Introdução
A definição de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (PSSA) está conceptualizada a partir da situação habitacional ou do tipo de local onde estas pessoas pernoitam (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2015). O Grupo Implementação, Monitorização e Avaliação da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo (GIMAE), (2019) refere que em Portugal existem 3.396 pessoas “sem teto” ou “sem casa", das quais 1.443 pessoas estão a viver na rua, em espaços públicos, abrigos de emergência ou locais precários e 1.953 pessoas não têm casa, isto é, estão a viver em equipamentos onde podem pernoitar por períodos de tempo limitados. Na cidade de Lisboa, existem atualmente 644 PSSA, das quais 350 não têm teto. Esta população apresenta diversas vulnerabilidades no que se refere ao seu estado de saúde (Silva et al., 2018). Além do consumo de substâncias (Smith-Bernardin, Kennel, & Yeh, 2019), os problemas mais frequentes são músculo-esqueléticos (30%), respiratórios (20%), cardiovasculares (16%), psicológicos/psiquiátricos (15,5%) e 9,5% afirmam ter problemas de tipo neurológico (Craveiro, Belo, & Cardoso, 2016; Erickson et al., 2018). As vulnerabilidades identificadas nesta população em Lisboa são semelhantes às encontradas em outras partes do mundo (Nvatanga & Snelling, 2018; Silva et al., 2018; Webb, Mitchell, Nyatanga, & Snelling, 2018).
Os processos que levam uma pessoa à situação de sem-abrigo são quase sempre complexos e multifatoriais. A literatura refere dois tipos de causas: as estruturais, como o desemprego, a pobreza, as políticas habitacionais e sociais; e as individuais, onde se situam as doenças físicas e mentais, os consumos de álcool e drogas e as perdas de valores (Ross-Houle, Venturas, Bradbury, & Porcellato, 2017). De acordo com os mesmos autores, a PSSA utiliza habitualmente o consumo de álcool como uma estratégia para lidar com as situações adversas, o que potencia a dependência da substância. O desenvolvimento da resiliência e do estabelecimento de relações interpessoais é importante para interromper o consumo de álcool e a manutenção da abstinência. A interrupção dos consumos é considerada essencial para a adesão a programas de apoio (Opalach et al., 2016) e construção ou reorganização de um novo projeto de vida com a PSSA.
A população portuguesa apresenta uma das taxas de consumo de álcool per capita mais elevadas da Europa (World Health Organization [WHO], 2018), no entanto não está ainda identificada a percentagem de PUA nas PSSA em Portugal. Lisboa é a cidade portuguesa onde há uma maior percentagem de PSSA.
A vulnerabilidade das PSSA tem sido alvo de preocupação para as entidades governamentais em Portugal, pelo que foi constituído um grupo de trabalho com diversos objetivos, dos quais se destacam: assegurar o acesso aos cuidados de saúde e criar condições que garantam a promoção da autonomia através da mobilização e contratualização de recursos disponíveis de acordo com o diagnóstico de necessidades. Torna-se assim fundamental caracterizar as PSSA em termos sociodemográficos e de saúde, com enfoque na problemática do uso de álcool, dando um contributo para o diagnóstico das necessidades destas pessoas, para que se possam identificar possíveis estratégias de intervenção e prevenção eficazes junto das mesmas. Assim, este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil sociodemográfico, a perceção de saúde e o consumo de álcool da população em situação de sem-abrigo na área metropolitana de Lisboa.
Métodos
Desenho do Estudo
Estamos perante um estudo transversal, descritivo e correlacional. A amostra foi do tipo não probabilístico, por conveniência, sendo constituída pela população-alvo elegível que se encontrava acessível e aceitou participar no estudo. É composta por 199 participantes em situação de sem-abrigo que se encontravam no momento de aplicação dos questionários no concelho de Lisboa.
Instrumentos
Foi utilizado um questionário realizado pelos autores que incluiu a caracterização sociodemográfica dos participantes, caraterização da situação de sem-abrigo (razões, que contribuíram para a situação de sem-abrigo, tempo que se encontra da situação de sem-abrigo, procura de trabalho, local onde pernoita, existência de apoios sociais), dados relativos à perceção de saúde (perceção do estado de saúde, toma da terapêutica e existência de limitações funcionais físicas ou psíquicas), consumo de tabaco e de álcool. Utilizou-se o CAGE (Cut; Annoyed; Gilty; Eyer) para conhecer o padrão de consumo de bebidas alcoólicas. Este teste de avaliação é de fácil aplicação e é especialmente útil para detetar a dependência e o abuso de álcool. É constituído por quatro perguntas, sendo que as três primeiras se referem à experiência de consumo (“Já lhe aconteceu ter que beber logo ao levantar, para aliviar a sensação de mal-estar?”; “Já pensou que deveria reduzir ou deixar de ingerir bebidas alcoólicas?”; “Já alguma vez se sentiu desgostoso e triste com os seus hábitos de consumo de bebidas alcoólicas?”) e a última questão explora aspetos relacionados com a abstinência alcoólica “Já se sentiu desagradado com os comentários que outras pessoas tenham feito acerca dos seus hábitos de consumo de bebidas alcoólicas?”). É atribuído um ponto a cada resposta positiva. Um resultado superior a dois indica provável abuso excessivo de álcool e dependência alcoólica. A sensibilidade deste questionário situa-se entre os 61% e os 100% e a especificidade entre os 77% e os 96% (Direção Geral da Saúde 2001; Gomes, 2004). Outros estudos realizados utilizando o CAGE, tais como o de Choe, Lee, Choi, Suh, Lee e Kim (2019) em que foi identificada uma sensibilidade entre 43% e 94% e a especificidade de 70% a 97% na identificação do PUA, o de Cardoso, Alexandre e Rosa (2010) realizado em território nacional que identificou uma a sensibilidade e especificidade do CAGE da identificação dos problemas de consumo de álcool de 52% e 95% respetivamente e o de Dhalla e Kopec (2007) em que o CAGE demonstrou uma alta confiabilidade teste-reteste (0,80-0,95), e uma adequada correlação (0,48-0,70) foram argumentos que suportaram a seleção do CAGE como instrumento para identificar a PUA.
Procedimentos
Os princípios éticos foram tidos em consideração ao longo de todo o processo, sendo garantida a confidencialidade dos dados e o anonimato. Foi obtida autorização da Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde Atlântica (dia 15 janeiro de 2018) para a realização do estudo e foi obtido o consentimento informado dos participantes após explicação dos objetivos e procedimentos. Os dados foram recolhidos através da aplicação dos questionários por heteroavaliação, presencialmente, em entrevista face-a-face, com a colaboração das equipas de rua e da Câmara Municipal de Lisboa, durante o mês de março de 2018.
Utilizaram-se estatísticas descritivas para caraterização da amostra, e inferenciais para verificar a existência de associação entre o consumo de tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas. Partindo do Teorema do Limite Centra e considerando a dimensão da amostra, optou-se pela utilização de estatísticas paramétricas, especificamente o teste da significância do r de Pearson, considerando os resultados estatisticamente significativos para um nível de significância de 5% ou 1% (Marôco, 2011). Isto é, para p<0,05 ou p<0,01. A análise de dados foi realizada com o programa SPSS versão 25 para Windows.
Resultados
A amostra é constituída por 199 participantes, maioritariamente do sexo masculino (88,4%), e de nacionalidade portuguesa (76,4%), com uma média de idades de 50,25 anos (DP=11,14). A maior parte dos participantes frequentou o ensino básico (59,8%), é solteira (60,8%) e sem filhos (57,8%). 43,7% dos participantes apontam diversas razões sem especificar nenhuma em particular para que se encontrem na situação de sem-abrigo, e uma percentagem de 20,1% atribui esta situação ao facto de estar desempregado. A análise do período de emprego superior a seis meses de apenas 17,6% da amostra realça a dificuldade desta população em obter rendimento de forma regular.
Em relação à situação habitacional, os dados mostram que 81,4% dos participantes dorme na rua diariamente e 10,6% mais de duas vezes por semana. O tempo em que os participantes vivem na rua oscila entre um mês ou mais de 3 anos. A maior parte vive sem teto há mais de 3 anos (41,2%) (Tabela 1).
Variáveis | n (%) |
Género | |
Feminino | 23 (11,6) |
Masculino | 176 (88,4) |
Habilitações Literárias | |
Aliteracia | 18 (9,0) |
Ensino Básico | 119 (59,8) |
Ensino Secundário | 49 (24,6) |
Formação Universitária | 6 (3,0) |
Outra | 7 (3,5) |
Estado Civil | |
Solteiro | 121 (60,8) |
Casado | 16 (8,0) |
Divorciado | 46 (23,1) |
Viúvo | 16 (8,0) |
Nacionalidade | |
Portuguesa | 152 (76,4) |
Dupla nacionalidade | 13 (6,5) |
Outra | 34 (17,1) |
Filhos | |
Sim | 84 (42,2) |
Não | 115 (57,8) |
Emprego com duração superior 6 meses | |
Sim | 35 (17,6) |
Não | 164 (82,4) |
Motivo da situação de Sem-abrigo | |
Diversas razões não especificadas | 87 (43,7) |
Carência económica (desemprego) | 40 (20,1) |
Rotura familiar | 29 (14,6) |
Despejo da habitação | 28 (14,1) |
Não sabe / não responde | 15 (7,5) |
Duração da situação de Sem-abrigo | |
< 1 mês | 6 (3,0) |
1 a 6 meses | 41 (20,6) |
6 a 12 meses | 29 (14,6) |
1 a 3 anos | 40 (20,1) |
>3 anos | 82 (41,2) |
Não sabe / não responde | 1 (0,5) |
Situação habitacional (pernoitar na rua) | |
Todas as noites | 162 (83,9) |
Mais de duas vezes por semana | 21(10,9) |
1 a 2 vezes por semana | 3 (1,6) |
De vez em quando | 7 (3,5) |
Os resultados da amostra referentes ao estado de saúde das PSSA mostram que 7,0% considera que o seu estado de saúde é muito bom, 29,1% bom, 45,7% regular. Os restantes referem que o seu estado de saúde é mau (15,6%) ou muito mau (2,5%). 21,6% dos participantes reconhece a existência de limitações funcionais de ordem física ou psíquica.
No que se refere à medicação, 43,9% diz tomar habitualmente medicamentos. No que se refere ao consumo de substâncias, concluiu-se que a maioria fuma diariamente tabaco (56,8%), consome bebidas alcoólicas (51,8%) e tem história de consumo de drogas ilícitas ao longo da vida (52,8%) (Tabela 2).
O consumo de álcool foi alvo de uma análise mais detalhada, de que se realça a quantidade de álcool ingerido, que oscila entre um a 30 copos. As bebidas alcoólicas de baixa graduação são ingeridas na maior parte dos casos diariamente e 54,8% dos participantes não responderam a esta questão. As bebidas alcoólicas de alta graduação são ingeridas diariamente na quantidade de um copo por 48,4% dos participantes. Uma percentagem de 3,2% refere ingerir mais de 20 copos por dia, no entanto a maior parte dos participantes (84,4%) não respondeu à questão. Sobre as consequências do consumo, os resultados mostram que a maior parte dos participantes já se sentiu criticado pelos consumos (32,7%), culpado (37,7%) e com necessidade de ingerir bebidas alcoólicas pela manhã (33,2%). 49,2% dos participantes não responderam.
Variáveis | N (%) |
Perceção do estado de saúde | |
Muito Bom | 14 (7,0) |
Bom | 58 (29,1) |
Regular | 91 (45,7) |
Mau | 31 (15,6) |
Muito mau | 5 (2,5) |
Tem reconhecida alguma limitação funcional ou psiquica | |
Sim | 43 (21,6) |
Não | 155 (77,9) |
Medicação | |
Sim | 86 (43,2) |
Não | 110 (55,3) |
Não sabe / não responde | 3 (1,5) |
Consumo de Tabaco | |
Diariamente | 113 (56,8) |
Sim, mas não diariamente | 20 (10,1) |
Não | 66 (33,2) |
Consumo bebidas alcoolicas | |
Sim | 103 (51,8) |
Não | 96 (48,2) |
CAGE | |
PUA | 98 (49,2) |
Sem PUA | 101 (50,8) |
Consumo de drogas ilícitas | |
Sim | 105 (52,8) |
Não | 92 (46,2) |
Não sabe / não responde | 2 (1,0) |
Foram encontradas correlações positivas estatisticamente significativas entre o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas (r=0,17; p=0,013) e correlações negativas entre o consumo de tabaco e drogas ilícitas (r=-0,26; p=0,0001). Ou seja, o consumo de tabaco está associado a um maior consumo de bebidas alcoólicas, e inversamente relacionado ao consumo de drogas ilícitas. Ao analisar o resultado do CAGE, concluímos que 49,2% apresentam PUA, isto é, CAGE ≥ 2. Não obstante a constatação de PUA, os resultados apontam para uma perceção maioritariamente positiva sobre a sua situação de saúde (81,8%), entre regular (45,7%) e muito boa (7,0%).
Discussão
A percentagem de PSSA do sexo masculino, a baixa escolaridade e o facto de terem apresentado atividades laborais por períodos inferiores a seis meses são dados comuns a outros estudos (INE, 2015; Opalach et al, 2016). Um estudo realizado por Ross-Houle e colaboradores (2017) indica que parece existir relação entre a baixa escolaridade, a dificuldade em manter um emprego e a situação de sem-abrigo. Os resultados do presente estudo mostram ainda a existência de necessidades das PSSA na saúde, situação económica e habitacional e também alertam para a reduzida rede de apoio e de relações afetivas desta população. Tendo em conta a escolaridade e os curtos períodos laborais da nossa amostra e as afirmações apresentadas pelo estudo referido, consideramos que estes poderão ser fatores potenciadores da situação de sem-abrigo.
No que respeita à perceção do estado de saúde, um estudo recente com uma amostra de 2437 PSSA realizado em Espanha (83,8% género masculino), demonstra que a maioria refere um estado de saúde regular (43,8%), sendo que 39,7% menciona que o estado de saúde é pobre (Fajardo-Bullón, Esnaola, Anderson, & Benjaminsen, 2019), dados idênticos ao presente estudo. Estes dados indicam-nos que as PSSA têm noção de que a sua saúde tem fragilidades, podendo não reconhecer a PUA como um problema de saúde, remetendo ainda mais para a importância da vigilância de saúde desta população.
Relativamente ao uso de substâncias, este é um dado preocupante, dada a elevada taxa de consumos nas PSSA. No estudo de Fajardo-Bullón e colaboradores (2019), 45,5% das PSSA consumiam álcool (42,6% consumo moderado e 2,9% consumo elevado). Na presente investigação, o consumo de álcool nas PSSA foi mais elevado (51,8%) com 49,2% com PUA. Já nos Estados Unidos, uma em cada cinco PSSA tinham abuso de substâncias e/ou outro problema de saúde mental no ano de 2016 (United States Department of Housing and Urban Development, 2016). Na nossa amostra de PSSA, 49,2% sofrem de PUA, desconhecendo-se a prevalência de outros problemas de saúde mental. No que respeita ao consumo de drogas ilícitas, o estudo de Fajardo-Bullón e colaboradores (2019) demonstra que 44,4% das PSSA consome ou já consumiu drogas, sendo esta prevalência mais elevada no presente estudo (52,8%).
A associação entre o tabagismo e consumo abusivo e/ou dependência alcoólica é referida por vários autores (Ferreira, Bispo Junior, Sales, Casotti, & Braga Junior, 2013) o que não acontece relativamente às drogas ilícitas, que no presente estudo se encontra correlacionado negativamente.
O consumo e abuso de álcool ou drogas ilícitas é mais elevado em Portugal nas PSSA nos estudos analisados, sendo um dado preocupante tendo em conta todas as consequências para a saúde que daí advêm, aliadas à ausência de habitação. O facto de a situação de sem-abrigo resultar de acontecimentos de vida adversos como desemprego ou ruturas afetivas remete para a utilização das bebidas alcoólicas como estratégia para lidar com situações adversas. A percentagem de PSSA que não sabe especificar o(s) motivo(s) que os levaram à situação de sem-abrigo (43,7%) alerta para a dificuldade desta população na identificação das situações problema e consequentemente em estratégias que permitam a sua resolução. Como referem Ross-Houle e colaboradores (2017) a utilização de bebidas alcoólicas para lidar com estados emocionais negativos potencia a evolução dos consumos para situação de dependência. Por outro lado, o contrário também se pode verificar, ou seja, poderá ter sido o consumo abusivo de álcool que levou à rutura familiar ou aos acontecimentos de vida adversos, como o desemprego, tendo em conta as elevadas taxas de alcoolismo na população geral em Portugal e a acessibilidade à substância. Assim, é importante perceber se é o consumo de álcool que leva à situação de sem-abrigo ou se é o contrário, para que possam ser implementadas estratégias atempadamente. Importa ainda perceber a presença de outras perturbações mentais nesta população e implementar estratégias para a habitação e cuidados de saúde.
Conclusão
Os resultados alertam para a existência de necessidades em saúde pelas PSSA. A percentagem de consumidores de substâncias (tabaco e drogas ilícitas) e de álcool em particular, remete para o risco de aumentarem as consequências no estado de saúde e o comprometimento da integração e sucesso de programas de apoio a esta população. Os resultados confirmam a necessidade de equipas multidisciplinares na abordagem às PSSA, onde os enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiatria (EESMP) têm um papel essencial. Ficou demonstrada a existência de necessidades das PSSA na área da saúde no que respeita à falta de insight sobre a PUA. A diferença percentual entre as PSSA que reconhecem a existência de limitações funcionais de ordem física e psíquica e os que tomam habitualmente terapêutica denotam a iliteracia em saúde desta população, sendo por isso importante a existência do profissional de saúde perito em estratégias comunicacionais e de relação terapêutica para ajudar cada um no reconhecimento das situações de doença e procura de tratamento. O treino desta população em competências socias e relacionais que lhes permitam lidar com as vulnerabilidades existentes em diversas áreas de vida, e a identificação das situações de consumo de substâncias, para intervenção ou encaminhamento alertam para a importância do ESSMP nas equipas de apoio á PSSA principalmente ao nível dos comportamentos aditivos. Além disso, torna-se essencial atuar ao nível da promoção e proteção da saúde mental, bem como da prevenção da doença mental nesta população.
Implicações para a Prática Clínica
Tendo em conta os resultados deste estudo, que demonstram o elevado consumo de substâncias nas PSSA, podemos inferir que a intervenção junto desta população requer uma avaliação pormenorizada do consumo de substâncias e em especial do consumo de álcool e da inventariação de problemas de saúde existentes, além da situação socioeconómica. A triagem do consumo de álcool, o encaminhamento adequado, a Redução de Riscos e Minimização de Danos, mostram ser intervenções de primeira linha a considerar junto das PSSA.
A dificuldade demonstrada na identificação dos problemas, e consequentemente nas estratégias que conduzam à sua resolução mostram que o EESMP é um elemento fulcral nas equipas de apoio a PSSA. Na sua prática clínica, o mobilizar de um conjunto de saberes e conhecimentos científicos, técnicos e humanos e os elevados níveis de julgamento clínico e tomada de decisão, traduzidos num conjunto de competências clínicas especializadas, permitem ao EESMP facilitar a integração da PSSA no seu processo terapêutico e a vivência de experiências gratificantes nas relações interpessoais e intrapessoais.
Tendo em conta as competências do EESMP (Ordem dos Enfermeiros, 2018), que inclui a coordenação, implementação e desenvolvimento de projetos que promovam e protejam a saúde mental, torna-se urgente e essencial o seu envolvimento ativo na construção de programas específicos para este grupo da comunidade, no sentido de prevenir consequências como por exemplo o abuso de bebidas alcoólicas. Esta intervenção deverá ser dirigida a todos os grupos de risco podendo passar pela intervenção ao nível das Unidades de Cuidados na Comunidade e pelas Equipas Comunitárias de Saúde Mental, reguladas pelo Despacho n.º 2753/2020 (Ministério da Saúde, 2020).
Importa ainda refletir sobre o processo de desinstitucionalização psiquiátrica e sobre a possível necessidade de intervenção focada nos cuidados continuados em saúde mental para as PSSA, dada a elevada taxa de comportamentos aditivos.