O convento franciscano de Tavira foi estabelecido numa zona extramuros, num local próximo às muralhas da vila, no topo de uma pequena elevação fronteira à colina genética do núcleo urbano. Apesar de não ser possível apontar uma data exacta para a efectiva fundação do convento de São Francisco, pensa-se que esta terá ocorrido entre 1272 e 1330. De facto, no ano de 1272, data em que é elaborado um rol dos conventos franciscanos sob alçada das recém-criadas custódias portuguesas de Coimbra e Lisboa, não é feita qualquer referência à existência de conventos da Ordem no Algarve; só em 1330, quando é elaborado um novo inventário, desta vez por ocasião da subdivisão da jurisdição de Lisboa em duas (Lisboa e Évora), surgem, pela primeira vez, arrolados os conventos franciscanos de Tavira e Loulé1. Segundo o cronista franciscano Frei Jerónimo de Belém, os responsáveis pela edificação de um primitivo cenóbio nesta localização teriam sido os cavaleiros Templários, e só após a extinção coerciva da Ordem do Templo, ocorrida em 1312, a Casa teria passado para as mãos dos Franciscanos claustrais2.
Na verdade, o mais provável é que os religiosos franciscanos tenham chegado ao Algarve logo após a conquista deste território, instalando-se nos principais núcleos urbanos, inicialmente em edifícios devolutos e, regra geral, modestos, e que só depois da autorização papal para o estabelecimento de igrejas franciscanas, no interior das quais os religiosos mendicantes podiam exercer a sua pregação, em 13123, estes se tenham preocupado em construir edifícios cultuais próprios ou, eventualmente, em ocupar construções preexistentes.
A primitiva igreja conventual seria um edifício estruturalmente simples, como eram normalmente as igrejas mendicantes, com planta em forma de cruz latina, cabeceira de formato poligonal, duas capelas colaterais, transepto saliente, e corpo de uma ou de três naves.
A mais antiga representação da igreja do convento de São Francisco de Tavira, numa planta da cidade executada por Leonardo Ferrari no século XVII (cerca de 1645), mas a partir de um original do século XVI4, permite perceber a estrutura, externa e interna, do edifício medieval, testemunhando que se tratava efectivamente de uma igreja com capela-mor de formato rectangular, ladeada por duas capelas colaterais, apenas com uma nave, com três capelas laterais adossadas e, entre estas, um portal lateral. As capelas laterais não fariam parte do projecto original e terão sido acrescentadas ao edifício a partir do século XIV, numa época em que as construções das Ordens Mendicantes se tornam espaços sepulcrais privilegiados5.
Segundo se pode perceber a partir da referida planta seiscentista, no século XVI a igreja conventual contava com um total de oito capelas, identificáveis pelas mesas de altar nela representadas. Não deixa de ser curioso, e de certo modo invulgar, o facto de duas das mesas de altar, as das capelas laterais imediatamente abaixo do transepto, serem representadas em posição lateral, e não encostadas à parede testeira, isto é, não directamente em frente ao arco da capela, como seria de esperar. É possível que o facto de alguns retábulos se encontrarem em posição lateral, e não encostados à dita parede testeira, esteja relacionada com a presença de arcas tumulares6 nesse local, ocupando uma posição de destaque no interior das capelas funerárias.
Para além disso, conforme se observa na mencionada planta de Leonardo Ferrari, no século XVI, a entrada para o templo fazia-se através de um portal lateral, virado a Norte, encaixada entre duas capelas laterais da nave, no lado do evangelho7.
Numa outra gravura, esta publicada no ano de 1843 no Jornal “O Panorama”, alegadamente uma reprodução de um original quinhentista, datável de meados do século XVI8, a igreja do convento de São Francisco de Tavira é representada como um edifício de planta em cruz latina, com cobertura em telhado de duas águas, com capela-mor de terminação rectangular, rematada por grandes janelões de iluminação (intercalados por contrafortes?), sendo bem visível o braço direito do transepto, que se destaca no volume do edifício. Apesar de não serem facilmente identificáveis, são também perceptíveis os volumes que constituem as duas capelas colaterais, nomeadamente a que se encontra no lado do evangelho.
Na zona da nave, acopladas ao corpo da igreja, distinguem-se claramente as capelas laterais. Sobre os telhados, recortados na silhueta do convento franciscano, sobressaem dois campanários. À esquerda, na imagem, talvez comunicando com o braço esquerdo do transepto, desenvolve-se o que parece ser uma das alas conventuais.
Das várias capelas que terão existido na primitiva igreja do convento de São Francisco só restam, hoje em dia, vestígios materiais de duas.
No século XVIII, respectivamente em 27 de Dezembro de 1722 e em 1 de Novembro de 17559, a cidade de Tavira é abalada por dois violentos sismos, dos quais terão resultado danos significativos no convento de São Francisco e, em particular, na sua igreja. De facto, em 1758, dando conta dos danos causados em Tavira pelo segundo destes cataclismos, o pároco da freguesia de Santa Maria informa que, na cidade, a maior parte dos estragos já se encontram reparados, “exceptuando o convento de São Francisco, a igreja do Hospital e a ermida de São João da Corredoura”10.
Em 1834, após a extinção das Ordens religiosas decretada pelo Governo liberal, e a integração dos seus bens nos Bens Nacionais, os complexos conventuais de Tavira, incluindo o de São Francisco, são levados a hasta pública. Nessa altura, as instalações conventuais, a igreja e a cerca são vendidos, separadamente, a particulares. Apenas a capela dos Terceiros, sita na igreja conventual, não é vendida, por não pertencer aos Padres franciscanos mas sim aos Irmãos da Ordem Terceira de São Francisco, em cuja posse permaneceu. A cerca do convento foi adquirida por José Pedro de Jesus e a igreja (com excepção da capela dos Terceiros), foi comprada por José Nicolau de Melo. Mais tarde, por volta de 1850, o mesmo José Nicolau de Melo vende a sua parte da igreja à Ordem Terceira, que passa assim a estar na posse de todo o edifício11.
No início de 184312, provavelmente ainda como consequência dos danos estruturais causados pelos terramotos de 1722 e 1755, parte da nave da igreja do extinto convento de São Francisco desaba, juntamente com um trecho das antigas instalações conventuais. A Ordem Terceira toma a decisão de reconstruir o edifício mas, nessa altura, a orientação da primitiva igreja medieval é radicalmente alterada, abrindo-se a porta principal onde outrora estivera o altar da capela-mor, e passando esta a funcionar na capela dos Terceiros13, isto é, no topo do braço direito do transepto, que assim passa a desempenhar as funções de nave. Em resumo, a reorientação do edifício terá implicado o abandono da área anteriormente ocupada pela nave da igreja conventual, a transformação do antigo transepto em nave e a abertura de um novo portal, lateral, virado a Oriente.
Pouco tempo depois, logo em 1844, a Câmara Municipal de Tavira adquire o terreno onde se situavam as ruínas da nave da antiga igreja conventual, com o propósito de nele instalar um cemitério público14. É provável que então se tenha procedido ao derrube controlado do que restava da nave da antiga igreja medieval, optando-se por conservar apenas duas das suas capelas laterais, certamente os elementos estruturais menos afectados pela derrocada de 1843.
Após 1918, data em que é desactivado o cemitério municipal de São Francisco15, o espaço onde outrora se erguera a nave da igreja medieval (da qual restavam apenas as duas capelas laterais), acaba por ser transformado em viveiro municipal e, posteriormente, em jardim público.
A Capela dos Machados 16
Pensa-se que esta capela, a mais antiga das duas que subsistem, terá sido construída ainda no final do século XIV17. Originalmente adossada à parede Norte da nave da igreja do convento de São Francisco, com a qual comunicava através de um arco apontado, confinava a Este com o transepto e a Oeste com a outra capela semelhante, a dos Costas, comunicando com esses espaços através de passagens abertas nas suas paredes laterais.
O arco de entrada da capela dos Machados é constituído por duas pilastras, com formato rectangular e ângulos cortados (chanfrados). No topo destas pilastras, que constituem o corpo inferior do arco, foram escavados orifícios, de formato semelhante e colocados à mesma altura, que poderão ter servido para fixar algo, eventualmente uma grade que limitasse o acesso ao interior da capela. Sobre as pilastras assentam impostas, e não capitéis, que servem de arranque ao arco apontado, tipicamente gótico, formalmente muito elementar, com arquivoltas e intradorso sem qualquer decoração associada. Junto à base do arco, nos ângulos das pilastras, há representações de objectos do quotidiano, elementos vegetalistas e zoomórficos, podendo identificar-se um machado e um réptil (lagarto?). Para além disso, no ângulo de uma das pilastras (a do evangelho), a meia altura, está representado um outro machado, em tudo idêntico ao atrás referido. É possível que estes elementos figurativos, representados no portal de acesso à capela, tenham um carácter apotropaico, isto é, de protecção ao espaço sagrado.
Numa das pilastras deste arco (do lado do evangelho), junto à base da mesma, existem ainda duas inscrições, bastante deterioradas, compostas por caracteres góticos. Estas inscrições, sobrepostas, aparentemente abreviaturas de nomes próprios e de apelidos são, muito provavelmente, contemporâneas da construção da capela, isto é, datáveis de finais do século XIV. Tendo em conta a posição em que se encontram, no arco de entrada da capela, mas junto à base, é possível que se tratem das “assinaturas” dos mestres pedreiros responsáveis pela construção da mesma. Na primeira delas, precisamente a que se encontra mais próxima da base, é identificável a abreviatura do nome próprio Álvaro (alvº), seguida por uma inscrição de interpretação mais duvidosa, talvez a abreviatura do apelido Martins (miz). Já na segunda epígrafe é reconhecível a abreviatura do nome próprio Vasco (vº), também ela seguida pelo que parece ser a abreviatura do apelido Martins (miz).
A cobertura da capela dos Machados é constituída por uma abóbada de cruzaria quadripartida, com arcos que arrancam de mísulas decoradas com motivos vegetalistas, e rematada por um lanternim de iluminação18.
Na pedra de fecho desta abóbada está representado, no interior de um escudo, um machado, ladeado pelo que parecem ser dois pares de varas, elementos certamente invocativos do primitivo instituidor da capela. Contudo, do ponto de vista heráldico, a referida representação não parece estar directamente relacionada com nenhuma família portuguesa conhecida, uma vez que os seus elementos não correspondem às insígnias oficialmente atribuídas a nenhuma delas. Poderá eventualmente tratar-se de um símbolo pré-heráldico, isto é, de um emblema adoptado em época anterior ao estabelecimento de normas rígidas na armaria nacional, de um símbolo heráldico de origem não-nacional, ou simplesmente de uma variante medieval das armas da família Machado19 e, nesse caso, talvez um exemplo de “armas falantes”, isto é, de armas em cuja representação gráfica se alegoriza o vocábulo que serve de apelido.
A Capela dos Costas 20
A capela dos Costas confinava a Sul com a nave da igreja conventual, a Este com a capela dos Machados, com a qual comunicava através de uma passagem aberta na sua parede lateral, e a Oeste com o espaço livre onde se abria o portal lateral do templo. Apesar de não subsistirem vestígios do dito portal, a existência de uma janela geminada, caracteristicamente gótica, na parede virada a Poente, permite afirmar que esta era, de entre as capelas laterais existentes no lado do evangelho, aquela que antecedia o espaço consagrado ao portal principal (lateral) da igreja conventual medieval.
O arco de acesso à capela dos Costas, consideravelmente mais alto que o arco da capela vizinha, é constituído por colunelos de fuste cilíndrico, três de cada lado, com intercolúnios côncavos, bases poligonais, multifacetadas, e capitéis decorados com representações de motivos vegetalistas e objectos do quotidiano. Sobre os capitéis assentam impostas, escalonadas e sem qualquer decoração associada, a partir das quais arranca o arco, alto e apontado, constituído por arquivoltas múltiplas. Tal como acontece na capela dos Machados, também os colunelos que constituem o corpo inferior do arco desta capela apresentam frestas escavadas (particularmente evidentes nas bases), que poderão ter servido para encaixar uma grade que limitasse o acesso ao interior da capela.
No que respeita à decoração dos capitéis, merecem particular atenção as representações de elementos associáveis ao apóstolo Santiago e ao seu culto21: uma vieira, num dos capitéis do lado do evangelho, e duas cabaças, na epístola. É provável que estes elementos, usualmente associados a romeiros e peregrinos, façam parte de um programa decorativo deliberado, especialmente encomendado pelo primitivo instituidor da capela. Entre os demais elementos representados, todos de carácter vegetalista, é ainda possível identificar representações de romãs, também intimamente associadas ao imaginário cristão.
A cobertura da capela dos Costas, em tudo semelhante à vizinha capela dos Machados, é constituída por uma abóbada com cruzaria quadripartida, com arcos que arrancam de mísulas facetadas, sem qualquer decoração associada.
Esta capela lateral desempenhou originalmente funções funerárias, funcionando como jazigo familiar e tendo provavelmente sido pensada para albergar o túmulo22 do seu instituidor, cujas armas poderão ser as que estão gravadas na pedra de fecho da sua abóbada. Apesar de não ser possível identificar, indubitavelmente, a totalidade dos símbolos heráldicos representados neste brasão esquartelado, devido ao acentuado desgaste da cantaria, não restam dúvidas que no 1º e 4º quartel estão figuradas as características armas da família Costa, seis costas de prata postas em três faixas e dispostas em duas palas 23. O 2º quartel é totalmente preenchido pelo que parece ser uma flor-de-lis e o 3º por uma cruz em aspa, isto é, uma cruz cujos braços partem dos quatro ângulos do escudo, cruzando-se no centro. Particularmente no que diz respeito ao 3º quartel deste escudo, apesar do desgaste da cantaria, que impossibilita uma identificação segura, parece haver indícios de que a referida cruz em aspa era decorada, ao centro, por uma flor-de-lis. Seja como for, não obstante as dúvidas que possam existir em relação à identificação rigorosa de alguns dos elementos heráldicos representados, dois factos, aparentemente incontestáveis, parecem resultar da análise desta pedra de armas: no 1º e no 4º quartel estão representadas as armas dos Costas e as armas representadas no 2º quartel são distintas das representadas no 3º quartel.
Na opinião de Pedro Dias, esta capela terá sido construída já no século XV, reflectindo, por isso mesmo, a influência dos estaleiros do Mosteiro da Batalha, que se traduz sobretudo na multiplicidade de linhas utilizadas na composição do arco de entrada e no carácter tendencialmente naturalista dos seus capitéis24. Mais do que isso, a característica configuração poligonal das bases dos colunelos do arco de entrada, assim como a existência de mísulas prismáticas de ábaco facetado suportando a abóbada da capela dos Costas, em tudo idênticas às que existem no claustro afonsino da Batalha, levantado entre 1448 e 147725, parecem apontar para a possibilidade desta capela ter sido construída na 2ª metade do século XV.
Curiosamente, há fontes documentais que fazem referência à fundação de uma capela funerária no convento de São Francisco de Tavira neste período, mais precisamente na década de 50 do século XV. Porém, os dados actualmente disponíveis não permitem perceber qual a localização exacta dessa capela, apesar de se tratar certamente de uma capela lateral. Não obstante, uma vez que em meados do século XVI só existiriam nesta igreja três capelas laterais, como se observa na já mencionada planta de Leonardo Ferrari, e tendo em conta que uma delas é a capela dos Machados, que data de finais do século XIV, parece admissível que a capela mencionada na documentação, fundada em meados do século XV, possa efectivamente ser a capela dos Costas. Todavia, a capela referida pelas fontes documentais terá sido instituída por disposição testamentária de Luís Afonso Painho, mercador, morador em Tavira26, e não por nenhum membro da referida família Costa27. Poderá, ainda assim, ser a mesma capela que até aqui se convencionou designar como dos Costas? Em termos cronológicos, e atendendo apenas às características formais da estrutura, nada impede que esta seja realmente a capela instituída pelo dito Luís Afonso Painho, mas, assim sendo, existirá uma explicação válida para a presença das armas dos Costas na pedra de fecho da sua abóbada? Vejamos:
Pouco antes de 1458, o referido Luís Afonso Painho, na altura casado com Leonor Vasques, terá mandado redigir o seu testamento, deixando instruções para que, logo após a sua morte, se instituísse no convento de São Francisco, da então vila de Tavira, uma capela por sua alma e pela de Mor Afonso, mulher com quem fora casado anteriormente28. A dita Leonor Vasques, mulher de Luís Afonso Painho e também sua testamenteira, ficaria com o “carrego de adeficar e fazer a dita capella”29. Após a morte de Luís Afonso Painho, que terá ocorrido ainda durante esse ano de 1458, Leonor Vasques, volta a casar, desta feita com Diogo da Costa, que era irmão de Vasco Anes Côrte-Real, o qual estava casado com Mor Anes, filha da mesma Leonor Vasques30. Ou seja, Diogo da Costa31 une-se em matrimónio com a sogra do seu irmão Vasco Anes Côrte-Real32. Ao que parece, este era já o terceiro casamento de Leonor Vasques que, para além de ter sido casada com o referido Luís Afonso Painho, fora também casada com um tal Gonçalo Gil33. Segundo sugere a documentação, Mor Anes era filha do primeiro casamento da sua mãe, isto é, de Gonçalo Gil, e não de Luís Afonso Painho34.
Seja como for, mesmo após o enlace matrimonial com Diogo da Costa, Leonor Vasques não terá deixado de cumprir as disposições testamentárias do seu falecido marido. De facto, em 1469, a capela instituída por alma de Luís Afonso Painho e Mor Afonso “já era feita e hordenada e se cantava”35. Em Fevereiro de 1470 (talvez já depois da morte de Leonor Vasques), o mesmo Diogo da Costa, pede a confirmação de um documento, datado de 10 de Outubro de 1469, mediante o qual a supradita Leonor Vasques, “por seer molher e carreguava na edade e por descarreguo dallma dos ditos finados e sua ”36, o nomeava como administrador interino da capela de Luís Afonso, seu defunto marido. Porém, não obstante a existência deste ajuste, o testamento de Leonor Vasques estipulava também que, após a sua morte, a administração da capela devia passar para o seu neto, na altura apenas designado como Gil37 (Vasques da Costa), filho de Vasco Anes Côrte-Real e de Mor Anes, o que acabaria por gerar uma disputa entre os referidos irmãos, Diogo da Costa e Vasco Anes, respectivamente marido e genro de Leonor Vasques38. A contenda pela administração desta capela acabaria por resolver-se, ficando estipulado que o dito Diogo da Costa permaneceria como seu administrador vitalício, e que só depois da sua morte esta passaria para o mencionado Gil ou, caso este já não fosse vivo nessa altura, para um dos outros filhos de Vasco Anes Côrte-Real39.
Mas será que a administração da capela passou efectivamente para Gil Vasques da Costa, como pretendia sua avó Leonor Vasques, ou terá continuado na posse de Diogo da Costa, passando depois à descendência deste? Se a vontade da dita Leonor Vasques foi cumprida, o usufruto da capela terá acabado por passar para a posse de Gil Vasques e, eventualmente, deste para os seus filhos, Tristão da Costa e Vasco Anes Côrte-Real, havidos do matrimónio com Guiomar Serrão40. Porém, tudo indica que Gil Vasques terá falecido pouco depois do dito casamento, deixando apenas filhos menores, enquanto Diogo da Costa, que tinha o usufruto vitalício da administração da dita capela, terá vivido até à década de 80 do século XV, uma vez que foi cavaleiro da Casa de João II41 (monarca que subiu ao trono em 1481). Deste modo, apesar de não se conhecer a data da morte de Gil Vasques, é provável que o seu tio Diogo da Costa lhe tenha sobrevivido. Há também a hipótese de, como estava previsto no testamento de Leonor Vasques, após a morte de Gil Vasques e de Diogo da Costa, a administração da capela ter passado directamente para as mãos de outro dos filhos de Vasco Anes Côrte-Real e de Mor Anes.
Após todas estas considerações, e partindo do princípio que esta é efectivamente a capela instituída por determinação de Luís Afonso Painho, subsiste uma dúvida: a quem poderão ter pertencido as armas representadas na pedra de fecho da abóbada? Seguramente que pertenceram a um indivíduo com fortes ligações à família Costa, nomeadamente por via paterna, como sugere a representação das armas desta família no 1º e no 4º quartel do escudo. Contudo, é pouco provável que possam ter pertencido a Luís Afonso Painho, o instituidor, já que não se lhe conhecem quaisquer ligações de sangue à referida família Costa42. Pela mesma razão, não parece também exequível que possam ter pertencido a Leonor Vasques, responsável pela edificação da capela. Será que podem ser as armas de Gil Vasques da Costa, filho de Vasco Anes Côrte-Real e de Mor Anes? Esta hipótese justificaria, desde logo, a utilização das armas dos Costas43, que logicamente lhe pertenciam por via do dito Vasco Anes Côrte-Real, deixando em aberto a identificação das armas representadas no 2º e 3º quartel, que proviriam dos ascendentes de Mor Anes, sua mãe. É ainda possível que a própria Leonor Vasques, responsável pela construção, tenha antecipadamente mandado inscrever na dita pedra de fecho uma representação heráldica associável ao seu neto Gil Vasques, procurando assim garantir que a dita capela lhe seria entregue, como era sua vontade. Por último, tendo em conta que se trata de um escudo esquartelado, não será de excluir a hipótese de as referidas armas terem sido esculpidas numa época mais tardia, por um qualquer outro membro da família Costa.
Em resumo, será que a capela instituída pelo mercador Luís Afonso Painho no convento de São Francisco é a capela até agora designada como dos Costas? À luz dos factos aqui apresentados, esta hipótese parece, no mínimo, exequível. De facto, a capela dos Costas exibe características formais que apontam para uma construção datável da 2ª metade do século XV, cronologicamente coincidindo com a edificação da capela de Luís Afonso Painho, que terá decorrido entre 1458 e 1469. Para além disso, encontrada que está uma ligação próxima entre o dito Luís Afonso Painho e a família Costa, torna-se igualmente admissível a presença das já referidas armas na pedra de fecho da abóbada da capela por ele instituída.
Fontes Digitais
http://4gatos.es/editorial/atlas-del-marques-de-heliche/