Introdução
A Segurança dos cuidados de saúde tem vindo a ganhar crescente destaque nas agendas internacionais desde a publicação do relatório “To err is human: building a safer health care sistem” pelo Institute Of Medicine em 2000, devido ao impacto dos dados divulgados, nomeadamente, o elevado número de mortes consequentes de erros clínicos considerados evitáveis, bem como, dos problemas identificados nos sistemas cujo objetivo seria evitar esses mesmos erros (Institute of Medicine, 2000).
Em cuidados de saúde, a segurança é definida como a “(…) redução do risco de danos desnecessários a um mínimo aceitável. Um mínimo aceitável refere-se à noção coletiva em face do conhecimento atual, recursos disponíveis e no contexto em que os cuidados foram prestados em oposição ao risco do não tratamento ou de outro tratamento.” (Direção Geral da Saúde, 2011, p. 14).
Os dados atualmente conhecidos são de que um em cada dez doentes é alvo de erros resultantes do processo de prestação de cuidados, dos quais, pelo menos 50% são considerados evitáveis (Jha et al., 2013; World Health Organization, 2017). Destes erros, 1/3 resultam em danos ligeiros a moderados e 5% em danos graves (World Alliance For Patient Safety, 2008).
A nível nacional, um estudo em hospitais portugueses elaborado em 2011 pela Escola Nacional de Saúde Pública obteve conclusões semelhantes, sendo nomeadamente a taxa de incidência de eventos adversos aproximadamente 11% com 53% das situações consideradas evitáveis (Sousa, Uva, Serranheira, Leite, Nunes, 2011).
Considerando que o contexto dos cuidados de saúde envolve um conjunto de riscos e que o risco “(…) é a probabilidade de ocorrência de um incidente.” (Direção Geral da Saúde, 2011, p. 15), demonstra-se fundamental uma gestão do risco fundamentada e efetiva que envolva estratégias de planeamento, organização, direção, avaliação e implementação com o objetivo promover a segurança dos cuidados de saúde, reduzir/prevenir riscos para doentes e profissionais de saúde e, se estes ocorrerem, minimizar danos (Direção Geral da Saúde, 2011).
No âmbito dos cuidados da especialidade de Psiquiatria e Saúde Mental, além dos riscos conhecidos e partilhados com as restantes áreas de cuidados da saúde, há riscos próprios decorrentes de particularidades da especialidade que se prendem com a apresentação das suas patologias. Neste sentido, o risco é conceptualizado como afetando não apenas o indivíduo, mas também outros doentes, profissionais de saúde, familiares/cuidadores e/ou público em geral, ampliando o alcance de risco (Slemon, Jenkins, & Bungay, 2017).
Neste contexto dos cuidados de saúde, a identificação de potenciais riscos e ações preventivas constituem um grande objetivo da enfermagem psiquiátrica para garantir a segurança (Nijman et al., 2011; Slemon et al., 2017). Contudo, a discussão sobre danos resultantes de cuidados em saúde mental tem vindo a ser considerada limitada (Kanerva, Lammintakanen, & Kivinen, 2013).
Face ao exposto, este trabalho tem como objetivo conhecer a evidência existente sobre a gestão do risco no âmbito dos cuidados de saúde mental, nomeadamente áreas prioritárias e estratégias de intervenção/monitorização.
Métodos
Nesta pesquisa do estado da arte, procedeu-se a uma revisão integrativa da literatura por se tratar de uma metodologia estruturada que permite reunir e sintetizar os resultados de investigação disponíveis sobre um tema, e assim aprofundar o conhecimento sobre o mesmo (Mendes, Silveira, & Galvão, 2008; Soares et al., 2014). Antecedendo a pesquisa, a metodologia de pesquisa, critérios de inclusão e exclusão, objetivos do estudo e questão de investigação foram estabelecidos num protocolo de revisão.
O processo de revisão baseou-se nas etapas do processo de revisão sugerido por The Joanna Briggs Institute para scoping review (The Joanna Briggs Institute, 2017): definição de objetivos, questão de investigação, critérios de inclusão e exclusão; planeamento da estratégia de pesquisa e seleção de estudos; especificação do método de extração de dados; análise, síntese e apresentação do conhecimento produzido.
Assim, e identificada a importância da gestão de segurança em saúde mental, a questão que se coloca é: Qual a produção científica sobre a gestão de segurança no contexto de cuidados de saúde mental nos últimos 10 anos? Na questão formulada no presente estudo, os elementos PIO são: população (P), profissionais de saúde, doentes e outros envolvidos (cuidadores, familiares, população em geral); intervenção (I), gestão de risco; outcome (O) segurança no âmbito dos cuidados de saúde mental e psiquiatria.
No processo de pesquisa utilizaram-se descritores MeSH: Mental Health, Psychiatry e Risk Management. Através da associação destes descritores, concretizou-se a pesquisa nas bases de dados MEDLINE, CINAHL e Psychology and Behavioral Sciences Collection, e a expressão de pesquisa utilizada foi: (“Mental Health” OR Psychiat*) AND (“Risk Management”). Quanto ao período da pesquisa, este compreendeu todo o mês de setembro de 2019.
Como critérios de inclusão, definiram-se: estudos que dessem resposta ao objetivo do estudo, ou seja, terem como tema de pesquisa a gestão de risco no âmbito dos cuidados de saúde mental, publicações dos últimos 10 anos, entre janeiro de 2009 e setembro de 2019, abordagem quantitativa, qualitativa e/ou revisões de literatura, nos idiomas Português, Inglês e Espanhol.
Da pesquisa resultou a identificação de 104 estudos. Numa primeira fase foram excluídos os artigos repetidos, posteriormente foram selecionados pela análise dos títulos. Num segundo momento foram selecionados estudos pela análise do resumo e por fim na leitura do artigo na íntegra, pela aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.
Do processo de pesquisa (Figura 1) resultaram seis artigos que incluem dois estudos qualitativos, dois estudos de método misto e duas revisões de literatura.
A recolha e sistematização dos dados realizou-se com recurso a uma tabela-resumo (Tabela 1), de acordo com as indicações de Joanna Briggs Institute (2017) que apresenta de forma descritiva os seguintes dados: Autores e ano, Objetivo, Metodologia, Participantes e Principais Resultados. Esta estratégia/ferramenta contribuiu para a identificação de categorizações temáticas.
Resultados
Nº | Autores (Ano) País | Objetivos | População | Metodologia | Conclusões |
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1 | Briner & Manser (2013) Suiça | Conhecer riscos clínicos mais importantes em saúde mental e práticas de gestão de risco. | n=11 | Estudo qualitativo | Riscos identificados: violência e comportamento autodestrutivo; erros de tratamento, de diagnóstico e de medicação; riscos associados a doenças mentais; abandono do hospital contra parecer médico, fuga e medidas compulsivas; riscos gerais dos cuidados de saúde; riscos profissionais. Estratégias: avaliação do risco (entrevista de avaliação inicial, instrumentos específicos) e anamnese proactivas; técnicas de gestão de agressão; monitorização do risco de suicídio, contratos sem suicídio, a proteção arquitetónica, suporte intensivo, interdisciplinaridade, dotações adequadas, treino, formação e recurso a procedimentos padronizados, informação dos doentes sobre o seu esquema medicamentoso e efeitos secundários; monitorização rigorosa da medicação. |
2 | Gilbert, Adams, & Buckingham (2011) Reino Unido | Avaliação dos processos de avaliação, gestão de riscos e a conexão entre eles. | n= 43 (doentes) n=17 (profissionais) | Estudo misto | Riscos: ideação suicida expressa, ameaças de morte a outros, antecedente de tentativa de suicídio, antecedente de agressão a outro, automutilação. Estratégias: Fontes de informação sobre riscos: doente, família, registos anteriores, outros profissionais ou equipas de saúde. Identificam-se falhas evidentes no processo de avaliação e gestão de riscos. A avaliação de riscos precisa ser priorizada. A equipa deve se comprometer e entender a natureza dinâmica do risco, o objetivo e o propósito da avaliação e gestão do mesmo. |
3 | Rimondini et al. (2019) Itália | Identificar se e como a capacitação de doentes psiquiátricos pode melhorar o gerenciamento de riscos de acordo com a perspetiva dos profissionais de saúde. | n=95 | Estudo misto | Riscos: suicídio, violência, recaídas Estratégias: Equilíbrio entre proteção e autonomia; Parceria de cuidados; Relação terapêutica, Conexão, Centralidade dos cuidados no doente. |
4 | Holley, Chambers, & Gillard (2016) Reino Unido | Explorar como a prática de gerenciamento de riscos afeta a implementação de cuidados orientados para a recuperação nos serviços comunitários de saúde mental. | n=8 | Estudo qualitativo | Estratégias: Cuidados orientados para a recuperação do doente vs gestão do risco Verifica-se uma cultura de aversão ao risco incorporada nos serviços de saúde mental. A falta de orientação estratégica ao nível político e a falta de apoio e orientação no nível da prática podem contribuir para a resistência à implementação de cuidados orientados para a recuperação no contexto da prática de gestão de risco. |
5 | Eidhammer, Fluttert, & Bjorkly (2014) Estados Unidos da América | Examinar a literatura empírica sobre o envolvimento do doente na colaboração entre doentes e enfermeiros na gestão do risco. | n=3 | Revisão sistemática de literatura | Evidência limitada de resultados positivos no envolvimento do doente na gestão do risco em saúde mental. Estratégias: As recomendações enfatizam uma abordagem de gestão estruturada com intervenções personalizadas, colaborativas e individualizadas, com foco nos sinais de alerta precoce e gatilhos para raiva e agressão. A avaliação, monitorização e planeamento da gestão do risco deverá realizar-se em parceria (doente - profissional). São necessárias mais pesquisas para desenvolver e testar modelos mais flexíveis que diferenciem o envolvimento do doente de acordo com a capacidade atual de colaboração. |
6 | (O'Rourke, Wrigley, & Hammond, 2018) Irlanda | Apresentar as melhores práticas de gestão de riscos nos serviços de saúde mental. Explorar a prevalência de violência nos serviços de saúde mental, examinar a natureza do risco, identificar estratégias de gestão de riscos nos cuidados de saúde mental. | NA | Revisão de literatura | Estratégias: A avaliação e a gestão efetiva de riscos que envolva ativamente o doente, podem ser terapêuticos. É necessária formação dos profissionais de saúde sobre procedimentos de risco, comunicação e documentação. Deve ser promovida uma cultura de aprendizagem, atenção à segurança do doente e melhoria contínua da qualidade. O cuidado centrado na pessoa é outro elemento baseado em evidências para um cuidado mais seguro bem como a parceria de cuidados para a gestão de segurança. |
Discussão
Com base nos resultados dos estudos selecionados, alinhamos os achados em dois eixos, riscos em saúde mental e estratégias de gestão do risco em saúde mental.
Riscos Identificados em Saúde Mental
A avaliação e consequente decisão/planeamento e intervenção adquirem um caracter particular no âmbito de cuidados de saúde mental. Além de fazerem parte do processo terapêutico, incluem, por exemplo, riscos próprios para a segurança (Rimondini et al., 2019).
Um risco frequentemente identificado é o de violência física, como agressão ou violação verbal/psicológica, ameaças e insultos, que podem ter como alvo outros doentes, profissionais de saúde ou outras pessoas como familiares, cuidadores ou outros (Briner & Manser, 2013; Gilbert et al., 2011; Rimondini et al., 2019). Também presente é o risco de violência externa como por exemplo familiares de doentes que ameaçam ou agridem outros doentes ou profissionais (Briner & Manser, 2013). Por sua vez, o risco de autoagressão inclui suicídio, tentativa de suicídio e autoagressão (Briner & Manser, 2013; Gilbert et al., 2011).
A aplicação de medidas compulsivas, além de ter sido identificada como uma estratégia, foi também reconhecida como um risco por comprometer a adesão futura do doente aos tratamentos (Briner & Manser, 2013). Existe ainda o risco de erro no tratamento, nomeadamente no processo de terapia, como o abuso de poder por parte do terapeuta, ou erros de diagnóstico (Briner & Manser, 2013). É conhecido o risco de erros de diagnóstico, designadamente o diagnóstico incorreto de doença mental quando se trata de doença física ou diagnostico errado de psiquiatria, o que resulta na implementação de um esquema terapêutico inadequado com o potencial de agravar o estado do doente (Briner & Manser, 2013).
Os riscos associados à medicação psiquiátrica incluem os efeitos secundários como alterações do apetite, do peso ou da libido, que são os principais responsáveis pela não adesão ao esquema medicamentoso (Briner & Manser, 2013). Outro risco associado à medicação é o uso inadequado da medicação para abuso de substâncias ou para o suicídio (Briner & Manser, 2013).
Riscos associados às patologias psiquiátricas como a toxicodependência e o contrabando de drogas em instituições de saúde mental são uma realidade também identificada (Briner & Manser, 2013). A saída do hospital contra parecer médico ou a fuga podem ocorrer em consequência da patologia psiquiátrica, como, por exemplo, na presença de alucinações (voz imperativa, de comando, que ordenam que o doente abandone o hospital) ou porque o doente está hospitalizado compulsivamente, contra sua vontade (Briner & Manser, 2013). Uma fuga pode ter graves consequências como suicídio ou agressão (Briner & Manser, 2013).
Riscos conhecidos dos cuidados de saúde em geral também foram identificados por serem importantes para a saúde mental, embora com menor impacto nesta área, pelo que serão referidos brevemente: erros de medicação como troca de medicação ou administração incorreta; risco de infeção; risco de quadros de abstinência; condições organizacionais e tecnológicas potencializadoras do erro; riscos profissionais decorrentes de dotações insuficientes, stress, excesso de carga de trabalho, resultando em absentismo e elevada rotatividade da equipa de saúde; e ainda a perda de informação sobre o doente quando este é transferido (Briner & Manser, 2013).
Os riscos para a equipa de saúde é uma preocupação muito valorizada em cuidados de saúde mental e psiquiatria pela frequência de eventos que envolvem violência contra os profissionais desta área (Briner & Manser, 2013).
Estratégias de Gestão do Risco em Saúde Mental
Embora não seja possível eliminar o risco na totalidade, ele pode ser minimizado com a implementação de estratégias para avaliar e gerir o risco (O'Rourke et al., 2018).
De um ponto de vista mais geral, a gestão de risco implica que eventos adversos ocorridos sejam rapidamente detetados, notificados e estudados no sentido de estabelecer estratégias preventivas futuras numa cultura de aprendizagem; que boas práticas sejam disseminadas; e os sistemas de melhoria continua nos cuidados de saúde sejam efetivos (O'Rourke et al., 2018).
Na avaliação dos processos de doentes hospitalizados em unidades de saúde mental, verificou-se que a documentação da avaliação e gestão de segurança apresenta lacunas evidentes com inconformidades entre o que os enfermeiros avaliam e registam e os planos de gestão de segurança que são formulados (Gilbert et al., 2011). Verificou-se ainda que muitos dos doentes hospitalizados eram acompanhados por equipas na comunidade, consideradas fontes de informação importante, mas que não foram consideradas (Gilbert et al., 2011). Acredita-se que estas falhas se devam a falta de uniformização de registo da informação desta natureza bem como a falta de confiança e formação dos enfermeiros na avaliação da segurança e dos riscos (Gilbert et al., 2011). Assim, entre as estratégias identificadas estão o treino, formação sobre procedimentos de risco e documentação, e recurso a procedimentos padronizados para consulta (Briner & Manser, 2013; O'Rourke et al., 2018).
A avaliação do risco na entrevista de avaliação inicial, a utilização de instrumentos específicos nessa matéria e uma anamnese extensa e negociação de contratos terapêuticos foram estratégias identificadas como importantes para a gestão de segurança (Briner & Manser, 2013). As fontes de informação sobre riscos mais referidas foram o próprio doente, a família, registos anteriores, outros profissionais ou equipas de saúde (Gilbert et al., 2011). Todavia a reavaliação/monitorização regular da segurança e dos riscos é importante para o doente uma vez que permite identificar mudanças e intervir de forma adequada (Gilbert et al., 2011).
A monitorização do risco de suicídio, contratos sem suicídio, a proteção arquitetónica e acompanhamento de suporte contínuo são medidas reconhecidas como importantes na gestão do risco de suicídio (Briner & Manser, 2013; Rimondini et al., 2019). A interdisciplinaridade, dotações seguras, supervisão de pares e recomendações de evitar consultas/terapias de um para um também foram referidas para prevenir erros no tratamento (Briner & Manser, 2013).
Quanto às estratégias de gestão de segurança para prevenir ou minimizar os riscos associados à medicação surgem: informação dos doentes sobre o seu esquema medicamentoso e efeitos secundários esperados ou possíveis e que medidas poderão tomar para os evitar (Briner & Manser, 2013). Neste processo o doente deve ser ouvido quanto às suas necessidades e envolvido na gestão do regime medicamentoso (Briner & Manser, 2013). Nos internamentos, a distribuição e a administração de medicamentos deve ser monitorizada rigorosamente (Briner & Manser, 2013).
Perante o perigo de fuga as estratégias reconhecidas foram a transferência do doente para uma enfermaria mais segura/fechada. Se a fuga ocorre, deverá ser contactada a polícia para que inicie a sua busca (Briner & Manser, 2013). No âmbito de prevenção/gestão da violência identificaram-se estratégias como o ensino e treino de técnicas de gestão de agressões, o acolhimento de doentes em fase aguda da doença numa enfermaria confortável e onde a sua liberdade e segurança possam ser garantidos (Briner & Manser, 2013; Rimondini et al., 2019).
Medidas compulsivas também surgem como estratégia utilizada para a gestão de segurança nomeadamente através de medidas coercivas, contra a vontade do doente e com uso de força (Briner & Manser, 2013; Correira, 2018). Na prestação de cuidados a doentes em fase aguda da sua doença mental pode implicar tomar decisões que interferem com a sua liberdade e autonomia, comprometendo a capacitação do doente (Correira, 2018; Rimondini et al., 2019). Considerando que estas medidas podem afetar a eficácia da intervenção terapêutica, surgem recomendações no sentido de um equilíbrio entre proteger do risco e promover a autonomia (Correira, 2018; Rimondini et al., 2019).
Neste sentido, o estabelecimento de uma conexão numa relação terapêutica de confiança, fornece aos profissionais de saúde uma noção mais real do estado emocional e cognitivo do doente e dessa forma reduz a subjetividade da avaliação do risco (Rimondini et al., 2019). Esta estratégia implica o desenvolvimento de uma parceria com o doente em que este pode ter um papel ativo na avaliação, monitorização e planeamento da gestão do risco e processo terapêutico que deverá estar centrado no doente no sentido da sua capacitação para autonomia e autogestão (Eidhammer et al., 2014; Holley et al., 2016; O'Rourke et al., 2018; Rimondini et al., 2019). Contudo, o que se tem verificado é que esta estratégia é de difícil aplicação uma vez que a aplicação de cuidados orientados para a recuperação pode ser contaminada pela responsabilidade de gestão de riscos que os profissionais sentem. Estes sentem-se mais confortáveis na abordagem de gestão de sintomas através da medicação (Holley et al., 2016).
Neste âmbito, surgem recomendações para uma abordagem de gestão de riscos em saúde mental estruturada e colaborativa, com intervenções individualizáveis e com foco particular nos sinais de alerta precoce e gatilhos para agressão (Eidhammer et al., 2014). Neste processo deve-se: considerar as necessidades e crenças emocionais e de saúde do doente; desenvolver o processo de tomada de decisão de forma compartilhada; privilegiar o ensino para autogestão, autorregulação; aplicar princípios de prevenção, mudança de comportamento e autogestão de agressividade que incluam ações que os doentes possam iniciar para controlar os seus impulsos agressivos (Eidhammer et al., 2014).
Conclusão
Pela análise dos estudos aqui identificados, percebemos que a gestão do risco em saúde mental difere da gestão do risco nos restantes serviços de saúde apresentando riscos próprios no âmbito segurança que foram referidos ao longo do artigo, como é o caso de suicídio durante um internamento psiquiátrico, risco de fuga ou o de contrabando de drogas nestes serviços de saúde. A este tema deve ser dada especial importância por comprometer não só a segurança dos doentes como também de profissionais, familiares e outros. Além disso, consideramos que a gestão do risco deve ir mais além da simples gestão do risco nas unidades de saúde em geral, preparando a pessoa com doença mental para uma melhor gestão da sua segurança e da dos outros, e assim contribuir para a adesão ao regime terapêutico.
Medidas compulsivas, além de representarem uma estratégia de gestão de risco, também representam, em si, um risco para a segurança do doente na medida em que pode desempenhar um papel iatrogénico por contribuir para compromisso da futura adesão ao tratamento por parte do doente.
Os erros no tratamento em saúde mental são de difícil identificação, e este facto aliado a falhas na cultura de notificação por parte dos profissionais, contribuem para que estes erros sejam identificados e discutidos com menor frequência que os erros de tratamento das demais especialidades.
Constata-se que nos serviços de saúde mental é frequente uma cultura de valorização do risco dos envolvidos. Também se verifica a falta de orientações políticas, estratégicas e de suporte ao nível da prática o que pode explicar a dificuldade de implementação de cuidados orientados para a recuperação em detrimento de medidas mais coercivas.
Reconhecida a importância da segurança nesta especialidade, é necessário que na prática este foco de atenção não anule outros, também importantes, como a adesão ao regime terapêutico ou a capacitação do doente para a autogestão do seu processo terapêutico.
Importa ainda referir que a evidência existente sobre os riscos e a gestão destes nos cuidados de saúde na especialidade de saúde mental e psiquiatria é limitada.
Implicações para a Prática Clínica
A gestão do risco em saúde mental reveste-se de especial importância para a prática clínica dos enfermeiros e demais profissionais de saúde, devendo estar sempre presente na prática de cuidados à pessoa com doença mental. É importante implementar nos serviços de saúde mental estratégias que promovam uma melhor gestão do risco e segurança e que simultaneamente sejam estratégias terapêuticas orientadas para a recuperação. Estas estratégias devem respeitar o princípio da centralidade no doente, que deve ser envolvido no processo terapêutico através de uma parceria estabelecida pelo e com o profissional de saúde. Todo o processo de planeamento e intervenção, perante as avaliações realizadas, deve ser reajustado, flexível e adequado à capacidade do doente em colaborar.
São necessários mais estudos sobre modelos ou programas de intervenção que conciliem as recomendações referidas. Umas das estratégias a considerar nestes modelos ou programas é a articulação com estruturas ou organizações existentes com potencial de parceria neste âmbito de cuidados de saúde.