O Professor Doutor Luiz Manuel de Freitas Teixeira Diniz, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, primeiro Director do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital de Santa Maria e Sócio Emérito da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, faleceu em 18-07-2021 com 95 anos de idade
Recordo o Professor Teixeira Diniz como uma pessoa extremamente gentil, que me recebeu no Serviço que dirigia no início do ano de 1990 quando aí iniciei a minha formação na especialidade. Desde então tivemos um contacto mais ocasional, mas a sua relevância como uma figura cimeira da Cirurgia Vascular e da Academia portuguesas não pode deixar de ser recordada.
Era, ainda, uma pessoa intrinsecamente modesta, que no seu Curriculum Vitae de 1967, aquando do concurso a Professor Agregado de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa, considera a elaboração do Curriculum Vitae uma "luta que se trava entre duas tendências opostas: por um lado, a necessidade legal de se apresentar uma auto-biografia em que se deve dar relevo aos factos julgados mais importantes para avaliação do que tem sido a vida do candidato, por outro, uma natural tendência em calar o que a nós próprios diga respeito".
A evocação da sua vida e da sua obra académica e científica permite recordar o Homem e o seu percurso, mas constitui, também, uma forma de reviver alguns aspectos da evolução da medicina e da cirurgia ao longo do século XX. A leitura dos escritos que deixou sugerem lucidez e seriedade perante a vida que poderão ser vistas como um exemplo. Não deixou, no entanto, de ser um lutador em várias fases do seu percurso profissional e foi também um dos esteios principais da criação do Serviço de Cirurgia Vascular no Hospital Escolar de Santa Maria, a qual não foi isenta de resistências.
Escrevo este texto com base nos vários artigos publicados e em textos e documentos pessoais consultados, bem como nos diversos Curriculum Vitae que foi elaborando para os concursos a que se submeteu ao longo da carreira.
Biografia e carreira profissional
O Professor Doutor Luiz Teixeira Diniz nasceu em Luanda no dia 26 de Abril de 1926 e frequentou o ensino secundário no Colégio Militar que terminou com 16 valores. Em 1949 licenciou-se em Medicina, com a elevada classificação de 17 valores.
Em 1947, ainda antes de terminar o curso de Medicina, foi integrado na equipa de João Cid dos Santos "pela mão do seu braço direito - Doutor Fernando Oliveira Pinto"1 - em actividades pedagógicas de cirurgia experimental e de trabalho nas enfermarias1. Tinha começado a integração num grupo de trabalho extremamente activo e criativo, impulsionado pelo trabalho e carisma do seu líder, e que terá sido determinante em todo o percurso de Luiz Teixeira Diniz.
Após o curso de Medicina concorreu ao Internato Geral no Hospital Escolar (na altura em Santa Marta) que frequentou de 1949 a 1951. É interessante observar que recorda daqueles tempos a profícua colaboração que existia entre os serviços de Medicina, de Cirurgia e os Laboratórios2, certamente ainda consequência da actividade marcante das personalidades que nas décadas anteriores tinham reformado o pensamento médico, as relações entre as disciplinas clínicas e os laboratórios que as começavam a sustentar, e modernizando a prática médica na Faculdade de Medicina. Estas personalidades, que desde a reforma de 1911 mudaram a face da Medicina portuguesa, tiveram ainda a relevância de estabelecerem as bases intelectuais que legaram aos colaboradores e que continuaram a proporcionar avanços na área vascular ao longo de todo esse século. Luiz Teixeira Diniz beneficiou disso na sua formação e na sua actividade clínica e científica.
Durante o Internato Geral trabalhou com Mário Moreira e Frederico Madeira na Medicina Interna e frequentou, como voluntário, o Banco dos Hospitais Civis de Lisboa na equipa de Mendes Ferreira, o que aliás já vinha fazendo enquanto estudante na equipa de Cid dos Santos2.
Em 1951 concorreu ao Internato Complementar de Cirurgia sendo admitido no Serviço de Clínica Cirúrgica onde trabalhou na equipa de Fernando Oliveira Pinto. É muito curioso verificar que o internato de cirurgia incluiu uma pausa na actividade clínica durante 3 meses para um estágio de dedicação integral à Anatomia Patológica com Jorge Horta. Teixeira Diniz pensava "ser lícito afirmar que um estágio desta natureza devia fazer parte de toda a carreira cirúrgica"2 e é interessante verificar que várias décadas depois a moderna formação cirúrgica em vários países europeus (e até por vezes em Portugal, embora de forma não obrigatória) inclui estágios de aprendizagem científica que completam a currículo do cirurgião actual. Já naquele tempo se reconhecia que a cirurgia contemplava bem mais do que o acto cirúrgico.
Após o Internato Complementar em Cirurgia, Luiz Teixeira Diniz tornou-se Segundo Assistente de Clínica Cirúrgica no ano de 1955 e de seguida (1958-1960) foi mobilizado para o Estado da Índia exercendo as funções de Cirurgião Militar em Goa, onde chefiou também a Equipa Cirúrgica e foi Director do Hospital Militar nº 3. Ainda no âmbito desta comissão, foi regente das disciplinas de Propedêutica Cirúrgica e de Patologia Cirúrgica na Escola Médico-Cirúrgica de Goa como Lente-Substituto3.
Esta experiência, que de início teria perspectivas muito negativas ("...no seu início nos pareceu uma calamidade...")2 e parecia interromper uma carreira, parece ter sido, afinal, importante na aquisição de autonomia cirúrgica em procedimentos electivos e urgentes, bem como uma oportunidade de desenvolvimento académico2.
O início dos anos de 1960 foi o tempo de preparação da tese de doutoramento sob o patrocínio de João Cid dos Santos. Em 8 de Janeiro de 1963 defendeu a Tese intitulada "A Arteriografia no Diagnóstico dos Tumores das Partes Moles"4 (Figura 2) que foi arguida por Bártolo do Vale Pereira e João Cid dos Santos. Os "pontos", ou seja, as lições complementares, foram "A colangiografia por punção transcutânea é uma técnica semiológica que, apesar da sua indiscutível utilidade, só raramente deve ser usada", discutida por Joaquim Bastos e "Deve-se continuar a aconselhar a vacinação anti-tífica da população portuguesa", discutida por Cândido de Oliveira.No final, foi-lhe atribuída a classificação de 18 valores.
Passou, então, a Primeiro Assistente de Clínica Cirúrgica e desempenhou funções de coadjuvante do Director do Serviço como Chefe de Clínica entre 1965 e 1966 (por opção de Cid dos Santos estas funções eram distribuídas de forma rotativa pelos Primeiros Assistentes)2.
Agregou-se em 1967 pela Universidade de Lisboa e assumiu o cargo de Professor Agregado em 1968.A Lição de Agregação versou o tema da simpaticectomia, que seria uma das principais áreas de interesse como discípulo de Cid dos Santos, e foi publicada em 1968 na Revista Medicina Universal5.
De 1968-1970 esteve em Comissão de Serviço em Angola onde exerceu funções de Professor Agregado e, em 1970, de Professor Extraordinário na Universidade de Luanda. Esta experiência terá sido difícil do ponto de vista pessoal e familiar e decepcionante do ponto de vista profissional, uma vez que as promessas académicas iniciais não foram cumpridas, a abertura do Hospital Escolar foi atrasada, implicado um longo período de escassa actividade cirúrgica, e havendo ainda a percepção de uma "máquina" burocrática ultramarina pesada, ineficaz e, por vezes, incompetente. Estas angústias transparecem na correspondência pessoal com João Cid dos Santos, Jorge Horta e Fernando Oliveira Pinto, entre outros.
No entanto, o período de Angola terá tido também aspectos positivos permitindo-lhe contribuir para a construção desse Hospital Universitário em Luanda. Não terá havido grandes constrangimentos económicos no equipamento do serviço, a colaboração multidisciplinar com a Radiologia (com José Guilherme Caldas) foi considerada inexcedível e a construção de um espírito de equipa aos vários níveis e com os vários grupos profissionais também parece ter sido enriquecedora (espelhando a sua capacidade de liderança)6.
É nesta altura que escreve dois textos importantes que mostram o seu pensamento académico e versam sobre a evolução da cirurgia e o seu papel como Disciplina Universitária. São os textos das primeiras lições do ano lectivo de 1969-1970 e que serão mencionados adiante7), (8.
Porém, ao voltar a Lisboa, em 1970, transparece um enorme desencanto pois as condições de trabalho, a capacidade de produção cirúrgica e a organização mostravam uma qualidade ainda inferior à realidade que tinha vivido em Luanda. Retornou à Universidade de Lisboa e ao Hospital de Santa Maria onde exerceu funções de Chefe de Clínica, coadjuvando o Director, e no período pós-revolucionário foi mesmo incluído na Comissão Directiva do Serviço a qual, nas suas palavras, "nalguns serviços foi colegial e imposta de modo lamentável"6. Vai mais além e reconhece que no Serviço de Cid dos Santos a ideia de descentralização do poder, em voga na altura, já era praticada e "não era mais do que a formalização de um espírito e de uma prática antiga do seu Director"6.
Entre 1977 e 1978 aceita a nomeação para Director do Serviço de Clínica Cirúrgica, num período que se sucedia à morte de João Cid dos Santos, em 1975. Segundo palavras suas, em Julho de 1977 foi nomeado "por proposta unânime dos médicos permanentes do serviço dentro do espírito das leis em vigor sobre gestão hospitalar"6. Em 1978 foi substituído por António Coito que já era então Professor Extraordinário.
Em 1979 concorre para Professor Extraordinário de Cirurgia, tendo sido aprovado em mérito absoluto e classificado em segundo lugar, pelo que em 1980 é nomeado Professor Extraordinário com dispensa de prova num novo concurso.
Atinge o topo da carreira académica em 1983 quando é nomeado definitivamente Professor Catedrático de Cirurgia.
A luta era então a criação do Serviço de Cirurgia Vascular que vinha sendo discutida desde a proposta inicial de João Cid dos Santos em 1973. Foi um período politicamente conturbado, com algumas resistências por parte dos Directores dos Serviços de Cirurgia, mas que culminou com a inauguração oficial do novo Serviço em 1 de Outubro de 1986 (Figura 3). Exerceu estas funções até 1990 quando foi exonerado antes do final do mandato de 3 anos, num processo controverso e que tanto o magoou, como transparece na documentação oficial e em cartas pessoais daquela altura. Solicitou então a aposentação voluntária o que teve efeito em 1 de Janeiro de 1991.
Nos anos seguintes, manteve-se ligado à comunidade vascular participando regularmente em reuniões científicas.
Tinha sido Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Cardiotorácica e Vascular de 1986 a 1988 e, mais tarde, foi um apoiante da criação da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular que ocorreu no ano 2000 pelo que na Assembleia Geral do 1º Congresso em 2001 foi aprovada a sua nomeação como Sócio Emérito. Neste âmbito, escreve com o Professor Doutor J. Fernandes e Fernandes um artigo publicado no 1º número da revista da SPACV um artigo intitulado "Da endarterectomia à cirurgia endovascular"9.
Principais áreas de investigação científica
O Professor Luiz Teixeira Diniz esteve integrado na Escola de João Cid dos Santos desde 1947, ainda estudante, e viveu de perto os tempos que se sucederam à descoberta da endarterectomia. Não sendo, evidentemente, o protagonista desta "aventura" de investigação, terá, no entanto, sido um dos protagonistas secundários que são sempre essenciais ao sucesso. Ele viveu por dentro o tratamento dos primeiros doentes, desde a ajuda em intervenções (por vezes como instrumentista) ao trabalho de Aluno/Interno na preparação e no seguimento pós-operatório (lembremos que não existiam unidades de cuidados intensivos), ou seja, a experiência colhida dos êxitos e dos fracassos. Mas, ainda mais importante, foi testemunha dos processos mentais de Cid dos Santos e da sua equipa, das dúvidas e aquisição de certezas, das angústias e dos dilemas, das discussões sobre assuntos então completamente desconhecidos, e isso terá constituído, porventura, a parte mais enriquecedora de ter sido interveniente numa época extraordinária da cirurgia vascular portuguesa.
Vale a pena ler um interessantíssimo texto de testemunho sobre aquela época e que escreveu em 2014 num livro editado pela SPACV1.
Ainda do tempo de estudante, deixa-nos o Professor Teixeira Diniz o relato de uma ideia a que se seguiu um trabalho experimental efectuado em conjunto com Ribeiro da Cunha e Monteiro Baptista sob a supervisão do Professor Maia de Loureiro e em que foi possível, já em 1949, isolar um produto a partir de culturas de Estreptococos, rico em estreptolisina, e capaz de lisar coágulos. Esta experiência nunca publicada foi precursora da utilização da estreptoquinase como agente fibrinolítico e certamente teria tido o alcance devido caso surgisse noutro ambiente e talvez noutra época. Este é mais um relato fascinante, pouco conhecido e de leitura recomendada1.
Na década de 1960 trabalhou na utilização da Reografia como método de estudo da circulação sanguínea. A Reografia era uma técnica de avaliação das variações de impedância medida por oscilações de tensão proporcionais à conductibilidade eléctrica do local em estudo. Estas variações de impedância estariam relacionadas com o "volume dos vasos sanguíneos situados no território entre os eléctrodos"10 pelo que "as ondas reográficas correspondem com certa aproximação às variações locais do débito sanguíneo"11.
O método reográfico foi utilizado no estudo da acção de fármacos vasodilatadores como a Butil-Sinefrina em doentes com isquemia crónica dos membros inferiores e foi preconizada a sua utilidade potencial na "evolução pós-operatória imediata e tardia dos doentes submetidos a cirurgia arterial directa"12.
Estes trabalhos de Teixeira Diniz foram realizados em colaboração com o Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa e em conjunto com o Professor Doutor José Luís Pulido Valente. Com este método puderam verificar aumento do débito sanguíneo após injecção do fármaco vasodilatador, sobretudo em doentes com obstrução arterial de menor gravidade inicial.
Estes trabalhos são um bom exemplo de uma parte muito importante da investigação da época: a compreensão da fisiologia da circulação troncular e da microcirculação e a busca de métodos de avaliação aplicáveis à prática clínica, ou seja, ao desenvolvimento da hemodinâmica. Este panorama inicial haveria de se modificar de forma decisiva com a aplicação do efeito Doppler ao estudo vascular e ao advento das técnicas de diagnóstico não invasivo introduzido principalmente pela Escola de D. E. Strandness em Seattle e cujo pioneirismo fez com que o Eco-Doppler se estabelecesse como a técnica definitiva até à actualidade, meio século depois.
A aplicação das técnicas de arteriografia ao estudo dos tumores das partes moles constituiu um dos tópicos centrais da investigação própria de Teixeira Diniz.
De facto, nos anos de 1960 eram escassas as possibilidades de investigação de massas sólidas localizadas nos tecidos moles e era muitas vezes incerta a sua natureza benigna ou maligna. A biópsia tinha os seus inconvenientes pelo que, desde que Egas Moniz tinha introduzido a arteriografia, se começou a arteriografar tumores nas mais diversas localizações. "No Arquivo de Angiologia do Serviço de Clínica Cirúrgica do Hospital Escolar", no início dos anos de 1960, "havia uma colecção de mais de 70 arteriografias de tumores de partes moles" o que ultrapassava qualquer casuísta conhecida na altura13.
O estudo exaustivo deste acervo foi o objecto da investigação conducente à Tese de Doutoramento datada de 19624. Conclui-se que a "arteriografia permite, na grande maioria dos doentes, fazer um diagnóstico de benignidade ou malignidade, a ponto de, nos casos típicos, se poder prescindir do exame histológico pré-operatório". No entanto, "só excepcionalmente é possível predizer, pela arteriografia, o tipo histológico do tumor"13.
Este assunto continuou a interessá-lo e em 1972 publica uma revisão de 116 tumores compilados até 10 anos após o doutoramento14.
Outra área interessante foi a correlação entre os aspectos arteriográficos e o estudo da vascularização em peças de tumores renais removidas e estudadas por injecção-corrosão, o que foi efectuado numa colaboração com o Professor Doutor Armando dos Santos Ferreira no Instituto de Anatomia15),(16.
A Escola de João Cid dos Santos dedicou-se durante várias décadas ao estudo da técnica de simpaticectomia aplicada aos doentes vasculares. Com efeito, o problema da vasomotricidade já tinha interessado investigadores portugueses como José António Serrano em 1875, Bettencourt Raposo em 1876, Jaime Salazar de Sousa em 1904, Sebastião Costa Santos em 1905 e Manuel dos Santos Matos em 1926. Prevalecia nos anos de 1920 e 1930 a perspectiva que René Leriche tinha introduzido em artigos publicados em 1913 e 1921 e em que preconizava a realização de uma simpaticectomia peri-arterial como forma de controlar a espasticidade vascular e promover a vasodilatação periférica. Era essencialmente uma dissecção e separação da adventícia das artérias.
A realização da simpaticectomia troncular com ablação ganglionar em vez da dissecção arterial periadventicial já tinha sido tratada na tese de Jaime Salazar de Sousa em 1904, mas foi ofuscada pelos trabalhos e pela autoridade científica de Leriche.
A Escola de Lisboa retomou a perspectiva da simpaticectomia lombar, também utilizada por outros autores em indicações diversas e, em 1944, Cid dos Santos descreveu a sua própria técnica para realizar a intervenção e que ainda hoje utilizamos, nas raras ocasiões em efectuamos este procedimento.
Nas décadas seguintes foram sendo publicados vários trabalhos sobre a avaliação dos efeitos vasodilatadores na microcirculação superficial e profunda em doentes com isquemia dos membros inferiores incluindo a tentativa de demonstrar o seu efeito através da arteriografia, a qual constituía outro dos grandes interesses científicos da Escola de Lisboa. Verificou-se, no entanto, que o aumento do calibre dos vasos era difícil de objectivar por arteriografia17, tal como seria de esperar, uma vez que a sua actuação potencial seria ao nível microcirculatório.
A simpaticectomia constituiu o tema da lição de agregação de Teixeira Diniz em 1967 e aí foi efectuada uma extensa discussão que incluiu as limitações da técnica e originou uma publicação na Medicina Universal em 196818.
Em 1977 Teixeira Diniz e Max Korn sumarizaram as investigações do grupo de trabalho num artigo publicado no Jornal O Médico19 em que recomendam a simpaticectomia nos doentes isquémicos e preconizam a sua realização sistemática em associação com a revascularização arterial directa introduzida a partir da década de 195020.
A simpaticectomia haveria de cair em desuso, uma vez que os efeitos não puderam ser confirmados com a metodologia científica mais moderna, e tem actualmente indicações muito limitadas como reconhecido pelo próprio Prof. Teixeira Diniz em 20141.
Após a descoberta dos Raios X por Wilhelm Roentgen em 1896, foi de imediato concebida a potencial aplicação ao estudo do corpo humano. No entanto, a primeira visualização de vasos in vivo surgiu de forma incipiente apenas em 1923 por Barberich e Hirsch. Egas Moniz introduziu a arteriografia cerebral em 1927 e, logo em 1929, Reynaldo dos Santos efectua a primeira aortografia. Estava iniciada a Escola Portuguesa de Angiografia que viria a ter outras contribuições de vulto em Lisboa e no Porto.
Neste ambiente criativo da Escola de Reynaldo, o seu filho João Cid dos Santos concebe a visualização angiográfica do sistema venoso, mais difícil pelas suas características anatómicas e fisiológicas, e efectua a primeira flebografia em 8 de Agosto de 1933. A publicação21 surge apenas em 1937 e Cid dos Santos menciona que "os resultados obtidos permitem supor que a sua aplicação às diversas condições fisiológicas e patológicas da circulação venosa vão ser fecundas em importantes conclusões. As possibilidades são, pois, imensas e devemos entrar na fase de estudo e aplicação"21.
Estava aberto ao caminho, que foi, de facto, muito fecundo após a criação de um método que, sendo essencialmente morfológico, pôde proporcionar também variada informação funcional através das diversas técnicas flebográficas que Cid dos Santos e os seus colaboradores foram desenvolvendo para estudo individualizado de cada patologia. Neste percurso da Escola de Flebologia devem ser realçados os nomes de João Salvador Marques, Fernando Oliveira Pinto, António Coito, Max Korn, Maria Alice Silva e, claro, Luiz Teixeira Diniz.
Em 1978 Salvador Marques publica com Teixeira Diniz um importante artigo que resume os detalhes técnicos e as aquisições no conhecimento anátomo-fisiológico da circulação venosa aplicado ao tratamento das varizes e resultantes em quase meio século de experiência22. Dois anos mais tarde, em 1979, surge um livro da autoria de Teixeira Diniz, Salvador Marques, António Coito, Oliveira Pinto e Max Korn onde são expostos de forma exaustiva os princípios do sistema venoso normal e patológico, bem como aspectos terapêuticos ilustrados pelos desenhos magníficos de Olga Bragança23.
A importância clínica da flebografia decaiu rapidamente com o aparecimento das técnicas não invasivas de diagnóstico vascular, sobretudo do Eco-Doppler, mas a sua importância como um método de compreensão anatómica e fisiológica do sistema venoso nunca poderá ser beliscada. As técnicas flebográficas tornaram-se conhecidas e utilizadas globalmente graças à capacidade e aos contactos internacionais de Cid dos Santos e dos seus colaboradores, que as souberam divulgar em múltiplas apresentações e publicações científicas.
Pensamento Académico
Na sua Lição de Abertura da cadeira de Patologia Cirúrgica na Universidade Luanda no ano lectivo de 1969-1970 publicada na Medicina Universal7, o Professor Teixeira Diniz define o que, em sua opinião, será o contributo da moderna cirurgia na formação do estudante e, como tal, contribuindo para a missão da Universidade. Esta missão, porém, não é universal, antes deve ser adaptada ao contexto em que situa, referindo que "a Universidade é da sociedade e para a sociedade e que, portanto, terá de estar nela integrada para acudir às suas necessidades, pelo que temos de aceitar, como corolário, que ela terá de se estruturar de forma diferente conforme o tempo e o lugar"7.
Caracterizando a função universitária como promotora da formação do estudante, em termos técnicos, morais e éticos, e também como impulsionadora das bases da investigação científica, procura situar o papel da moderna cirurgia para essa formação elevando a missão da universidade. Com efeito, a cirurgia deve contribuir para formar no estudante um maior espírito de precisão, um rigor técnico e de diagnóstico mais apurado, estimular a capacidade de crítica, a capacidade de decisão rápida, o sentido de responsabilidade, bem como a inevitável sensatez.
Para além disso, a cirurgia implica um trabalho de equipa e já naquela altura havia uma tendência para trazer para planos mais visíveis os outros membros da equipa para além do cirurgião.
A integração do estudante num espírito de investigação científica considera que "do ponto de vista formativo, o estudante tem de adquirir uma quase obcecação pela investigação de modo a criar um estado de constante inquietação espiritual e de se alertar com vista à possibilidade de, a qualquer momento, detectar qualquer facto novo".
Estes princípios evocados em 1970 conservam a sua actualidade.
A Lição de Abertura da cadeira de Medicina Operatória na Universidade Luanda no mesmo ano lectivo também foi publicada na Medicina Universal8, e nela foi efectuada uma resenha da história da cirurgia para no final serem introduzidos aspectos de liderança e de team building que caracterizam o acto cirúrgico.
Termino esta evocação da vida e do pensamento do Professor Doutor Luiz Teixeira Diniz, bem como do seu papel no desenvolvimento da Cirurgia Vascular portuguesa, com a transcrição do parágrafo final do artigo publicado em 1988 e que foi escrito com base na "Conferência Cid dos Santos" intitulada "Determinantes da Cirurgia Vascular", proferida no contexto da Alocução Presidencial do I Congresso da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Cardiotorácica e Vascular. Após contar a história da endarterectomia e de João Cid dos Santos, com muitos aspectos vividos pessoalmente, conclui que é "uma inquietação intelectual deste tipo que me permito desejar para os Cirurgiões Vasculares de "segunda geração" e também para os da "terceira geração", alguns dos quais talvez estejam aqui presentes. Talvez deles nasçam mais soluções do que dos Centros que dispõem de grandes facilidades financeiras e institucionais"24.