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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.9 Porto jun. 2013
Efetividade de um Programa de Estimulação Cognitiva em Idosos com Défice Cognitivo Ligeiro
Ana Rita Dias Costa*; Carlos Sequeira**
*Enfermeira Graduada; Pós-graduação em Gerontologia Social; Pós-licenciatura e Especialização em Saúde Mental e Psiquiatria; Mestrado em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Unidade de Cuidados na Comunidade da Senhora da Hora Unidade Local de Saúde de Matosinhos, EPE; e-mail: aritadcosta@gmail.com
**Prof. Coordenador; Doutor em Enfermagem; Escola Superior de Enfermagem do Porto; Departamento/Unidade Científico Pedagógica Enfermagem disciplina & profissão; e-mail: carlossequeira@esenf.pt
RESUMO
Nos últimos anos têm surgido alguns investigadores centrados na valorização das intervenções que estimulam a cognição, baseadas no pressuposto de que o défice cognitivo ligeiro (DCL) se constitui como um grande fator de risco para o desenvolvimento de demência. Contudo, ainda não existe um consenso efetivo sobre as técnicas e intervenções que revelam uma maior efetividade, bem como a sua sistematização. Objetivo: Avaliar a efetividade de um programa de estimulação cognitiva em idosos com défice cognitivo ligeiro. Método: Optou-se por um estudo quase-experimental, de caracter quantitativo, com desenho pré e pós-teste e grupo controlo. Participaram no estudo, idosos com DCL: 17 no grupo experimental e 16 no grupo controlo. Os participantes do grupo experimental foram alvo de um programa de estimulação cognitiva. Resultados: Os principais resultados demonstraram, após a avaliação entre o pré e pós-teste no grupo experimental e entre o pós-teste de ambos os grupos, uma melhoria a nível da orientação, da memória a curto prazo, da linguagem e da orientação visuo-espacial. Não foram percetíveis alterações a nível das atividades de vida diárias e instrumentais. Foi notória no grupo experimental, uma significativa melhoria na utilização das estratégias da memória, essencialmente as externas, bem como uma melhoria na associação face-nome. Conclusões: A implementação de um programa de estimulação da cognição é fundamental em pessoas com défice cognitivo ligeiro, de modo a potenciar a cognição, melhorar a autonomia e minimizar o impacte dos défices.
Palavras-Chave: Envelhecimento; Défice Cognitivo Ligeiro; Programa de Estimulação Cognitiva; Efetividade
ABSTRACT
In recent years some researchers focused on the value of interventions to stimulate cognition, based on the assumption that the mild cognitive impairment (MCI) presents a major risk factor for developing dementia. However, there is still no consensus on effective techniques and interventions recommended that show greater effectiveness, and also their systematization. Objective: To evaluate the effectiveness of a program of cognitive stimulation in the elderly with mild cognitive impairment. Method: A quasi-experimental, quantified, design with pre and post-test and control group. The study involved elderly with MCI: 17 included in the experimental group, and 16 included in the control group.The experimental group participated in a program of cognitive stimulation. Results: The main results showed that, after evaluation of pre and post-test in the experimental group, and between the post-test both groups, an improvement in orientation, short-term memory, language and visual-space guidance. There were no substantial changes in activities of instrumental and daily living. Great improvement was verified in the experimental group regarding the use of memory strategies, mainly the external ones, as well an improvement in face- name association. Conclusions: The implementation of a cognitive stimulation program is essential in people with mild cognitive impairment in order to enhance cognition, improve the autonomy and minimize the impact of deficits.
Keywords: Aging, mild cognitive impairment, cognitive stimulation program, Effectiveness.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento demográfico é hoje um fenómeno que ocorre à escala mundial, que se acentua nas sociedades ditas desenvolvidas, em consequência do aumento da esperança de vida e do declínio da natalidade. Prevê-se que em 2020, a proporção de idosos (≥65 anos) aumente para os 20,6% (INE, 2012).
A área da saúde mental no idoso torna-se cada vez mais premente, devendo os especialistas na área, nomeadamente os profissionais de enfermagem, reunir esforços para que se consigam oferecer melhores respostas, ou seja, mais diferenciadas, com maior efetividade, de proximidade e de preferência no seu contexto.
Este estudo centrou-se no envelhecimento cognitivo, mais propriamente no défice cognitivo ligeiro (DCL), que constitui uma problemática recentemente instituída como uma entidade diagnóstica, despertando o interesse de vários investigadores. O DCL constitui-se um estádio de transição entre as alterações cognitivas ditas normais do envelhecimento e um estádio inicial de demência (Petersen & Selamawit, 2008). Ao longo do tempo têm sido definidos critérios de diagnóstico, sendo os estabelecidos por Petersen, Stevens & Ganglui (2001) os mais consensuais na comunidade científica e como tal utilizados neste estudo. Tem vindo a ser documentada em vários estudos, uma elevada taxa de progressão para demência, mais propriamente para doença de Alzheimer, em pessoas com diagnóstico de DCL (Petersen & Selamawit, 2008). Estima-se que a prevalência de DCL na população esteja entre 3% a 17% e a taxa de incidência de novos casos por ano, entre 9.9% e 21,5% (Mariani, Monastero & Mecocci, 2007).
Com a continuidade na investigação sobre o DCL, o conceito passou a incluir défices em outros domínios cognitivos (Petersen, et al., 2008), tal como descrito no quadro 1.
Perante estas evidências torna-se necessário desenvolver esforços que possibilitem a identificação precoce dos défices cognitivos nos idosos bem como o desenvolvimento de intervenções terapêuticas em fases iniciais (Petersen & Selamawit, 2008), prevenindo assim maiores consequências que irão implicar a diminuição da qualidade de vida, da autonomia, maiores custos e problemas sociais. Perante o atual desenvolvimento das terapêuticas farmacológicas, as intervenções de estimulação cognitiva, sendo bem delineadas e estruturadas, constituem um coadjuvante essencial (Kinsella, et al. 2009).
Neste sentido, este estudo pretende avaliar a efetividade de um programa de estimulação cognitiva em idosos com DCL, tanto a nível funcional como cognitivo.
METODOLOGIA
Na metodologia serão explicitados os objetivos, métodos e estratégias de análise dados que possibilitem uma melhor compreensão dos resultados.
Finalidade e Objetivos
O estudo permitiu essencialmente analisar a efetividade de um programa de estimulação da memória em idosos com DCL, avaliando as implicações a nível cognitivo e funcional, bem como no seu quotidiano. A finalidade reside em dar contributos para a criação de padrões de qualidade do exercício profissional dos enfermeiros no âmbito da implementação de programas de estimulação cognitiva em idosos com DCL.
O estudo tem como principais objetivos: identificar as características sociodemográficas dos idosos com DCL da área de abrangência de uma Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) e do seu perfil cognitivo e funcional, avaliar o impacto na cognição associada à implementação de um programa de estimulação e analisar a relação entre o perfil cognitivo, o nível funcional e a efetividade de um programa de estimulação cognitiva.
Tipo de Estudo
O estudo é de carácter quase-experimental, prospetivo quanto ao tempo, com um desenho de pré-teste/pós-teste com grupo controlo não equivalente, e baseado no paradigma quantitativo. Este estudo foi realizado em parceria com dois outros estudos, designados "Caracterização do Potencial Cognitivo e Funcional dos utentes com idades entre os 65 e 75 anos inscritos numa unidade de saúde familiar" (Neves, 2013) e "Programa de Estimulação da Memória para Idosos com Défice Cognitivo Ligeiro" (Sousa, 2012).
Participantes
O estudo aqui apresentado decorreu numa UCC, de uma unidade Local de saúde do Norte de portugal. A população alvo neste estudo é constituída pelos idosos com idades compreendidas entre os 65 e os 75 anos de idade da área de abrangência da UCC, com DCL mnésico: único domínio e múltiplos domínios.
Através de um processo de amostragem não probabilística, por seleção racional, os participantes foram incluídos de acordo com os seguintes critérios de inclusão: Idosos da área de abrangência da UCC; Idosos com idades compreendidas entre os 65 e os 75 anos; Idosos com critérios para DCL de acordo com os critérios de Petersen, et al. (2001) referidos no enquadramento conceptual; Idosos sem diagnóstico de depressão; Idosos referenciados pelas equipas de saúde familiar do Centro de Saúde e que aceitem participar no estudo através de consentimento informado.
De acordo com estes critérios estabelecemos dois grupos: o grupo experimental (N= 17) e o grupo controlo (N=16). O grupo experimental, alvo da intervenção, pela sua dimensão foi dividido em dois grupos, com nomeadamente 9 e 8 participantes. O grupo controlo não sujeito à intervenção, decorreu da caracterização efetuada no estudo "Caracterização do Potencial Cognitivo e Funcional dos utentes com idades entre os 65 e 75 anos inscritos numa unidade de saúde familiar" (Neves, 2013) e preencheram os critérios de inclusão, exceto estarem inseridos na área de abrangência da UCC.
Instrumentos
O instrumento de avaliação foi elaborado com base no estudo "Caracterização do Potencial Cognitivo e Funcional dos utentes com idades entre os 65 e 75 anos inscritos numa unidade de saúde familiar" (Neves, 2013).
O questionário incluiu variáveis de carácter sociodemográfico, como a idade, escolaridade, sexo, escolaridade dos pais, consumos nocivos, antecedentes pessoais e hábitos lúdicos, permitindo assim dar resposta ao primeiro objetivo específico do estudo. Foram também incluidas questões que nos permitissem perceber a percepção do utente relativamente à sua saúde, capacidade para fazer face ao dia a dia e qualidade de vida.
Os testes e escalas aplicados incluiram o MMSE (Folstein et al., 1975 traduzido e validado para a população portuguesa por Guerreiro, 1994), o teste do relógio (Schuman et al., 1993), a Escala de avaliação de demência (Hughes et. al., 1992, citado por sequeira 2010). A utilização destas escalas em conjunto permite uma maior precisão na deteção do DCL (Pinto, E; Peters, R, 2009). Para avaliação funcional doi utilizado o Índice de Lawton e Brody e o Índice de Barthel (Sequeira, 2010).
Procedimentos
A colheita de dados e o desenvolvimento deste estudo foi dividida em duas fases:
Fase 1:
· Identificação de utentes através de uma lista de utentes da Unidade de Saúde Familiar (USF) através dos contactos telefónicos (118);
· Dos utentes contactados foram identificados 17 com eventuais alterações de memória preenchendo eventuais critérios para DCL, pelo que integraram o grupo experimental e lhes foi aplicado o formulário de avaliação,
· Foi efetuado um primeiro contacto entre o investigador e a pessoa com eventual DCL, para se obter o consentimento informado relativamente à aplicação do formulário e da participação no programa de estimulação cognitiva;
· Simultaneamente o mesmo formulário foi aplicado ao grupo controlo, grupo de utentes extraído do estudo de Neves (2013), sobre a caraterização cognitiva e funcional dos idosos e com características similares ao grupo experimental, em termos de idade, sexo, escolaridade, funcionamento cognitivo e nível de dependência.
· O Grupo experimental foi dividido em dois grupos de 9 e 8 utentes para possibilitar uma melhor interação e uma melhor eficácia do programa de estimulação cognitiva. Os grupos reuniram no mesmo local em horas e dias previamente definidos.
· No final do programa de estimulação cognitiva foi aplicado o mesmo formulário (pós-teste) ao grupo experimental e ao grupo controlo.
O programa de estimulação cognitiva foi elaborado no estudo "Programa de treino da memória para idosos com défice cognitivo ligeiro" (Sousa, 2012), no qual foi validado em termos concetuais através de um estudo delphi. O principal objetivo do programa é estimular a memória de idosos com DCL e dotar o utente e a sua família/cuidadores de conhecimentos e estratégias que permitam treinar a sua memória no quotidiano e, consequentemente, potenciar a sua autonomia.
O programa foi elaborado e desenvolvido para ser aplicado em grupo, com a duração de 8 semanas, 1 sessão por semana, durante 90 minutos. Duas das sessões foram preconizadas para os familiares. Os grupos, não devem ter mais de 10 participantes, o que se respeitou neste caso (9 e 8 participantes). Os contactos individuais para avaliação inicial e final foram contemplados e incluídos no programa, sendo igualmente preconizada uma avaliação de follow-up, 3 meses após o término do programa.
Este programa tem como objetivo potenciar a capacidade funcional, a interação social e as capacidades cognitivas. As sessões são desenvolvidas com várias atividades, em função do grupo (necessidades/interesses) e incluem: terapia por reminiscência, treino da memória, com o ensino e treino de estratégias internas e externas da memória e associação face-nome. Os participantes são incentivados a dar continuidade ao treino da memória através de atividades programadas para serem desenvolvidas no domicílio.
Durante o programa foi fornecido material de suporte informativo e de apoio aos participantes e seus familiares.
Análise dos Dados
Na análise dos dados recorreu-se à estatísticas descritiva, principalmente as frequências, médias e desvio padrão. A Análise dos ganhos obtidos com a implementação do programa de estimulação foram obtidos com recurso ao teste de Mann-Whitney para avaliar as diferenças estatisticamente significativas antes/após e as diferenças entre as variáveis de ambos os grupos (experimental e controlo).
No entanto, como o número que compõe as amostras é reduzido e sem uma seleção aleatória, as generalizações foram feitas de forma cautelosa.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Características Sociodemográficas
Nas duas sub-amostras verificou-se uma maior prevalência de idosos do sexo feminino, com uma média total de 82%, sendo apenas 18% de idosos do sexo masculino. A média de idades global foi de 70,5%, variando entre 65 e 75 anos. A percentagem de idosos com escolaridade entre 1 a 4 anos é bastante elevada, com uma média global de 93,75%, havendo apenas 12,5% de analfabetos no grupo controlo. A maior percentagem de idosos do grupo experimental vive acompanhado, correspondendo a 64,7% da sub-amostra e 35,3% vive sozinho. Sendo uma amostra reduzida as afirmações neste sentido devem ser feitas com cautela. Na amostra 72,7% vive com o cônjuge e 27,3% vive com os filhos.
Quanto aos hábitos lúdicos uma grande maioria (57,6%) utiliza apenas recursos físicos para desenvolver atividades lúdicas, como passear. 18,4% utiliza ambos os recursos (cognitivos e físicos). Apenas 11,95% da amostra utilizam somente recursos cognitivos. Relativamente aos antecedentes pessoais, na sua grande maioria apresentam doenças cardiovasculares, com uma média global de 51,1% e multipatologia (na sua maioria doenças cardiovasculares e osteoartioarticulares) numa média de 36,75%.
No que diz respeito à percepção sobre a saúde e capacidade para fazer face ao dia a dia, os idosos da amostra global consideram ser razoável, com uma média de 66,9% e 66,6% respetivamente. Na qualidade de vida, 69,85% da amostra global considera a sua qualidade de vida razoável.
Caracterização Cognitiva e Funcional dos Idosos
Os idosos do grupo experimental, com 1 a 4 anos de escolaridade apresentam um score médio de 23 no MMSE, variando entre 22 e 24. No grupo controlo, o valor médio para os idosos analfabetos é de 17 e para os idosos com 1 a 4 anos de escolaridade é de 24, variando entre 22 e 25. De acordo com a validação para a população portuguesa (Guerreiro, 1994), é preconizado um score limite para défice cognitivo de 15, em analfabetos, 22 para indivíduos com 1 a 11 anos de escolaridade e 27 para indivíduos com mais de 11 anos de escolaridade, tendo deste modo os resultados obtidos ultrapassado estes limites. Novos estudos apontam para médias mais elevadas do resultado final do MMSE, em função da escolaridade (Morgado et. al., 2010). Estudos nacionais desenvolvidos (Nunes, et al., 2004; Ribeiro, et al., 2006) e internacionais (Petersen, 2003; Mathews, et al., 2008) apontam para a necessidade de avaliar cada sub-escala do MMSE para se conseguir ser mais preciso na definiição do DCL, considerando nas amostras valores acima dos limites preconizados no MMSE. De facto, de acordo com a literatura, um individuo com DCL pode apresentar défice do funcionamento da memória e ter bons desempenhos em outros domínios cognitivos, o que está de acordo com a forma mnésica de DCL (Nunes, et al., 2004; Petersen, 2003). Desta forma, neste estudo assumimos incluir idosos com um score de MMSE superior aos limites estabelecidos para a população portuguesa, tendo em conta os resultados obtidos em cada sub-escala, no teste do relógio e na Escala de Avaliação de Demência, indo assim ao encontro de alguns estudos na área (Nunes et. al, 2004; Petersen & Selamawit, 2008). Com a análise das sub-escalas do MMSE verificamos que o maior défice encontra-se a nível da evocação, o que coaduna com os critérios estabelecidos para as alterações da memória no DCL mnésico (Petersen & Selamawit, 2008).
Na avaliação do teste do relógio, foram notórios os défices, estando todos os resultados abiaxo da classificação considerada para défice - classificação 3 (Distribuição visuo-espacial correta com marcação errada da hora) (Shulman et. al, 1996 citado por Pinto & Peters, 2009). Todos os participantes preencheram o critério de um resultado de 0,5 na escala de avaliação de Demência, tal como previsto nos estudos desnvolvidos (Petersen & Selamawit, 2008).
Relativamente à funcionalidade avaliada pelo Índice de Lawton, associada às atividades de vida instrumentais e ao Índice de Barthel, associado às atividades de vida diária, também não foram verificadas difererenças estatisticamente significativas entre as duas sub-amostras, o que se pode justificar pelo reduzido número da amostra Não se verificaram défices significativos a nível das atividades de vida instrumentais, com uma média global de 10,1%. As que apresentaram défices incluiram "fazer compras", "usar dinheiro" e "usar transporte".
Relação entre Variáveis Associadas à Efetividade
Alguns fatores podem interferir com a efetividade do programa. Pela sua importância abordamos a relação entre a participação dos familiares e a efetividade do programa de intervenção.
Apenas 6 familiares participaram no programa de intervenção, correspondendo a 35,5% da amostra. Dos familiares que participaram, na sua maioria (83%) eram filhos e apenas um familiar era o cônjuge. De notar que apenas uma dos filhos que participou vivia com o idoso participante Deste modo, não se verificaram através do teste de Mann-Whitney diferenças significativas pela participação dos familiares, não sendo possível concluir sobre a sua importância, contrapondo estudos como os de Kinsella (2009). Esta falta de participação foi atribuidaà ausência de consciencialização sobre o DCL ou pela indisponibilidade laboral, ou ainda pela ausência de suporte emocional.
Avaliação dos Procedimentos do Programa de Estimulação Cognitiva
Várias foram as queixas de memória repercutidas no dia a dia dos idosos com DCL e nas emoções sentidas. As alterações da memória a curto prazo, bem como de outras funções cognitivas como orientação, linguagem e atenção levaram os participantes a cessar ou diminuir atividades que desenvolviam, bem como a uma maior lentificação nas atividades de vida diária. Por consequência verifica-se um maior isolamento acompanhado de emoções como ansiedade, tristeza e frustração, corroborando assim com estudos desenvolvidos sobre a presença de sintomas de ansiedade nos idosos com DCL (Rozzini, et al., 2009).
Relativamente às estratégias alvo de ensino e de treino, verificamos uma melhoria na utilização das mesmas, estando de acordo com estudos em que se verificou a implementação de estratégias de memória (Kinsella, et al., 2009). No entanto, e apesar de ter sido igualmente notório o aumento da utilização de estratégias internas da memória, a melhoria incidiu especialmente nas estratégias externas da memória.
Uma das estratégias externas à qual recorreram com mais frequência após a intervenção foi o uso de agenda, seguido de pastas ou caixas para arquivar os documentos importantes e pessoais, por área. O uso de listas de compras e do calendário foram mantidos, tal como referidos em alguns estudos internacionais (Kinsella, et al., 2009). Dois dos participantes recorreram ao uso do alarme do telemóvel essencialmente para toma daa medicação). Das estratégias internas salientamos o uso da associação, das imagens visuais, da técnica da primeira letra e da repetição, já antes utilizada. Cada participante recorreu às estratégias que mais se adaptaram ao seu quotidiano e às suas características pessoais, tal como preconiza Kinsella et. al. (2009). Com a melhoria da utilização de estratégias da memória no quotidiano, os idosos alvo de intervenção referiram "sentir-se melhor e com maior capacidade para fazer face ao dia a dia" (sic).
Também os familiares que participaram no programa melhoraram no conhecimento das estratégias da memória, reforçando e supervisionando, sempre que possível, a sua aplicação no dia a dia dos idosos, tal como concluido em alguns estudos (Kinsella, et al., 2009). No entanto, as folhas para registo de estratégias por parte dos familiares não foram utilizadas, já que todos os familiares, excepto um, que participaram no programa não vivem com o idoso, pelo que não dispõem de tempo suficiente para o preenchimento da mesma.
Verificamos igualmente uma melhoria significativa na associação face-nome, corroborando com alguns estudos que utilizaram esta técnica (Belleville, et al., 2006; Jean, et al., 2010).
Efetividade do Programa de Estimulação Cognitiva
Tendo este estudo um desenho de pré e pós-teste, a avaliação das diferenças nos dois momentos em cada um dos grupos, bem como no pós-teste do grupo experimental e grupo controlo, através de testes objetivos, permitiu-nos perceber a efetividade do programa de estimulação cognitiva.
Relativamente ao grupo experimental que foi alvo da intervenção verificamos diferenças significativas, a nível cognitivo entre o pré e o pós-teste, reveladas pelo MMSE e teste do relógio. Houve um aumento das médias do pré para o pós-teste a nível de todas as funções cognitivas, exceto a retenção, por ausência de alteração no pré-teste. Salientamos áreas como a orientação, a evocação e a orientação visuo-espacial que apresentaram diferenças estatisticamente significativas após a intervenção, tal como referem os estudos de Belleville, et al.(2006).
Na escala de avaliação de demência não se verificaram alterações desde o início da intervenção, apenas ligeiras melhorias a nível das atividades domésticas e recreativas, no sentido do maior interesse e motivação para o desenvolvimento de passatempos intelectuais, bem como para retomarem algumas atividades sociais.
No grupo controlo, não se verificaram diferenças significativas do pré para o pós-teste, tendo-se verificado um ligeiro decréscimo na média do teste do relógio. Não verificamos alterações nas funções cognitivas avaliadas no MMSE, exceto a nível da evocação que apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas, houve um decréscimo da média.
Devido à baixa percentagem de dependência a nível das atividades de vida instrumentais refletidas pelo Índice de Lawton e das atividades de vida diária indicadas pelo Índice de Barthel e ao reduzido número da amostra, não nos é possível retirar conclusões a este nível, assumindo não analisar as diferenças entre os dois momentos de avaliação, já que não traria ganhos pertinentes para a investigação.
No pós-teste de ambos os grupos verificamos a nível cognitivo diferenças significativas entre os dois grupos, com uma evolução positiva no grupo experimental. Relativamente ao teste do relógio, a média no grupo experimental (3,06; DP=0,66) é superior à do grupo controlo, verificando-se como tal diferenças estatisticamente significativas, reveladas pelo teste de Mann-Whitney: U= -3,437; p=,001
As funções cognitivas que sofreram uma maior evolução positiva, com diferenças estatisticamente significativas incidem na evocação e na linguagem (quadro 2).
Vários estudos revelam a melhoria na evocação após uma intervenção cognitiva (Belleville, et al., 2006; Kinsella, et al., 2009). Relativamente à linguagem, estudos revelam possíveis défices a este nível cognitivo no DCL mas no entanto sem resultados a nível da efetividade de programas de intervenção cognitiva (Saunders & Summers, 2010). Deste modo, atribuimos com alguma precaução e sem generalizações, esta melhoria a nível da linguagem, à alteração positiva da memória e à maior utilização de estratégias da memória, corroborando assim com o estudo de Kinsella, et al. (2009).
O facto de todos os participantes do grupo experimental terem sido alvo de todo o programa contribuiu para os resultados obtidos, já que tiveram a oportunidade de desenvolver todas as atividades propostas. A facilidade de horário oferecida facilitou a presença e participação de todos os idosos no programa, sendo deste modo importante, em programas futuros ter sempre em conta estas questões, essencialmente se as intervenções forem desenvolvidas no seio da comunidade, com idosos que não se encontram institucionalizados.
O follow-up foi realizado três meses após, não se tendo verificado diferenças estatisticamente significativas. Relativamente às estratégias da memória 76,5% dos participantes alvo de intervenção continuaram a utilizar, com ênfase nas estratégias externas.
CONCLUSÕES
Com este estudo foi possível, sem generalizações ambiciosas traçar o perfil cognitivo dos idosos com DCL, verificando-se um maior défice a nível da orientação, da evocação e da orientação visuo-espacial, com ênfase na segunda função cognitiva. Estes resultados coadunam com a presença de défice cognitivo mnésico. A nível funcional não foi possível estabelecer um perfil exato, já que os níveis de dependência não são significativos.
Com a aplicação do programa de estimulação cognitiva verificamos que um dos pontos fortes foi o ensino e treino de estratégias da memória, com uma evidente melhoria no grupo experimental após a intervenção. A frequência de utilização das estratégias externas da memória foi maior do que as estratégias internas da memória, pela falta de conhecimento inicial e pela maior dificuldade na sua aplicação.
Era esperada uma maior participação da família, sendo necessária uma maior consciencialização e envolvimento da família.
Os resultados do programa foram visivelmente positivos a nível de algumas funções cognitivas no grupo experimental, verificando-se melhoria a nível da memória a curto prazo, da orientação, da linguagem e da orientação visuo-espacial, espelhadas nos teste cognitivos e no desenvolvimento das atividades propostas, como a associação face-nome que foi por sua vez, alvo de melhoria. Pela natureza dos testes analisados, outras funções cognitivas podem estar associadas como a atenção e a compreensão. Não foi possível avaliar adequadamente o nível de dependência nas atividades de vida diária e instrumentais, sendo como tal necessários mais estudos e o desenvolvimento de programas mais direccionados para a funcionalidade, ou de preferência conjugando o nível cognitivo e funcional. No grupo controlo não se verificaram alterações significativas a nível cognitivo e funcional. De notar igualmente que o programa levou a um aumento da interacção social, que por só é um fator favorável para a melhoria e/ou manutenção das funções cognitivas.
Após a sua aplicação concluimos que é um programa simples e de fácil aplicação, centrado na pessoa e na família, podendo ser aplicado tanto em grupo na comunidade, como no domicilio. Pelas atividades e materiais que preconiza é um programa económico, podendo ser adaptado à realidade e contexto do participante e do profissisonal. Sugerimos contudo, um maior número de sessões que incidam essencialmente no ensino e treino de estratégias internas da memória, podendo também ser útil o acompanhamento individual no contexto do idoso ou se possível o maior envolvimento familiar. Sugerimos também em próximos estudos realizar a avaliação da satisfação relativamente ao programa, por parte dos participantes, sendo um óptimo indicador de qualidade e melhoria.
Perante a análise dos resultados obtidos, concluimos que o prgrama revelou ganhos em saúde, passíveis de serem traduzidos em indicadores de resultados sensíveis à intervenção de Enfermagem.
Limitações do Estudo
Sendo um estudo quase-experimental, a ausência de aleatoriedade na distribuição dos participantes no grupo experimental e controlo pode ser considerada uma limitação do estudo, já que levanta questões sobre a validade interna do estudo.
O número da amostra pode ser também considerado um fator limitador, pois diminui a possibilidade de generalizações. Para além da dificuldade em detetar casos de DCL, sendo necessário despistar uma grande quantidade de indivíduos, o fator tempo também não foi benéfico para a realização do programa.
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Recebido para publicação a: 30.03.2013
Aceite para publicação a: 30.04.2013