Introdução
Os fatores protetores e de vulnerabilidade no processo de resiliência, remetem para o primeiro e segundo níveis de pesquisa reconhecidos no desenvolvimento do conceito (Wright, Masten, & Narayan, 2013). No primeiro nível começaram por ser estudadas crianças em situações de risco (pobreza, violência, doença mental dos pais, …) na tentativa de perceber o que distingue as crianças que se adaptam positivamente, apesar da adversidade e são identificados fatores de risco e proteção. Foram definidos alguns conceitos chave, como por exemplo: adversidade, fator de risco, risco cumulativo, vulnerabilidade, risco próximo e distante, fatores protetores e proteção cumulativa, competência psicossocial e tarefas desenvolvimentais, entre outros, sendo a resiliência entendida como uma adaptação positiva face ao risco ou adversidade (Wright et al., 2013). No segundo nível, o foco da investigação passa do estudo dos atributos pessoais, para fatores externos, como sejam a família nuclear e alargada e o ambiente social (Wright et al., 2013). É proposto o conceito de mecanismos protetores, como a dinâmica que possibilita a resposta resiliente face à adversidade (Rutter, 1993), sendo a resiliência entendida como um processo dinâmico, interativo, multicausal e multinível, envolvendo questões bidirecionais entre a criança e o seu contexto (Wright et al., 2013). Em consequência do conhecimento produzido, foram desenvolvidos e testados, modelos promotores de resiliência, a implementar em forma de programas sociais, sendo todo este trabalho reconhecido como o terceiro nível de pesquisa (Wright et al., 2013). A conferência sobre Resiliência em crianças, realizada em 2006, reconhece a investigação sobre as bases biológicas da resiliência como o quarto nível de pesquisa (Wright et al., 2013). A resiliência abrange vários conceitos relacionados com a adaptação positiva em situações de adversidade. A título de exemplificação, destacamos apenas alguns estudos: coping em adolescentes com doença crónica (Jaser et al., 2017); locus de controlo e autoestima (Montes-Hidalgo et al., 2016); afeto positivo (Lord et al., 2015); espiritualidade (Jones et al., 2016); saúde mental (Dray et al., 2017).
Este artigo tem como objetivos: (i) Determinar as relações existentes entre os fatores protetores e os fatores de vulnerabilidade em adolescentes com Diabetes Mellitus, tipo 1; (ii) identificar os fatores preditores de resiliência.
Método
Estudo correlacional e transversal realizado com uma amostra não probabilística, constituída por 112 adolescentes, maioritariamente do sexo masculino (57.1%), dos 13 aos 18 anos (M=15.1; DP=1.48), provenientes de famílias tradicionais (76.8%), com diagnóstico de Diabetes Mellitus tipo 1, há mais de um ano (M=6.0; DP=3.55).
A recolha de dados foi efetuada entre julho 2014 e junho de 2015 em cinco hospitais da região Norte. Foram selecionadas as escalas de: (I) Health Kids Resilience Assessment Module versão 6.0 (HKRAM), com um coeficiente de Cronbach de .93, mede fatores intervenientes no processo de resiliência, é constituída por 58 itens de resposta de tipo likert com 4 opções, organizada em três dimensões (External Assets, Internal Assets e Response-set-breakers) (Martins, 2007); (ii) Acontecimentos Vitais Stressantes (AVS), mede os AVS vividos pelos adolescentes em número e impacto e é constituída por 29 itens de resposta dicotómica, sim e não (Oliva, Jiménez, Parra, & Sanchéz-Queija, 2008); (iii) Escala Toulousiana de Coping, com um coeficiente de Cronbach de .85, avalia as estratégias de coping e é uma escala constituída por 51 itens, distribuídos por cinco subescalas [Controlo; Suporte Social; Distração Social; Retraimento, Conversão e Aditividade (RCA) e Recusa] (Amaral-Bastos et al., 2015; Tape t al., 2005) e, (iv) Escala de Locus de Controlo na Saúde (ELCS), com um coeficiente de Cronbach de .64, mede as crenças em saúde, é constituída por 14 itens de resposta dicotómica (sim e não), organizada nas dimensões Controlo Externo e Controlo Interno; (Almeida et al., 2006).
Para o tratamento de dados recorremos a medidas de estatística descritiva e inferencial (correlação de Pearson e análise de regressão linear múltipla) com recurso ao SPSS, versão 21.
Foi obtido parecer favorável da Comissão Nacional de Proteção de Dados, das Comissões de Ética dos cinco hospitais da região Norte e autorização dos autores das escalas. Os participantes e responsáveis legais assinaram o Consentimento Informado.
Resultados
A aplicação das escalas selecionadas permite identificar fatores de proteção e vulnerabilidade dos adolescentes relativamente aos intervenientes no processo de resiliência, aos acontecimentos stressantes experimentados (número e impacto), às estratégias de coping utilizadas e às crenças em saúde. A escala HKRAM mostra que os adolescentes mais resilientes dispõem de mais External Assets ao nível das elevadas expectativas [adultos em casa (M=3.70; DP=.42) e na comunidade (M=3.33; DP=.82)] seguidas pelas relações afetivas (grupo de pares (M=3.52; DP=.67), adultos em casa (M=3.46; DP=.67), adultos na escola (M=3.16; DP=.66)]. Relativamente aos Internal Assets, os mais resilientes, dispõem de mais objetivos e aspirações (M=3.44; DP=.59); são mais cooperantes e comunicativos (M=3.23; DP=.60) e possuem mais autoconhecimento (M=3.21; DP=.61). Analisando apenas os valores médios, parece haver algum equilíbrio nas respostas dos adolescentes à escala HKRAM e às dimensões External Assets, Internal Assets e Response-set-Breakers, uma vez que os valores são próximos (M=3.13 a 3.16) e o desvio padrão apresenta uma amplitude, aparentemente pequena (DP=.09). Relativamente aos AVS sofridos, o valor médio, por adolescente é de 4.7 (DP=2.93; amplitude de 0 a 14) e o impacto emocional identificado apresenta um valor médio de 4.5 (DP=2.36). Salientamos o facto de alguns adolescentes apresentarem resultados de impacto emocional muito elevados (40 ≤ 11.6 % adolescentes ≤ 50; 9.8 % adolescentes > 50). As estratégias de Coping, utilizadas pelos adolescentes, face às adversidades, foram estudadas através da ETC. A estratégia de Controlo e o RCA têm o mesmo número de itens, pelo que pontuam de igual forma, sendo o Controlo a mais utilizada (M=53.36; DP=8.36). A Distração Social e a Recusa também pontuam de igual forma, sendo a Recusa a menos utilizada (M=16.04; DP=4.16). As crenças em saúde dos adolescentes foram estudadas através da ELCS e, os valores médios, mostram que os adolescentes pontuam mais no Locus de Controlo Externo (M=3.23; DP=2.20), nomeadamente na dimensão Outros Poderosos (M=1.97; DP=1.39).
** p<.01; *p<.05 . Legenda: HKRAM-Healthy Kids Resilience Module; AVS-Acontecimentos Vitais Stressantes; ETC-Escala Toulousiana de Coping; ELCS-Escala de Locus de Controlo na Saúde; Imp-Impacto; Cont-Controlo; EA-External Assets; IA-Internal Assets; RSB-Response-set-Breakers; RCA-Retraimento, Conversão e Aditividade; SS-Suporte Social; DS-Distração Social; LCI-Locus de Controlo Interno; LCE-Locus de Controlo Externo
Em síntese, podemos referir que existem correlações: (i) positivas, fortes e muito fortes entre a Escala HKRAM, o Controlo e o Suporte Social e entre este e a ELCS; (ii) negativas fracas entre a HKRAM e a AVS (Global e Impacto); (iii) negativas fracas entre os AVS (Global e Impacto) a Resiliência e a subescala Controlo, os AVS (Global) e a Recusa e entre o RCA e os Response-set-Breakers; e (iv) positiva fraca entre a Distração Social e os External Assets. Ou seja, os adolescentes mais resilientes utilizam mais estratégias de Controlo e de Suporte Social e a Resiliência e os AVS (em número e impacto) são inversamente proporcionais. Mais Suporte Social corresponde a um Locus de Controlo mais desenvolvido. Os adolescentes que utilizam mais estratégias de RCA identificam mais AVS (em número e maior impacto) e dispõem de menos Response-set-Breakers. Por seu lado, os adolescentes que utilizam mais estratégias de Recusa, identificam menor número de AVS e confiam mais nos outros (LCE), para o controlo da sua saúde. Verificamos ainda inexistência de correlações entre a Escala HKRAM e a ELCS e, entre esta e a AVS. Para estudar os fatores preditores da resiliência tomamos como variável dependente a HKRAM e as outras variáveis em estudo como independentes. O método stepwise, utilizado na regressão linear múltipla, permitiu encontrar o modelo apresentado na tabela 2.
Os resultados da regressão linear múltipla, apresentados na tabela 3, permitiram identificar as variáveis: Controlo (ẞ=.015; F=2.478; p=.015), RCA (ẞ=-.012; F=-2.166; p=.033), Suporte Social (ẞ=.015; F=2.477; p=.016) e Recusa (ẞ=-.029; F=-2.688; p=.009), e AVS Impacto (ẞ=-.005; F=-2.342 p=.021). O Controlo e o Suporte Social, influenciam positivamente a resiliência. Contrariamente, o RCA, a Recusa e os AVS Impacto têm uma influência negativa. O Controlo destaca-se como o melhor fator preditor na equação encontrada. O modelo ajustado é significativo e explica uma proporção elevada da variabilidade dos fatores preditivos da resiliência dos adolescentes (F=-2.342; p=.021; R2=.340).
Discussão
Os adolescentes da amostra em estudo mais resilientes mostraram sentir elevadas expectativas por parte dos adultos em casa e na comunidade, seguido das relações afetivas para com o grupo de pares, os adultos em casa e depois na escola. Constatou-se ainda que os adolescentes mais resilientes, ao nível dos recursos internos dispõem de mais objetivos e aspirações, são mais cooperantes e comunicativos e possuem mais autoconhecimento. Os valores médios por adolescente de AVS identificados, tanto em número (M=4.7) como em impacto (M=4.5), são inferiores aos encontrados na literatura (Jiménez Garcia et al., 2008). Outro estudo, com análise apenas do número de AVS, também encontrou valores médios por adolescente, superiores (Estévez Campos et al., 2012). Sendo clínica a amostra em estudo, questionamos o porquê de menor número e menor impacto de acontecimentos stressantes, face a outras amostras não clínicas. Será consequência da aprendizagem da gestão da situação de saúde? Será a família a constituir-se como fator protetor em função da patologia? Um estudo desenvolvido com adolescentes institucionalizados e não institucionalizados, conclui que os ambientes de vida significativos são fundamentais para o processo de resiliência (Antunes, 2011), o que remete para a importância dos tutores de resiliência. O afeto positivo por parte da mãe surge noutro estudo com adolescentes diabéticos, como preditor da resiliência (Lord et al., 2015). Relativamente às estratégias de coping, os adolescentes com DM 1, pontuam mais nas estratégias de controlo e menos nas de recusa. Este padrão mantém-se também em adolescentes não diabéticos (Amaral-Bastos et al., 2017). Os adolescentes com DM 1, em simultâneo com as transições normais da idade, necessitam progredir na gestão autónoma da sua patologia. Ou seja, o adolescente à medida que se vai desenvolvendo, deixa de confiar tanto nos outros para o controlo da sua doença, sejam eles pessoas significativas ou outros poderosos (técnicos de saúde). Na amostra em estudo, em termos médios, os adolescentes ainda confiam muito nos técnicos de saúde para a gestão da sua diabetes. A literatura mostra que na medida em que a crença em si mesmo aumenta, existe uma diminuição na adesão ao tratamento (Almeida, 2003) e nos autocuidados (Rodrigues et al., 2013).
O estudo correlacional mostrou que os adolescentes mais resilientes utilizam mais estratégias de controlo, identificam menos AVS e vice-versa. Um estudo desenvolvido com adolescentes, reconhecendo a não avaliação da resiliência e stresse em contextos clínicos, procurou identificar métodos de avaliação e estratégias de atuação consideradas mais úteis pelos participantes. Concluiu que os participantes utilizavam várias estratégias para uma gestão eficaz do stresse, mas consideraram que ruminar sobre os problemas era uma má decisão e que conversas francas eram eficazes na construção da relação e na identificação de pontos fortes (Phillips et al., 2019). Foram identificados como preditores positivos da resiliência o Controlo e o Suporte Social e como preditores negativos o RCA, a Recusa e os AVS Impacto, sendo o Controlo a variável com maior poder preditivo. Também um estudo sobre comportamentos, concluiu que a utilização de estratégias de enfrentamento ativas, prediz a resiliência. Estudamos aspetos comportamentais, mas, tal como referimos na introdução, a investigação sobre os correlatos neurais da resiliência já se encontra em curso e mostra que os circuitos neuronais ativados em adolescentes resilientes são diferentes dos ativados em adolescentes com baixa resiliência (Fischer, et al., 2019).
Conclusão
Identificamos as expectativas elevadas em casa e na comunidade, seguidas das relações afetivas com os pares e com os adultos em casa e na escola, como principais fatores protetores dos adolescentes com DM 1. O estudo correlacional mostrou que os adolescentes mais resilientes experimentam menos AVS e menor impacto emocional e vice-versa, também utilizam mais estratégias de coping positivas, nomeadamente, o Controlo e o Suporte Social. O RCA, a Recusa e a AVS Impacto, são preditores negativos e, o Controlo e o Suporte Social, são preditores positivos da resiliência.
Implicações para a Prática Clínica
Reconhecer os fatores protetores e de vulnerabilidade, compreender as associações entre eles e identificar os que predizem a resiliência ou a sua ausência, constituem informações pertinentes para os enfermeiros ou outros profissionais, que desempenhem funções com adolescentes diabéticos. Os instrumentos utilizados mostraram-se fidedignos para a recolha de informação, permitem efetuar diagnósticos de situação e desafiam os profissionais a desenhar intervenções personalizadas, capazes de dar resposta à situação específica de cada adolescente.