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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.17 Porto jun. 2017

https://doi.org/10.19131/rpesm.0185 

 

ARTIGO DE OPINIÃO

 

 

Enfermagem em pedopsiquiatria: especificidades do cuidar

 

Nursing in Pedopsychiatry: care specificities

 

Enfermaría em Pedopsiquiatría: Especificaciones de cuidar

 

 

José Carlos Baltazar Dias*, & José Carlos Carvalho**

 

*Enfermeiro chefe no Centro Hospitalar do Porto – Departamento de Psiquiatria da Infância e da adolescência, Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, Curso de Administração de Serviços de Enfermagem; E-mail: jcb.dias@sapo.pt

 

**Doutor em Ciências de Enfermagem; Especialista em Enfermagem de Saúde Mental; Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal, E-mail:  zecarlos@esenf.pt

 

 

RESUMO

 

O contacto com a realidade e com a problemática da infância e da adolescência, assim como a pertinência da abordagem desta temática, serviu de mote à elaboração de uma reflexão sobre o contributo da enfermagem no seio da equipa multidisciplinar e ao mesmo tempo, poder constituir um documento útil, para todos aqueles que têm contacto com as crianças e com os adolescentes que experienciam distúrbios da sua saúde mental.

Temos como finalidade fazer uma abordagem global do que fazem os enfermeiros nesta área tão especifica e singular da Psiquiatria e dos principais problemas de saúde mental para a criança e o adolescente, assim como os desafios que se colocam à enfermagem de saúde mental do ponto de vista assistencial e assim como ter uma perspetiva dos focos de atenção na assistência a estas faixas etárias.

 

Palavras-Chave: Enfermagem; Saúde Mental; Adolescência; Infância

 

 

ABSTRACT

The awareness of the complexity involving the childhood and adolescence has led to an important reflection on these subjects and to the development of an approach focused on the contributions of nursing within the multidisciplinary team. Additionally, this study is also intended, to provide useful guidelines for all professionals directly working with children and adolescents suffering from mental health disorders.

 

The purpose of this study is to globally approach nursing interventions in this particular area of Psychiatry and identify the main mental health problems affecting the child and the adolescent. It is also our intention to address the current challenges on mental health nursing in what concerns the delivery of support and identify the main focus of attention in order to provide effective and targeted interventions to these group of persons.

 

Keywords: Nursing; Mental Health; Adolescence; Childhood

 

RESUMEN

El contacto con la realidad y con los problemas de la infancia y adolescencia, así como la importancia del abordaje de esta temática ha sido el motivo para la elaboración de una reflexión sobre la contribución de la enfermería dentro del equipo multidisciplinar, al mismo tiempo que constituye un documento útil para todos aquéllos que tienen contacto con los niños y adolescentes que sufren trastornos de salud mental. Tenemos la intención de hacer un enfoque global de la labor de los enfermeros en este área tan específica y singular de la Psiquiatría y de los principales problemas de salud mental para el niño y adolescente, así como los desafíos para la enfermería de salud mental desde el punto de vista asistencial y tener una perspectiva de los temas de interés en la asistencia a estos grupos de edad.

Palabras Claves: enfermería; salud mental; adolescencia; infancia

 


 

Introdução

Nelson Mandela, vulto maior que a Humanidade conheceu no século XX, disse um dia que “o importante não são os anos que vivemos, mas a diferença que fazemos na vida dos outros”.

Está dado o mote para o presente artigo: reflectir sobre a importância dos enfermeiros de saúde mental na equipe multiprofissional de Pedopsiquiatria.

Qual o sentido da nossa prática clínica?

Que acrescentam estes enfermeiros aos ganhos em saúde mental das crianças, adolescentes e pais/cuidadores?

Qual a mais valia do seu trabalho?

Esta reflexão ajuda a perceber o caminho percorrido, definir metas, encontrar osentido da prática clínica e contribui para a tomada de consciência profissional, nem sempre adquirida nos enfermeiros. Diríamos até que, por vezes, os pais/cuidadores têm uma percepção mais clara da importância do cuidar dos enfermeiros de que eles próprios. É, pois um trabalho de introspecção e de clarificação da identidade do cuidar, nesta área de diferenciação clínica que nos propomos neste artigo.

Sendo a infância e a adolescência, áreas nobres do desenvolvimento humano, com implicações em todo o ciclo de vida, deveriam merecer atenção especial da sociedade.

A Academia Americana de Psiquiatria da Infância e da Adolescência e a OMS-Região Europeia, referem que uma em cada cinco crianças apresenta evidência de problemas de saúde mental e este peso tende a aumentar (Ministério da Saúde, 2008).

De acordo com o Plano Nacional de Saúde Mental (2007/2016), “em Portugal é urgente desenvolver serviços e programas que permitam respostas de qualidade às necessidades de cuidados da infância e adolescência, a nível da prevenção e do tratamento, de acordo com os seguintes objetivos: promover a saúde mental infantil e juvenil junto da população, melhorar a prestação de cuidados, favorecendo e implementando a articulação entre os serviços de saúde mental infanto-juvenil e outras estruturas ligadas à saúde, educação, serviços sociais e direito de menores e família” (Ministério da Saúde, 2008).

E neste documento definem como necessidade… “o desenvolvimento e melhoria dos serviços” e “implementar programas de formação em saúde mental da infância e adolescência para técnicos de saúde, profissionais da educação, segurança social e serviços judiciais de menores”, realçando ainda a importância de “na área da infância e da adolescência é indispensável promover a articulação entre os serviços de saúde mental e os serviços da segurança social, nomeadamente as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em risco (CPCJ)” (Ministério da Saúde, 2008).

Como defendem a OCDE e a OMS, todo o investimento em saúde feito nos primeiros anos de vida é altamente rentável no futuro, por dólar de investimento em programas da 1ª infância tem um retorno de 6 a 7 superior (Grilo, 2016).

A contextualização histórica é importante, uma vez que sendo a Pedopsiquiatria uma área jovem no seio da Psiquiatria, as bases para a promoção da saúde mental, plasmadas na Lei nº 2118 de 3 de Abril de 1963, já definiam que “as providências concernentes à saúde mental da infância e da adolescência devem ser consideradas de importância primordial” (Lei n.º 2118 de 3 de abril, 1963).

Em 1964, o Decreto-Lei nº 46102, permite a criação dos Centros de Saúde Mental, dotados de autonomia técnica (Decreto-Lei n.º 46102 de 23 de dezembro, 1964)

A evolução passou por abertura do “Dispensário de Saúde Mental Infantil” na rua do Vilar, no Porto em 1965, e mais tarde, em 1968, pelo Dispensário de Saúde Mental Infantil” nas instalações do atual Hospital de Magalhães Lemos.

Contudo, o primeiro serviço de internamento em Pedopsiquiatria abre em 1974 no Porto, seguindo-se o de Lisboa em 2001 e o terceiro apenas em finais de 2016, em Coimbra.

Estes departamentos, são constituídos por equipas multiprofissionais (pedopsiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeuta ocupacionais…) e com serviços de atendimento: a Primeira infância; Segunda infância; Hospital de Dia infantil; Internamento de adolescentes; Urgência; Unidade de Psicologia; Consultas diferenciadas (Perturbação Hiperatividade e Défice de Atenção - PHDA; Consulta de perturbações do comportamento alimentar; Consulta de comportamentos auto lesivos); Programa pós-alta de 1º surto psicótico; Grupos de pais e outros grupos terapêuticos…, realçando que cada departamento tem autonomia.

Estas equipas utilizam, para além dos recursos farmacológicos, diversas técnicas psicoterapêuticas como por exemplo: balneoterapia, expressão plástica, grupo de jogo simbólico, psicodrama, terapia familiar, grupo de pares… o que permite uma abordagem à problemática dos doentes/família de forma holística.

 

Pressupostos básicos para se trabalhar em Pedopsiquiatria

É nosso entendimento, face à complexidade e aos desafios que se colocam na Saúde, que não existe melhor maneira de se trabalhar do que em equipa. Parecendo uma verdade de Jacques de La Palice, esta afirmação carece de clarificação: o trabalho em equipa multiprofissional, assumido como um espaço de partilha de saberes e competências singulares, iguais em dignidade, interligadas, complementares e leais que convergem para um objectivo – o melhor estado de saúde (mental) do doente e suas famílias. Temos a convicção que em saúde mental este trabalho tem décadas de consolidação, bastando para tal recordar o inestimável contributo que as “Brigadas móveis”, iniciadas na década de 60 do séc. XX (Lei n.º 2118 de 3 de abril, 1963), que permitiram maior acesso aos cuidados de saúde mental. Esta é uma mais valia que os técnicos de Saúde Mental possuem e que importa rentabilizar.

Assim, um primeiro pressuposto a considerar é a capacidade para trabalhar com outros técnicos como por exemplo pedopsiquiatras, psicólogos, técnicos de serviço social, terapeutas ocupacionais, técnicos de expressão artística, educadores de infância, professores. O segundo pressuposto fundamental é possuir um conhecimento sólido da especificidade do “Ser Enfermeiro” e das características do “setting” de enfermagem.

O “Foco” de enfermagem é “a resposta do Ser Humano à doença e aos processos de vida (Regulamento n.º 129 de 18 fevereiro, 2011).

A conceção de cuidados de enfermagem nesta área, deve incluir a atenção aos pais, não só pela importância que desempenham na vida dos filhos, mas porque constituem uma imprescindível variável na saúde mental dos mesmos; motivar os pais a serem um aliado terapêutico é o grande desafio. É inapropriado a indução de culpabilidade aos pais pelas dificuldades dos filhos ou pela inabilidade em cuidar deles; estes, precisam de apoio e não de juízes a condená-los ou a desresponsabilizá-los. Nesse apoio deve privilegiar-se a escuta activa em detrimento de doutos aconselhamentos; os pais precisam de espaço para exprimir emoções e esclarecer dúvidas para que possam, paulatinamente, ultrapassar as suas dificuldades e angústias.

Por outro lado, “está proibido” afirmar-se, que as crianças/adolescentes internados (ou em ambulatório) “se portam mal” ou “são maus” porque, isto é, subestimar o seu sofrimento; os enfermeiros devem concentrar-se nas emoções dos doentes ajudando-os a geri-las de uma forma adequada; estes podem estar com raiva, com ódio, inquietos, agitados, tristes, deprimidos…, mas não a portar-se mal! Não perceber isto é reduzir a saúde mental a comportamentos socialmente normativos. 

A observação clínica permitida pela prestação de cuidados de enfermagem é um contributo essencial na equipa, uma vez que é feito em contexto de “vivência real”, logo “menos asséptica” do ponto de vista da relação.

Importa, igualmente, ter presente que em saúde mental a dimensão dos cuidados de enfermagem não se esgota nas dimensões habitualmente consideradas – dimensão relacional, técnica e científica – mas devem incorporar uma quarta dimensão, a dimensão simbólica. É ela que torna diferenciador o cuidar em saúde mental. Por exemplo, a perfusão de um soro, para um enfermeiro de saúde mental, não poderá ser, apenas, a correcção de um desequilíbrio hidra-eletrolítico no doente, mas, que esse momento, proporciona, igualmente, à pessoa, um espaço regressivo e de “ser cuidado”.

A tipologia dos doentes tem acompanhado a evolução sociológica e dos índices de saúde em Portugal. Há 40 anos assistíamos a um elevado número de doentes com debilidade mental (oligofrenias), patologia psicótica, com dificuldades no autocontrolo, no autocuidado e nas actividades de vida diária; sequelas, em grande medida, da falta de assistência pré e perinatal.

Com a melhoria das respostas em saúde, as situações de anoxia e/ou hipoxia na altura do parto diminuíram drasticamente o que diminuiu, igualmente, as situações de deficiência mental resultantes dessas intercorrências gestacionais. Além disso, foram surgindo na comunidade instituições vocacionadas para os cuidados sociais e os serviços de Pedopsiquiatria intervêm na monitorização do seu estado de saúde (consulta externa) ou em situações de crise e/ou para descanso do cuidador (internamento).

Assim, as competências comunicacionais e a gestão de emoções, afiguram-se hoje, ferramentas essenciais bem como o autoconhecimento, a adequada gestão das relações intrapessoais, a consciência dos processos transferenciais, contratransferênciais e projectivos. Realça-se, a este propósito, que a primeira competência específica do enfermeiro especialista em saúde mental, definido pela Ordem dos Enfermeiros, refere que o enfermeiro de saúde mental “detém um elevado conhecimento e consciência de si enquanto pessoa e enfermeiro, mercê de vivências e processos de auto-conhecimento, desenvolvimento pessoal e profissional” (Regulamento n.º 129 de 18 fevereiro, 2011).

Espera-se que o enfermeiro assuma uma atitude psicoterapêutica. Para tal, é importante que:

  • Mantenha uma postura de escuta activa;
  • Centre-se nas emoções dos doentes/famílias;
  • Não emita juízos de valor respeitando a intimidade psicológica dos doentes;
  • Não fale sem intencionalidade terapêutica. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, “falar muito” com os doentes não significa, necessariamente comunicar bem com eles. Mais importante do que “falar muito” é, “falar bem”. O “falar bem” inclui, naturalmente, a capacidade de escuta activa, e a gestão adequada dos silêncios;
  • Não fale de si ou da sua família nas interacções com os doentes; é importante que estes sintam que a atenção do enfermeiro está nas suas dificuldades actuais e que motivaram a procura do serviço de saúde. Ao falar de si, altera o nível comunicacional que é fundamental na relação paciente/terapeuta para a contenção das angústias do doente.
  • Não utilize expressões como “o doente portou-se mal” ou “o doente portou-se bem”. Se o fizer, está a exprimir um juízo de valor às emoções do doente que, para além de ser reprovável do ponto de vista ético, não denota empatia pelo seu sofrimento, dificultando, naturalmente, a relação de ajuda que se espera da sua parte. As emoções sentidas pelo doente e expressas pelo seu comportamento, não são para ser “classificadas”, mas “ajudadas” a gerir, de forma a capacitar o doente a ultrapassar as suas dificuldades em lidar com elas, fomentando mecanismos de coping; o registo comunicacional do enfermeiro não deve ser punitivo ou permissivo, mas sim assertivo senão a sua comunicação não é terapêutica;
  • A administração farmacológica, especialmente a administrada em S.O.S., não pode ser feita com carácter punitivo – “estás agitado, vais tomar uma injecção”. É suposto que todos os recursos terapêuticos, incluindo os farmacológicos, sirvam para ajudar os doentes e não para os punir. A administração farmacológica tem que ser precedida de um momento de interacção com o doente em que se lhe explique o objectivo pretendido e se obtenha a sua colaboração; são raras as vezes em que isso não é possível;
  • Estar atento ao sofrimento dos pais, às suas decepções na função parental, à suaculpabilidade, ao luto do “filho idealizado”. Uma vez que o enfermeiro em Pedopsiquiatria possibilita ao doente a projecção das figuras parentais, deverá estar atento à rivalidade que os pais podem fazer com os enfermeiros e ter especial atenção em reforçar a importância que estes têm na vida dos filhos;    
  • Estar atento aos sentimentos de contratransferência que pode surgir na sua prática. É importante que fale disso com a restante equipa para que possam ser tomadas medidas de proteção da relação terapêutica.

 

FOCOS DE ATENÇÃO

 

Dificuldades de separação/individuação.

Ao contrário do que acontece nos serviços de pediatria, em que os pais estão junto dos filhos durante o tempo em que estes estão internados, em Pedopsiquiatria, os pais não permanecem junto dos filhos e estes estão ao cuidado da equipa. É necessário, portanto, ter especial atenção no momento da separação, proporcionando a nossa presença junto da criança/adolescente, facilitando a sua adaptação e integração no grupo de doentes/técnicos. Não esquecer, também, o apoio emocional aos pais, pois, por vezes, estes, são os que têm mais dificuldades na separação.

Dificuldades no sono/Perturbações do sono

As dificuldades de sono estão frequentemente presentes nestes doentes pelo que se torna imprescindível a vigilância atenta na hora de deitar, proporcionar um setting tranquilo, com utilização de técnicas de relaxamento por forma a serem indutoras do sono. Depois, é necessário vigiar como este decorre: de forma tranquila ou não, se o doente se mexe frequentemente, se apresenta períodos de insónia (inicial, intermédia, tardia), se se levanta de noite confuso ou não, se o sono é tranquilo ou se é entrecortado, se é reparador, como é o despertar do doente, qual é a percepção por parte do doente do seu sono.

Dificuldades na alimentação

Apesar da importância que deve merecer a qualidade alimentar, o foco de observação dos enfermeiros deve centrar-se na relação que o doente estabelece com o alimento e nas emoções que o momento da ingestão alimentar lhe desperta: prazer, culpabilidade, recusa, avidez, angústia, raiva…

Sendo o momento das refeições, uma altura de grande tenção emocional, especialmente nos doentes com Perturbações do Comportamento Alimentar, a presença do enfermeiro é fundamental para o securizar, se necessário.

Após a refeição, é importante a observação do comportamento: se aumenta a atividade física, se induz o vómito, se recorre de imediato ao wc, se fica triste, se se isola…

Dificuldades na interação

O internamento hospitalar, quer em regime de hospital de dia, quer em regime de internamento completo, deverá proporcionar uma experiência emocional corretiva de forma a ultrapassar as dificuldades apresentadas, nomeadamente nas dificuldades de interação social. A figura do enfermeiro, é absolutamente fundamental neste contexto, ao proporcionar o ambiente terapêutico (millieu therapy), promotor de saúde mental no internamento.

Aqui, todos os aspetos vivenciados pelo doente devem ser considerados terapêuticos. Pretende-se que o adolescente internado tenha um papel ativo e não um papel “de doente”, participando em diversas atividades “lúdico terapêuticas” disponíveis: natação, ginástica, yoga, atividades manuais, jardinagem, jogos diversos, culinária, etc.

Todos estes momentos devem proporcionar ao adolescente um espaço terapêutico, tranquilo e em que se sinta emocionalmente confortável. A presença do enfermeiro, em todos eles é fundamental porque permite avalia-lo em contextos observacionais diversos, para alem de poder ser necessário intervir precocemente.

Intolerância à frustração (Importância dos limites)

A postura tranquila, segura e assertiva é essencial nestes casos porque transmite segurança. Importa perceber quando o registo comunicacional do doente é desafiador e devolver um feedback sereno, sendo contraproducente responder com um discurso palavroso de excessivas justificações. A imposição de regras e limites é fundamental para que as crianças/adolescentes se sintam seguras, mas importa realçar que todas as regras devem ser transmitidas com afeto. A agressividade verbal reflete o sofrimento do doente e o seu pedido de ajuda; assim, teremos que responder com a nossa disponibilidade para perceber o que o inquieta para que este sinta que estamos empenhados em ajudá-lo e não a dirimir argumentação verbal.

Alterações do pensamento e da perceção

Administração de terapêutica e vigilância do seu efeito bem como dos efeitos secundários e a presença do enfermeiro junto do doente é fundamental para gerir estas alterações no doente. A atividade produtiva (delirante/alucinatória) não deve ser contrariada, mas sim tentar motivá-lo para atividades concretas como forma de atenuar as alterações do pensamento e/ou perceção que está a vivenciar.

Imagem corporal

Muito importante na adolescência, pelo que o apoio nas atividades de autocuidado é fundamental na ajuda no adolescer, sendo uma componente importante na melhoria da autoestima.

Dificuldades no papel parental

O apoio aos pais é fundamental.

A comunicação da equipa deve ser coerente para lhes reforçar a confiança, o que obriga a uma articulação cuidada entre os vários técnicos envolvidos.

Importa, essencialmente, escutar as angústias dos pais e ajudá-los a desenvolver melhores estratégias psicoeducacionais com os filhos, ou, não menos importante, encaminhá-los para outro técnico de saúde mental mais vocacionado para os ajudar se for caso disso. Ao contrário do que se possa pensar, as famílias têmuma perceção correta das competências dos vários elementos da equipa multiprofissional; não perguntam ao enfermeiro o que é do foro de outro grupo profissional, e se o fazem é na tentativa de validar a informação que outro profissional lhes deu; neste caso, temos que ser prudentes e remeter essas dúvidas para o técnico respetivo não permitindo, dessa forma, inquinar a equipa e o setting.  

Adesão terapêutica

Convém realçar as competências dos enfermeiros na colaboração dos doentes para a adesão à terapêutica farmacológica.

Recomenda-se uma abordagem comunicacional clara e honesta com o doente porque é geradora de confiança. A administração de terapêutica farmacológica nunca deve ser comunicada ao doente com um carácter punitivo, mas como algo que lhe disponibilizamos para o ajudar a sentir-se melhor. Se a abordagem comunicacional for punitiva (ex. portaste-te mal, vais tomar uma injeção…), deixamos de ser enfermeiros para sermos agentes da autoridade…

É suposto ajudarmos os doentes, não os punir!

Gestão do regime terapêutico.

Este é um dos focos em que os enfermeiros têm um papel fundamental na melhoria dos índices de saúde (mental) da população, quer na manutenção do tratamento em ambulatório, quer na articulação com os colegas dos cuidados de saúde primários, quer na deteção precoce da doença e encaminhamento adequado para tratamento, quer no apoio aos pais em ambulatório em programas de follow-up de primeiros surtos psicóticos.

Trabalhar em Rede

Abordamos, até aqui, o trabalho feito na equipa multidisciplinar de saúde mental da infância e da adolescência, em Hospital de Dia e Internamento completo, tentando realçar o contributo que o trabalho dos enfermeiros acrescenta.

Importa, agora, acrescentar outras dimensões importantes destes enfermeiros: o trabalho em rede, colaborando e recebendo colaboração dos nossos colegas de outras áreas de especialização: colegas dos cuidados de saúde primários, referenciando os doentes na altura da alta hospitalar (se os pais manifestarem esse desejo - estigma doença mental), de forma que o doente saia do hospital já com o agendamento da sua consulta de enfermagem no Centro de Saúde/USF e, muito importante, o nome do enfermeiro que o vai receber no Centro de Saúde; isto dignifica o trabalho de enfermagem porque “dá rosto” aos cuidados de enfermagem e, ao mesmo tempo, facilita a integração do doente ao novo serviço de saúde. Esta referenciação faz-se ao preço de uma chamada telefónica, sendo facilmente percepcionado, o baixo custo face ao benefício alcançado.

O trabalho de consultadoria clínica com os colegas da saúde comunitária é importante porque permite clarificar dúvidas desta área aos colegas dos CS, permitindo a detecção precoce de doentes em sofrimento psicológico e o encaminhamento célere para observação em unidades especializadas de saúde mental da infância e da adolescência, com os ganhos óbvios em saúde mental das famílias.

A articulação com os colegas da saúde escolar é muito importante, porque permite monitorizar os doentes no seu ambiente académico, detectando precocemente casos com necessidades de acompanhamento ou monitorizando-os após a alta com as dificuldades previsíveis.

O trabalho conjunto com os colegas da Pediatria é, igualmente importante, nomeadamente com adolescentes e mais especialmente com os adolescentes com perturbações do comportamento alimentar, uma vez que estes doentes podem ter necessidade de recorrer aos dois serviços durante a sua doença.

 

Reflexão Final

Refletir sobre as práticas e perspetivar novos desafios é seguramente um dos contributos que se espera de quem tem responsabilidade na área da pratica clinica e na formação e do ensino em enfermagem.

Um contributo simples, de encarar estes problemas de forma natural, contribuindo para a redução do estigma que está lhe associado, assim como, que sirva para novas reflexões e novos questionamentos do que é trabalhar com crianças e os adolescentes. Melhorar a literacia em saúde mental e permitir uma reflexão das problemáticas mais pertinentes, assim como as possíveis respostas e intervenções especializadas nesta população.

Se foi possível, despertar alguma curiosidade, daqueles que estando algo distantes desta realidade, possam ter interesse e atenção para o futuro, em saber mais/estudar/investigar nesta área tão específica, que é a Psiquiatria da infância e da adolescência, então o nosso contributo foi efetivo!

 

Referências Bibliográficas

 

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Recebido a 20 de fevreiro de 2017

Aceite para publicação a 30 de Abril de 2017

 

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