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Revista de Gestão Costeira Integrada

versão On-line ISSN 1646-8872

RGCI vol.12 no.1 Lisboa mar. 2012

 

A Gestão Costeira no Brasil e os dez anos do Projeto Orla. Uma análise sob a ótica do poder público*

Coastal Management in Brazil and ten years of the Orla Project. An analysis from the government’s standpoint

 

Márcia Regina Lima de OliveiraI, João Luiz Nicolodi@, II

@Corresponding author: joaonicolodi@furg.br

IMinistério do Meio Ambiente, Gerenciamento Costeiro – GERCO, Esplanada dos Ministérios, bloco B. 9º andar, Brasília, DF, CEP 70068-900, Brasil. e-mail: e-mail: marcia.oliveira@mma.gov.br
IIUniversidade Federal de Rio Grande (FURG), Instituto de Oceanografia – Laboratório de Oceanografia Geológica – LOG, Av. Itália, km 8 S/N. Campus Carreiro. Rio Grande, RS, CEP 96201-900, Brasil.

 

RESUMO

A gestão costeira e marinha do Brasil dá-se a partir de espaços definidos pela legislação específica do tema, tais como ‘Mar Territorial’, ‘Zona Costeira’, entre outros. A partir de 2004 o Decreto 5.300, que regulamentou a Lei do Gerenciamento Costeiro no país, definiu um novo espaço geográfico de gestão do território: a Orla Marítima. No Brasil, uma das principais frentes de ação do Ministério do Meio Ambiente é o Projeto ORLA, que tem como objetivo otimizar o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando as políticas ambiental, urbana e patrimonial. O presente artigo descreve os dez anos de existência do Projeto ORLA sob a ótica da situação legal dos espaços de orla marítima e praia, identificando as principais contribuições e entraves do referido projeto à gestão da zona costeira brasileira. Como principal conclusão, aponta-se para a necessidade de retomada do Projeto junto aos municípios atendidos, com foco na revisão dos Planos de Gestão da Orla e na definição das formas de apoio à implementação das ações propostas nos Planos de Gestão. Embora apresente problemas específicos, principalmente na implementação das ações supracitadas, o Projeto Orla pode ser considerado uma ação governamental exitosa, dada a consistente mobilização por parte da sociedade em torno de seus objetivos e por tratar-se de um projeto consolidado, com metodologia validada e amplamente aplicada ao longo de seus dez anos de existência.

Palavras-chave: Praias, Zona Costeira, Projeto ORLA, Políticas Públicas, Gerenciamento Costeiro.


ABSTRACT

The coastal and marine management in Brazil was defined from specific legislation, such as ‘Territorial Waters’, ‘Coastal Zone’, among others. From 2004, Decree 5300, which regulated the Coastal Management Act in the country, set a new geographical area of land management: the seashore. In Brazil, one of the main line of action of the Ministry of Environment is the ORLA Project, which aimed to optimize planning of coastal areas under national jurisdiction, by harmonizing environmental, urban, and national heritage policies. This paper is a proposed study on Orla Project’s ten years of existence from a legal perspective; a review of the situation of coastlines and beaches, plus a description of the main contributions – as well as obstacles – of the Orla Project to management of the Brazilian coastal zone. As a main conclusion, pointing to the need to resume the project in the municipalities served, focusing on reviewing the seashore Management Plans and defining ways to support the implementation of actions proposed in the management plans. Although it has specific problems, especially in implementing the above actions, the Orla Project can be considered a successful government action; given the consistent mobilization by the society around their goals and that this is a consolidated project, with validated methodology and widely applied throughout its ten years of existence.

Keywords: Beach’s, Coastal Zone, ORLA Project, Coastal Management, Public Policies

 

1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como bem de uso comum, e declarou a Zona Costeira como patrimônio nacional. O conceito de patrimônio nacional tem o significado de domínio eminente, isto é, de um conjunto de poderes outorgados à sociedade que, independente de qualquer outro título, condiciona ou submete todos os outros direitos sobre as coisas, inclusive a propriedade privada ou publica.

Ao declarar a zona costeira patrimônio nacional, a Constituição afirmou um princípio jurídico que sustenta toda a aplicação da legislação federal e estadual relativa à zona costeira, gerando assim, um sistema de alta coerência e eficácia.

Neste contexto, o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC foi instituído pela Lei nº. 7.661 em 1988 (D.O.U., 1988) e regulamentado em 2004 por meio do Decreto nº 5.300 (D.O.U., 2004). O PNGC é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e tem como um dos objetivos principais o ordenamento dos usos na zona costeira visando a conservação e proteção dos recursos costeiros e marinhos. O processo de gestão da zona costeira é desenvolvido de forma integrada, descentralizada e participativa, sendo que a responsabilidade de formulação e implementação dos planos regionais e locais de gerenciamento costeiro é atribuída aos estados e municípios costeiros.

A delimitação da zona costeira no Brasil baseia-se em critérios políticos e administrativos. A porção terrestre é delimitada pelos limites políticos dos municípios litorâneos e contíguos conforme os Planos Estaduais de Gerenciamento Costeiro, enquanto a porção marinha é delimitada pela extensão do Mar Territorial (12 milhas náuticas ou 22,2km a partir da linha de base).

Em termos legais, a partir de 2004 institui-se um novo espaço de gestão territorial: a Orla Marítima, que foi definida no Artigo 22 do Decreto 5.300 D.O.U., 2004) como a faixa contida na zona costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar.

Já o Artigo 23 do mesmo Decreto define os critérios para delimitação da orla marítima, sendo eles: I – limite marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de sedimentos; II – limite terrestre: cinquenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha 1 e seus acrescidos.

Tais definições não nascem em um rompente de impulso legislador, e sim são derivadas de alguns anos de experiência do Ministério do Meio Ambiente na execução do Projeto ORLA, que foi implementado em 2001 e encontra-se em plena execução no ano de 2011, quando completou seus 10 anos de atividade.

O Projeto Orla consiste em uma ação integrada entre o MMA e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MPOG), visando otimizar o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, no caso em questão a orla, aproximando as políticas ambiental, urbana e patrimonial.

A experiência acumulada em dez anos de existência do projeto é o objeto do presente artigo, sendo que a mesma será analisada sob a ótica da situação legal dos espaços de orla marítima e praia, identificando as principais contribuições do ORLA à gestão costeira brasileira. Constitui-se também em objeto do presente estudo, a identificação e discussão dos principais entraves à execução das metas estabelecidas pelo poder executivo para essa porção do território brasileiro. Para tanto, faz-se premente contextualizar a Zona Costeira Brasileira (ZCB) no âmbito legal, analisando seus principais componentes territoriais, tanto de cunho natural quanto social.

 

2. A zona costeira brasileira

A Zona Costeira Brasil (ZCB) se estende da foz do rio Oiapoque (04º52’45’’N) à foz do arroio Chuí (33º45’10”S) e dos limites dos municípios da faixa costeira, a oeste, até as 200 milhas náuticas, incluindo as áreas em torno do Atol das Rocas, dos arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo e das ilhas de Trindade e Martin Vaz, situadas além do citado limite marítimo (Figura 1). Essa configuração espacial é definida por um conjunto de leis e decretos publicados pelo Governo Federal nas últimas duas décadas, alguns dos quais decorrentes de acordos internacionais assinados pelo Brasil, entre os quais se destaca a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). A faixa terrestre, de largura variável, se estende por aproximadamente 10.800 quilômetros ao longo da costa, se contabilizadas suas reentrâncias naturais, e possui uma área de aproximadamente 514 mil km2, dos quais 324 mil km2 correspondem ao território de 395 municípios distribuídos ao longo dos 17 estados litorâneos (Zamboni & Nicolodi, 2008).

 

Figura 1

 

A ZCB, por sua beleza singular e grande biodiversidade, é reconhecida como Patrimônio Nacional na Constituição Federal, correspondendo ao espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra (incluindo seus recursos), abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre.

A carta magna identifica as praias marítimas, os terrenos de marinha e seus acrescidos, o mar territorial, as ilhas oceânicas e costeiras como bens da União. Tal identificação se dá em função da importância destes espaços à defesa da soberania nacional, à conservação do meio ambiente, à proteção aos povos indígenas (habitantes e “proprietários” originais do território brasileiro), ao controle sobre a exploração dos recursos naturais e à garantia da propriedade sobre os imóveis adquiridos pela União.

O conceito de patrimônio nacional tem o significado de domínio eminente, isto é, de um conjunto de poderes outorgados à sociedade que, independente de qualquer outro título, condiciona ou submete todos os outros direitos sobre as coisas, inclusive a propriedade privada ou publica. Ao declarar a zona costeira patrimônio nacional, a Constituição afirmou um princípio jurídico que sustenta toda a aplicação da legislação federal e estadual relativa à zona costeira, gerando assim, um sistema de alta coerência e eficácia.

A Constituição Federal reconhece ainda três outros direitos coletivos que precisam ser tratados no âmbito do gerenciamento costeiro integrado: os direitos ao planejamento das cidades, ao meio ambiente equilibrado e à participação popular na gestão das cidades. Consolidado no Estatuto da Cidade (Lei Federal n°10.257/01) (D.O.U., 2001), a propriedade da terra, seja ela pública ou privada, deve cumprir uma função socioambiental.

Neste contexto é instituído, também em 1988, pela Lei nº. 7.661 (D.O.U., 1988c). o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, como parte integrante das políticas de Recursos de Mar (Decreto no 74.557/1974) (D.O.U., 1974). e de Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/1981) (D.O.U., 1981). O PNGC visa orientar a utilização racional dos recursos na Zona Costeira de forma a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população, e, também, a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural. A zona costeira do Brasil é constituída pelo mar territorial e pelo conjunto dos territórios dos municípios litorâneos.

A população residente na zona costeira atinge quase 44 milhões de habitantes, com uma densidade populacional de 135 hab/km2 (seis vezes a média nacional). Destaca-se que 16 regiões metropolitanas brasileiras encontram-se à beira-mar, representando mais de 35 milhões de habitantes – cerca de 20% da população do país - em menos de 1% do território nacional.

Essas áreas de adensamento populacional na costa convivem com amplas extensões de povoamento disperso e rarefeito. São os habitats das comunidades de pescadores artesanais, dos remanescentes de quilombos, de tribos indígenas e de outros agrupamentos imersos em gêneros de vida "tradicionais". Tais áreas, pelo nível elevado de preservação de seus ecossistemas, vão se constituir naquelas de maior relevância para o planejamento ambiental preventivo (Zamboni & Nicolodi, 2008).

Em estudo coordenado pelo MMA referente às áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira da Zona Costeira e Marinha destacam-se que, em mais de 50% das áreas identificadas, a importância biológica foi classificada como extremamente alta, com recomendações de ações de criação de diferentes categorias de Unidades de Conservação (UCs), de recuperação de áreas degradadas e/ou espécies ameaçadas, de criação de mosaicos e corredores ecológicos e de ordenamento pesqueiro (Zamboni & Nicolodi, 2008). Em contraste a esta situação, somente 1,5% da zona costeira e marinha encontra-se protegida no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (MMA, 2010).

O patrimônio natural contido na zona costeira do Brasil pode ser qualificado como de grande valor ambiental, apresentando recursos altamente valiosos, tanto do ponto de vista ecológico quanto socioeconômico. Contudo, este patrimônio encontra-se sob crescente risco de degradação, proporcionalmente à pressão da ocupação antrópica desordenada (Freire, 2002).

Podem ser apontados como principais vetores de desenvolvimento, que vêm alterando a configuração de uso e ocupação desse espaço, a urbanização, a industrialização (petróleo e gás, os complexos industriais e portuários), a exploração turística e imobiliária (implantação de loteamentos, condomínios verticais e horizontais para fins de segunda residência, grandes empreendimentos turísticos) e a maricultura. Cabe ressaltar que embora alguns vetores não estejam diretamente localizados no espaço da orla marítima, acabam por exercerem forte pressão sobre ela, requerendo cuidados especiais, principalmente pelos aspectos conflitantes com a beleza cênica (Freire, 2004).

Neste contexto, torna-se imperativa a atuação do poder público enquanto mediador dos processos de planejamento desta porção do território nacional, em conformidade com os conceitos e aspectos legais que orientam a formulação dos instrumentos de gestão costeira. A aplicação destes instrumentos e seu respectivo impacto na sociedade dependerá, em grande medida, do grau de prioridade dada à gestão costeira pelas três esferas governamentais e do poder de participação da sociedade civil organizada.

 

3. Um novo espaço de gestão: a orla marítima

A orla é espaço de multiuso sujeito a sérios conflitos socioambientais resultantes do seu processo de uso e ocupação, constituindo a borda marítima imediata a escala de planejamento definida como zona costeira (Moraes, 2007). Entende-se como orla o espaço imediato de contato entre os meios terrestre e marinho, cujos limites, definido no Decreto n°. 5.300/2004 (D.O.U., 2004), são, na zona marinha, até a isóbata de 10 m e, na zona terrestre, 50m em áreas urbanizadas ou 200 metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como áreas de escarpa, falésias, manguezais, entre outros (figura 2).

 

Figura 2

 

A proposta de delimitação adotada combina os critérios de fragilidade e/ou vulnerabilidade natural com as situações e ritmos de ocupação ocorrentes no litoral brasileiro. Estabelece, portanto, uma faixa de proteção da costa na perspectiva de manter as características paisagísticas e prevenir quanto à elevação do nível do mar, contemplando o "princípio da "(Freire, 2002).

De acordo com o Decreto n.°5.300/2004 (D.O.U., 2004), a gestão da orla marítima tem como objetivo planejar e implementar ações nas áreas que apresentem maior demanda por intervenções na zona costeira, a fim de disciplinar o uso e ocupação do território. A norma prevê que será elaborado o Plano de Intervenção da Orla Marítima, de modo participativo com o colegiado municipal, órgãos, instituições e organizações da sociedade. Dispõe ainda que o uso e ocupação da orla marítima devem ser compatibilizados com o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (ZEEC) ou outros instrumentos similares de ordenamento do uso do território.

Dentre o contexto legal que envolve a aplicação dos instrumentos previstos para a gestão costeira, destaca-se uma peculiaridade da orla marítima de natureza jurídica: sua dominialidade, em grande parte, pertence à União, entretanto, sujeita aos instrumentos de ordenamento municipal decorrente do Estatuto das Cidades.

O Decreto Lei n° 9.760/46 (D.O.U., 1946) define os terrenos de marinha, “em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha da preamar médio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagos, até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir a influência das marés”. Os acrescidos de marinha são formados, naturalmente, pela ação dos ventos e das águas, ou artificialmente, e estão localizados na costa marítima do litoral brasileiro, no continente e nas margens dos rios e lagoas, até onde ocorre a influência das marés.

Os terrenos de marinha e seus acrescidos compreendem uma faixa que, originariamente, foi reservada à União por razões de aproveitamento econômico e defesa da Nação. Entretanto, à luz da Constituição Federal de 1988, tratase de um espaço estratégico para políticas públicas como a regularização fundiária, ordenamento das cidades, proteção do meio ambiente e das comunidades tradicionais e de apoio ao desenvolvimento sustentável, conferindo aos bens da União sua função socioambiental (Saule Junior, 2006).

Segundo o Decreto n.º 5.300/2004 (D.O.U., 2004), que estabelece critérios para gestão da orla, as ações de gestão de áreas de domínio da União, previstas no Plano de Intervenção, poderão ser objeto de convênios e contratos entre a Secretaria do Patrimônio da União e os Municípios. Os terrenos de marinha e seus acrescidos têm sua destinação de uso sob diferentes regimes, como permissão de uso e concessão de direito real de uso resolúvel, locação, arrendamento, alienação, ocupação, cessão e aforamento (que pode ser gratuito ou oneroso). A cessão pode se dar de forma onerosa, gratuita (para finalidades de cunho social) e especial, para atividades diversas, tais como reservas extrativistas aquicultura, portos, marinas, trapiches e embarcadouros, entre outros. Sempre observando o interesse social, os encargos, normas e restrições da cessão originária (Freire, 2004).

Desta forma, a possibilidade de ações de gestão da orla pode se dar tanto nos procedimentos de autorização ou cessão para a utilização dos terrenos de marinha e acrescidos, como na regularização e inscrição de ocupações ou na contratação da venda do domínio útil para a constituição da enfiteuse ou aforamento.

O Decreto federal n.º 3.725, de 10 de janeiro de 2001 (D.O.U., 2001), regulamenta a Lei nº 9.636 (D.O.U., 1998b), que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União. A norma prevê a criação de áreas para gestão ambiental, de comum acordo entre União, estados e municípios, para implementação de projetos demonstrativos de uso sustentável dos recursos naturais a título de compensação por possíveis impactos decorrentes de: ... instalações portuárias, marinas, complexos navais e outros complexos náuticos, desenvolvimento do turismo, de atividades pesqueiras, da aquicultura, da exploração de petróleo e gás natural, de recursos hídricos e minerais, aproveitamento de energia hidráulica e outros empreendimentos considerados de interesse nacional... ’

A Lei de Crimes Ambientais (n.º 9.605/98) prevê penalidades nos casos em que se promovam alterações em local especialmente protegido por lei, a exemplo da zona costeira, praia e manguezais. Também estão sujeitas a pena e multa as construções em solo não edificável, ou no seu entorno, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida.

 

4. O conceito de praias além dos depósitos sedimentares

Consideradas como um dos principais atrativos turísticos no Brasil, as praias correspondem a uma área de aproximadamente 82.800 hectares, sendo que apenas 2,7% estão inseridas em territórios protegidos por Unidades de Conservação de proteção integral. No caso de Unidades de Conservação de uso sustentável, este percentual sobe para 21,5%, totalizando algo em torno de 24% (MMA, 2010).

Segundo a Lei n.º 7.661/88 (D.O.U., 1988c), entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece outro ecossistema.

Em seu Art. 10, a praia é conceituada como “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. Desta forma, não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso à praia.

Os bens de uso comum do povo são destinados ao uso coletivo, podendo ser usados indistintamente pelas pessoas, em igualdade de condições. São inalienáveis (não podem ser transmitidos, mediante doação, venda, permuta), imprescritíveis (não podem ser objeto de usucapião), impenhoráveis (não podem ser transferidos forçadamente, seja para garantir a execução de um título judicial ou extrajudicial) e insuscetíveis de serem onerados (não podem ser dados em garantia por uma dívida contraída pelo poder público) (Saule Junior, 2006).

De acordo com o Decreto Federal n.º 5.300/2004 (D.O.U., 2004), o Poder Público Municipal, em conjunto com o órgão ambiental, assegurará no âmbito do planejamento urbano, o acesso às praias e ao mar, ressalvadas as áreas de segurança nacional ou áreas protegidas por legislação específica. Nas áreas já ocupadas por loteamentos à beira mar sem acesso à praia, as áreas de servidão de passagem serão definidas e implantadas pelo Poder Público Municipal, em conjunto com o órgão ambiental. Nas áreas a serem loteadas, deverão ser identificados os locais de acesso à praia.

A Secretaria do Patrimônio da União, o órgão ambiental e o Poder Público Municipal são os responsáveis por definir as diretrizes necessárias para a garantia do acesso a praia.

Excepcionalmente, é possível atribuir aos particulares o uso temporário desta categoria de bens, a exemplo das áreas cedidas para a realização de eventos de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional. Mas essa outorga do uso é de curta duração e está vinculada ao cumprimento da função socioambiental do bem (Saule Junior, 2006). Dependendo do porte do evento o poder municipal pode exigir um Estudo de Impacto de Vizinhança.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) prevê penalidades nos casos em que se dificulte ou impeça o uso público das praias. Já o Código Florestal (Lei n.º 4771/65) estabelece como áreas de preservação permanente, diversos ecossistemas costeiros, como restingas, dunas, , manguezais, mata ciliar entre outros, que são regulamentados por meio de Resoluções CONAMA.

 

5. Os dez anos da execução do projecto orla

O Plano de Ação Federal da Zona Costeira (PAF), instrumento previsto no Decreto n.°5.300/2004 (D.O.U., 2004), visa o planejamento de ações estratégicas para a integração de políticas públicas incidentes na zona costeira, buscando responsabilidades compartilhadas de atuação e estabelecendo o referencial acerca da atuação da União na região. Nessa perspectiva, um dos projetos prioritários apontados no PAF é o Projeto Orla, uma ação conjunta do MMA e da SPU/MP, no âmbito do Grupo de Integração para o Gerenciamento Costeiro (GI-GERCO) 2.

O Projeto Orla, que completa seus dez anos de criação em 2011, introduz uma ação sistemática de planejamento da ação local visando à gestão compartilhada desse espaço, incorporando normas ambientais e urbanas na política de regulamentação dos usos dos terrenos e acrescidos de marinha, como um processo mais inclusivo de alocação de recursos e tomada de decisões. Trata-se, portanto, de uma política estratégica que contribui para qualificar a tomada de decisão com vista a cumprir a função socioambiental da orla marítima. Suas linhas de ação estão embasadas em métodos que exploram fundamentos de avaliação paisagística, a dinâmica geomorfológica e de uso e ocupação do litoral, para pensar cenários com rebatimentos na aplicação dos instrumentos de ordenamento do uso do solo para gestão da orla. A sua área de abrangência envolve 17 estados costeiros e cerca de 300 municípios defrontantes.

A implementação do Projeto Orla no nível local inicia-se com a adesão municipal, por intermédio do Órgão Estadual de Meio Ambiente – OEMA e da Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU/SPU) nos respectivos Estados, passando pela etapa de capacitação, que envolve os gestores locais, universidades, sociedade civil organizada e entidades privadas, culminando com a estruturação do Plano de Gestão Integrada da Orla (PGI) que pode envolver a orla municipal como um todo ou atender às especificidades de setores pré-selecionados. Uma vez elaborado, o Plano de Gestão é legitimado, por meio de audiência pública, de forma a expressar o consenso local do que se almeja para a orla do município. É constituído um Comitê Gestor responsável por supervisionar, de formar articulada com Comissão Técnica Estadual e GI-GERCO, a implantação, monitoramento e avaliação do Plano de Gestão 3.

 

5.1 O s resultados obtidos

Como forma de sistematizar os resultados obtidos durante os dez anos de existência do ORLA pode-se definir três períodos distintos em termos de conjectura política, estratégia de ação e evolução do escopo do projeto: entre 2001 e 2004, de 2004 a 2008 e de 2008 até 2011.

Primeira Fase: 2001 a 2004

O primeiro período diz respeito à elaboração da metodologia, verificação e validação das etapas a serem implementadas, e como qualquer novo projeto, de ajustes metodológicos em função das análises preliminares.

A metodologia foi aplicada e validada em seis municípios, sendo três deles estrategicamente localizados no Delta do Parnaíba, Piauí: Cajueiro da Praia, Parnaíba e Luiz Corrêa, os quais compõem uma das regiões mais paradoxais do Brasil, que apresenta ao mesmo tempo grande potencial turístico e de conservação da natureza, aliados a índices de risco social bastante elevados. Além destes locais, a metodologia do ORLA foi testada em Tibau do Sul (Rio Grande do Norte) e nas capitais do Espírito Santo (Vitória) e de Santa Catarina (Florianópolis).

Este período inicial foi também marcado pela publicação dos materiais didáticos de apoio, que contêm a base, não somente metodológica, mas também filosófica do projeto.

Este período coincide com o início do incremento das atividades relacionadas a óleo e gás no Brasil, principalmente no que tange às bacias sedimentares de Santos e Campos, responsáveis pela maior parte da produção de petróleo e gás natural offshore nacional. Entre 2000 e 2005 o petróleo e o gás natural obtidos a partir dos poços marítimos nestas duas bacias corresponderam, respectivamente, a 85% e 59% do total. Em relação aos poços marítimos, em 2005, o estado do Rio de Janeiro respondeu por 96% da produção de petróleo e 77% da produção de gás do Brasil (Zamboni & Nicolodi, 2008).

Evidentemente, os reflexos de tais atividades rebatem primordialmente na zona costeira e, mais especificamente, na orla de tais localidades. Os municípios de Macaé e Campos dos Goytacazes se destacam - em relação aos outros municípios do norte fluminense - pelas densidades de ocupação e por concentrarem as atividades econômicas ligadas à exploração de petróleo e gás natural. No período 1991-2000, entre as localidades que apresentaram maiores taxas de crescimento demográfico estão os municípios litorâneos Armação de Búzios, Rio das Ostras, Iguaba Grande, Cabo Frio e Macaé, todos eles intrinsecamente envolvidos com as atividades petrolíferas na bacia de Campos (Strohaecker, 2008).

Com intuito de fornecer subsídios para uma pactuação entre os diversos interesses conflitantes que se intensificavam na região, foram inseridos os seguintes municípios cariocas no Projeto Orla: Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casemiro de Abreu e Rio das Ostras, Campos dos Goytacases, Carapebus, Macaé, Quissamã, Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty.

Além destes, também passaram a fazer parte do escopo do projeto os Municípios de Macapá e Santana (Amapá), Beberibe e Icapuí (Ceará), João Pessoa e Cabedelo (Paraíba), Cabo de Santo Agostinho e S. José da Coroa Grande (Pernambuco), Itaporanga d´Ajuda; e Estância (Sergipe), Conde (Bahia), Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba (Paraná), Navegantes, Itajaí, Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo e Bombinhas (Santa Catarina) e Torres, Arroio do Sal e Capão da Canoa (Rio Grande do Sul).

A criação de uma linha de financiamento junto ao Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA II) viabilizou o atendimento destes 45 municípios, denotando o grau de prioridade dada ao projeto por parte da administração pública federal.

Segunda Fase: 2004 a 2008

Até 2004, haviam sido capacitados 57 municípios em 14 estados litorâneos por meio de oficinas do ORLA que resultaram na elaboração de 55 Planos de Gestão Integrados (PGIs) de trechos da orla definidos pelas equipes locais. Na análise do conjunto dos planos, 100% apresentaram ações de projetos de urbanização; paisagísticos; de contenção de risco e erosão; organização e padronização de quiosques e sinalização. As ações consideradas setoriais corresponderam a 93% dos PGIs, tratando de questões como saneamento, regularização fundiária, recuperação de áreas de preservação permanente (APP) e disciplinamento de uso e atividades. O gráfico da figura 3 detalha esta informação.

 

 

O ano de 2004 é encerrado com I Seminário Nacional do Projeto Orla: Fortalecimento no âmbito regional e local, que reuniu representantes estaduais do gerenciamento costeiro e das Superintendências do Patrimônio da União (SPUs), além do MMA e SPU. O objetivo foi fazer um balizamento conceitual e contribuir para a definição de procedimentos para condução do Projeto nos estados envolvidos. Além disso, neste período estabeleceu-se a assinatura dos primeiros vinte e oito convênios entre municípios, SPU e MMA.

Um dos fatores mais importantes do período refere-se à efetivação do retorno da SPU ao conjunto de parceiros idealizadores do ORLA, fato que já havia sido indicado por meio das recomendações do Grupo Interministerial composto por 18 instituições, que formulou um documento 4 indicativo de Gestão do Patrimônio da União com as seguintes diretrizes:

  • Consolidar a parceria entre os Órgãos Ambientais Estaduais/OEMAs e as Gerências Regionais de Patrimônio da União/GRPUs.
  • Trabalhar os conflitos entre a Secretaria de Patrimônio da União/SPU e as Prefeituras Municipais para que alcancem um objetivo comum.

A mudança no papel da SPU, enquanto entidade responsável pelo patrimônio público brasileiro, passa a ser estruturada em uma visão focada na gestão pública participativa, em detrimento de atividades fundamentalmente cartoriais, tendo o Projeto Orla como uma de suas prioridades.

Foram tratados temas como a aproximação do projeto Orla com a questão de regularização fundiária, mobilização da sociedade civil e orientações quanto o papel dos atores do arranjo institucional. Os resultados destas discussões orientaram na construção das diretrizes, metas e ajustes para segunda fase do projeto.

Este período coincide com a publicação do Decreto 5.300/2004 (D.O.U., 2004), que, após 16 anos, regulamenta a Lei do Gerenciamento Costeiro (Lei n.°7661/88). Tal decreto traz, como uma de suas principais contribuições, as definições do escopo do Projeto Orla para o processo de gestão costeira integrada no país e estabelecendo as bases para a formulação de políticas, planos e programas federais, estaduais e municipais. É no capítulo IV que são definidos os limites, objetivos, instrumentos e competências para a gestão da orla marítima.

No período entre 2004 e 2008 foi definida uma nova estratégia por parte da equipe executora do ORLA, com foco em capacitação de multiplicadores da metodologia, comunicação e articulação com outros setores do governo com papel preponderante na zona costeira.

Como exemplo desta estratégia pode-se citar a capacitação de 250 multiplicadores do Projeto Orla envolvendo os 17 estados costeiros, abrangendo um público composto por gestores federais, estaduais, municipais, membros da academia, e representantes da sociedade civil. Além disso, foi criada uma rede virtual de discussão do Projeto Orla, que conta, em 2011, com 349 associados e mais de seis mil mensagens 5.

Em termos de articulação com outros setores, foi criado o Comitê de Articulação do Projeto Orla, no âmbito do Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GI-GERCO), com a participação do MMA, SPU, Ministério das Cidades, Ministério da Pesca, Ministério do Turismo, Agencia Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Associação de Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA), Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma) e representante da sociedade civil.

As principais linhas de integração do ORLA com outras políticas públicas tiveram foco na Agenda do Petróleo e nas Agendas do Turismo e Cidades. Em relação à primeira, procurou-se a articulação com o processo de licenciamento de petróleo e gás, cujo objetivo foi o de construir mecanismos para que ações proposta nos Planos de Gestão Integrada da Orla pudessem subsidiar a proposição de medidas compensatórias no processo de licenciamento, melhorar o controle social no acompanhamento das condicionantes das licenças expeditas e criar condições para uma adequada participação popular, com garantia de acesso às informações em todas as etapas do processo de licenciamento. Além disso, buscou-se apoiar o processo de regularização fundiária de comunidades pesqueiras nos processos de licenciamento ambiental de atividades de óleo e gás.

A segunda linha de articulação, com as Agendas de Turismo e Cidades, teve a celebração de um Protocolo de Intenções, cujo objetivo é unir esforços institucionais com vistas à harmonização das leis urbanísticas e ambientais e das políticas públicas incidentes na zona costeira. O principal mote de tal iniciativa foi o estabelecimento de colaboração mútua para integrar as ações relacionadas ao Projeto Orla e ao Plano Diretor Participativo.

No final deste período, em 2008, foi realizada a Avaliação do estado atual de implementação do Projeto Orla na esfera municipal e proposição das estratégias para seu fortalecimento e aperfeiçoamento. Durante o II Seminário Nacional do Projeto Orla, foram apresentados os resultados da pesquisa de avaliação do Projeto Orla e discutida as diretrizes e metas para o seu fortalecimento, com elaboração de uma agenda de compromissos entre as três esferas de governo. A agenda compreendia as seguintes linhas: a) Divulgação, mobilização e sensibilização pública, b) Fortalecimento institucional e c) Fomento e apoio à execução das ações dos PGIs, Os resultados da avaliação indicaram a falta de recursos humanos e da disponibilidade de recursos financeiros nos municípios como as principais dificuldades enfrentadas para a implementação dos PGIs.

Apesar da baixa implementação dos PGIs, a implantação do ORLA nos estados e municípios costeiros possibilitou momentos de discussão e de levantamento de conflitos gerando a aproximação dos atores envolvidos na gestão da orla marítima consolidando uma visão integrada da orla. Nesta perspectiva podem ser citados os seguintes avanços: a incorporação das ações definidas nos PGIs em Planos Diretores Participativos; a constituição de novas áreas de proteção ambiental (Ex: Fortaleza criou/instituiu o Parque Natural das Dunas; Criação da Unidade do Parque da Lagoinha em Búzios) e a inclusão de Zonas de Especial Interesse nos Planos Diretores Participativos do Município (Ex: Zona Especial do Projeto Orla – ZEPO; ZEIS em Itapema).

Houve um avanço também na participação das SPUs nas discussões sobre o PGI e sua aproximação com as OEMAs, promovida pelo formato da Coordenação Estadual e da Comissão Técnica Estadual. Esta aproximação propiciou o aprimoramento técnico, principalmente na questão ambiental, dos representantes das SPUs para a tomada de decisão quanto à cessão de uso das terras da União.

Uma das principais linhas de análise em questão é a efetividade do Projeto Orla enquanto política pública. Tal efetividade é diretamente ligada à capacidade de articulação entre os diferentes atores e instituições envolvidas. Nesse sentido, ressalta-se o importante papel da Coordenação Estadual, que tem como fórum de articulação e apoio a Comissão Técnica Estadual (CTE). A CTE constitui-se em um grupo que articula e contribuí na harmonização de políticas estaduais atuantes na orla. Entretanto, até 2008, poucas CTE tinham sido formalizadas nos estados costeiros, com atuação ainda muito incipiente.

Terceira Fase: 2009 a 2011

Com base na avaliação do Projeto Orla e na agenda do II Seminário, a Coordenação Nacional do ORLA executou, em 2009, capacitações específicas para as Coordenações Estaduais e CTEs em nove estados costeiros (BA, RN, ES, RJ, SC, PA, SE, PE e CE), com objetivo de otimizar a atuação das mesmas e definir uma agenda de trabalho conjunta.

Deve-se ressaltar que no final de 2008 o MMA passou por uma reestruturação interna de seus setores e prioridades. Uma das áreas mais atingidas foi a Coordenação Nacional do Gerenciamento Costeiro, que teve reduzida sensivelmente a sua equipe, agenda e orçamento. Este fator teve rebatimento no andamento do ORLA, determinando problemas na estratégia de comunicação e apoio aos estados, o que prejudicou o pleno desenvolvimento do projeto. Além disso, a agenda articulada para os setores de petróleo e gás, turismo e cidades não tiveram continuidade.

Apesar dessas dificuldades transitórias na esfera federal, o esforço de sensibilização e mobilização para implantação do ORLA resultou, ao final de 2010, na criação das CTEs em 11 estados costeiros e cerca de 80 municípios com PGIs elaborados.

No final de 2010 foi realizado o III Seminário Nacional do Projeto Orla com objetivo de definir uma agenda de diretrizes para fortalecer a cooperação interinstitucional e suas respectivas capacidades de fomentar os Planos de Gestão Integrada 6. Foram cerca de 100 participantes (governos federal, estadual e municípios, entre outros) que debateram e apontaram ações sobre: fomento e apoio à execução das ações previstas nos PGIs; monitoramento, informação e comunicação; fortalecimento do arranjo institucional do Projeto Orla (GI-GERCO, Comissão Técnica Estadual e Comitê Gestor); e Projeto de Extensão do Projeto Orla e rede de multiplicadores. Outra ação representativa nesse período é a criação de um convênio entre a SPU e a Universidade Federal de Rio Grande (FURG) visando à operacionalização de um Curso de capacitação à distância na metodologia de planejamento e implementação do Projeto Orla. Tal iniciativa pretende qualificar a inserção dos atores no âmbito do projeto, para que os mesmos participem das oficinas já com uma preparação na metodologia e implementação do projeto. O curso atenderá uma de manda aproximada de 500 atores sociais envolvidos na temática, entre técnicos de secretarias municipais, dos estados e do governo federal, além do setor privado e terceiro setor.

 

Conclusões

Os padrões de desenvolvimento da zona costeira, em especial a orla, devem decorrer da integração das dimensões econômica, social e ambiental, refletindo os diferentes interesses e necessidades dos grupos sociais que vivem na zona costeira.

Nessa concepção, o uso dos bens da União localizados na Zona Costeira deve ser integrado ao Plano Nacional Gerenciamento Costeiro, tendo em vista o seu papel no estabelecimento de normas gerais visando à gestão ambiental da Zona Costeira, em especial a orla, na formulação de políticas, planos e programas estaduais e municipais. Conferindo, assim, aos bens da União sua função socioambiental ao determinar as condições para diferentes usos e atividades que ocorrem nesse espaço.

O Projeto Orla dá foco especial aos espaços litorâneos sob propriedade ou guarda da União, sendo que o modelo descentralizado proposto para gestão da orla obedece ao pacto federativo, envolvendo princípios e procedimentos de ação, cuja execução está alicerçada nas Coordenações Nacional (MMA e MPOG), Estadual (Superintendências do Patrimônio da União/SPU e Órgão Estadual de Meio Ambiente) e Municipal (prefeitura), como instâncias promotoras de articulações intergovernamentais e interinstitucionais, apoiadas por colegiados nos três níveis. Estimula-se, assim, a implantação de uma rede de parcerias que visa realizar intervenções necessárias ao uso comum desse espaço, com planejamento ambiental e territorial, e divisão clara de tarefas entre todas as partes.

Nos dez anos de execução do Projeto Orla, alguns pontos necessitam ser ajustados; alguns em função da experiência acumulada com a aplicação da metodologia em cerca de 80 municípios e outros em função da conjuntura políticoinstitucional, que por sua vez, vai alterando-se com o passar do tempo.

Dentre estes pontos destacam-se a retomada do Projeto junto aos municípios atendidos, realizando a revisão dos Planos de Gestão da Orla, a definição das formas de apoio à implementação das ações propostas nos Planos de Gestão, a melhoria da efetividade da atuação das Comissões Técnicas Estaduais e o acompanhamento dos Comitês Gestores Locais. Outro ponto crucial é o processo de mobilização local e legitimação das ações (envolvimento das comunidades e processos participativos), que necessitam ser mais efetivos.

Embora apresente problemas específicos, principalmente na implementação das ações definidas pelos Planos de Gestão, o Projeto Orla pode ser considerado uma ação governamental exitosa, pois além de mobilizar milhares de cidadãos brasileiros em torno de seus objetivos, trata-se de um projeto consolidado, com metodologia validada e amplamente aplicada ao longo de seus dez anos de existência. Tais constatações o credenciam a ser considerado como uma política de estado, visto que desde sua implantação ocorreram três eleições para o governo federal, e, conforme descrito neste estudo, o projeto foi sendo aperfeiçoado e adaptado ao contexto atual.

Cabe ao poder público incentivar a busca por soluções para os entraves da plena execução do ORLA, promovendo o incremento das articulações políticas nas três esferas de governo, bem como com a sociedade civil organizada e demais atores atuantes nesta porção do território brasileiro.

 

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NOTAS

*Submissão: 8 Novembro 2011; Avaliação: 5 Dezembro 2011; Recepção da versão revista: 6 Janeiro 2012; Aceitação: 30 Março 2012; Disponibilização on-line: 24 Abril 2012

1 Conforme o Decreto-Lei 9760/46, que lista os bens da União, os terrenos de marinha são: - os que ocupam a faixa litorânea de terra 33 metros medida a partir da linha das áreas inundadas pela maré alta do ano de 1831; - os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; - os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

2 Supervisionado pela Comissão de Recursos do Mar (CIRM), conforme previsto no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGCII, 1997).

3 Cabe ressaltar que o Plano de Gestão Integrada da Orla (PGI) é o equivalente ao Plano de Intervenção, previsto no Decreto n.° 5.300/2004.

4 Relatório do I Seminário Nacional do Projeto Orla: Fortalecimento no âmbito regional e local, MMA e MP, 2004.

5 Em julho de 2011.

6 Relatório do III Seminário Nacional do Projeto Orla. MMA: Brasília, 2011.

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