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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.23 Porto jun. 2020
https://doi.org/10.19131/rpesm.0268
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Educação para o enfrentamento do estigma: Uma intervenção educacional com alunos de enfermagem*
Education to face the stigma: An educational intervention with nursing students*
Educación para el enfrentamiento del estigma: Una intervención educacional con alumnos de enfermería*
Marcela dos Santos Ferreira** & Maria Cecília de Araújo Carvalho***
**Enfermeira; Mestre; Professora no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Estrada de Adrianópolis 1317 Santa Rita, 26041-271, Nova Iguaçu, Brasil. E-mail: cceccella@hotmail.com
***Médica; Doutora; Pesquisadora na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 21040-900, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: carvalho.mariacecilia@gmail.com
RESUMO
CONTEXTO: O enfrentamento do estigma em profissionais e alunos da área da saúde é uma temática importante para a melhoria da promoção da saúde a pessoas portadoras de transtornos mentais. O investimento na educação profissional com um ensino antiestigmatizante se faz importante para combater a estigmatização aos portadores de tais transtornos.
OBJETIVO: Avaliar as atitudes estigmatizantes dos alunos técnicos de enfermagem em relação ao transtorno mental, antes e após o ensino de saúde mental, em uma perspectiva antiestigmatizante, e refletir sobre a contribuição da educação na mudança de tais atitudes.
MÉTODOS: Compreendeu uma intervenção na disciplina de saúde mental, constituída de uma prática de ensino voltada para o enfrentamento do estigma associado ao transtorno mental. Também integrou à pesquisa o uso de uma Escala de Medida de Atitudes Estigmatizantes e Opiniões sobre a Doença Mental (ODM). Os dados quantitativos foram analisados com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences 21 (SPSS), a fim de verificar se houve diferenças estatísticas significativas longitudinais, antes e após o ensino de saúde mental.
RESULTADOS: Verificou-se que houve evolução positiva das atitudes dos alunos, especialmente em relação aos estigmas de irrecuperabilidade, periculosidade, aparência estereotipada e os associados à etiologia dos transtornos.
CONCLUSÕES: Os resultados são um indício de que, possivelmente, a redução do estigma entre os alunos esteve relacionada a uma organização da disciplina, com a inclusão de estratégias educacionais que promoveram, em especial, o contato direto e indireto dos alunos com os portadores de transtorno mental e que defenderam o modelo de atenção psicossocial.
Palavras-Chave: Estigma social; Transtornos mentais; Educação em enfermagem
ABSTRACT
BACKGROUND: Confronting stigma in health and in students is an important issue to improve the health of people with mental disorders. Investment in vocational education with anti-stigmatization is important with regard to the stigmatization of people with mental disorders.
AIM: To evaluate the stigmatizing attitudes of studies on mental disorders and the results of mental health education in an anti-stigmatizing and fundamental perspective on the assessment of the situation.
METHODS: It was an intervention in the discipline of mental health, constituted by a teaching practice, aimed at coping with the stigma associated with mental disorder. Available from the use of a Stigmatizing Attitudes Measurement Scale and Opinions on Mental Illness (ODM). The quantitative data were based on the help of the Statistical Package for Social Sciences 21 (SPSS), a research program with statistically significant benefits before and after a mental health education.
RESULTS: There was a positive evolution of student attitudes, especially in relation to the stigmas of irrecoverability, dangerousness, stereotyped appearance and related to the etiology of the disorders.
CONCLUSIONS: The results are indicative that the reduction of stigma among students is related to a discipline, with the inclusion of educational strategies that promote, in particular, direct and indirect contact between students with mental disorders and those who defend the attention model psychosocial.
Keywords: Social stigma; Mental disorders; Education, nursing
RESUMEN
CONTEXTO: El enfrentamiento del estigma entre profesionales y estudiantes del área de la salud es un tema importante para la mejora de la promoción de la salud de personas con trastornos mentales. La inversión en educación profesional con enseñanza antiestigmatizante se vuelve importante para combatir la estigmatización de las personas con trastornos mentales.
OBJETIVOS: Evaluar las actitudes estigmatizantes de estudiantes técnicos de enfermería en relación al trastorno mental, antes y después de la enseñanza de salud mental en una perspectiva antiestigmatizante y reflexionar sobre la contribución de la educación al cambio de tales actitudes.
METODOLOGÍA: Incluyó una intervención en la disciplina de salud mental, constituida por una práctica docente, orientada al enfrentamiento del estigma asociado al trastorno mental. La investigación incluyó una escala de medición de actitudes estigmatizantes y opiniones sobre la enfermedad mental (ODM). Los datos cuantitativos se analizaron con la ayuda del software Statistical Package for the Social Sciences 21 (SPSS), a fin de verificar si existían diferencias estadísticamente significativas, antes y después de la enseñanza de salud mental.
RESULTADOS: Se verificó que hubo cambios positivos en las actitudes de los alumnos, especialmente los estigmas de irrecuperable, peligro, apariencia y estereotipo asociados con la etiología de los disturbios.
CONCLUSIONES: Los resultados son una indicación de que, posiblemente, reducir el estigma entre los alumnos fue relacionado a una organización de la disciplina, incluyendo estrategias educativas que promueven el contacto especialmente directo e indirecto de alumnos con pacientes con trastornos mentales y que defendía el modelo de atención psicosocial.
Palabras Clave: Estigma social; Transtornos mentales; Educación en enfermería
Introdução
O transtorno mental, por longa data, foi compreendido de diversas formas, de acordo com a contextualização histórica. Conforme a humanidade vem sofrendo mudanças, a visão da sociedade vem experimentando transformações sobre tais transtornos. O estigma associado aos portadores de algum sofrimento psíquico reflete parte dessa imagem, construída no decorrer da história.
O entendimento do estigma perpassa as publicações do sociólogo Erwin Goffman, sendo o livro Identidade deteriorada, uma das bases para a reflexão do objeto de estudo, como também o alicerce conceitual para outros estudiosos dessa área. Para Goffman, os estigmatizados são considerados como anormais e desviantes pela sociedade, portanto seu conceito de estigma se aplica à realidade do portador de transtorno mental, ao considerá-la como evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande.
O surgimento do estigma se apoia em características pessoais do portador de transtorno mental; no entanto, isso não é suficiente para que ele se consolide. Está relacionado com a forma como a sociedade classifica as pessoas, tendo como base suas peculiaridades individuais. Portanto, o estigma não é uma criação voluntária do indivíduo com o problema, mas sim da sociedade que convive com ele, logo, deve ser considerado como uma construção social. Segundo Goffman (1988, p. 117) o normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro. Surge da grande necessidade de agrupar as pessoas conforme exigências sociais, e para as pessoas que apresentam algo que as torna diferentes e sem possibilidades de aceitação social sobra a marginalidade. Dessa forma, a natureza do estigma não é simplesmente trazer à tona a diferença, mas sim usá-la de modo que sustente a depreciação do indivíduo.
Tais atitudes estigmatizantes são encontradas na população em geral, não excluindo estudantes e trabalhadores da saúde, e, ao reproduzirem na assistência essa estigmatização, tornam os indivíduos com algum sofrimento psíquico mais vulneráveis a não ter um cuidado integral e de excelência. Tal vulnerabilidade ocorre quando o estigma e discriminação alimentam processos de trabalho em saúde fragmentados e empobrecidos, baseados em estereótipos e generalizações que ajudam a tornar invisível a totalidade prática que delimita o que, como, quanto e quando é necessário fazer para efetivamente cuidar da saúde das pessoas e das populações (Ayres, 2013, p. 12).
O estigma profissional, considerado também uma repercussão do estigma social, é caracterizado pela presença de atitudes estigmatizantes em profissionais de saúde, em relação aos portadores de transtorno mental. Pesquisas demonstram que existe a crença de profissionais de saúde acreditarem que os portadores de transtorno mental são diferentes de pessoas normais, o que acarreta uma diferenciação na assistência à saúde, produzindo um comprometimento não só do tratamento psiquiátrico, mas também da assistência à saúde de maneira em geral (Ahmedani, 2011; Ordan, Shor, Liebergall-Wischnitzer, Noble & Noble, 2018; Vistorte et al.,2018;).
De acordo com Batista (2013, p. 14), o pessimismo relativamente ao tratamento e prognóstico e o desejo de distância social, em particular, parecem ser as atitudes estigmatizantes mais prevalentes entre os profissionais de saúde, não diferenciando de nacionalidade e cultura. Estudos evidenciam que os profissionais de saúde podem apresentar o mesmo estigma encontrado pela população em geral, e que o desejo de manter uma distância dos portadores de transtornos mentais não diferiu, ao se comparar com o comportamento do resto da população. Ainda, mostram que os usuários dos serviços de saúde, ao serem marginalizados pelo processo de estigmatização, tornam-se mais propensos a acabar o tratamento atual e menos dispostos a procurar tratamento no futuro (Ahmedani, 2011).
O enfrentamento do estigma vem sendo considerado por estudiosos e instituições voltadas para o campo da saúde uma temática importante para a melhoria da promoção da saúde a pessoas portadoras de transtornos mentais, pois o estigma por si só já proporciona barreiras que impedem o alcance do seu bem-estar. Tal preocupação demonstra que existe a necessidade de derrubar essa barreira real, de forma que facilite a prestação de cuidados a essa parcela da população. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu Relatório Mundial da Saúde, cujo foco são as novas concepções de saúde mental, aborda a problemática, indicando que políticas são necessárias para assegurar o fim do estigma e da discriminação, bem como a implantação da prevenção e do tratamento eficaz, com financiamento adequado (OMS, 2001, p. 13). A partir dessa perspectiva, caminhos devem ser traçados para que o objetivo possa ser alcançado.
Um dos caminhos é a educação, que é uma das abordagens para a redução do estigma e que, ao ser aplicada à população, seja composta por leigos, portadores de transtornos mentais, alunos ou profissionais de saúde, tendo como propósito substituir mitos e a desinformação com concepções precisas sobre a natureza e a prevalência de transtornos mentais, melhorando assim a carga de conhecimento global em saúde mental (Arboleda-Flórez & Stuart, 2012 p.461).
Diante desse panorama, algumas questões surgiram para nortear o estudo. Uma indagação importante é se existe influência do ensino de saúde mental no enfrentamento do estigma associado ao transtorno mental, e como o ensino pode alcançar tal propósito. Perante as indagações, o estudo foi desenvolvido com o objetivo de avaliar as atitudes estigmatizantes dos alunos técnicos de enfermagem em relação ao transtorno mental, antes e após o ensino de saúde mental, em uma perspectiva antiestigmatizante, e refletir sobre a contribuição da educação na mudança de atitudes.
Métodos
Participantes
O estudo contou com 38 alunos que participaram da disciplina Saúde Mental do curso técnico de Enfermagem (nível médio) do Centro de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca Nova Iguaçu, sendo 32 (84%) do sexo feminino e 6 (16%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre 13 e 17 anos (M=14,9, DP=0,76).
Quanto ao fato de conhecerem pessoas com transtornos mentais, 21 (55,3 %) alunos responderam positivamente e, destes, 12 (31,6 %) indicaram que a pessoa era um familiar, 7 (18,4 %) referiram ser um amigo (a) e 2 (5,3 %) indicaram conhecer familiar e amigo (a).
Instrumento
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados a Escala de Atitudes Estigmatizantes e Opiniões sobre a Doença Mental (ODM), validada no Brasil por Rodrigues (1983). A Escala ODM é composta de 51 afirmações do tipo LIKERT autoaplicáveis, com 6 opções de respostas, variando segundo uma sequência progressiva de 6 pontos de concordância, desde concordo totalmente até discordo totalmente. As afirmações são agrupadas em dimensões independentes, denominadas por Rodrigues (1983).
As dimensões utilizadas foram: Autoritarismo (reflete a perspectiva de que o portador de transtorno mental necessita ser isolado de outros pacientes); Ideologia da Higiene Mental (representa a ideia de que o portador de transtorno mental pode desempenhar atividades especializadas); Restrição Social (traduz a ideia de que a sociedade deve ser protegida por meio de restrição dos direitos pessoais e sociais do portador de transtorno menta); Etiologia Interpessoal (explica transtorno mental como originário de vivências interpessoais, com ênfase para a interação com figuras parentais); Etiologia do Esforço Mental (reflete a ideia de que o transtorno mental se origina de excessivo esforço cerebral); e Visão Minoritária (representa o portador de transtorno mental como um ser muito diferente das pessoas consideradas normais, podendo ser facilmente reconhecido em um agrupamento humano).
Segundo Rodrigues (1983), resultados baixos em cada dimensão correspondem a níveis superiores de atitudes estigmatizantes, à exceção do fator Ideologia de Higiene Mental, no qual os níveis elevados de atitudes negativas resultam de escores elevados.
Ensino de saúde mental na perspectiva antiestigmatizante
Para alcançar os objetivos propostos, a pesquisa foi composta pela intervenção na disciplina de saúde mental, constituída pelo planejamento e implementação de uma prática de ensino voltada para o enfrentamento do estigma associado aos portadores de transtornos mentais.
A disciplina de saúde mental foi construída a partir de uma concepção antiestigmatizante, visando a promover uma mudança nas atitudes estigmatizantes dos alunos em relação ao portador de transtorno mental. Para tanto, a disciplina foi concebida na perspectiva do conhecimento combinado com uma reflexão crítica e problematizadora, em torno dos transtornos mentais, inclusive sobre a complexidade da existência humana. Com isso, nessa intervenção educacional, tentou-se romper o modelo pedagógico hegemônico no qual é valorizado o ensino de caráter biológico, centrado nos conteúdos organizados de maneira compartimentada, isolada, a-histórica, fragmentando os indivíduos em partes que deveriam ser indissociáveis. Assim, a proposta da disciplina de saúde mental esteve em consonância com Bezerra (2007), quando diz que se deve provocar no aluno capacidade crítica e competência técnica para se envolver numa prática de cuidado que se constitua num exercício de transformação para todos os envolvidos: usuários dos serviços, profissionais e a comunidade. Isso permite uma possível construção de uma nova atitude em relação ao estigma e seus problemas associados.
Procedimentos
No início do ano letivo de 2017, os alunos matriculados no primeiro ano do curso técnico de Enfermagem preencheram o instrumento de coleta de dados. Após três meses do encerramento da disciplina de saúde mental, os mesmos alunos preencheram novamente o instrumento de coleta de dados.
O instrumento de coleta de dados utilizado foi analisado, com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences 21 (SPSS), a fim de se verificar se houve diferenças estatísticas significativas longitudinais, entre os escores dos momentos pré-ensino e pós-ensino. Adotou-se um intervalo de confiança de 95 % (p <0,05).
Inicialmente, foram realizadas análises estatísticas descritivas, como frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas, e médias, desvio-padrão e coeficiente de variação para as variáveis quantitativas. Para verificar a existência de diferenças significativamente estatísticas entre os escores dos momentos pré-ensino e pós-ensino, foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon, sendo a escolha baseada na presença de dados sem distribuição normal. De forma a identificar se o contato prévio dos alunos com portadores de transtornos mentais influenciava as suas atitudes, foi realizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney, que se propôs a identificar a existência de diferença entre os alunos com e sem contato, sendo a escolha baseada pelo quantitativo de os dois grupos serem diferentes.
A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer nº 1.884 e a sua realização foi condicionada após o consentimento assinado dos alunos e/ou responsáveis.
Resultados
Da observação dos resultados do teste de Wilcoxon, que são apresentados na Tabela 1, verificou-se que o valor de p < 0,05 em todas as dimensões indicou que ocorreu diferença estatisticamente significativa das medidas das atitudes estigmatizantes dos alunos entre as duas coletas de dados. Os resultados observados na Tabela 1 também revelaram as dimensões do instrumento de coleta de dados em que houve as maiores mudanças de escores.
A leitura das variações das médias indica que visão minoritária foi a dimensão em que ocorreu maior aumento nas pontuações (55,7%), seguida de Etiologia do Esforço Mental (40,9%), Ideologia da Higiene Mental (-37,6%), Etiologia Interpessoal (38,3%), Autoritarismo (38,1%) e Restrição social (32%).
Para demonstrar a relação entre atitudes estigmatizantes dos alunos com o contato prévio deles com portadores de transtornos mentais, analisaram-se comparativamente os resultados dos alunos que registraram que mantinham esse tipo de contato com os alunos sem contato.
As Tabelas 2 e 3 mostram os resultados do teste de significância de Mann-Whitney, em que p-valor > 0,05 evidencia que não houve diferença significativa nos resultados, antes e após o ensino de saúde mental, entre o grupo de alunos que tinham contato prévio e os que não tiveram. Ou seja, neste estudo, as mudanças de atitudes estigmatizantes encontradas ao fim da disciplina não estavam relacionadas à familiaridade com portadores de transtornos mentais.
Discussão
A Visão Minoritária foi a dimensão da Escala ODM, em que foi encontrada maior diferença de escores entre as duas avaliações, indicando que os alunos apresentaram, após a disciplina de saúde mental, atitudes menos estigmatizantes em relação à ideia de que portadores de transtornos mentais são diferentes e, por isso, seriam facilmente reconhecíveis, especialmente por sua aparência e comportamento.
O resultado alcançado na dimensão Visão Minoritária pode ser uma repercussão de algumas estratégias de ensino que tiveram como objetivo mostrar portadores de transtornos mentais em circunstâncias em que não foram segregados pelo seu diagnóstico, como o contato que tiveram com portadores de transtorno mental em eventos ocorridos no carnaval. Esse tipo de aproximação entre os alunos e um coletivo composto por portadores de transtornos mentais é, de acordo com Santos, Barros e Santos (2016), uma forma coletiva de ação de contato que tem como objetivo, além da produção de saúde, a geração de solidariedade e respeito às diferenças, aumentando o protagonismo do sujeito e a superação do estigma do transtorno mental.
As atitudes representadas na dimensão Etiologia de Esforço Mental apresentaram uma evolução positiva, indicando que os alunos que ingressaram na disciplina tinham uma visão deturpada da etiologia do sofrimento psíquico e que, após o ensino de saúde mental, apresentaram atitudes menos estigmatizantes em relação à origem desses transtornos.
As atitudes inferidas por esta dimensão sofrem grande influência do ensinamento acadêmico, pois um dos fundamentos do ensino da saúde mental é o estudo da etiologia dos transtornos mentais. Sabe-se que a forma como os transtornos mentais são explicados interferem na modulação das atitudes estigmatizantes e que o modelo psicossocial, aplicado na disciplina, é, segundo Luís (2011), a forma de explicar os transtornos mentais menos associada ao aumento da estigmatização, ao contrário das explicações genéticas e biológicas, que, conforme Romano (2016), estão relacionadas a atitudes mais negativas em relação aos portadores de transtornos mentais.
Dentro da dimensão ideologia da higiene mental, as questões referentes ao estigma de que todo portador de transtorno mental é agressivo foram as que apresentaram maior variação nas pontuações antes e após a disciplina de saúde mental.
De acordo com Gil (2010), apesar de ter aumentado o nível de informação e sensibilização da opinião pública, ainda é notória a permanência de estereótipos negativos acerca dos portadores de transtornos mentais. De certo modo, esse panorama é potenciado pela concentração da opinião pública em episódios negativos que tendem a acentuar os sentimentos de insegurança por parte da sociedade em geral, contribuindo para a criação de categorias e estereótipos que, por seu lado, estão na origem dos processos de categorização e de discriminação social.
O uso da mídia, num contexto de desestigmatização, foi usado durante as aulas por meio de veiculação de histórias reais de portadores de transtornos mentais, servindo de base para que os alunos conseguissem, ao longo da disciplina, formar novos conhecimentos ou substituir crenças estigmatizantes. De acordo com Gil (2010), essa estratégia de ensino promove mudanças por meio do confronto dos alunos com informações plausíveis que desconfirmam estereótipos.
As aulas teóricas e o contato que apresentavam o contexto do estigma da agressividade parecem estar intimamente relacionados às mudanças nas atitudes medidas pela Escala ODM, no que tange às questões sobre a associação de transtorno mental com a violência. Essa conclusão é reforçada pelo relato de Foster, Usher, Baker, Gadai & Ali (2010), quando dizem que o contato direto ou indireto com indivíduos portadores de transtornos mentais, aliado à educação em saúde, principalmente a voltada para o atendimento extra-hospitalar, substitui mitos por realidade, afetando positivamente as atitudes em relação aos estigmas da periculosidade.
A dimensão Etiologia Interpessoal apresentou antes do ensino de saúde mental pontuações que caracterizavam os alunos com uma atitude heterogênea perante a noção de que o transtorno mental é resultante de experiências interpessoais, sobretudo vividas durante a infância. Os dados coletados ao final da pesquisa apresentaram um caráter mais homogêneo, além de proporcionar o aumento no escore final.
A educação parece ter influenciado de tal forma que confirmou ou aumentou as atitudes positivas dos alunos. Para isso, algumas estratégias de ensino tiveram como objetivo essa reafirmação, como ocorrido nos vídeos em que se veiculou a relação de pais portadores de transtornos mentais e seus filhos.
O Autoritarismo foi a dimensão que teve como objetivo refletir a perspectiva de que pessoas portadoras de transtornos mentais necessitam ser isoladas de outras pessoas, devido às noções de irrecuperabilidade e periculosidade. Foi nessa dimensão que os alunos apresentaram menos atitudes estigmatizantes, após o término da disciplina de saúde mental, algo constatado pela apresentação da maior média na escala ODM em comparação às outras dimensões.
Estratégias educacionais desenvolvidas com os alunos que tinham como temática as práticas de desinstitucionalização colaboraram para o enfrentamento do estigma dos alunos em relação à periculosidade, em especial as atividades ocorridas no carnaval, consideradas pelos próprios alunos como um diferencial para a aprendizagem, e as estratégias que proporcionaram o conhecimento da estrutura e do funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). De acordo com Hickling, Robertson-Hickling & Paisley (2011) e López et al. (2008), o contato com a desinstitucionalização diminui gradativamente o estereótipo de periculosidade, embasando, dessa forma, o ensino centrado nos modelos de atenção psicossocial.
A dimensão Restrição Social objetivou traduzir os transtornos mentais em uma perspectiva de perigo para a sociedade, defendendo a restrição da liberdade dos indivíduos, internados ou não, como forma de proteção da comunidade e de suas próprias famílias.
Nesta dimensão, os alunos apresentaram na avaliação inicial o escore mais elevado em comparação as outras dimensões, o que revelou atitudes contrárias ao condicionamento da liberdade dos portadores de transtorno mental antes do contato com a disciplina, permanecendo com pontuações altas após o ensino de saúde mental.
As diversas formas de contato dos alunos com portadores de transtornos mentais pode ser outra estratégia que explica a melhora das atitudes restritivas, pois indivíduos mais familiarizados, ao terem suas percepções afetadas pela experiência do contato, apresentam menor medo, distância social e crenças restritivas (Corrigan, 2007). O fato evidencia a necessidade de uma intervenção nas campanhas antiestigma, em que se deve valorizar a interação com os portadores de transtornos mentais.
Nota-se, também, em relação ao contato, que algumas características dessa estratégia são diferenciais para que as atitudes estigmatizantes sejam modificadas ou não, como a presença de uma reflexão estruturada dos conteúdos que surgiram das experiências. Esta ocorrência é registrada por Gil (2010, p. 101), quando cita que o simples contato com o estigma sem a prática refletida não é suficiente para introduzir/provocar mudanças, sobretudo ao nível cognitivo.
O argumento de que a prática sem reflexão não acarreta mudanças nas atitudes pode justificar o motivo de os alunos deste estudo, que já tinham contato prévio com portadores de transtornos mentais, não apresentarem diferença em relação às atitudes estigmatizantes dos alunos sem o contato. Tal fato converge com Gil (2010, p. 101) quando descreve que O simples fato de se conhecerem pessoas com doença mental não parece constituir, por si só, um fator impulsionador na mudança ao nível das crenças acerca das doenças e dos doentes mentais.
Outro aspecto a destacar da intervenção antiestigma na disciplina de saúde mental foi o caráter não pontual das discussões que envolviam o tema. Foi importante para o processo de desestigmatização que os assuntos e as estratégias de ensino estivessem sempre envolvidos com a discussão do estigma, fazendo com que os alunos, ao longo da disciplina, fossem expostos a informações e reflexões que os estimularam a desenvolver uma atitude menos estigmatizante. Dessa forma, o ensino foi desenvolvido observando as considerações de Romano (2010), que descreve que as novas experiências e aprendizados, para ser incorporados às atitudes, precisam de repetição das informações, de tempo e de uso de diferentes modos de ensino.
Este estudo apresenta algumas limitações, tais como estudar um grupo específico de alunos da área da saúde e inferir atitudes estigmatizantes em curto prazo. Estudos futuros sobre o assunto podem estar focados na avaliação em longo prazo das atitudes estigmatizantes, após um ensino antiestigma, no uso de um grupo controle, que no estudo em foco não pôde ser utilizado em virtude do caráter obrigatório da disciplina Saúde Mental.
Conclusões
As atitudes estigmatizantes em relação ao transtorno mental configuram-se como um fenômeno complexo que merece especial atenção da comunidade científica e acadêmica, tendo em vista que o ambiente acadêmico é essencial não só para desenvolvimento de conhecimentos e competências, mas, também, constitui um espaço para a promoção de atitudes antiestigmas.
Este estudo avaliou as atitudes estigmatizantes dos alunos técnicos em Enfermagem antes e após a disciplina de saúde mental, assim como a influência desse ensino nas mudanças atitudinais. De acordo com a diferença estatística significativa dos escores da escala ODM, pode-se afirmar que houve uma evolução positiva das atitudes dos alunos técnicos de Enfermagem em relação aos transtornos mentais e seus portadores em todas as dimensões analisadas.
A organização da disciplina, com a inclusão de estratégias educacionais que promoveram o contato direto e indireto dos alunos com os portadores de transtorno mental e que defenderam o modelo de assistência psicossocial a esses indivíduos, parece ter relação com a modificação dessas atitudes estigmatizantes.
Apesar da grande estabilidade que as atitudes apresentam, tornando-as difíceis de serem modificadas, foi possível observar transformações atitudinais nos alunos técnicos de Enfermagem que diziam respeito ao estigma associado ao portador de transtorno mental, e o ensino de saúde mental em uma perspectiva antiestigmatizante pode ser considerada como um grande colaborador para tais mudanças.
Implicações para a Prática Clínica
É importante salientar que este estudo apresenta relevância por serem escassos os estudos de investigação da temática em questão com estudantes do nível médio da área da Enfermagem, e, ainda, por considerar que o conhecimento mais aprofundado das atitudes dos alunos acerca dos portadores de transtornos mentais permitirá o desenvolvimento de estratégias de ensino adequadas e com impacto junto dos alunos e futuros profissionais numa melhor prestação de cuidados de enfermagem aos indivíduos portadores de transtornos mentais, concorrendo, no futuro, para a redução de ideias preconcebidas e estigmatizantes.
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*Artigo extraído da dissertação Influência do ensino de saúde mental na modificação de atitudes Estigmatizantes de alunos técnicos de Enfermagem, apresentada em 2018 na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.
Recebido em 30 de março de 2019
Aceite para publicação em 1 de julho de 2019