Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
RISTI - Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação
versão impressa ISSN 1646-9895
RISTI no.7 Porto jun. 2011
Q-Model: um modelo bidimensional de maturidade para o e-government
Gonçalo Paiva Dias 1
1 Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda / Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas, Universidade de Aveiro, Rua Comandante Pinho e Freitas, n.º 28 , 3750 127, Águeda, Portugal E-mail: gpd@ua.pt
RESUMO
Neste artigo apresenta-se e discute-se o Q-Model um modelo bidimensional de maturidade para o e-government. Apesar de o modelo proposto resultar de um esforço de síntese de modelos de maturidade existentes, ele diferencia-se por prever duas dimensões de análise: interacção na prestação de serviços; e integração dos serviços do ponto de vista dos clientes. Esta abordagem permite a classificação de um espectro mais amplo de iniciativas de e-government e permite a representação de múltiplos caminhos de maturidade entre o atendimento presencial não integrado e o atendimento multicanal integrado. Permite, ainda, deslocar o foco de desenvolvimento do e-government de uma abordagem que privilegia a interacção para uma abordagem que equilibra objectivos de interacção com objectivos de integração. Isto é especialmente relevante dado que os governos tendem a adiar os objectivos de integração pelo facto de estes serem mais difíceis de alcançar e terem uma visibilidade menos imediata.
Palavras-chave: e-government; maturidade; interoperabilidade; prestação electrónica de serviços; administração pública.
ABSTRACT
In this article we present and discuss the Q-Model a two-dimensional maturity model for e-government. Although it is the result of a synthesis effort on previously proposed maturity models, it innovates by using two dimensions of analysis: interaction in service delivery; and integration of the service delivery from the clients perspective. This approach allows the classification of a broader spectrum of e-government initiatives and suggests that multiple maturity paths can be followed from traditional face-to-face non-integrated government environments to fully multi-channel and transversally integrated e-government scenarios. We argue that the Q-Model contributes to shift the focus from interaction driven e-government development to a development approach that balances interaction with integration concerns. This is especially relevant since governments tend to postpone integration objectives because they are harder to achieve and have less immediate visibility.
Keywords: e-government; maturity; interoperability; electronic service delivery; public administration.
1. Introdução
Não existe uma definição universalmente aceite de e-government. Desde que a expressão foi introduzida (Office of the Vice-President, 1997), ela tem vindo a ser usada para descrever perspectivas variadas sobre a utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na esfera do governo e da administração pública. Relyea (2002) afirma mesmo que o e-government é um conceito dinâmico de propósito e significado variáveis. A expressão é comummente usada para referir vários conceitos alternativos ou complementares, incluindo o uso da Internet na interacção entre a administração e os cidadãos e as empresas, a reengenharia dos processos da administração pública catalisada pelas TIC e um símbolo mais ou menos ambíguo da utilização das TIC na melhoria da eficiência e da eficácia do governo e da administração pública. Apesar desta questão normativa, o e-government tornou-se um tópico importante para um espectro alargado de entidades e profissões, incluindo governos em todo o mundo (aos níveis local, regional e nacional), investigadores, consultores e fornecedores de TIC.
Os modelos de maturidade definem objectivos gerais para o desenvolvimento do e-government, tipicamente através da definição de estádios de desenvolvimento a atingir de forma progressiva. Estes modelos têm sido muito usados, em todo o mundo, para definir, analisar e avaliar estratégias de desenvolvimento de e-government. No entanto, quando vistos sob uma nova perspectiva, estes modelos possuem algumas limitações: confundem objectivos políticos com objectivos administrativos; não diferenciam claramente entre objectivos de interacção e objectivos de integração; e não diferenciam entre a coordenação da oferta de serviços por uma entidade terceira e a verdadeira integração de processos na administração pública, que permita suportar serviços transversais.
O propósito deste artigo é o de apresentar e discutir o Q-Model: um novo modelo bidimensional de maturidade para o e-government. A principal ideia que caracteriza o modelo é a de diferenciar conceptual e graficamente objectivos de interacção de objectivos de integração. A lógica desta diferenciação é a de que os objectivos de interacção e de integração, embora se relacionem com perspectivas complementares de e-government, exibem complexidades de implementação muito diversas. Embora existam outros modelos, entendemos que o Q-Model, fazendo a diferenciação descrita, permite uma perspectiva inovadora sobre o desenvolvimento do e-government que não é favorecida pelos modelos de estádios-ao-longo-do-tempo existentes. Acresce que o modelo apresentado neste artigo permite a classificação de um espectro mais alargado de iniciativas e de formas de e-government, desde o atendimento presencial desintegrado até ao atendimento multicanal totalmente integrado.
A parte remanescente deste artigo está organizada da forma que se segue. Na segunda secção apresenta-se o método seguido na investigação. Na terceira secção analisam-se os principais modelos de maturidade existentes, à luz de três perspectivas de e-government: a perspectiva das interacções; a perspectiva da integração; e a perspectiva da democracia digital. Na quarta secção apresenta-se o Q-Model e descrevem-se os respectivos quadrantes de maturidade e, na quinta secção, discutem-se as suas vantagens e limitações. Finalmente, na sexta secção, apresentam-se conclusões acerca do modelo proposto, a sua validade e aplicabilidade e impacto esperado ao nível do desenvolvimento do e-government.
2. Método
O Q-Model é o resultado de um esforço de síntese dos modelos de maturidade existentes. A ideia de base foi a de desenvolver um modelo que permitisse diferenciar graficamente os objectivos de interacção e de integração presentes nos modelos existentes, tendo ainda em conta algumas propostas apresentadas por Vintar, Kunstelj & Leben (2002) no contexto do desenvolvimento de portais organizados por eventos da vida.
Identificaram-se onze modelos de maturidade propostos por outros autores e publicados em revistas científicas, actas de conferências, relatórios de organizações internacionais e relatórios de empresas de consultoria. Estes modelos de maturidade foram comparados de acordo com os objectivos definidos pelos respectivos estádios de maturidade. Os objectivos foram classificados de acordo com três classes independentes: objectivos de interacção (informação, interacção e transacção); objectivos de integração (coordenação e integração transversal); e democracia digital. Estas classes são coerentes com três diferentes perspectivas de e-government: a perspectiva da interacção; a perspectiva da integração; e a perspectiva da democracia digital.
A perspectiva da interacção aborda o uso das TIC, ou mais especificamente da Web, na interacção entre a administração pública e os seus clientes e fornecedores, incluindo cidadãos, empresas e outros organismos governamentais e não-governamentais. Traduz, essencialmente, uma perspectiva de e-commerce (Andam, 2003, p. 6), uma vez que diz respeito à utilização das TIC no contexto da prestação e/ou aquisição externa de informações e serviços por parte de órgãos isolados da administração pública. Foca-se na eficácia da prestação de serviços por parte da administração pública. São geralmente considerados três tipos de interacção: entre a Administração e o Cidadão (G2C Government to Citizen); entre a Administração e as Empresas (G2B Government to Business); e entre diferentes organismos da Administração Pública (G2G Government to Government).
A perspectiva da integração também se relaciona maioritariamente com a Administração Pública. Ela pode ser descrita como a reengenharia dos processos da administração pública tirando partido das TIC. Traduz essencialmente uma perspectiva de e-business (Andam, 2003, p.7), uma vez que inclui a reengenharia tanto dos processos internos como dos processos externos da administração pública. Os principais focos são os da melhoria da eficácia e da eficiência da administração pública. A administração pública é vista como uma rede de organismos públicos e privados que necessitam de cooperar para atingir objectivos comuns, nomeadamente ao nível da prestação de serviços. A centragem no utilizador constitui um conceito chave os diferentes organismos devem passar a colaborar no sentido de servir as necessidades dos cidadãos e das empresas. Pressupõe uma importante mudança cultural de uma organização em grandes silos verticais, que comunicam dificilmente entre si, para processos transversalmente integrados. A prestação de serviços torna-se independente da estrutura orgânica da administração pública e ficam disponíveis serviços orientados a eventos da vida dos cidadãos e a situações de negócio das empresas (Vintar & Leben, 2002; Dias & Rafael, 2007).
Para além de serem relevantes para promover a interacção com clientes e fornecedores e o desenvolvimento de processos transversais na administração pública, as TIC são também relevantes na promoção da participação dos cidadãos e outros stakeholders nos processos democráticos. Esta constitui uma perspectiva conceptual claramente diferente das anteriormente apresentadas as abordagens da interacção e da integração aplicam-se essencialmente à administração pública enquanto esta lida fundamentalmente com a esfera política. É comummente designada como democracia digital.
As perspectivas de interacção e de integração constituem o âmbito do Q-Model. A perspectiva da democracia digital esta fora desse âmbito, uma vez que o modelo visa unicamente a esfera administrativa do governo.
3. Modelos de maturidade
Foram propostos vários modelos de maturidade para o e-government. Alguns destes modelos foram amplamente citados na literatura, tanto académica como não académica. Nesta secção, comparam-se onze desses modelos. Seis foram originalmente desenvolvidos para suportar a análise e definição de estratégias para o e-government (Deloitte Research, 2000; Baum & Di Maio, 2001; Hiller & Bélanger, 2001; Layne & Lee, 2001; Wescott, 2001; Andersen & Henriksen, 2006), enquanto quatro foram propostos como parte de metodologias de avaliação de e-government (Ronaghan, 2002; Moon, 2002; West, 2004; Wauters, Nijskens & Tiebout, 2007). Um modelo foi proposto como resultado de um esforço de síntese de alguns dos modelos anteriores (Siau & Long, 2005).
A Tabela 1 compara os vários estádios de maturidade dos modelos considerados, excluindo os estádios relacionados com a democracia digital. Importa referir que, por se tratar de uma representação simplificada, esta tabela não traduz toda a riqueza semântica dos diferentes modelos analisados: pequenas diferenças entre os estádios dos vários modelos nem sempre são totalmente representadas; a classificação de um estádio particular como visando um determinado objectivo nem sempre representa todos os aspectos referidos pelos autores na descrição desse mesmo estádio; e a classificação de um estádio num objectivo ou classe nem sempre é directo. Apesar destas limitações, a comparação apresentada na Tabela 1 representa de forma apropriada as principais similitudes entre os diferentes modelos, o que é suficiente para os propósitos enunciados.
Dez dos onze modelos analisados consideram tanto objectivos de interacção como objectivos de integração. Os objectivos de interacção são tipicamente considerados nos primeiros estádios, enquanto os objectivos de integração são tipicamente referidos nos estádios mais avançados. Como muitos governos (nacionais, regionais ou locais) estão ainda nos estádios iniciais de e-government, isto permite que os objectivos de integração possam ser vistos como algo vago que pode ser adiado para o futuro, negligenciando o facto de que a qualidade da experiência de interacção (e.g. organização por eventos da vida) pode depender da concretização de objectivos de integração subjacentes. Além disso, existe um salto cultural significativo entre os primeiros três objectivos na Tabela 1 (Informação, Interacção, Transacção) e os dois objectivos seguintes (Coordenação, Integração transversal): além da tecnologia, a integração depende de uma profunda mudança da forma como os organismos organizam os seus processos e cooperam uns com os outros.
Embora tal não seja representado na Tabela 1, só cinco dos onze modelos estudados consideram objectivos relacionados directamente com a democracia digital. Mesmo nesses, a democracia digital aparece como um objectivo futuro a atingir se e quando os objectivos de interacção e integração forem atingidos. Discorda-se claramente desta abordagem. Com efeito, a democracia digital lida fundamentalmente com a esfera política, enquanto os objectivos de interacção e de integração se relacionam essencialmente com a administração pública. Embora as duas esferas de governo se inter-relacionem, elas correspondem a pontos de vista conceptuais muito diferentes e, assim, devem ser abordados separadamente. Nada impede que sejam obtidos muito bons resultados do ponto de vista da democracia digital (e.g. voto electrónico, participação política, transparência) com poucos ou nenhuns resultados dos pontos de vista da interacção online ou da integração dos serviços.As conclusões anteriores sugerem que um novo modelo de maturidade pode ser útil: um modelo onde os objectivos de interacção e de integração possam ser representados de forma independente entre si e do qual estejam ausentes considerações relativas à democracia digital. O Q-Model foi desenvolvido para ser esse modelo.
4. O Q-Model
4.1. Definição do modelo
O Modelo de Quadrantes, ou Q-Model, é um modelo bidimensional de maturidade para o e-government. O modelo define nove quadrantes de maturidade do e-government determinados pela intersecção de duas variáveis discretas representadas ao longo de dois eixos ortogonais (ver Figura 1): um eixo vertical com três estádios de maturidade de interacção (presencial, online e multicanal); e um eixo horizontal com três estádios de integração (dispersa, coordenada e transversal). Os estádios de interacção do modelo diferem dos objectivos de interacção usados na análise dos modelos de maturidade efectuada na Secção 3, porque se pretendeu permitir a representação de um espectro mais alargado de iniciativas em termos de interacção no e-government da interacção presencial à interacção multicanal. Aplicam-se as seguintes correspondências: o estádio presencial inclui os objectivos de informação e interacção da Tabela 1; oestádio online corresponde ao objectivo transacção da mesma Tabela. No que respeita aos objectivos de integração, os estádios coordenada e transversal correspondem aos objectivos de coordenação e integração transversal da Tabela.
Os três estádios de interacção são definidos como segue:
Presencial refere-se a qualquer prestação de serviços públicos que inclua pelo menos uma interacção obrigatória feita através da deslocação física do cidadão ou representante da organização cliente a um balcão de atendimento físico da administração pública. Inclui todas as transacções que não possam ser completadas integralmente a distância e por meios digitais, embora o possam ser em parte. Inclui igualmente, por maioria de razão, todas as prestações de serviços que estejam disponíveis unicamente através de balcões físicos da administração pública.
Online refere-se a qualquer prestação de serviços públicos que possa ser totalmente feita a distância, recorrendo a meios digitais. Inclui todas as transacções que possam ser feitas totalmente online, incluindo a submissão, pagamento e entrega de resultados, sempre que aplicáveis. Inclui igualmente as transacções que, embora não sendo totalmente realizadas através de meios digitais, não implicam a deslocação física do cidadão a um balcão de atendimento (e.g. submissão e pagamento online com entrega de resultados por correio tradicional).
Multicanal refere-se a qualquer prestação de serviços públicos que, além de poder ser feita totalmente online, pode ser efectuada recorrendo a canais alternativos de atendimento, no todo ou em parte, de uma forma integrada e no melhor interesse do cidadão. Tanto canais digitais como não digitais podem ser considerados. Diferentes canais podem estar disponíveis em diferentes passos da prestação de serviços.
Os três estádios de integração são definidos como segue:
Dispersa refere-se a qualquer prestação de serviços públicos que não evita a necessidade de o cidadão ou representante da organização cliente contactar directamente diferentes organismos ou departamentos da administração pública no âmbito de um evento da vida ou situação de negócio. Tipicamente, refere-se à prestação isolada de serviços por parte de um único organismo da administração pública, isto é, uma prestação de serviços que é feita por um organismo independentemente de outros serviços de outros organismos que, do ponto de vista do cidadão, são necessários para a conclusão do processo.
Coordenada refere-se a qualquer prestação de serviços públicos organizados por eventos da vida ou situações de negócio que é oferecida através do front office de uma entidade intermediária, pública ou privada, que actua como um procurador do cidadão junto dos vários organismos ou departamentos da administração pública que são relevantes para a conclusão do processo. O front office da entidade intermediária requisita os diferentes serviços em nome do cidadão, escondendo mas não evitando a natureza dispersa da prestação de serviços.
Transversal refere-se a qualquer prestação de serviços públicos organizados por eventos da vida ou situações de negócio que se sustenta na existência de processos (workflows) transversais aos back offices dos vários organismos envolvidos nessa prestação de serviços. Implica uma profunda reengenharia dos processos de negócio da administração pública.
Além dos modelos de maturidade apresentados na Secção 3, aplicaram-se no Q-Model algumas ideias originalmente propostas por Vintar, Kunstelj & Leben (2002) como parte da sua análise da prestação de serviços através de portais organizados por eventos da vida. Nesse contexto, estes autores usaram dois eixos para representar os quatro níveis originais de sofisticação online usados por Wauters, Nijskens & Tiebout (2007) com três níveis de integração (dispersão, coordenação e integração). No Q-Model, aplicou-se a proposta de utilizar eixos diferentes para representar variáveis independentes e adaptaram-se os níveis de integração originalmente propostos por Vintar, Kunstelj & Leben (2002).
4.2. Os nove quadrantes
O Q-Model é directamente aplicável a serviços concretos. Um conjunto de organismos, um organismo ou um departamento da administração pública é classificado num ou mais quadrantes dependendo de como os serviços que presta são classificados usando o modelo. Uma estratégia de e-government é classificada dependendo dos seus objectivos em termos de interacção e de integração dos serviços.
Segue-se uma breve descrição de cada um dos nove quadrantes do modelo:
-QCC refere-se à prestação presencial de serviços públicos efectuada de uma forma dispersa. Inclui a forma tradicional de prestação de serviços pela administração pública: os cidadãos ou representantes de organizações clientes necessitam de se deslocar fisicamente a diferentes departamentos governamentais de forma a obterem os diferentes serviços relacionados com um único evento da vida ou situação de negócio. Neste cenário, o QCC pode ser considerado como um quadrante de non-e-government. Mas o QCC pode incluir igualmente situações em que os serviços são prestados parcialmente online, mas em que são necessárias visitas à administração pública para completar a transacção. Neste outro cenário, o QCC pode ser visto como um quadrante de e-government emergente.
-QCB refere-se à prestação presencial de serviços públicos de uma forma coordenada, isto é, refere-se à prestação de serviços organizados por eventos da vida ou situações de negócio através de um ponto de contacto único que articula os serviços dispersos existentes. A tecnologia é usada para facilitar a interacção entre esse ponto de contacto, ou entidade coordenadora, e os vários prestadores de serviço que possuem a informação ou o know-how necessários para a prestação do serviço. As lojas one-stop shop ou, no caso português, as lojas do cidadão de segunda geração, constituem exemplos típicos de iniciativas classificáveis neste quadrante.
-QCA refere-se à prestação presencial de serviços públicos transversalmente integrados. Da perspectiva dos cidadãos e das empresas, o QCA é idêntico ao QCB: os serviços são prestados através de um único ponto de contacto (one-stop shop). No entanto, tal é conseguido de forma diferente: no QCB existe um organismo coordenador (procurador do cliente) que esconde a natureza dispersa da prestação de serviços, enquanto no QCA se pressupõe a existência de processos transversais aos back offices, isto é, que atravessam as fronteiras dos diferentes organismos envolvidos. A tecnologia é usada para garantir a interoperabilidade entre esses organismos. Embora a eficácia possa ser a mesma, pelo menos tal como vista pelos clientes, a mudança do QCB para o QCA permite importantes ganhos de eficiência na administração pública.
-QBC refere-se à prestação online de serviços públicos de uma forma dispersa. Inclui o objectivo mais comum de e-government: oferecer serviços totalmente transaccionais através do sítio Web de um único departamento da administração pública, de forma desintegrada de serviços prestados por outros departamentos. Assim, em termos de interacção, o QBC corresponde directamente ao objectivo transacção da Tabela 1: prestação online de serviços completamente transaccionais.
-QBB refere-se à prestação online de serviços coordenados. Uma entidade coordenadora oferece serviços organizados por eventos da vida ou situações de negócio através de um portal do cidadão ou de um portal da empresa. A tecnologia é usada tanto para a prestação dos serviços como para facilitar a interacção entre a entidade que gere o portal e os vários departamentos da administração pública que contribuem para a prestação dos serviços oferecidos. Os portais do cidadão de âmbito nacional constituem exemplos típicos deste tipo de iniciativas.
-QBA refere-se à prestação online de serviços públicos transversalmente integrados. Tal como no caso do QCB e do QCA, a diferença para o QBB reside na forma como os serviços orientados a eventos da vida são prestados: o QBA pressupõe a existência de processos de negócio totalmente transversais.
-QAC refere-se à prestação de serviços dispersos através de qualquer canal de atendimento, a qualquer hora e em qualquer lugar. A integração entre os diferentes canais é obrigatória no sentido em que a disponibilização de um novo canal não deve obrigar à duplicação dos meios utilizados para a prestação dos serviços, isto é, o processo de back office deve manter-se o mesmo, independentemente dos canais que possam ser usados.
-QAB refere-se à prestação multicanal de serviços coordenados. Os serviços prestados por uma entidade que actua como procurador do cidadão e que se organizam por eventos da vida passam a estar disponíveis através de balcões one-stop shop e de portais do cidadão ou da empresa, mas também através de outros canais digitais ou não digitais, quer em alternativa ou de forma complementar, dependendo dos serviços e canais concretos que sejam disponibilizados.
-QAA refere-se à prestação ubíqua de serviços públicos transversalmente integrados. Representa o objectivo último em termos de maturidade de interacção e de integração. Serviços completamente transversais são oferecidos através de múltiplos canais, a qualquer hora, em qualquer lugar e usando qualquer plataforma.
5. Discussão
Todos os modelos de maturidade apresentados na Secção 3 incluem estádios que dizem respeito a objectivos de interacção. No entanto, para a maioria desses modelos, o objectivo final em termos interacção é a transacção. A prestação de serviços multicanal nunca é considerada. O Q-Model vai um passo mais além: considera a evolução da prestação de serviços transaccionais online, tipicamente feita através da Web, para a prestação de serviços através de diferentes canais, alternativos ou complementares, digitais ou não digitais.
Dez dos onze modelos de maturidade apresentados na Secção 3 referem tanto objectivos de interacção como de integração. No entanto, para vários destes modelos, os objectivos de integração não são facilmente distinguíveis dos objectivos de interacção. Mesmo quando esta distinção é clara, a integração tende a aparecer nos estádios mais avançados, como se fosse dependente dos objectivos de interacção anteriores. Esta não é necessariamente a forma como os desenvolvimentos acontecem. Com efeito, é perfeitamente possível atingir objectivos de integração com poucos ou nenhuns resultados em termos de interacção online. Veja-se, por exemplo, o caso das Lojas do Cidadãos de segunda geração, em Portugal. Ao diferenciar entre objectivos de interacção e de integração e ao permitir que os mesmos sejam combinados em nove diferentes quadrantes, o Q-Model sugere que podem ser seguidos diferentes caminhos de maturidade entre o QCC o estádio inicial de non-e-government e o QAA o estádio último em termos de maturidade de interacção e de integração no e-government.
Ao contrário da maioria dos modelos de maturidade apresentados, o Q-Model diferencia claramente a coordenação da integração transversal. Embora esta distinção possa não ser facilmente percebida pelos clientes finais dos serviços, ela é muito relevante do ponto de vista da administração pública: a integração transversal tem um potencial significativamente maior de redução do tempo de prestação dos serviços e de produzir ganhos de eficiência. No entanto, porque é mais complexa, necessita também de mais tempo e de mais investimento para ser bem sucedida. Para além dos aspectos técnicos, os factores humanos e organizacionais são cruciais: a integração transversal pressupõe uma mudança radical da forma como se trabalha na administração pública independentemente da questão da interoperabilidade tecnológica, os diferentes departamentos devem apreender a comunicar uns com os outros.
O modelo de Layne & Lee (2001), um dos modelos mais citados, diferencia entre integração vertical e integração horizontal: a primeira respeitando à integração entre diferentes níveis de governo dentro do mesmo sector; e a segunda relativa a integração entre diferentes funções do governo. Embora os dois tipos de integração possam ser diferentes e, dependendo dos casos concretos, possam ter dificuldades de implementação diferentes, ambas se referem ao mesmo tipo transformação, de silos isolados para processos integrados. Além disso, um estádio não precede necessariamente o outro ou envolve maior maturidade: depende da natureza dos organismos envolvidos e dos serviços concretos que sejam considerados. Acresce que a questão relevante não é tanto se a integração é vertical ou horizontal mas sim se os serviços são orientados a eventos da vida, de forma eficaz e eficiente. Por estas razões, não se incluiu esta distinção no Q-Model.
O Q-Model baseia-se em nove quadrantes de maturidade do e-government, definidos na intersecção de três estádios de interacção e três estádios de integração. Porque as fronteiras dos estádios e dos quadrantes é difusa, uma iniciativa de e-government pode endereçar ou ser classificada em mais do que um quadrante. O QBB e o QBA, por exemplo, podem ser endereçados simultaneamente por um portal do cidadão que ofereça serviços que sejam integrados transversalmente. Noutro exemplo, o desenvolvimento de arquitecturas de interoperabilidade pode endereçar genericamente todos os três quadrantes QxA, independentemente dos objectivos de interacção que sejam estabelecidos, se os houver. Pode igualmente potenciar o desenvolvimento de iniciativas QxB, facilitando a comunicação entre a entidade coordenadora da prestação de serviços e os vários back offices relevantes.
No Q-Model, o QAA constitui o estádio mais avançado em termos de maturidade de interacção e de integração. Não obstante, para determinados tipos de aplicação, ele pode não ser alcançável ou pode não ser adequado fazê-lo. Em alguns casos, perseguir objectivos QAA pode ser inapropriado, porque o público-alvo ou as próprias instituições não estão preparados, porque não existem os recursos necessários ou porque a tecnologia necessária não está disponível ou suficientemente madura. Assim, uma estratégia que vise um quadrante diferente do QAA não é necessariamente uma má estratégia. Depende da envolvente e da aplicação concreta.
Cindo dos onze modelos estudados na Secção 3 incluem objectivos relacionáveis com a democracia digital. Excluímos estes objectos do Q-Model porque os mesmos se relacionam com uma questão normativa diferente: a esfera política. Como referido anteriormente, podem ser obtidos padrões de alto nível em termos de democracia digital com poucos ou nenhuns resultados em termos de interacção e de integração. Mas o oposto também é verdadeiro: podem ser alcançados bons resultados em termos de interacção e de integração num ambiente não democrático. Ainda assim, concorda-se que os objectivos de interacção e de integração podem ter um impacto no processo democrático, nomeadamente em termos de transparência e de accountability do governo e da administração pública (Dias & Moreira, 2008).
6. Conclusões
Foram propostos vários modelos de maturidade para o e-government. No passado, estes modelos revelaram-se muito úteis para apoiar a definição, analisar e avaliar estratégias e iniciativas e-government em todo o mundo. Alguns deles foram amplamente citados por autores académicos e não académicos. No entanto, possuem algumas limitações quando analisados ??sob uma nova perspectiva: nem sempre diferenciam entre objectivos de interacção e integração; misturam objectivos da administração pública com objectivos da esfera dos processos democráticos; não abordam a interacção multicanal; e não distinguem entre coordenação e integração transversal. O Q-Model resolve estas limitações definindo nove quadrantes de maturidade do e-government, definidos pela intersecção de três estádios de maturidade da interacção (presencial, online e multicanal) e três estádios de integração (dispersa, coordenada e transversal). Ao fazê-lo, o modelo permite uma nova visão sobre o desenvolvimento do e-government que complementa as visões permitidas pelos modelos existentes.
O Q-Model foi inicialmente definido para permitir uma análise comparativa de arquitecturas de interoperabilidade no e-government. As arquitecturas foram classificadas de acordo com os seus objectivos em termos de interacção e de integração. A mesma abordagem pode ser usada para classificar outros tipos de iniciativas de e-government. O Q-Model é directamente aplicável à prestação de serviços concretos pela administração pública e, indirectamente, a países, à administração pública como um todo, aos seus organismos, aos respectivos departamentos e às estratégias por eles seguidas. Uma entidade pode ser classificada em mais do que um quadrante, dependendo da forma como os serviços que presta são classificados usando o modelo. Uma estratégia de e-government é classificada de acordo com os seus objectivos em termos de maturidade de interacção e de integração.
A principal contribuição do Q-Model é a de representar de uma forma clara o facto de diferentes caminhos de maturidade poderem ser seguidos entre um estádio inicial de non-e-government e um estádio final em termos de maturidade de interacção e de integração no e-government. Ao contrário dos modelos existentes, o Q-Model não sugere que os resultados em termos de interacção precedem os resultados relacionados com a integração, embora assuma que resultados nestas duas áreas são essenciais para atingir níveis elevados de maturidade. Também diferentemente dos modelos existentes, o Q-Model permite a classificação de iniciativas de e-government que, sendo relevantes, não tenham impacto ao nível de objectivos de interacção. Devido a estas características, acredita-se que o Q-Model pode ter um impacto relevante na redefinição de estratégias de e-government, alterando o foco do desenvolvimento da simples interacção para uma abordagem que equilibre os objectivos de interacção com os objectivos de integração. Isto é especialmente relevante dado que os governos tendem a adiar os objectivos de integração pelo facto de estes serem mais difíceis de alcançar e terem uma visibilidade menos imediata.
Referências
Andam, Z. R. (2003). e-Commerce and e-Business. UNDP-APDIP. Disponível em http://www.apdip.net/publications/iespprimers/eprimer-ecom.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Andersen, K. V., & Henriksen, H. Z. (2006). E-government maturity models: extension of the Layne and Lee model. Government Information Quarterly, 23(2), 236-248. [ Links ]
Baum, C. H., & Di Maio, A. (2001). Gartners four phases of e-government model. Gartner Group. [ Links ]
Deloitte Research (2000). At the dawn of e-government, the citizen as a customer. New York: Deloitte Consulting. Disponível em http://ww.egov.vic.gov.au/pdfs /e-government.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Dias, G. P., & Rafael, J. A. (2007). A simple model and a distributed architecture for realizing one-stop e-government. Electronic Commerce Research and Applications, 6(1), 81-90. [ Links ]
Dias, G. P., & Moreira, J. M. (2008). Transparency, corruption and ICT (illustrated with Portuguese cases). In A. Vaccaro, H. Horta and P. Madsen (eds.), Transparency, information and communication technology: social responsibility and accountability in business and education. Charlottesville, Virginia: Philosophy Documentation Center, 151-162. [ Links ]
Hiller, J. S., & Bélanger, F. (2001). Privacy strategies for electronic government. Arlington: PricewaterhouseCoopers. Disponível em http://www.businessofgovernment.org/sites/default/files/PrivacyStrategies.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Layne, K., & Lee, J. (2001). Developing fully functional e-government: a four stage model. Government Information Quarterly, 18(2), 122-136. [ Links ]
Moon, M. J. (2002). The evolution of e-government among municipalities: rhetoric or reality? Public Administration Review, 62(4), 424-433. [ Links ]
Office of the Vice-President (1997). Access America: reengineering through information technology. [ Links ]
Relyea, H. C. (2002). E-gov: introduction and overview. Governemnt Information Quarterly, 19(1), 9-35. [ Links ]
Ronaghan, S. A. (2002). Benchmarking e-government: a global perspective. New York : UNDPEPA-ASPA. Disponível em http://unpan1.un.org/intradoc/ groups/public/documents/UN/UNPAN021547.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Siau, K., & Long, Y. (2005). Synthesizing e-government stage models a meta-synthesis based on meta-ethnography approach. Industrial Management & data Systems, 105(6), 443-458. [ Links ]
United Nations (2008). UN E-Government Survey 2008: from e-government to connected governance. New York: DESA. Disponível em http://unpan1.un.org /intradoc/groups/public/documents/UN/UNPAN028607.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Vintar M., & Leben, A. (2002). The concepts of an active life-event public portal. Electronic Government, Lecture Notes in Computer Science, 2456, 383-390. [ Links ]
Vintar, M., Kunstelj, M., & Leben, A. (2002, April). Delivering better quality public services through life-event portals. Paper presented at 10th NISPAcce Annual Conference, Cracow. Disponível em http://unpan1.un.org/intradoc/groups/ public/documents/nispacee/unpan004382.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Wauters, P., Nijskens, M., & Tiebout, J. (2007). The user challenge benchmarking the supply of online public services, 7th measurement. Diegen: Capgemini. Disponível em http://ec.europa.eu/information_society/eeurope/i2010/ docs/benchmarking/egov_benchmark_2007.pdf, acedido a 25 de Março de 2011. [ Links ]
Wescott, C. G. (2001). E-Government in the Asia-Pacific Region. Asian Journal of Political Science, 9(2), 1-24. [ Links ]
West, D. M. (2004). E-Government and the transformation of service delivery and citizen attitudes. Public Administration Review, 64(1), 15-26. [ Links ]
Recebido/Recibido: 25/03/2011
Aceitação/Aceptación: 01/06/2011