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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.18 Porto dez. 2017
https://doi.org/10.19131/rpesm.0195
ARTIGO DE REVISÃO
Reconstrução da identidade pessoal na doença crónica: Uma revisão integrativa
Personal identity rebuilding in chronic illness: An Integrative Review
Reconstrucción de la identidad personal en la enfermedad crónica: Una revisión integradora
Helga Rafael*
*PhD in Nursing; MSc in Nursing; Postgraduate Diploma in Medical-Surgical Nursing; Nursing Diploma; Researcher at Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Unit of Research & Development in Nursing; Assistant Professor at Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Av. Prof. Egas Moniz, 1600-190 Lisboa, Portugal. E-mail: hrafael@esel.pt
RESUMO
Viver com doença crónica afeta a identidade pessoal. O objetivo deste artigo é rever os estudos empíricos e teóricos sobre como a experiência de conviver com doença crónica afeta a identidade pessoal. Não se conhece nenhuma revisão da literatura sobre este assunto. Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, tendo-se procedido à análise de 12 estudos. Os resultados mostram que as pessoas procuram naturalmente definir e expressar a sua identidade pessoal. A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar três categorias: Elementos identitários postos em causa na doença crónica; Sentimento de si na doença crónica; e Fases da (Re)construção da Identidade Pessoal. Vários elementos identitários, como o grau de atividade, as capacidades físicas ou o grau de dependência, ficam perturbados, podendo conduzir a sentimentos de perda, estranheza, insegurança ou isolamento. A pessoa percorre diferentes fases até à reconstrução da sua identidade. É necessária mais investigação para clarificar este processo.
Palavras-Chave: Saúde mental; Doença crónica; Enfermagem
ABSTRACT
Living with chronic illness affects one's personal identity. The purpose of this article is to review empirical and theoretical studies about how the experience of living with chronic illness affects personal identity. There is no known literature review on this subject. An integrative review of the literature was carried out and 12 studies were analysed. The results show that people naturally seek to define and express their personal identity. The analysis of the bibliographic sample allowed to identify three categories: Identity elements questioned chronic disease; Sense of self in chronic illness; And Phases of (re)construction of personal identity. Identity elements, such as degree of activity, physical capacities or degree of dependence, are disturbed and can lead to feelings of loss, strangeness, insecurity or isolation. The person goes through different phases until the reconstruction of a new identity. More research is needed to clarify this process.
Keywords: Identity; Chronic disease; Nursing
RESUMEN
Vivir con la enfermedad crónica afecta a la identidad personal. El propósito de este artículo es revisar los estudios empíricos y teóricos sobre como la experiencia de vivir con una enfermedad crónica afecta a la identidad personal. No se conoce ninguna revisión de la literatura sobre este tema. Hemos llevado a cabo una revisión integradora de la literatura y se procedió al análisis de 12 estudios. Los resultados muestran que las personas buscan naturalmente, definir y expresar su identidad personal. El análisis de la muestra de la literatura identificó tres categorías: Elementos de identidad cuestionados en la enfermedad crónica; Sintiéndose en la enfermedad crónica; Etapas de (re)construcción de la identidad personal. Varios elementos de identidad, tales como el grado de actividad, la capacidad física o el grado de dependencia, son perturbados y pueden conducir a sentimientos de pérdida, la torpeza, la inseguridad o el aislamiento. La persona pasa por diferentes fases de la reconstrucción de sua identidad. Se necesita más investigación para aclarar este proceso.
Palabras Clave: Salud mental; Enfermedad crónica; Enfermería
Introdução
As pessoas com doença crónica utilizadores frequentes dos serviços de saúde têm muitas vezes associados problemas de saúde mental (EUROPEAN UNION [EU], 2016). As mais recentes orientações recomendam um reconhecimento precoce das desordens mentais destas pessoas a fim de desenvolver ações que possam contribuir para melhorar a saúde, a qualidade de vida e resiliência, reduzindo a adesão a comportamentos aditivos, à inatividade física e à má alimentação (EU, 2016). Para este reconhecimento é imperativo um acesso à perceção que cada pessoa tem de si.
Identidade pessoal é a compreensão que cada um faz de si, incluindo as suas habilidades, valores, posição social, sentido de vida e impacto nos outros. A identidade pessoal deve ser entendida como algo inacabado, que se vai construindo ao longo da vida e na interação com o outro. Representa aquilo que cada um atribuí para si mesmo como sendo aceitável e congruente com o seu passado e com o que espera ser o seu futuro (Nordenfelt, 2009). É através da identidade que a pessoa se define e se distingue dos outros, o que se reflete nas preferências, desejos, esperança e planos para o futuro. Representa, por isso, a fronteira entre o indivíduo e a sociedade (Karnilowicz, 2011). Trata-se, portanto, de um conceito ligado à autoperceção de integralidade que, quando perturbada, compromete a saúde (Herdman & Kamitsuru, 2014), transformando-se em doença mental (Mathews, 2013).
O sentimento da identidade pessoal está fortemente dependente de sentimentos de autoconfiança, autorrespeito, autoestima e autoimagem (Nordenfelt, 2009). Está ligado a conceitos como autonomia (Dale, Soderhamn, & Soderhamn, 2012), dignidade e respeito (Dale et al., 2012).
Identidade pessoal é um conceito que tem merecido uma atenção crescente na área da saúde nos últimos tempos. A revisão da produção científica no âmbito dos cuidados de enfermagem mostra que o conceito identidade pessoal nem sempre é clarificado, surgindo muitas vezes apenas nomeado com sentidos equivalentes ou próximos do conceito de pessoa (Rafael, 2012). A identidade pessoal é um conceito multidimensional que, tal como o conceito de pessoa, integra as dimensões individual, profissional, familiar, social e de lazer.
Para Meleis, Sawyer, Im, Messias, & Schumacher (2000) a identidade pessoal sofre mudanças importantes nos momentos de transição, tornando-se integra e fluida quando ocorre uma transição saudável. No entanto, pouco se conhece acerca do processo de redefinição de uma identidade congruente com uma transição saudável.
O objetivo deste artigo é, deste modo, rever os estudos empíricos e teóricos sobre como a experiência de conviver com doença crónica afeta a identidade pessoal. Embora alguns investigadores apontem para a necessidade de investigar a identidade pessoal na doença crónica (Henriques, 2015; Luyckx, et al., 2008), não é conhecida nenhuma revisão sistemática ou integrativa sobre este assunto. Este fenómeno ganha um maior interesse na disciplina de enfermagem quando percebemos que vários referenciais teóricos salientem a necessidade de se reconhecer a experiência de saúde subjetiva e singular de cada pessoa para desenvolver cuidados de enfermagem holísticos (Meleis et al., 2000) e, assim, respeitando a sua identidade pessoal.
Métodos
A revisão integrativa da literatura é considerada a mais ampla abordagem metodológica referente às revisões da literatura. Permite, por isso, uma compreensão abrangente do fenómeno em estudo, recorrendo a estudos experimentais e não experimentais e a dados da literatura teórica e empírica (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Com o propósito de foi identificar artigos empíricos e teóricos publicados sobre a identidade pessoal em relação com a experiência de convivência com a doença crónica na pessoa adulta ou idosa, realizou-se uma pesquisa online nas bases de dados Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE). Tal como Souza et al. (2010) defendem recorreu-se também à utilização de material não-publicado para garantir uma maior representatividade da amostra, através do acesso ao Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP).
As pesquisas foram realizadas com restrições de data nos últimos 10 anos (2006-2016), utilizando como palavras-chave identidade pessoal, personal identity, self-identity, identity, doença crónica, chronic illness, chronic disease, Chronically Ill, long-term disease.
Nas bases de dados CHINAL e MEDLINE pesquisou-se individualmente em cada base de dados, utilizando a seguinte estratégia: [TI(Personal identity OR self-identity OR identity)] AND [AB OR SU(chronic illness OR chronic disease OR Chronically Ill OR long-term disease)]. Obteve-se 70 artigos nas duas bases de dados, sendo que apenas 42 estavam disponíveis em texto completo. A análise foi canalizada apenas para os artigos referentes à pessoa adulta ou idosa e eliminou-se 11 artigos. Dos 31 artigos restantes, foram eliminados os que estavam repetidos, tendo ficado 23 artigos. Eliminaram-se 5 artigos com data inferior a 2006. A análise do texto integral permitiu eliminar 7 artigos por não se enquadrarem no estudo do fenómeno em análise. Obteve-se 11 artigos. No RCAAP utilizámos uma estratégia semelhante: [Título (Identidade pessoal OR Personal identity OR self-identity OR identity)] AND [Descrição (doença crónica OR chronic illness OR chronic disease OR Chronically Ill OR long-term disease)]. Identificou-se apenas um documento, que integrou a amostra final.
Após a extração dos dados dos artigos selecionados, procedeu-se à análise categorial dos mesmos, ponderando o rigor de cada estudo. Uma das categorias - fases de reconstrução da identidade pessoal - foi definida à priori e descrita com base no Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (Prochaska, Redding, & Evers, 2008).
Resultados e Discussão
A amostra bibliográfica final foi constituída por 12 estudos empíricos, envolvendo 538 pessoas com doença crónica. As investigações foram conduzidas em países como os EUA (n=5), o Reino Unido (n=5), a Bélgica (n=1) e Portugal (n=1). Três estudos tinham uma abordagem quantitativa e os restantes 9 eram baseados numa abordagem qualitativa, com participantes com cancro coloretal, cancro da mama, cancro da próstata, artrite reumatoide, diabetes tipo 1, HIV-positivo, doença respiratória crónica, cancro do estômago e cancro do pulmão, entre outras. Todos os estudos têm como foco a identidade pessoal na experiência de conviver com uma doença crónica (Quadro 1).
Os participantes foram recrutados de vários locais, incluindo consultórios médicos, consultas hospitalares de especialidade, laboratórios, grupos de suporte, grupos de terapia ocupacional, registos nacionais de doentes, associações de doentes e comunidade.
A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar um conjunto de três grandes categorias que integram o tema ‘Identidade pessoal na doença crónica’: Elementos identitários postos em causa na doença crónica; Sentimento de si na doença crónica; e Fases de (re)construção da identidade pessoal (Quadro 2).
Elementos Identitários Postos em Causa na Doença Crónica
A pessoa com doença crónica está sujeita a uma experiência de mudança que coloca em causa diferentes dimensões da identidade pessoal. Existe a necessidade de reconfigurações nos elementos identitários grau de atividade, capacidades físicas, grau de dependência, disposição emocional, autoestima, autoimagem, autoconceito e papel social (Quadro 3).
Quando os elementos identitários se encontram afetados, a perceção de si pode surgir desintegrada e/ou incompleta e a saúde mental pode ser posta em causa, existindo, por isso, ‘risco de perturbação da identidade pessoal’, tal como é descrito NANDA North American Nursing Diagnosis Association 2015-2017. Este risco pode converter-se num problema real, quando a referida perturbação ocorre de forma persistente, ou seja, quando permanece uma "incapacidade em manter uma perceção do self integrada e completa" (Herdman & Kamitsuru, 2014, p. 268) .
Sentimento de Si na Doença Crónica
A experiência de viver com doença crónica afeta a identidade pessoal de uma forma disruptiva: Sentimento de perda; Sentimento de estranheza: ‘o outro eu’; Sentimento de insegurança; Sentimento de luta permanente pela normalidade; Sentimento de isolamento.
Sentimento de perda.
Na perceção dos participantes, viver com doença crónica é uma experiência de permanente ameaça e de perda do Self e da identidade passada (Golub et al., 2013) e de perda de qualidade de vida (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Golub et al., 2013). Perde-se a motivação para as diferentes atividades (Guise et al., 2010), a independência (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006), a autoestima (Reynolds & Prior, 2006), a aparência e a autoimagem (Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006; Reynolds & Prior, 2006). Perdem-se relações íntimas e afeto, pela frequente falta de energia, pelas limitações e pelas mudanças na aparência. Perdem-se relações com a família, no trabalho e com os grupos de recreação, o que se traduz na perda dos diferentes papéis sociais (Lempp et al., 2006). A adesão ao regime terapêutico pode igualmente conduzir a um conjunto de perdas de hábitos diários (Adams et al., 2015; Shepherd, 2010).
Sentimento de estranheza: ‘o outro eu’.
Com a doença crónica a experiência do corpo altera-se, pois corpo e Self deixam de ser percecionados como unidade. O corpo, que está permanentemente impedido de agir de acordo com a identidade habitual, passa a ser percecionado como desconhecido, o que leva a flutuações no sentimento de si, com momentos de desilusão (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006; Shepherd, 2010). Existe o sentimento de que se está preso no corpo que não se reconhece, nem se deseja, um ‘outro eu’ (Henriques, 2015) que passa a estar sujeito à dependência, a uma vida restritiva (Henriques, 2015; Hubbard at al., 2010; Lempp et al., 2006), a um regime terapêutico imposto (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Shepherd, 2010) e a novas ações de autocuidado não-familiares e frequentemente ineficazes (Henriques, 2015; Hubbard at al., 2010; Lempp et al., 2006). Os sonhos, os planos, os objetivos e até a longevidade estão constantemente sob ameaça (Henriques, 2015). Assiste-se a uma grande dificuldade em manter as habituais atividades de vida diária, pelas limitações que o corpo enfrenta e pela perda de funcionalidade (Guise et al., 2010; Hubbard et al., 2010). O espaço e o tempo em que ocorrem as atividades diárias passam a ter significados diferentes (Henriques, 2015). Verifica-se a necessidade de construir um novo ritmo, com necessidade de introduzir pausas regulares, pela fadiga instalada (Henriques, 2015). A performance ocupacional e laboral ficam afetadas (Baumgartner, 2007; Lempp et al., 2006), assim como o perfil emocional e de personalidade, que adquirem atributos com os quais a pessoa não se reconhece (Lempp et al., 2006).
Sentimento de insegurança.
Verifica-se imprevisibilidade nos sintomas, o que faz com que a pessoa perceba a morte mais próxima (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010). As perdas são, por isso, acompanhadas de preocupações com o futuro (Henriques, 2015; Lempp et al., 2006) e por sentimentos de insegurança (Henriques, 2015; Shepherd, 2010), frustração (Guise et al., 2010), perda de espontaneidade e controlo sobre a vida (Henriques, 2015).
Sentimento de luta permanente pela normalidade.
Na convivência com a doença crónica self e identidade pessoal sofrem um processo de mudança (Baumgartner, 2007; Guise et al., 2010; Reynolds & Prior, 2006). Neste processo as várias áreas da vida carecem de ser redefinidas, o que acontece com diferentes graus de reconciliação com a identidade passada ou de resignação passiva (Luyckx K. , et al., 2008). É preciso integrar novas práticas no quotidiano, sejam pelas limitações que afetam as diferentes atividades de vida, sejam pelo novo regime terapêutico (Adams et al., 2015; Shepherd, 2010). Assiste-se a uma reorganização da rotina e capacidades mobilizadas no quotidiano (Adams at al., 2015). Neste processo de mudança, a pessoa reavalia diferentes áreas da sua vida (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015), desenvolvendo uma luta permanente para ser normal (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Hubbard et al., 2010; Shepherd, 2010). O contexto em que a pessoa está inserida pode ser um facilitador ou tornar-se um obstáculo neste processo (Adams et al., 2015; Guise et al., 2010;). A (re)construção da identidade está muito dependente de processos internos de descentralização da doença, em que a pessoa, na procura de equilíbrio e de novas formas de autocuidado, aprende a entender-se como sendo mais do que a própria doença (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006). Na procura de mestria e de competência no funcionamento quotidiano, a pessoa passa a conseguir diferenciar a identidade antiga da identidade que está em (re)construção (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Reynolds & Prior, 2006; Shepherd, 2010).
Sentimento de isolamento.
Viver com doença crónica interfere na interação com os outros e a autoperceção de desempenho eficaz do papel social (Baumgartner, 2007; Golub et al., 2013; Guise et al, 2010; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006; Luyckx K. , et al., 2008). Esta é uma dimensão importantíssima, pois a reconstrução da identidade pessoal está muito dependente da visão dos outros. As diferentes limitações trazem agregadas o sentimento de inutilidade (Hubbard et al., 2010). Quando se tenta preservar a imagem de individuo socialmente ativo, coloca-se em risco a saúde física e mental (Baumgartner, 2007; Golub et al., 2014; Lempp et al., 2006; Luyckx K. , et al., 2008). Os doentes crónicos passam a ter receio da exposição pública (Henriques, 2015), pelo estigma e discriminação a que são sujeitos (Baumgartner, 2007; Golub at al., 2013; Guise et al., 2010; Lempp et al., 2006), o que conduz a situações de redução da participação social (Lempp et al., 2006).
Fases da (Re)construção da Identidade Pessoal
Para que ocorra adaptação à doença crónica, é necessário que a pessoa desenvolva mudanças de comportamento e aprendizagem de novos hábitos. Recorrendo ao Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (Prochaska et al., 2008), identificou-se os atributos que permitem caracterizar cada fase da mudança comportamental até à (re)construção da identidade pessoal.
Identidade antiga.
Nesta fase (de pré-contemplação) a pessoa não tem consciência da sua doença crónica ou não conhece as suas implicações, apesar de, por vezes, conseguir antecipar o seu diagnóstico (Baumgartner, 2007). Nesta etapa, a doença crónica não tem a importância suficiente para que seja iniciada uma tentativa de mudança de comportamento, pelo que a pessoa enceta diferentes tentativas para retomar as atividades que integram a identidade pessoal anterior (Henriques, 2015; Lempp et all., 2006). As pessoas lutam para fazer parte da sociedade, colocando até em risco a sua saúde (Henriques, 2015).
Ameaça à identidade.
Esta fase (de contemplação) inicia-se com o momento em que é atribuído um diagnóstico médico (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006; Shepherd, 2010). Neste estágio a pessoa clarifica as suas suspeitas, reconhece o problema e inicia uma discussão (interna e/ou externa) acerca da necessidade de mudar comportamentos. Apesar de conhecer a direção que pretende tomar, de identificar os prós e os contras em manter comportamentos ligados à identidade atual, há uma certa hesitação em enfrentar a mudança. Um menor sentimento de identidade implicará mais tempo nesta fase e um maior sentimento de identidade conduzirá, pelo contrário, a uma mais rápida transição para as fases seguintes (Prochaska et al., 2008).
Negociação identitária.
Esta fase (de preparação) é um momento de desconstrução cognitiva, afetiva e psicomotora da identidade atual, para introduzir novos elementos identitários (Shepherd, 2010). Nesta etapa existe uma clara consciência da necessidade de mudança e uma determinação para iniciar esse processo num futuro próximo. A doença passa a ser integrada na definição de si, o que permite aos indivíduos construírem um conjunto de estratégias de coping adaptativas para lidar com a cronicidade (Henriques, 2015; Luyckx K. , Seiffge-Krenke, Schwartz, Goossens, Hendrieckx, & Groven, 2008). A doença traz tempo de reflexão, o que leva a uma reavaliação dos hábitos e limites (Henriques, 2015), a uma reinterpretação do sentido da vida e a uma redefinição de objetivos (Hubbard et al., 2010) e desejos (Adams et al., 2015). O desejo de ser independente e autónomo, não se constituindo uma sobrecarga para os outros, é o que mais acompanha estas pessoas (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006). Passa a existir um planeamento meticuloso para evitar a exposição pública (Henriques, 2015).
(Des/re)construção da identidade.
Nesta fase (de ação) dão-se início a um conjunto de comportamentos observáveis que evidenciam uma mudança comportamental e uma reorganização do quotidiano. A pessoa vai construindo os seus novos hábitos, adaptando os que faziam parte da identidade antiga ou eliminando outros (Hubbard et al., 2010; Henriques, 2015). Esta (des/re)construção da identidade assenta num trabalho biográfico de ajuste da forma de se autocuidar, tendo em conta o que faz sentido a cada um (Henriques, 2015).
A ausência de sentido de um novo hábito pode motivar uma recaída no comportamento antigo (Henriques, 2015), o que significa um retrocesso para a fase de contemplação. Estas situações reduzem o sentimento de identidade, dificultam o sentimento positivo do self e estão associadas a sintomas depressivos e a um pior controlo sintomático (Golub et al., 2014; Guise et al., 2010; Luyckx K. , et al., 2008). É nesta fase que alguns doentes passam a integrar grupos de ajuda ou associações de doentes (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015) e que se verificam comportamentos de adesão ao regime terapêutico proposto (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Shepherd, 2010).
Identidade reconstruída.
Na última fase, (de manutenção), a pessoa mantém comportamentos procurando não perder o que foi conquistado na fase anterior. Mantém-se o desejo de mudança e o esforço de prevenir recaídas que levem ao comportamento indesejado. Nesta etapa as pessoas compreendem melhor as suas prioridades, desenvolvem novos talentos ou preservam os elementos identitários que têm maior significado para si (Henriques, 2015). Demonstram grande capacidade de adaptação interna e externa às novas limitações que surgem. É uma fase que se caracteriza pelo aumento da autoestima, pela integridade pessoal e por um incremento no conhecimento (Prochaska et al., 2008). Há a perceção de crescimento pessoal e um sentimento de reconstrução pessoal (Golub et al., 2013; Golub et al., 2014). Existe um sentimento de continuidade, de conexão com o self prévio à doença (Henriques, 2015) e de normalidade (Shepherd, 2010).
Conclusões e Implicações para a Prática Clínica
Esta é a primeira revisão da literatura conhecida sobre a identidade pessoal na experiência de conviver com a doença crónica. A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar os elementos identitários postos em causa na doença crónica, o sentimento de si na doença crónica, bem como as fases de reconstrução da identidade pessoal na doença crónica. Cada uma destas categorias foi descrita através de um conjunto de subcategorias. As pessoas procuram naturalmente definir e expressar a sua identidade pessoal. A procura de unidade, coerência consigo própria e consistência, pode estar perturbada pela convivência com a doença crónica. Vários elementos identitários, como o grau de atividade, a capacidade física ou o grau de dependência, ficam perturbados, podendo conduzir a sentimentos de perda, estranheza, insegurança ou isolamento. A pessoa percorre diferentes estádios até reconstruir a sua identidade pessoal: identidade antiga, ameaça à identidade, negociação identitária, (des/re)construção da identidade e identidade reconstruída.
Esta revisão integrativa permite ampliar a compreensão do processo de reconstrução da identidade pessoal na doença crónica, dando subsídios importantes para uma enfermagem assente numa apreciação holística e desafiando para uma prática de cuidados onde a saúde mental ganha transversalidade. Esta orientação para o que constitui a identidade pessoal do cliente de cuidados de enfermagem desafia os enfermeiros a assumirem a responsabilidade de expressar autenticidade e ser parte do mundo-vivido do cliente, no sentido de perceber que elementos identitários são importantes preservar no processo de reconstrução identitária.
Os resultados desta revisão deixam também contributos para estruturar investigações futuras sobre a reconstrução da identidade pessoal na doença crónica, principalmente ao nível da clarificação das diferentes fases deste processo, bem como na definição de intervenções de enfermagem ajustadas às diferentes perdas. Abrem igualmente a possibilidade de desenvolver instrumentos de medida que permitam quantificar a perturbação (ou risco de) da identidade pessoal na doença crónica, bem como a eficácia das intervenções de enfermagem.
Esta revisão integrativa da literatura apresenta algumas limitações metodológicas, que devem ser consideradas. A categorização criada para apresentar os resultados muda em função da interpretação do investigador, o que inviabiliza a replicação do estudo. Também o facto de a revisão ter sido realizada apenas por um investigador pode ter tornado a análise mais pobre. Os resultados são, ainda, indicativos, mas não generalizáveis.
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Recebido a 6 de janeiro de 2017
Aceite para publicação a 29 de outubro de 2017