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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.18 Porto dez. 2017
https://doi.org/10.19131/rpesm.0188
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores da enfermagem
Use of psychoactive substances among nursing workers
Uso de sustancias psicoactivas entre los trabajadores de enfermería
Alessandro Rolim Scholze*, Júlia Trevisan Martins**, Ana Lúcia de Grandi***, Maria José Quina Galdino****, & Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi*****
*Enfermeiro; Mestrando na Universidade Estadual de Londrina, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Rua São Francisco de Assis, 32, apto. 304, Jardim Agari, 86020-510 Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: le.scholze@hotmail.com
**Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Associada na Universidade Estadual de Londrina, Curso de Graduação em Enfermagem e Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 86038-350 Londrina, Paraná, Brasil.E-mail: jtmartins@uel.br
***Enfermeira; Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; Professora Assistente na Universidade Estadual do Norte do Paraná, Departamento de Enfermagem, 86360-000 Bandeirantes, Paraná, Brasil. E-mail: analudegrandi@yahoo.com.br
****Enfermeira; Doutoranda na Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; Professora Assistente na Universidade Estadual do Norte do Paraná, Departamento de Enfermagem, 86360-000 Bandeirantes, Paraná, Brasil. E-mail: mariagaldino@uenp.edu.br
*****Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Titular na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, 14040-902 Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: avrmlccr@eerp.usp.br
RESUMO
CONTEXTO: O ambiente laboral da enfermagem pode predispor os trabalhadores ao uso de substâncias psicoativas, interferindo em sua saúde e na qualidade da assistência prestada.
OBJETIVO: Identificar o uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores da enfermagem.
MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 49 trabalhadoresde enfermagem das áreas hospitalar e atenção primária de um município da Região Sul do Brasil. Os dados de caracterização dos profissionais e do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test foram analisados por estatística descritiva, odds ratio e teste de qui-quadrado de Pearson.
RESULTADOS: O álcool foi a substância lícita mais consumida, e entre as ilícitas destacou-se a Cannabis. Não houve relação significativa entre o uso de álcool e as variáveis analisadas. Relacionaram-se ao tabagismo fatores ocupacionais e ligados à dependência da substância. Às substâncias psicoativas ilícitas vincularam-se apenas os fatores ligados ao seu consumo.
CONCLUSÃO: Os gestores precisam ser sensibilizados quanto ao uso de substâncias psicoativas pelos trabalhadores, rompendo com a concepção de punição e preconceito, bem como elaborar estratégias individuais e coletivas que ajudem os trabalhadores a interromper com uso nocivo e, assim, possam melhorar sua saúde e qualidade de vida.
Palavras-Chave: Enfermagem; Drogas ilícitas; Bebidas alcoólicas; Tabaco
ABSTRACT
BACKGROUND: The nursing work environment may predispose workers to the use of psychoactive substances, interfering with their health and the quality of care provided.
AIM: To identify the use of psychoactive substances among nursing workers.
METHODS: A cross-sectional study was carried out with 49 nursing workers from the hospital and primary care areas of a municipality in the Southern Region of Brazil. Data from the characterization of professionals and the Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test were analyzed by descriptive statistics, odds ratio and Pearson's chi-square test.
RESULTS: Alcohol was the most widely used licit substance, and among the illicit drugs marijuana was highlighted. There was no significant relationship between alcohol use and the analyzed variables. Occupational factors related to substance dependence were related to smoking. Illicit psychoactive substances were linked only to the factors related to their consumption.
CONCLUSION: Managers need to be sensitized to the use of psychoactive substances by workers, breaking with the conception of punishment and prejudice, and workers need to seek strategies that help them stop using harmful drugs and thus improve their health and quality of life.
Keywords: Nursing; Street drugs; Alcoholic beverages;Tobacco
RESUMEN
CONTEXTO: El entorno de trabajo de enfermería puede predisponer a los trabajadores al uso de sustancias psicoactivas, lo que podría afectar a su salud y la calidad de la atención.
OBJETIVO: Identificar el uso de sustancias psicoactivas entre los trabajadores de enfermería.
METODOLOGÍA:Estudio transversal con 49 trabajadores de enfermería de las áreas hospitalarias y de atención primaria de una ciudad en el sur de Brasil. Los datos de caracterización de los profesionales y del Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test fueron analizados por estadística descriptiva, odds ratio y prueba de chi-cuadrado de Pearson.
RESULTADOS: El alcohol fue la sustancia legal más consumida, y entre ilegal se destacó la marihuana. No hubo una relación significativa entre el consumo de alcohol y de las variables analizadas. Estaban relacionados con el tabaquismo y ocupacionales factores relacionados con la dependencia de sustancias. sustancias psicoactivas ilícitas vinculadas únicos factores relacionados con su consumo.
CONCLUSIÓN: Los gerentes tienen que ser sensibilizados en el uso de sustancias psicoactivas por parte de trabajadores, lo que altera el concepto de castigo y los prejuicios, y los trabajadores tienen que encontrar estrategias para ayudarles a dejar con consumo perjudicial y por lo tanto puede mejorar su salud y calidad la vida.
Palabras Clave: Enfermería; Drogas ilícitas; Bebidas alcohólicas; Tabaco
Introdução
O uso de substâncias psicoativas tem aumentado em todo o mundo, inclusive no Brasil, tornando-se um problema de saúde pública. O uso de tais substâncias, quer sejam lícitas ou ilícitas, traz prejuízos para a saúde e qualidade de vida dos indivíduos, e gera consequências negativas nos âmbitos político, econômico e social (De Bem, Delduque, Silva, 2016; World Health Organization, 2016).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 5% da população mundial entre 15 e 64 anos usaram drogas ilícitas em 2013; e, aproximadamente, 27 milhões sofreram algum problema devido ao uso abusivo de tais substâncias. No mesmo ano, o álcool esteve relacionado a uma parcela significativa de doenças e a 5,9% dos óbitos ocorridos mundialmente. Para 2015, a OMS fez uma projeção por país de consumo de álcool puro, e a estimativa para o Brasil foi de 9,1 litros por pessoa com 15 anos ou mais. Tais dados demonstram que as substâncias psicoativas são consumidas por indivíduos de diferentes faixas etárias, gêneros, classes econômicas e graus de escolaridade (World Health Organization, 2016).
Pesquisas têm demonstrado que o conteúdo e o contexto do trabalho, sobretudo aqueles com alto stress, podem tornar os trabalhadores mais vulneráveis ao consumo de substâncias psicoativas (Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress). Nesse sentido, os trabalhadores de enfermagem encontram-se expostos diariamente a situações críticas, convivendo diariamente com o sofrimento, dor e morte. Além do que vivenciam altas cargas de trabalho, ocasionadas pela extensiva jornada laboral, privação do sono, déficit de trabalhadores, insuficiência de recursos materiais, superlotação nos estabelecimentos de saúde, ritmo acelerado, relações interpessoais complexas, falta de reconhecimento, dentre outros (Prochnow et al., 2013; Phiri, Draper, Lambert, & Kolbe-Alexander, 2014; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress).
Assim, para evitar o sofrimento e as tensões oriundas das condições laborais, o trabalhador faz uso das substâncias psicoativas como estratégia de defesa, pois sua ação no sistema nervoso central gera uma sensação momentânea de bem-estar (Aggarwal et al., 2012; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress).
Contudo, este uso traz consequências a curto, médio e longo prazo, tais como: dificuldades de memória, aprendizado, atenção e tomada de decisões; alta morbimortalidade por causas externas; doenças crônicas não transmissíveis, sobretudo os distúrbios mentais. Ademais, afeta a capacidade para o trabalho, levando a danos pessoais, acidentes do trabalho, absentismo laboral e perda de emprego (Kaspersen et al., 2016; McHugo, Drake, Haiyi, & Bond, 2012). Entre os profissionais de saúde, as consequências podem ser nefastas, por colocar em risco a saúde e segurança dos clientes sob seus cuidados.
Diante deste panorama que se agrava com o avançar dos anos, a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde propõe a produção de conhecimento sobre os determinantes, fatores e populações de risco, relativos ao consumo de álcool, tabaco e outras drogas psicoativas para o desenvolvimento de políticas sociais. Desse modo e associado a escassez de estudos sobre o uso de substâncias psicoativas com os trabalhadores de enfermagem é fundamental a realização de estudos que identifiquem os fatores envolvidos nesse processo. Os achados poderão fornecer subsídios aos gestores e aos trabalhadores de enfermagem na execução de ações preventivas, de redução de danos e de tratamento de acordo com as diferentes necessidades. Assim, este estudo teve como objetivo identificar o uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores de enfermagem.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo e analítico, de delineamento transversal realizado com trabalhadores de enfermagem de uma instituição hospitalar e de sete Estratégias Saúde da Família de um município da Região Sul do Brasil. O hospital é um estabelecimento filantrópico que presta assistência à saúde até o nível de alta complexidade, por meio de seus 75 leitos e dos trabalhadores contratados no regime Consolidação das Leis do Trabalho. As Estratégias da Saúde da Família atendem, em nível de atenção primária, as necessidades de saúde da população adscrita, compreendendo todo o território do município, sendo os trabalhadores contratados em regime temporário (celetista) e definitivo (concurso público).
Os critérios de inclusão adotados foram: ser trabalhador de enfermagem e não estar de férias ou licença. Constituíram-se em prováveis participantes do estudo 62 trabalhadores da área hospitalar e 26 da atenção primária, perfazendo um total de 88 profissionais. Entretanto, 12 encontravam-se de licença e 27 recusaram-se a participar do estudo. Desta forma, a pesquisa foi realizada com uma amostra de 49 trabalhadores de enfermagem.
O instrumento de obtenção dos dados foi composto de questões para a caracterização sociodemográfica e ocupacional (sexo, idade, categoria profissional, local e turno de trabalho) e do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST).
O ASSIST é um instrumento que avalia o uso e o envolvimento com substâncias psicoativas por meio de oito questões sobre o uso de nove classes de drogas (tabaco, álcool, Cannabis, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiaceos), cujas respostas são fornecidas em escala do tipo Likert, que varia de 0 a 8. Este questionário permite o cálculo de diferentes pontuações, contudo o mais útil para a triagem clínica é o envolvimento com substâncias específicas, que indica a intensidade do risco relacionado ao consumo e sugestão de intervenções para encaminhamento. O ASSIST foi elaborado sob coordenação da OMS, validado internacionalmente e no Brasil, com boa consistência interna (alfa de Cronbach entre 0,79 e 0,81), sensibilidade (84% a 91%), especificidade (79% a 98%), valores preditivos positivos (80% a 93%) e negativos (85% a 96%) (Henrique et al., 2004).
Os dados foram obtidos entre os meses de setembro de 2013 e abril de 2014, no qual, os pesquisadores convidaram os prováveis participantes, com até três tentativas. Aqueles que aceitaram eram encaminhados a salas reservadas nos locais de trabalho, onde eram esclarecidos sobre o objeto de estudo, assinavam o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e a seguir respondiam o instrumento de coleta que era disponibilizado em envelope individual lacrado.
Os dados obtidos foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, por meio de estatística descritiva e analítica, em que foi calculado odds ratio e respectivos intervalos de confiança de 95%, e o teste de qui-quadrado de Pearson determinou as diferenças nas probabilidades, considerando p≤0,05 como estatisticamente significativo.
O estudo atendeu aos aspectos éticos nacionais e internacionais durante todo seu percurso. A pesquisa foi aprovada por Comissão de Ética em Pesquisa, conforme Parecer n.° 579.919 e CAAE n.° 20439713.1.0000.0108.
Resultados
Dos 49 trabalhadores de enfermagem a maioria pertencia ao sexo feminino 95,92% (n=47) e a idade variou 23 e 61 anos, com média de 38 anos (DP=9,69). Quanto ao perfil ocupacional predominaram auxiliares e técnicos de enfermagem (75,51%; n=37), trabalhadores da área hospitalar (63,27%; n=31) e que desenvolviam as atividades no período diurno (71,43%; n=35).
A maioria das substâncias psicoativas pesquisadas foi consumida pelos participantes ao menos uma vez na vida, conforme identificado na Tabela 1. Ao analisar as lícitas, predominou o uso de bebidas alcoólicas, e entre as ilícitas a Cannabis.
As variáveis de estudo não apresentaram significância estatística com o consumo de álcool frequente (últimos três meses). Ao analisar o envolvimento com o álcool, verificou-se que 91,84% (n=45) dos participantes apresentavam baixo risco de problemas relacionados à esse uso, e desta forma devem receber apenas orientação preventiva. Todavia, 8,16% (n=4) apresentavam risco moderado, devendo-se realizar uma intervenção breve.
A Tabela 2 demonstra que entre os trabalhadores de enfermagem da área hospitalar a probabilidade de uso de tabaco foi 8,09 vezes maior do que entre aqueles que trabalhavam na atenção primária. Desenvolver as atividades laborais no período noturno aumentou as chances em 4,50 vezes do consumo de tabaco. Também constatou-se significância entre aqueles que perceberam o desejo ou urgência em consumir; problemas de saúde, sociais, legais ou financeiros relacionados ao uso; deixar de fazer atividades quotidianas devido ao consumo; preocupação de familiares quanto ao uso; e insucesso na tentativa de controlar, diminuir ou parar o consumo de tabaco.
Ao caracterizar o envolvimento com o tabaco, identificou-se que 77,55% (n=38) dos trabalhadores de enfermagem apresentavam baixo risco de problemas relacionados a esse uso, e desta forma devem receber apenas uma orientação preventiva. 18,37% (n=9) apresentavam risco moderado, devendo-se realizar uma intervenção breve, pois o uso da substância pode ser nocivo ou problemático; e 4,08% (n=2) alto risco, com indicativo de dependência do tabaco, devendo ser encaminhados para tratamento especializado.
Entre aqueles que referiram fazer uso de substâncias psicoativas ilícitas ou sem prescrição médica nos três últimos meses, apresentaram-se estatisticamente significantes os fatores: forte desejo ou urgência em consumir; deixar de fazer atividades quotidianas devido ao consumo; preocupação de familiares quanto ao uso; e insucesso na tentativa de controlar, diminuir ou parar o uso das substâncias ilícitas (Tabela 3).
Quanto ao envolvimento com tais substâncias, apenas um trabalhador apresentou risco moderado e, portanto, deve receber intervenção breve para anfetaminas, alucinógeno e sedativo. Os demais participantes devem ser apenas orientados preventivamente por se enquadrarem em baixo risco de problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas ilícitas.
Discussão
Os dados sociodemográficos e ocupacionais dos trabalhadores de enfermagem deste estudo são semelhantes àqueles obtidos por estudos realizados no Brasil e no exterior, nos quais houve predominância do sexo feminino, o que se relaciona as características sócio-históricas da profissão (Prochnow et al., 2013; Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013).
Identificou-se que a maioria das substâncias psicoativas pesquisadas foi consumida pelos participantes ao menos uma vez na vida, destacando-se o álcool, tabaco e Cannabis, o que foi observado também na população geral em todo o mundo (World Health Organization, 2016). Assim sendo, pressupõe-se que os profissionais da enfermagem também estão expostos às vulnerabilidades associadas ao consumo de substâncias de uma maneira geral.
O uso de substâncias psicoativas está presente na sociedade deste a antiguidade nas comemorações e, até mesmo, em atos religiosos. Após a revolução industrial o ser humano passou a buscar diferentes alternativas para aumentar o prazer e diminuir o sofrimento vivenciado em seu ambiente laboral, destacando-se o uso de substâncias psicoativas como alternativa rápida e eficaz para lhe proporcionar o bem-estar, estabilizar o humor, para o relaxamento e reduzir o stress (Taggar et al., 2015).
Ainda é importante compreender que, muitas vezes, estes profissionais além das atividades profissionais têm que se dedicar aos trabalhos domésticos, como cuidar da casa e dos filhos, o que contribui no aumento da sobrecarga e do desgaste, e favorece a busca por alternativas para proporcionar um alívio.
Entretanto, além de distúrbios físicos e psicológicos, as substâncias psicoativas causam dependência e, por consequência, estigmatiza o usuário, que passa a ser compreendido como uma pessoa com falhas no caráter e perigosa, que apresenta comportamento ameaçador e nocivo à sociedade, sem levar em consideração que se trata de um problema complexo e que precisa de tratamento (Varas-Díaz, Negrón, Neilands, Bou, & Rivera, 2010).
O uso de álcool frequente não apresentou diferenças significativas com as variáveis sociodemográficas e ocupacionais dos participantes, tampouco os fatores ligados ao seu consumo, o que pode ter ocorrido pelo fato das bebidas alcoólicas serem substâncias psicoativas com o consumo socialmente aceite e incentivado. Desse modo, a forma de beber não é vista pelo indivíduo como algo prejudicial à sua saúde ou motivo de preocupação.
Infere-se que o consumo de álcool pode estar relacionado ao ambiente com alto stress em que os profissionais da enfermagem estão inseridos, pois o álcool é uma substância ansiolítica que provoca uma diminuição da tensão e relaxamento, contribuindo para o consumo entre os trabalhadores. Entretanto, o uso das bebidas alcoólicas constitui-se em fator de risco universal para o desencadeamento de mais de 200 diferentes prejuízos de saúde, sendo responsável por cerca de 5,1% da carga global de doenças e lesões a população, o que implica em um aumento do absentismo laboral (World Health Organization, 2016).
Nesse sentido, o álcool foi associado ao risco para o desenvolvimento de neoplasias, por ter um efeito carcinogênico ainda desconhecido. As bebidas alcoólicas causam lesões diretas no epitélio do trato digestivo e respiratório superior, o que pode favorecer a absorção de carcinógenos aumentando a predisposição às neoplasias de trato digestivo alto, estômago, cólon e reto. Também há um aumento significativo de câncer de mama, próstata, fígado, pâncreas e pulmão entre indivíduos que fazem uso habitual de álcool (Bagnardi et al., 2015).
O álcool quando ingerido em pequenas doses e esporadicamente possui um efeito cardioprotetor. Contudo, quando ocorre a ingestão em níveis mais elevados associa-se ao aumento do risco cardiovascular, sobretudo para hipertensão, cardiomiopatia dilatada não isquêmica, fibrilação atrial e acidente vascular encefálico isquêmico e hemorrágico. Também associa-se a complicações metabólicas, como obesidade e diabetes mellitus tipo 2, e pode ocasionar a intoxicação aguda, acidentes, violência e conflitos sociais (O’Keefe, Bhatti, Bajwa, DiNicolantonio, & Lavie, 2014).
Neste sentido, se faz necessário proporcionar ao trabalhador de enfermagem um ambiente de trabalho com características positivas, como a autonomia profissional, participação nas decisões da instituição e um bom relacionamento com a equipe multiprofissional, bem como incentivar outras atividades relaxantes que promovem o bem-estar como o exercício físico e o lazer.
Quanto ao consumo do tabaco, identificou-se maior probabilidade entre os trabalhadores que desenvolviam suas atividades na área hospitalar e no período noturno. Pressupõe-se que o trabalho em nível hospitalar possui peculiaridades que o tornam níveis mais altos de stress, do que aquele desenvolvido na atenção primária. Esses trabalhadores encontram-se expostos aos diversos riscos ocupacionais tradicionais e aos riscos psicossociais que repercutem em stress, ansiedade e adoecimento mental, os quais têm sido considerados inerentes ao trabalho neste ambiente. Desse modo, o tabagismo pode ser utilizado como fuga tanto dos problemas laborais, como pessoais (Heikkilä et al., 2012; Perry, Lamont, Brunero, Gallagher, & Duffield, 2015).
Em pesquisa realizada com enfermeiros norte-americanos que trabalhavam no período noturno há mais de 15 anos, identificou-se que esses profissionais tinham uma tendência ao tabagismo, o que se relaciona a sobrecarga de atividades, desgaste e stress. Os autores afirmam que o trabalho noturno traz prejuízos à saúde, como obesidade, abuso de álcool, sedentarismo, alterações no padrão de sono, doenças cardiovasculares, adoecimento mental, além de repercutir em insatisfação laboral. Entretanto, os profissionais que possuem idade mais avançada têm dificuldades de deixar de fumar e apesar de saber dos malefícios, muitos se negam a participar de programas para tratamento (Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013).
Entre as patologias que estão associadas ao tabagismo destacam-se os problemas respiratórios, sobretudo enfisema pulmonar, bronquite, infecções de vias áreas e tuberculose, além de ser fator de risco significativo para o câncer de pulmão, pois cerca de 87% dos casos que evoluem a óbito estão relacionados ao hábito de fumar (Zinonos, Zachariadou, Zannetos, Panayiotou, & Georgiou, 2016).
Em contraposição às bebidas alcoólicas, os participantes deste estudo que consumiam tabaco percebem que a dependência da substância gera problemas de saúde, sociais ou financeiros, bem como o tabagismo é motivo de preocupação de familiares, e reconhecem a dificuldade na tentativa de diminuir ou parar com o consumo. Assim, torna-se necessário a adoção de medidas preventivas que diminuam o stress ocupacional para a equipe de enfermagem, e a implementação nas instituições de programas que auxiliem aqueles que desejam abandonar o vício, para além da simples proibição do uso do tabaco no ambiente laboral, considerando a repercussão pessoal e social que o tabagismo acarreta ao trabalhador.
Esses programas devem considerar a dificuldade e a complexidade do trabalhador cessar o tabagismo, pois a dependência da nicotina é física e psicológica, e tornam-se necessárias intervenções farmacológicas e psicoterapêuticas (Taggar et al., 2015).
Nota-se neste estudo, o envolvimento dos trabalhadores da enfermagem com as substâncias ilícitas, sendo a Cannabisa mais relatada, que é a substância ilícita mais consumida em nível mundial (Aggarwal et al., 2012). De modo semelhante ao consumo de álcool e tabagismo, o uso das demais substâncias psicoativas está diretamente relacionado às vivências de stress e sofrimento advindo das sobrecargas que lhe são impostas e das condições laborais inadequadas, que associada a facilidade de acesso as drogas, são fatores contributivos para o uso por esses profissionais (Phiri, Draper, Lambert, Kolbe-Alexander, 2014; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress).
Estudos mostraram que os trabalhadores de enfermagem fazem uso de álcool, tabaco e demais drogas psicoativas, porém ao compará-los com a população geral evidencia-se um consumo menor. Pressupõe-se que esses profissionais adotam um estilo de vida saudável ou, ainda, que esta é uma informação subnotificada, pois há um constrangimento e insegurança dos profissionais relatarem o uso dessas substâncias, considerando que a sociedade espera deles padrões de comportamento, isto é, são pessoas que apresentam o saber técnico-científico, que possuem a função esclarecer a população quanto os agravos oriundos ao uso abusivo e encaminhar o indivíduo ao tratamento. Além disso, há o medo de sofrer represálias do empregador e até mesmo ser demitido (Rocha & David, 2015; Sarna Sarna, Bialous, Nandy, & Yang, 2012; Zinonos, Zachariadou, Zannetos, Panayiotou, & Georgiou, 2016). Esta assertiva também pode explicar o fato de 30,7% dos trabalhadores da população terem se recusado a participar deste estudo, a fim de evitar sua exposição.
Outra investigação demonstrou o consumo de anfetaminas, opioides e benzodiazepínicos, além do álcool e tabaco entre trabalhadores de enfermagem. Indicou-se que esses profissionais possuem facilidade de acesso a esses tipos de drogas por estarem presentes nos serviços de saúde e a guarda de tais medicamentos ficarem sob sua responsabilidade. Também mostrou-se que, na maioria das vezes, são utilizados com a finalidade de diminuir o stress laboral e o cansaço devido à jornada extensa de trabalho (Rocha & David, 2015).
O envolvimento com substâncias específicas mostrou que a maioria dos participantes deste estudo deveriam receber orientações preventivas ou intervenção breve. Tais intervenções consistem em encontros presenciais e breves para fornecer informações e aconselhamento para evitar o uso de substâncias, ou ensinar habilidades de mudança de comportamento. Há evidências científicas que as intervenções breves realizadas na atenção primária reduzem as probabilidades de sofrer consequências negativas, tais como lesões, doenças e incapacidades associadas ao uso não-médico de substâncias psicoativas (Young et al., 2014).
Estudo acrescenta que os programas de redução de danos para o consumo de substâncias psicoativas devem ser inseridos nos estabelecimentos de saúde, sobretudo nos ambientes hospitalares, considerando que os programas voltados aos hábitos de vida apresentam uma grande resistência pelos trabalhadores. Portanto, as instituições devem oferecer um suporte visando um atendimento individual e precoce, no qual, o indivíduo será auxiliado na modificação de seus hábitos e no enfrentamento das situações laborais, sem repreender o trabalhador a fim de evitar o seu distanciamento (Perry, Lamont, Brunero, Gallagher, & Duffield, 2015).
As limitações deste estudo estiveram relacionadas ao delineamento transversal que não possibilita o adequado estabelecimento da relação causa e efeito. Deve-se considerar que foi uma pesquisa autorreferida, e que os participantes podem ter respondido o questionário considerando os padrões aceitáveis pela sociedade, visto que há uma estigmatização com aqueles que fazem uso abusivo, uso de substâncias ilícitas, sem prescrição médica e a dependência química. Outra limitação diz respeito ao fato de ser uma amostra de profissionais de um município de porte pequeno o que inviabiliza a generalização dos seus resultados.
Entretanto, os objetivos do estudo foram alcançados e os seus resultados avançam no conhecimento por ter identificado o uso de substâncias psicoativas entre a equipe de enfermagem da atenção primária e instituição hospitalar, e a necessidade de intervenção.
Embora este profissional, pelo conteúdo do seu trabalho e sua formação, conheça os efeitos prejudiciais do álcool, tabaco e demais substâncias nos níveis biopsicossocial, encontram-se vulneráveis ao uso. Assim é preciso compreender que por traz dos profissionais, há pessoas que pertencem a uma sociedade que incentiva o consumo de algumas substâncias, e que sofrem as mesmas influências que os indivíduos que não fazem parte da área da saúde.
Esses achados sugerem a necessidade da implementação de ações voltadas para a redução de danos a saúde dos trabalhadores. Os gestores das instituições de saúde devem estar abertos e sensibilizados com relação à este consumo, buscando compreender o trabalhador em sua singularidade, e romper com a concepção de punição e preconceito que ainda é comum quando se trata do uso substâncias psicoativas. Torna-se premente que os trabalhadores enfrentem esta questão e busquem apoio para interromper o uso e, assim, possam melhorar sua saúde e qualidade de vida e, por consequência, repercutir em uma melhor assistência de enfermagem aos clientes que estão sob seus cuidados.
Conclusão
O álcool foi a substância mais consumida entre os participantes da pesquisa e não apresentou relação com os fatores em estudo. O tabaco foi a segunda substância psicoativa mais consumida e esteve relacionado ao trabalho na área hospitalar e noturno, bem como aos fatores ligados a dependência da substância. Entre as substâncias psicoativas ilícitas, relacionaram-se apenas os fatores ligados ao seu consumo. Quanto ao envolvimento com substâncias específicas prevaleceu o baixo risco para o uso de álcool, tabaco, anfetaminas, alucinógenos e sedativos, devendo-se orientar preventivamente os trabalhadores.
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Recebido a 15 de novembro de 2016
Aceite para publicação a 29 de outubro de 2017