Introdução
O envelhecimento populacional é um fenómeno mundial e as suas repercussões representam um enorme desafio para a Sociedade. Em Portugal, a taxa de envelhecimento situa-se nos 157%, acima da média europeia (PORDATA, 2018). Esta tendência demográfica implica um aumento da incidência das patologias associadas ao envelhecimento.
Envelhecer compreende um conjunto de alterações, nomeadamente cognitivas; existindo uma linha muito ténue entre as mudanças esperadas para esta etapa da vida e as alterações de cariz patológico, como por exemplo, a perturbação neurocognitiva ligeira. Esta condição implica a evidência de um declínio cognitivo modesto em relação a um nível prévio, objetivado pela própria pessoa e por um informador, sendo que os défices não interferem nas atividades básicas e instrumentais de vida diária (American Psychiatric Association, 2013).
A evidência demonstra que 80% das pessoas com perturbação neurocognitiva ligeira desenvolvem perturbação neurocognitiva major (demência). Esta síndrome caracteriza-se por défices cognitivos múltiplos, graduais e contínuos, que levam a limitações sociais e ocupacionais significativas (American Psychiatric Association, 2013), sendo fundamental intervir para retardar o seu aparecimento, promovendo a autonomia e contribuindo para um envelhecimento ativo (Langa & Levine, 2014).
O Relatório “Health at a Glance 2017” apresentou novos dados sobre a prevalência da demência nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), colocando Portugal como o 4º país com mais casos por cada mil habitantes. A média dos países da OCDE é de 14.8 casos por cada mil habitantes, sendo que para Portugal a estimativa é de 19.9. De acordo com o relatório, estima-se que em Portugal existam 205 mil pessoas com demência, número que subirá para os 322 mil até 2037 (OCDE, 2017).
A perturbação neurocognitiva major é uma doença crónica, pelo que os números apresentados demonstram a importância da intervenção ao nível da prevenção dos fatores de risco e da promoção dos fatores protetores. No que diz respeito aos fatores de risco, o principal é um fator não modificável, a idade. Sabe-se que a taxa de incidência e prevalência desta síndrome aumenta com a idade, sendo de 20% nas pessoas com idades entre os 85 e os 89 (Langa & Levine, 2014). No que concerne aos fatores protetores, a evidência demonstra que alguns comportamentos são protetores relativamente ao desenvolvimento de perturbação neurocognitiva major, tais como: a prática de exercício físico regularmente, a prática de uma alimentação saudável, o desenvolvimento de atividades de estimulação cognitiva, entre outros (Nascimento, Batista, Rocha & Vasconcelos, 2015).
De entre as atividades protetoras do desenvolvimento de perturbação neurocognitiva major, a estimulação da cognição assume especial destaque. A manutenção da saúde cognitiva tem uma importância fundamental na prevenção do compromisso cognitivo e no atraso da instalação do quadro demencial (Lousa, 2016).
Os benefícios da estimulação da cognição estão demonstrados quer para a população idosa saudável, quer para idosos com quadros de perturbação neurocognitiva ligeira, ou de perturbação neurocognitiva major em estadio inicial (Apóstolo, Cardoso, Marta & Amaral, 2011). Esta intervenção psicoterapêutica pode ser instituída nas diferentes fases da doença, desde que adaptada aos défices cognitivos identificados. Deste modo, a identificação do perfil cognitivo da população idosa em diferentes contextos, como o domicílio ou as instituições residenciais, é um passo fundamental para definir estratégias de estimulação cognitiva eficazes e eficientes, que deem resposta às reais necessidades cognitivas deste grupo etário, para que atuem na promoção da saúde cognitiva e na prevenção das síndromes demenciais.
Os objetivos deste estudo foram:
1) Identificar o perfil cognitivo de um grupo de idosos institucionalizados de uma região do norte de Portugal.
2) Identificar a relação entre as variáveis sociodemográficas e o perfil cognitivo de um grupo de idosos institucionalizados de uma região do norte de Portugal.
Métodos
O estudo apresentado é um corte de um estudo quantitativo, transversal e descritivo-correlacional, que procurou avaliar o perfil cognitivo e o bem-estar de um grupo de idosos institucionalizados, de uma região do norte de Portugal, e a sua relação com um conjunto de variáveis sociodemográficas e clínicas. Neste artigo apresentamos apenas os dados relativos ao perfil cognitivo e à sua relação com as variáveis sócio-demográficas.
A amostra de conveniência foi constituída por um grupo de idosos institucionalizados (n = 37) com capacidade para responder ao questionário de colheita de dados.
O questionário foi composto por questões sociodemográficas (idade, sexo, escolaridade e estado civil) e pelo Montreal Cognitive Assessment (MoCA), versão portuguesa (Simões et al., 2008). Este consiste num instrumento breve de rastreio para o défice cognitivo que avalia as seguintes funções cognitivas: atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, capacidades visuo-construtivas, capacidade de abstração, cálculo e orientação. A pontuação total é de 30 pontos, sendo uma pontuação de 26 ou mais considerada normal.
A colheita de dados decorreu entre Novembro de 2017 e Fevereiro de 2018, numa instituição residencial para idosos, de uma região do norte de Portugal. Durante este processo foram atendidos os pressupostos éticos da investigação com humanos, procedendo-se a um pedido de autorização para a realização do estudo à Direção da instituição (N / Refª: ESSVA / ENF-VA- 013/2017) e a um consentimento informado tácito para os participantes.
Para o tratamento estatístico dos dados recorreu-se ao Statistical Package for the Social Sciences 21, utilizando-se estatística descritiva (medidas de tendência central e coeficiente de correlação de Pearson).
Resultados
No que concerne aos dados sociodemográficos, a amostra era constituída maioritariamente por mulheres, com média de idade de 82 anos, viúvas e com mais de 4 anos de escolaridade (Tabela 1).
Variável | n= 37 |
Idade | Média =82,22 (DP ±1,5) anos Amplitude: 65-97 anos |
Sexo | Feminino: 25 (67,6%) Masculino: 12 (32,4%) |
Escolaridade | Sem escolaridade: 9 (24,3%) 4 a 12 anos de escolaridade: 23 (62,1%) Mais de 12 anos de escolaridade: 5 (13,5%) |
Estado civil | Solteiro/a: 5 (13,5%) Casado/a: 9 (24,3%) Divorciado/a: 2 (5,4%) Viúvo/a: 21 (56,8%) |
Quanto aos resultados cognitivos, verificou-se que a média de pontuação no MoCA foi de 14,35 pontos, num máximo possível de 30 pontos. Os valores do teste variaram entre 5 e 24 pontos.
Além da análise descritiva das cotações, fez-se uma conversão dessas somas num valor percentual de 0 a 100%, de forma a melhor avaliar o desempenho cognitivo dos idosos em cada função cognitiva avaliada. Assim, verificou-se que as funções cognitivas onde os idosos apresentaram melhor desempenho foram a evocação e a orientação. E as funções cognitivas onde apresentaram um desempenho mais baixo foram a linguagem e a abstração. Na Tabela 2 encontram-se de forma mais detalhadas os resultados encontrados.
n=37 | ||||
Variáveis | Média pontuação | Desvio Padrão | % de desempenho correto | |
Função visuo-espacial executiva (5 pontos) | 1,89 | 1,02 | 37,84 | |
Nomeação (3 pontos) | 1,38 | 1,09 | 45,95 | |
Atenção (6 pontos) | Sequências números (2 pontos) | 0,70 | 0,66 | 35,16 |
Série de letras (1 ponto) | 0,62 | 0,49 | 62,16 | |
Subtração (3 pontos) | 1,08 | 1,09 | 36,03 | |
Linguagem (3 pontos) | Repetição de frases (2 pontos) | 1,03 | 0,89 | 51,35 |
Fluência verbal (1 ponto) | 0,05 | 0,23 | 5,41 | |
Abstração (2 pontos) | 0,19 | 0,52 | 9,46 | |
Evocação diferida (5 pontos) | 3,11 | 1,63 | 62,16 | |
Orientação (6 pontos) | 4,24 | 1,61 | 70,72 | |
Pontuação Total (30 pontos) | Amplitude: 5/24 | Média = 14,35 (SD 5,00) |
Correlacionando os dados sociodemográficos com os scores obtidos no MoCA, verificou-se que as variáveis sexo e idade se correlacionam com o score total. Sendo que ser mulher parece estar relacionado com a obtenção de scores mais baixos e o aumento da idade influência de forma negativa o score total do MoCA, como se pode ler na Tabela 3.
Discussão
Para uma melhor explanação dos resultados procedeu-se à divisão da discussão de acordo com os objetivos do estudo.
Os resultados encontrados resultam da participação de 37 idosos institucionalizados, amostra de conveniência composta maioritariamente por mulheres, com uma média de idade de 82 anos, viúvas e com mais de 4 anos de escolaridade. Este perfil de pessoas idosas é comum nos estudos de investigação em Portugal, como referem Nascimento, Batista, Rocha & Vasconcelos (2015), tal pode justificar-se pelas características sociodemográficas da população portuguesa, onde as mulheres apresentam uma longevidade superior à dos homens, existindo, por isso, mais mulheres idosas do que homens em Portugal (PORDATA, 2018). A idade média dos participantes coloca-os numa zona próxima de prevalência de síndromes demenciais na ordem dos 20% (Langa & Levine, 2014), o que pode justificar alguns resultados cognitivos obtidos, particularmente na fluência verbal e na abstração. A maioria dos participantes tem uma escolaridade entre 4 a 12 anos, o que é um valor ligeiramente superior aos encontrados noutros estudos, como o de Machado, Ribeiro, Cotta & Leal (2011) e Zimmermmann, Leal, Zimmermmann & Marques (2015), em que a maioria dos participantes não tinham instrução ou tinham uma escolaridade muito baixa. Um maior nível de escolaridade pode ser um fator protetor e de reserva cognitiva para estes idosos.
Perfil cognitivo dos idosos
O desempenho cognitivo dos idosos avaliados evidencia alterações cognitivas importantes, considerando os pontos de corte estipulados no teste MoCA para demência (17 pontos) e défice cognitivo (22 pontos) (Freitas et al., 2014).Estes resultados coadunam-se com os de outros estudos na área, em que a maioria dos participantes apresentam comprometimento cognitivo marcado (Machado, Ribeiro, Cotta & Leal, 2011 e Zimmermmann, Leal, Zimmermmann & Marques, 2015). Estes resultados demonstram a verosimilhança que os idosos apresentam para a incidência de défices cognitivos ou síndromes demenciais, corroborando a importância de uma avaliação cognitiva precoce e de uma intervenção direcionada, não só em settings institucionais, mas também em contexto comunitário, sendo este um campo de ação crucial para a Enfermagem, nomeadamente, para os Enfermeiros de Saúde Mental e Psiquiátrica.
Relativamente ao desempenho dos idosos nas funções cognitivas avaliadas verificou-se um desempenho cognitivo positivo (superior a 50%) na atenção - série de letras, na linguagem - repetição de frases, na evocação deferida e na orientação. Este desempenho é invulgar face aos resultados encontrados noutros estudos, visto que, numa população envelhecida e institucionalizada, a evocação e a orientação são, normalmente, as principais funções cognitivas afetadas (Fernandes, 2014). Nas restantes funções cognitivas avaliadas, os idosos obtiveram um desempenho cognitivo negativo (inferior a 50%), destacando-se particularmente a linguagem - fluência verbal e a abstração, este desempenho pode ser justificado pelo facto da deterioração destas funções ser típica em quadros demenciais e de declínio cognitivo (Pinto, 2016). Os resultados demonstram que os idosos apresentam critérios de avaliação compatíveis com o diagnóstico de enfermagem - cognição comprometida (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016), o que suporta a importância de intervenções de estimulação da cognição na prestação de cuidados gerais de Enfermagem e a implementação de programas de estimulação cognitiva individuais ou em grupo, para uma abordagem mais direcionada.
Correlação entre as variáveis sociodemográficas e o perfil cognitivo dos idosos
Na correlação entre as variáveis sociodemográficas e o valor total do MoCA verificou-se que a escolaridade e o estado civil não influenciam o desempenho cognitivo dos idosos que participaram no estudo, resultado que se coaduna com os do estudo de Pinto (2016), que não observou influência da escolaridade no desempenho cognitivo da sua amostra e contrariam os resultados obtidos por Nascimento, Batista, Rocha & Vasconcelos (2015), que verificaram influência tanto da escolaridade como do estado civil na performance cognitiva dos participantes. A ação da escolaridade no desempenho cognitivo tem sido discutida por vários autores, não existindo ainda um consenso alargado sobre a sua influência; no entanto, vários testes de avaliação cognitiva utilizam a escolaridade para os pontos de corte dos seus scores.
Relativamente á variável sexo objetivou-se que existe relação entre o sexo e o desempenho cognitivo, sendo que as mulheres obtiveram um desempenho cognitivo inferior aos homens. No seu estudo Nascimento, Batista, Rocha & Vasconcelos (2015) obtiveram um resultado similar, ao passo que Pinto (2016) constatou no seu estudo que o sexo não se revelou significativo para os resultados do MoCA. No que concerne à variável idade, verificou-se que esta tem impacto no desempenho no MoCA, sendo que quanto maior a idade pior o desempenho cognitivo. Este resultado é compartilhado por alguns estudos na área, tais como Machado, Ribeiro, Cotta & Leal (2011) e Nascimento, Batista, Rocha & Vasconcelos (2015), no entanto, também existem investigadores que não encontraram um impacto significativo da idade no desempenho do MoCA (Pinto, 2016). Pese embora, a influência da idade no desempenho cognitivo seja quase um dado adquirido no meio científico, verifica-se que, na correlação entre as variáveis sociodemográficas e os resultados do MoCA parece existir alguma heterogeneidade nos resultados encontrados em diferentes estudos na área.
Conclusões
Este estudo permitiu identificar o perfil cognitivo de um grupo de idosos institucionalizados de uma região do norte de Portugal, percebendo-se que apresentam alterações importantes em diferentes funções cognitivas, destacando-se a linguagem e a abstração. Verificou-se também que as mulheres apresentaram piores resultados e que quanto maior a idade pior o desempenho cognitivo.
Não obstante o reduzido número da amostra, a identificação do perfil cognitivo destes idosos acarreta mais-valias para a instituição onde o estudo foi desenvolvido, visto possibilitar um maior conhecimento das necessidades dos utentes e a implementação de estratégias de estimulação cognitiva que visem a manutenção/regressão dos défices identificados e a prevenção da evolução de quadros demenciais. Os resultados demonstram ainda a importância da avaliação cognitiva precoce das pessoas mais velhas, em diferentes contextos, de forma a implementar estratégias promotoras da cognição e preventivas de défices cognitivos. Neste âmbito, pela proximidade dos cuidados prestados, os enfermeiros, nomeadamente os de saúde mental e psiquiátrica, possuem competências diferenciadas para avaliar e intervir nesta população.
Implicações para a Prática Clínica
A avaliação do perfil cognitivo dos idosos é uma necessidade evidente face ao panorama sociodemográfico mundial e português. A identificação atempada dos défices cognitivos permite uma intervenção ajustada e preventiva. Este estudo demonstra que a avaliação do perfil cognitivo pode ser feita de forma rápida e económica, através de um questionário de avaliação simples e eficaz, sendo uma mais-valia para as instituições de saúde que prestam cuidados aos idosos.