerem monitorização e vigilância. (Fig. 6)
Discussão/ conclusão
Os autores repostam um caso de tratamento endovascular de aneurisma da aorta toraco-abdominal (secundário a CTBAD) por frozen elephant trunk seguido de implante de endoprótese ramificada no falso lúmen.
As CTBAD podem complicar em cerca de 20 a 50% dos doentes(3). É estimado que aproximadamente 20 a 40% destes doentes desenvolvam dilatação do falso lúmen que requerem no futuro correção cirúrgica(1).
Constituem fatores de risco para dilatação aneurismática secundária a CTBAD a hipertensão arterial, diâmetro aórtico superior a 40mm ou mais (na fase aguda), doença pulmonar obstrutiva crónica e patência do falso lúmen. Para além disso, a presença de uma porta de entrada superior a 10mm de diâmetro ou localizada no arco aórtico/região proximal da aorta torácica descendente são também reconhecidos como fatores preditores de mortalidade, que muitas vezes são indicativos da necessidade de tratamento cirúrgico. No caso descrito, o doente apresentava vários fatores de risco para dilatação aneurismática secundária tais como hipertensão arterial, patência do falso lúmen, assim como uma porta de entrada superior a 10mm e localizada no arco aórtico.
O principal objetivo do tratamento cirúrgico em doentes com CTBAD é evitar a degenerescência aneurismática e/ou rotura da aorta. A intervenção cirúrgica é mandatária em doentes com CTBAD que surjam de novo com evidência de malperfusão ou início de novo dos sintomas4. Em doentes assintomáticos, o diâmetro máximo aórtico contínua a ser o critério mais importante para a colocar a indicação para tratamento. As guidelines da ESVS recomenda o tratamento cirúrgico para diâmetros da aorta torácica entre 56 a 59mm (em doentes de risco cirúrgico intermédio), considerando que um diâmetro aórtico entre 50 a 60mmm está associado a um risco aumentado de rutura em cerca de 20% dos casos1.
O doente acima descrito apresentava um diâmetro aórtico de 85mm na aorta torácica descendente e 60mm na aorta abdominal, sendo que os autores propuseram o doente para tratamento cirúrgico.
O tratamento cirúrgico destes doentes é desafiante e, na maior parte dos casos, bastante complexo. A cirurgia convencional está associada a uma elevada taxa de morbimortalidade, sendo que esta apenas deve ser considerada em doentes de baixo risco em centros dedicados, com baixa taxa de complicações1. O tratamento endovascular dos doentes com CTBAD implica habitualmente o implante de uma endoprótese ramificada/fenestrada no verdadeiro lúmen, de maneira a excluir o falso lúmen assim como as suas fenestras. Na fase aguda, o verdadeiro lúmen, mesmo que comprimido, permite a dilatação após a colocação da endoprótese. No entanto, nos casos de dissecção crónica, a lâmina de dissecção torna-se muito espessa e pouco maleável, não permitindo a expansão do verdadeiro lúmen após a colocação da endoprótese, fator que pode contribuir para a formação de novas fenestras, colapso da endoprótese ou oclusão da mesma5.
Casos em que o verdadeiro lúmen apresente um diâmetro inferior a 10mm dificultam a colocação da endoprótese quer esta seja ramificada (pela inexistência de diâmetro que permita a abertura dos ramos), quer fenestrada (pela dificuldade que pode existir na orientação da endoprótese)6. Nestes casos, o tratamento endovascular pode ser realizado com recurso a fenestração endovascular da lamella, o que é tecnicamente exigente e não está livre de complicações. Outra alternativa passa pelo debranching visceral, num procedimento híbrido, o que também se associa a uma elevada morbi-mortalidade. Em casos selecionados, como no doente apresentado, o diâmetro do falso lúmen é muito superior ao do verdadeiro lúmen e existem fenestrações de grande dimensão proximais e distais. Nestes casos, e desde que os vasos viscerais sejam acessíveis pelo falso lúmen, poderá ser considerado o implante da endoprótese no falso lúmen. No caso descrito pelos autores, para além do diâmetro reduzido do verdadeiro lúmen, o TC, a AMS e a ARD emergiam do falso lúmen, sendo que apenas a ARE emergia do verdadeiro lúmen. Através da dilatação de uma pequena fenestração ao nível das artérias renais com um balão de angioplastia, a ARE era facilmente acessível a partir do falso lúmen. Posto isto, em coordenação com os colegas da Cirurgia Cardíaca, os autores optaram pelo implante da endoprótese no falso lúmen da dissecção, o que pressupôs o prévio impante do componente de TEVAR do frozen elephant trunk nesse mesmo falso lúmen.
Este tipo de procedimento com implante de endoprótese no falso lúmen foi pela primeira vez descrita por Simring et al em 20116, 7).
Simring et al descreveram o implante de uma endoprótese ramificada a partir do verdadeiro lúmen, nos vasos viscerais que emergiam do falso lúmen, através da criação de neo-fenestras na lâmina de dissecção6, 7). No doente acima descrito não foi necessária a criação de neo-fenestras. A endoprótese foi colocada pelo falso lúmen, de onde emergiam todas as artérias viscerais à exceção da ARE, sendo que foi utilizado um balão de 12mm para dilatar a fenestra já existente ao nível desta artéria (não sendo necessária a criação de uma neo-fenestra), de maneira a permitir a implementação do bridging stent.
Não há dúvida que o tratamento endovascular de dilatações aneurismáticas secundárias a CTBAD impõe vários desafios. No entanto, a implementação de uma endoprótese ramificada/fenestrada no falso lúmen é possível, e pode ser uma solução em casos selecionados, de maneira a eficazmente excluir a degenerescência aneurismática. A durabilidade destes procedimentos ainda não se encontra completamente estabelecida, pelo que um follow-up cauteloso é recomendado.
Responsabilidades éticas
Proteção dos seres humanos e animais.
Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigacão Clínica e Ética e de acordo com os da Associacão Médica Mundial e da Declaracão de Helsinki.