Introdução
O Mindfulness ou Atenção Plena, é uma antiga prática budista que se define como um estado de consciência que emerge ao prestar atenção propositada no momento presente e aceitando a experiência sem crítica ou julgamento (Kabat-Zinn, 2003). Requer o comprometimento com um processo sistemático de auto-observação, autointerrogação e ação consciente.
As terapias baseadas em mindfulness surgiram no fim dos anos 70, início dos anos 80, com o Mindfulness-based Stress Reduction, desenvolvido por Kabat-Zinn (New Zealand Mental Health Foundation [NZMHF], 2011; Shapero, Greenberg, Pedrelli, Jong & Desbordes, 2018). Enquadram-se nas terapias de terceira geração e incluem diversas modalidades de intervenção, como “acceptance and commitment therapy, dialectical behavior therapy, mindfulness- based cognitive therapy (…)” (Hayes & Hoffman, 2017, p. 245).
A aplicação dos princípios do mindfulness causa uma mudança na perspetiva (uma re-perspetiva) através da qual o praticante adquire maior capacidade de ser objetivo sobre as suas próprias experiências e estados internos (NZMHF, 2011); as MBI visam uma transformação dos padrões rígidos de interpretação das sensações internas para um padrão de interpretação objetiva e aceitação das experiências (NZMHF, 2011).
Vários autores têm vindo a descrever benefícios que vão para além da componente física (Creswell, 2017), como: maior flexibilidade e controlo da atenção, dos processos de aprendizagem, melhoria da memória de trabalho, da resolução de problemas, redução dos pensamentos automáticos e melhoria da regulação emocional (Creswell, 2017; Perry-Parrish, Copeland-Linder, Webb, Shields & Sibinga, 2016).
Apesar do seu surgimento há mais de 40 anos, estas terapias de terceira geração têm aumentado ao longo dos anos. Segundo a NZMHF (2011) existem quatro tipos de intervenção mais comuns baseadas em mindfulness: mindfulness-based stress reduction - MBSR, mindfulness-based cognitive therapy - MBCT, dialectical behaviour therapy - DBT e acceptance and commitment therapy - ACT.
Para a população adolescente, tem havido um empenho na implementação, em vários países, de programas escolares de mindfulness com vista à promoção do bem-estar e do desenvolvimento saudável, assim como na prevenção das perturbações, por exemplo, relacionadas com o stress (Broderick & Jennings, 2012).
Apesar dos estudos com adolescentes serem limitados em número, existe evidência comprovada a nível da capacidade de atenção, das competências sociais, incluindo ao nível de jovens com défices de aprendizagem, bem-estar geral e redução de ansiedade, depressão e sintomas somáticos (Broderick & Jennings, 2012).
Apesar das escassas publicações encontradas em pesquisas prévias, esta scoping review foi realizada com o objetivo de conhecer os efeitos de intervenção baseada em mindfulness na saúde mental do adolescente, sem restrição à área de enfermagem. Como objetivos minor, visou-se conhecer as perturbações mentais nas quais se tem aplicado as MBI e as modalidades ou tipos mais utilizadas.
Métodos
A presente scoping review foi realizada com base no manual de elaboração de scoping review de Joanna Brigs Institute (2015). Como questão norteadora da scoping review, considerámos a seguinte: qual o efeito das MBI na saúde mental dos adolescentes? Foi utilizada estratégia PCC: população (P) adolescentes (13 aos 18 anos); conceito (C) intervenções de mindfulness (sem restrição); contexto (C) área de saúde mental do adolescente (sem especificar).
A pesquisa foi feita em dois motores de pesquisa individuais: EBSCO (bases: Cochrane, Psychology and Behavioral Sciences Collection, Academic Search Complete, Library, Information Science & Technology Abstracts) e PubMed, entre março e abril de 2019. Frase boleana: Mindfulness AND Mental Health AND Adolescents; sendo os termos identificadores únicos MeSH e DeCS (D064866, D008603 e D000293). Limitou-se a pesquisa por ano de publicação (>2014), acesso completo gratuito, idade (13-18), idioma (português e inglês) e termos thesaurus. Para a seleção das publicações foi usado o fluxograma PRISMA (JBI, 2015).
O processo de seleção das publicações a incluir está esquematizado na figura 1, no formato de fluxograma PRISMA (JBI, 2015). A amostra final está expressa no quadro 1, onde constam dados como o título, autoria, país onde foi realizada a publicação, objetivo, população, conceito, contexto, tipo de estudo e resultados principais.
Título | Autor/Ano | Objetivos | População | Metodologia | Resultados |
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Mindfulness-based stress reduction in adolescents with mental disorders: A randomised clinical trial | Díaz-González, M. C, Dueñas, C.P, Elvira, J.A.M e Vázquez, V.S 2018 | Avaliar os efeitos de um programa de MBSR em adolescentes que recorrem a serviços de saúde mental com perturbações mentais, não internados | Adolescentes (13 a 16 anos) com perturbações mentais | Teste clínico randomizado | Tratamento promissor para adolescentes com transtornos mentais. Efeito significativo sobre depressão, ansiedade e paranóia |
Using mindfulness with treatment of dual diagnosis in adolescents | Bayles, C. e Vilalobos, T 2015 | Discursar sobre o tratamento de adolescentes com diagnóstico dual, incluindo terapias baseadas em mindfulness | Adolescentes (geral, sem população de estudo-clínico) | Revisão narrativa | Terapias baseadas em mindfulness (como MDT, p.e.) têm grande eficácia no tratamento |
Mindfulness Training as an Intervention for Substance User Incarcerated Adolescents: A Pilot Grounded Theory Study | Himelstein, S., Saul, S., Garcia-Romeu, A. e Pinedo, D. 2014 | Desenvolver um modelo conceptual de ensino mindfulness em adolescentes que se encontram presos e que abusam de substâncias | Adolescentes (15 a 18 anos) | Estudo Piloto, de teoria fundamentada | Existe estrutura concetual para o ensino de mindfulness a jovens encarcerados com abuso de substâncias |
The impact of mindfulness meditation training on executive functions and emotion dysregulation in an Iranian sample of female adolescents with elevated ADHD symptoms | Kiani, B., Hadianfard, H. e Mitchel, J. T. 2017 | Avaliar o impacto do treino do mindfulness nas funções executivas e de desregulação emocional em adolescentes com sintomas elevados de déficit de atenção e hiperatividade | Adolescentes (sexo feminino, 13 a 15 anos) com Défice de atenção ou hiperatividade | Estudo clínico randomizado com grupo de controlo | Efeitos positivos sobre funções executivas e desregulação emocional na população alvo |
A mindfulness-based group for young people with learning disabilities: A pilot study | Thornton, V., Williamson, R. e Cooke, B. 2017 | Desenvolver um programa mindfulness para jovens com dificuldades de aprendizagem, e cuidadores. | Adolescentes (13 a 15 anos) com dificuldades de aprendizagem | Estudo piloto | Util e acessível na abordagem do tratamento de jovens com D.A., mas requer mais estudos |
Effects of school-based mindfulness training on emotion processing and well-being in adolescents: evidence from event-related potentials. | Sanger, K. L., Thierry, G. e Dorjee, D 2016 | investigar as alterações no processamento emocional de adolescentes após treino mindfulness | adolescentes dos 16 a 18 anos | Estudo não-randomizado com grupo de controlo | MBT mantém a reação a estímulos emocionais com modificação no bem-estar |
Acceptance and commitment therapy universal prevention program for adolescents: a feasibility study | Burckhardt, R., Manicavasagar, V., Batterham, P. J., Hadzi-Pavlovic, D. e Shand, F. 2017 | Avaliar a viabilidade de um programa de prevenção baseado na acceptance and commitment therapy, em adolescentes do ensino secundário | Adolescentes estudantes, com idades compreendidas entre os 14 a 16 anos | Estudo clínico semi-aleatório, com grupo de controlo | Demonstrado potencial de um programa ACT, merecendo investigação posterior |
Resultados
O primeiro estudo (Díaz-González, Dueñas, Elvira & Vázquez, 2018) demonstra os efeitos de MBSR na ansiedade, na auto-estima e um efeito médio absoluto sobre todas as outras variáveis clínicas incluídas no estudo.
A narrativa científica de Bayles e Villalobos (2015), introduz-nos a noção de outra MBI: Mode Deactivation Therapy (MDT), defendendo-a como a terapia mais adequada demonstrando benefícios a nível comportamental, com manutenção dos efeitos até aos 18 meses pós intervenção.
Himelstein, Saul, Garcia-Romeu e Pinedo (2014), desenvolveram um modelo conceptual de ensino mindfulness a dez adolescentes. Os jovens foram alvo de seis exercícios baseados em mindfulness, durante dez a quinze semanas, com duração máxima de vinte minutos. Concluem que as técnicas de mindfulness claras, objetivas e de curta duração podem aumentar a recetividade do cliente e podem ter o potencial de reduzir o uso de substâncias através do aumento do bem-estar, concentração, relaxamento, qualidade do sono, capacidade de tomada de decisões e diminuição do stress.
Já Kiani, Hadianfard e Mitchel (2017) descrevem sessões desenvolvidas ao longo de oito semanas, com duração de noventa minutos, em grupos de intervenção formal e em tempo autónomo de forma informal. Concluíram melhorias ao nível das funções executivas, menor desregulação emocional e maior controlo dos impulsos. Referem ainda que a meditação de mindfulness pode ajudar os adolescentes a experimentar emoções e responder de forma mais adaptativa às mesmas.
Sem referência ao tipo de MBI utilizada, Thornton, Williamson e Cooke (2017), aplicaram um programa baseado em mindfulness a cinco jovens, com dificuldades de aprendizagem leves a moderadas. Realizaram uma variedade de atividades, ao longo de seis semanas. Concluíram que é possível realizar MBI com jovens com dificuldades de aprendizagem, mas que a atividade de “body scan”, clássica dos programas de mindfulness, é demasiado abstrata para esta população.
O estudo de eficácia da Acceptance and Commitment Therapy (ACT) como programa de prevenção, realizado por Burckhardt, Manicavasagar, Batterham, Hadzi-Pavlovic e Shand (2017), por possuir uma amostra pequena, não apresenta dados relevantes sobre melhoria objetiva e quantificável da ansiedade e do bem-estar. No entanto, dois terços dos jovens reportaram que o programa foi benéfico para si mesmos, sendo que os autores concluem que o programa pode ser benéfico, carecendo de estudos de maiores dimensões.
A publicação de Sanger, Thierry e Dorjee (2016), demonstra um programa escolar de oito semanas baseado em mindfulness based stress reduction and cognitive therapy (MBSR/CT) e conclui melhoria no bem-estar auto percecionado e a um possível benefício da aplicação das práticas mindfulness nos currículos escolares.
Discussão
Dos sete artigos incluídos na scoping review, três não referem o tipo de MBI utilizada (Thornton et al., 2017; Himelstein et al., 2014; Kiani et al., 2017). Os restantes discursam sobre MBSR/CT, ACT ou MDT. Dois autores (Díaz-González et al., 2018; Himelstein et al., 2014) expressam ter reduzido o tempo de duração de cada atividade mindfulness, enquanto os restantes que publicam sobre uma experiência direta com a intervenção, mantêm uma duração prolongada das intervenções, geralmente superior a cinquenta minutos. Os estudos de população clínica realizam programas de MBI ao longo de seis a quinze semanas. Dois autores (Thornton et al., 2017; Kiani et al., 2017) fazem referência a práticas informais em tempo autónomo por parte da população estudada, referido por Shapero et al. (2018), como parte necessária às MBI em grupo.
Para as MBI realizadas em grupo existe geralmente uma partilha de experiências que visa a aprendizagem por modelação e por feedback direto (Shapero et al., 2018); esta partilha de experiências é apenas referida em dois dos artigos incluídos na scoping review (Burckhardt et al., 2017; Thornton et al., 2017).
Quanto aos problemas de saúde mental da população alvo, à exceção de dois estudos cuja população é não-clínica (Sanger et al., 2016; Burckhardt et al., 2017), há referência a dificuldades de aprendizagem, agressividade, uso de substâncias, ansiedade, défice de atenção, hiperatividade e diagnóstico dual.
Assim, concluem-se os seguintes efeitos das MBI nos adolescentes: melhora o bem-estar geral (Himelstein et al., 2014; Sanger et al., 2016), redução da ansiedade e aumento da autoestima (Díaz-González et al., 2018), aumento da capacidade de concentração e de decisão, assim como melhoria da qualidade do sono (Himelstein et al., 2014). Ainda evidencia a melhoria das funções executivas, da regulação de emoções e controlo de impulsos (Kiani et al., 2017). Os resultados encontrados com a realização desta scoping review corroboram o descrito na evidência científica e referido no enquadramento teórico (Perry-Parrish et al., 2017).
A principal limitação apontada pela grande maioria dos autores prende-se com o número reduzido de participantes, que não permite a extrapolação ou generalização dos resultados. Outra limitação referida é a fraca adesão à intervenção e sua avaliação, bem como as dificuldades dos adolescentes em realizar determinadas atividades, o que pode indicar uma adaptação insuficiente dos programas de MBI à população-alvo.
Conclusão
Em suma, as MBI no contexto dos jovens adolescentes são utilizadas tanto na promoção de saúde mental como prevenção e tratamento da doença mental. Os seus efeitos, respondendo à questão inicial, passam pela redução da ansiedade, melhoria do bem-estar, das funções executivas, controlo de impulsos e aumento da qualidade do sono. O contexto em que são executados, de acordo com a pequena amostra final de publicações, é variado; demonstra-se o seu uso tanto em contexto escolar como em serviços relacionados com a saúde mental e psiquiatria (ambulatório e de permanência). Não é possível concluir o tipo de MBI mais utilizado devido à diversidade revelada pela amostra final de publicações incluídas nesta scoping review.
Reconhece-se que os limitadores de pesquisa (nomeadamente a idade, acesso gratuito e os termos thesaurus que nem todos os autores utilizam) podem ter eliminado algumas publicações com possível relevância. Nas bases de dados selecionadas, poucos são os estudos que correspondem ao que procurávamos - a pequena amostra incluída não refletirá, na plenitude, a evidência publicada (muitos são os artigos excluídos pelos limitadores de pesquisa). Os incluídos referem a necessidade de investigação posterior.
Concluímos que seria relevante novos, e maiores, investimentos nesta área. Considerando as MBI como intervenções psicoterapêuticas, alarga-se o campo de intervenção verdadeiramente holística e diferenciada do enfermeiro especialista em saúde mental na manutenção, recuperação e melhoria da saúde mental dos adolescentes.
Não foi encontrado nenhum estudo, nas bases de dados e segundo os critérios apresentados, realizado em Portugal. O facto de não ter surgido nenhum texto relacionado com as MBI eleva a seguinte questão: serão as MBI executadas por enfermeiros nos cuidados de saúde mental aos adolescentes? Novas pesquisas e investimentos nesta área serão de grande importância.
Implicações para a Prática Clínica
Os resultados encontrados podem contribuir para que os enfermeiros portugueses, no futuro, possam aplicar as intervenções baseadas no mindfulness em adolescentes, dado o seu grande potencial na melhoria da saúde mental. Existe, assim, um vasto leque de possíveis projetos a implementar nesta área.