Introdução
O cuidar em enfermagem surge conectado a uma dimensão emocional, inerente ao processo relacional. A situação problemática vivenciada pela pessoa no processo saúde-doença expressa-se através da emoção, sendo o enfermeiro o recetor dessa experiência emocionalmente intensa. No entanto, as consequências psicológicas e fisiológicas que afetam o profissional de saúde são normalmente desvalorizadas, sendo consideradas secundárias aos cuidados de enfermagem (Diogo, 2017).
O trabalho emocional é essencial para que o enfermeiro possa mostrar sensibilidade afetiva e compreensão pelo outro, enquanto lida simultaneamente com a influência das emoções em si mesmo (Diogo, 2012). Contudo, este conceito envolve a indução e supressão da emoção, cujo objetivo é manter a aparência externa do enfermeiro para que a pessoa se sinta cuidada e segura (Diogo, 2017; Foster, McCloughen, Delgado, Kefalas & Harkness, 2014). A supressão emocional pode afetar a saúde do enfermeiro pelo que o desenvolvimento de inteligência emocional (IE) permite que o profissional se autopercecione e autorregule evitando possíveis situações de esgotamento (Mcqueen, 2004).
O impacto positivo da IE nos cuidados de enfermagem surge evidenciada em diversos estudos e nas mais diversas temáticas, como: na tomada de decisão clínica (Kozlowski, Hutchinson, Hurley, Rowley & Sutherland, 2017); na satisfação profissional (Phillips & Harris, 2017); na gestão de conflito (Başoğul & Özgür, 2016); no desempenho profissional (Al-Hamdan, Oweidat, Al-Faouri & Codier, 2016); e na liderança (Beydler, 2017).
A competência emocional é definida por Alzina (2009, p. 146) como um “(...) conjunto de conhecimentos, capacidades, habilidades e atitudes necessárias para compreender, expressar e regular de forma apropriada os fenómenos emocionais.”. Assim, a aquisição de competência emocional implica a aplicação dos conceitos da IE na prática diária para liderar e influenciar efetivamente o indivíduo e o grupo.
Em 1990, surge pela primeira vez o conceito de IE por Mayer e Salovey, contudo, o conceito é alargado à restante comunidade por Daniel Goleman em 1995, através da apresentação de estudos que provam que o desempenho dos colaboradores se devia ao domínio das suas aptidões sociais e emocionais em vez do domínio técnico e conhecimento da sua função (Moreira, 2019).
Goleman (1995, p. 54) define IE como “(...) a capacidade de a pessoa se motivar a si mesma e persistir a despeito das frustrações; de controlar os impulsos e adiar a recompensa; de regular o seu próprio estado de espírito e impedir que o desânimo subjugue a faculdade de pensar; de sentir empatia e de ter esperança.” Moreira (2019, p. 20) corrobora e simplifica a definição considerando que IE é “(...) a forma como conhecemos e gerimos as nossas emoções, como formulamos os pensamentos com base nelas, e como conseguimos melhorar o nosso comportamento.” A IE pode ser medida, aprendida e desenvolvida ao longo do tempo, sendo essa habilidade que diferencia resultados excecionais, dos comuns (Freshwater & Stickley, 2004).
A aquisição de competência emocional tem impacto nos cuidados de enfermagem, pois permite o desenvolvimento intelectual e emocional do enfermeiro, bem como a estabilidade e segurança que o mesmo reflete no seu agir. O enfermeiro reconhece e compreende emoções em si mesmo e nos outros, usando essa consciência na gestão do seu comportamento e das suas relações, fomentando a literacia emocional no cliente e consequentemente o seu conforto (Xavier, Nunes e Bastos, 2014). Na dupla centralidade, enfermeiro e cliente, associada à emoção surge o presente estudo com o objetivo de identificar estratégias que promovam a inteligência emocional dos enfermeiros.
Métodos
O método utilizado foi a revisão integrativa da literatura. Para a elaboração da questão de investigação foi utilizada a estratégia PI[C]O (acrónimo para patient, intervention, comparison, outcomes). Dessa forma procurou-se reunir a melhor evidência que responda à seguinte questão de investigação: quais as estratégias promotoras de inteligência emocional dos enfermeiros?
O primeiro elemento da estratégia (P) consiste nos enfermeiros; o segundo (I) nas estratégias; e o quarto elemento (O) na inteligência emocional. De acordo com o método da revisão nem sempre se aplica a utilização de todos os elementos do PICO. Nesta revisão integrativa, o terceiro elemento, ou seja, a comparação, não foi utilizado.
A resposta a esta pergunta permite atingir o objetivo de identificar estratégias promotoras da IE dos enfermeiros.
A pesquisa foi efetuada nos dias 23 e 24 de Novembro de 2019, através da ferramenta de pesquisa bibliográfica on-line EBSCOhost®, considerando todas as suas bases de dados, (nomeadamente a CINAHL Complete; MEDLINE Complete; Nursing & Allied Health Colletion: Comprehensive; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Cochrane Methodology Register; Library, Information Science & Techology Abstracts; MedicLatina) e através da plataforma de pesquisa B-ON® considerando os provedores de conteúdo (nomeadamente a Complementary Index, Academic Search Complete, ScienceDirect, Business Source Complete, Literature Resource Center, Gale in Context: Science, Supplemental Index, Directory of Open Access Journals, Research Starters, RCAAP, Scielo, ERIC).
Foram utilizados os descritores em inglês: Strategies; Techniques; Emotional Intelligence; Nursing; Nurses; e em português: Estratégias; Técnicas; Inteligência Emocional; Enfermagem; Enfermeiros ou Enfermeiras, validados no MeSH e no DeCS. Para operacionalizar a pesquisa foram utilizados operadores boleanos, efetuando-se a busca ao nível do resumo com a seguinte expressão boleana: Strategies OR Techniques AND Emotional Intelligence AND Nursing OR Nurses
Foram considerados alguns limitadores de pesquisa, entre eles a disponibilização do documento em texto completo, em português e inglês e, janela temporal de 2014 a 2019.
Foram estabelecidas as normas de seleção dos estudos, sendo definidos os respetivos critérios de inclusão e exclusão. Foram definidos como critérios de inclusão: artigos que evidenciassem Estratégias de Inteligência Emocional e Técnicas de Inteligência Emocional; artigos cuja população fosse Enfermeiros ou Enfermeiros Gestores. Como critérios de exclusão definiram-se: artigos cuja população fosse outros grupos profissionais; Artigos de Opinião; Artigos não disponíveis na íntegra.
Inicialmente extraíram-se 162 artigos, pela leitura do título foram excluídos 123 artigos; dos quais cinco eram duplicados tendo sido desconsiderados; pela leitura do resumo exclui-se nove artigos. Procede-se à leitura integral dos remanescentes 15 artigos, dos quais se excluem onze, sendo considerados para esta revisão quatro artigos.
Discussão
A tipologia de estudos dos artigos selecionados abarca um conjunto de fatores que, de forma direta ou indireta, permite delinear um conjunto de estratégias que promovem inteligência emocional dos enfermeiros.
Ao contrário do quociente de inteligência e da personalidade, o quociente emocional é flexível podendo ser desenvolvido, alterado e aumentado através de várias estratégias que permitem a aquisição de quatro competências: autoconsciência e autogestão (aptidões pessoais) e consciência social e gestão de relações (aptidões sociais) (Goleman, 1995).
No quadro 2, estão reconhecidas quatro estratégias utilizadas para o desenvolvimento das competências de IE.
A reflexão (E2, E3, E4) sobre a experiência permite desenvolver enfermeiros emocionalmente competentes, que usam a reflexão para desenvolver habilidades de IE. Diogo (2012) atesta a reflexão como essencial para o desenvolvimento e desempenho do trabalho emocional, permitindo a consciencialização e integração do conceito e a sua orientação para a prática clínica. No estudo E2 a reflexão sobre uma experiência real através da visualização de um vídeo, melhora a autoconsciência e a consciência social, tendo também impacto na competência gestão de relações. A aplicabilidade escrita (E3) do processo de reflexão tem impacto, não só na regulação emocional, como também na construção de autoconhecimento permitindo estruturar ideias, experiências e sentimentos (Moreira, 2019). Por fim no E4, a vivência pessoal experimentada durante o exercício prático e a posterior reflexão centrada na análise das decisões tomadas são basilares no aumento da IE (Serna et al., 2014). A prática reflexiva é essencial para criar um senso profundo de identidade pessoal, como pessoa e como profissional, sendo preponderante no processo de aquisição de autoconsciência. No entanto, a reflexão não é uma aprendizagem mecanicista da educação que possa ser ensinada por meio de um modelo prescritivo, mas sim uma abordagem experienciada que depende de um encontro único e individual de aspetos interpessoais e intrapessoais (Freshwater & Stickler, 2004).
As atividades de reflexão em grupo sobre situações da prática é a estratégia mais referida nos estudos (E1, E2, E3, E4). Nos quatros estudos torna-se evidente que a análise em conjunto permite reconhecer as situações problemáticas, mas também entender diferentes opiniões e pontos de vista, sendo que esta reflexão auxiliada pela discussão em grupo permite desconstruir e reconstruir o significado da situação prática (Pokorná & Knight, 2015; Taylor et al., 2014). James (2018) refere a action learning como modelo que permite associar a aprendizagem experiencial e a aprendizagem reflexiva, ou seja, neste modelo, ocorre a análise da situação experienciada com o intuito de aprender através do processo coletivo de compartilha e discussão de experiências e ideias. No entanto no E2 é referido como desvantagem desta estratégia a falta de vontade dos formandos de se expressar em grupo (Pokorná & Knight, 2015).
Nos estudos E1, E2 e E4 surgem identificadas como estratégias as atividades experimentais: o role-playing (E1 e E4) e a visualização de vídeo (E2). O E2 refere vantagens da visualização de vídeo em relação ao role-playing, pois a visualização de vídeo permite identificar técnicas de comunicação e interação, bem como observar o papel do ator e a importância da comunicação não-verbal, enquanto o role-playing tem como desvantagem o reduzido envolvimento dos formandos, desconexão com a situação real e timidez em se expressar. Freshwater e Stickler (2004) destacam o uso da arte, poesia, dança, teatro, música como modalidades expressivas que melhoram a integração da experiência emocional. A conexão com as emoções e a sua expressão permite explorar a vivência pessoal em determinado contexto, melhorando o processo de análise e de aprendizagem de habilidades emocionais (Serna et al., 2014). Bradberry e Greaves (2009, p.91) consideram que olhar para diferentes formas de arte permite alcançar as emoções mais profundas, pois encontrar “(...) as nossas emoções nas expressões de um artista permitem-nos aprender mais sobre nós mesmos e descobrir sentimentos que muitas vezes são difíceis de comunicar.”
O ensino continuado de competências de IE é a estratégia abordada no estudo E1, pois o conhecimento sobre as diferentes aptidões pessoais e sociais, permite que o enfermeiro torne consciente e competente a abordagem emocional inerente ao processo relacional. Também no estudo controlado de Sharif, Rezaie, Keshavarzi, Mansoori e Guadakpoor (2013) o treino de competências como a autoconsciência e a gestão de relações melhorou o quociente emocional do grupo experimental. Beydler (2017) considera que uma das formas de desenvolver e manter competências emocionais passa pelo treino formal dos seus componentes. No entanto, este treino deve ser continuado e não um ato isolado, pois a competência emocional poderá ser facilmente perdida se não trabalhada. Bradberry e Greaves (2009, p. 226) referem que se o indivíduo “(...) deixar de treinar de forma consciente estas competências, algures no tempo futuro, certamente, permitirá que circunstâncias difíceis o dominem.”
Conclusões
O aumento do quociente emocional dos profissionais de saúde deverá ser uma preocupação crescente. O foco apenas nas competências técnicas não garante o sucesso profissional do enfermeiro, sendo que com o aumento tecnológico serão as competências não técnicas o elemento diferenciador dos profissionais de saúde.
A reflexão sobre a prática clínica analisando as nossas aptidões pessoais e sociais será a ferramenta basilar ao desenvolvimento do quociente emocional. Pensar sobre as emoções que sentimos melhora a nossa capacidade de as gerir. Pensar sobre as emoções do outro fortalece a empatia. A empatia melhora a sensibilidade aos sinais sociais que indicam o que os outros necessitam, sendo que esta competência é particularmente importante em profissões que envolvem a prestação de cuidados. A gestão de relações interpessoais é a mais difícil das quatro competências, contudo a aquisição desta competência garante a melhoria e efetividade na interação com terceiros.
As estratégias identificadas permitem ao enfermeiro treinar as suas aptidões pessoais e sociais através: da aprendizagem reflexiva; de atividades reflexivas em grupo; de atividades experienciais; do aprofundamento de competências de IE. Os resultados deste estudo respondem ao objetivo definido previamente.
Este trabalho define a importância de integrar esta temática nos programas curriculares de Enfermagem, quer seja na licenciatura, quer no curso de especialização. A inclusão da IE nos programas curriculares capacitará os alunos a gerir situações emocionalmente intensas, permitindo que estes lidem com os próprios sentimentos, melhorando a capacidade de lidar com os outros com confiança e competência.
O número reduzido de estudos sobre esta temática revelou-se a principal limitação ao estudo. Dada a importância já comprovada da componente emocional na prestação de cuidados, com impacto no enfermeiro, cliente e instituição, urge a necessidade de investir em investigação que permita a melhoria da competência emocional do enfermeiro com validação e aplicação das estratégias já identificadas, bem como identificação e aplicação de novas estratégias.
A competência emocional é um processo inacabado que exige treino constante por parte do enfermeiro. A aprendizagem de estratégias não é um fim, mas sim um meio que permitirá ao enfermeiro analisar e refletir sobre a sua intervenção, tornando a competência consciente, na competência inconsciente que se reflete num comportamento automatizado. O conhecimento da dimensão emocional é considerado superficial quando comparada com outras dimensões de enfermagem, no entanto desconsiderar a emoção é negar o coração da arte de cuidar em enfermagem (Diogo, 2017; Freshwater & Stickler, 2003).