Introdução
Os comportamentos aditivos são um fenómeno complexo, multifatorial e multidimensional, caracterizados por comportamentos impulsivo-compulsivos em relação a diferentes atividades ou condutas (Pereira e Cunha, 2017), e que podem conduzir à dependência. Surgem em resultado da interação de fatores genéticos, neurobiológicos, psicológicos e ambientais com efeitos negativos na saúde e bem-estar dos adolescentes (Pereira e Cunha, 2017). As adições e as dependências acarretam consequências ao nível físico, psicológico, familiar, social, mas também no ambiente e rendimento escolar dos adolescentes (Direção Geral da Saúde [DGS], 2015). A médio e longo prazo são responsáveis pela perda de anos de vida saudável, pela diminuição da esperança média de vida e da qualidade de vida (Pereira e Cunha, 2017).
A influência dos pares, o ambiente familiar e escolar, o baixo autocontrolo e a evasão aos problemas são alguns dos fatores de risco para o desenvolvimento de adições (Pereira e Cunha, 2017). Como fatores protetores para a adição e dependência em adolescentes identificam-se o gosto pelo ambiente escolar, a dedicação aos estudos e a influência dos pares sem consumo aditivo (Steketee, Jonkman, Berten & Vettenburg, 2013). Entre os adolescentes, as substâncias psicoativas mais consumidas são o álcool, o tabaco e as drogas ilícitas (Andrade et al., 2017; Lavado, Calado e Feijão, 2020; Matos e Equipa Aventura Social, 2018; Roderick, Penney, Murrells, Dargan & Norman, 2018).
A importância desta temática, pelas consequências nefastas das dependências nos adolescentes, tem constituído objeto de intervenção pelas equipas de Saúde Escolar visando a promoção de estilos de vida saudável e a prevenção de comportamentos aditivos, em contexto escolar. Deste modo, a elaboração de um diagnóstico de situação, permitirá caracterizar os comportamentos aditivos dos adolescentes, de modo a priorizar e planear intervenções de enfermagem de forma a prevenir, dissuadir, reduzir e minimizar os problemas relacionados com os consumos aditivos. Assim, este estudo teve como objetivos: caracterizar o consumo aditivo com substância (tabaco, álcool e drogas) e sem substância (internet, jogos e redes sociais) em adolescentes, relacionar os consumos entre si e com as variáveis idade e sexo.
Metodologia
Estudo observacional, transversal, descritivo-correlacional. A população era constituída por 1368 alunos de dois agrupamentos escolares de uma cidade do norte de Portugal. A amostra que representa 41,7% da população é de natureza não probabilística, por conveniência constituída por 571 adolescentes. Foram estabelecidos como critérios de inclusão: idade compreendida entre os 12 e os 19 anos, com matrícula ativa no ano letivo 2018/2019 e estar presente no momento da recolha de dados. Estabeleceram-se como critérios de exclusão: grau de deficiência acentuada identificada pelo diretor de turma. Aplicou-se como instrumento de recolha de dados um questionário de autopreenchimento construído para este estudo que incluiu dois grupos de questões: i) o primeiro para caracterização sociodemográfica e escolar dos alunos (idade, sexo, ano de escolaridade, reprovação, rendimento académico e presença de hobby) e ii) o segundo constituído por 14 questões, das quais cinco questões para caracterizar o consumo aditivo com substância, nomeadamente álcool, tabaco e drogas; e as restantes para os comportamentos aditivos sem substância, nomeadamente, quanto à utilização da internet, dos jogos online e das redes sociais (utilização sim/não, frequência e número de horas diárias).
Os dados foram recolhidos em suporte papel em contexto de sala de aula, entre dezembro de 2018 e março de 2019, em parceria com a Equipa de Saúde Escolar e os diretores de turma, após aprovação pela direção dos estabelecimentos escolares. A aplicação do questionário em contexto escolar teve aprovação pela Direção Geral da Educação, através da plataforma monitorização de inquéritos em meio escolar (registo nº 0652000002). Foi solicitado aos encarregados de educação a autorização para a participação dos seus educandos no estudo através da declaração de consentimento informado assinada pelos mesmos e pelos alunos, de forma livre, esclarecida e voluntária. Foram respeitados os procedimentos éticos, nomeadamente o anonimato, a confidencialidade e o direito ao adolescente a não participar ou a desistir do preenchimento do questionário.
O tratamento estatístico foi efetuado com recurso ao software IBM SPSS® (Statistical Package for Social Science), versão 25.0 para Windows. Foi adotado um nível de significância de 95% (p<0,05) e utilizado o coeficiente de correlação phi para aferir a associação entre as variáveis e o teste Qui Quadrado para analisar as diferenças entre grupos. Para estas análises, as variáveis: consumo de bebidas alcoólicas e uso de substâncias psicoativas ilegais/ drogas, foram categorizadas em não (nunca) e sim (para as respostas ocasionalmente e regularmente/frequentemente).
Resultados
A amostra apresentou idades entre os 12 e os 19 anos (média de 14,4 anos e desvio-padrão de 1,5), em que 70,9% pertenciam ao grupo etário 12-15 anos, sendo 51,1% do sexo masculino, residente em meio rural (72,2%). A maioria dos participantes (64,4%) frequentavam o 3º ciclo do ensino básico, 22,4% estavam no 9º ano de escolaridade, sem reprovações (77,9%) e no último ano letivo obtiveram bom rendimento escolar (45,0%). Mais de metade (58,8%) dos adolescentes afirmou ter uma atividade de lazer fora dos horários letivos. A substância mais consumida pelos adolescentes nos últimos seis meses à aplicação do questionário foi o álcool (41,5%), seguindo-se o tabaco e por fim as substâncias psicoativas ilegais/drogas (Tabela 1). Foi referido pelos adolescentes com ingestão de bebidas alcoólicas nos últimos seis meses (n= 237), um consumo ocasional e um consumo regular, respetivamente, em 89,9% e 10,1%. No que concerne ao consumo de tabaco, verificou-se que 9,8% dos adolescentes fumavam dos quais 2,1% mais que 10 cigarros por dia. Quanto ao uso de substâncias psicoativas ilegais, 5,6% dos adolescentes tiveram um consumo ocasional e 1,8% um consumo frequente. Relativamente ao consumo de bebidas com cafeína, 7,2% dos adolescentes reportaram que ingeriam três ou mais por dia. No que diz respeito aos comportamentos aditivos sem substância analisados, 99,8% dos adolescentes utilizavam a internet, dos quais 90,9% diariamente (entre 1 e 3 horas). Relativamente às atividades realizadas na internet, 97,4% dos adolescentes navegavam nas redes sociais, e 66,5% jogavam jogos online, diariamente (36,8%), pelo menos 1 hora (42,1%).
Entre os adolescentes que fumavam, 23,2% também consumiam álcool e 12,5% drogas de forma frequente (Tabela 2). Em relação aos consumidores regulares de álcool (n=24), 16,7% eram também consumidores de drogas ilícitas. As associações encontradas são estatisticamente muito significativas para as três variáveis (p <0,001).
Legenda: n: frequência absoluta; p: probabilidade de significância; %: frequência relativa. *Resultado estatisticamente muito significativo
Foram encontradas diferenças nos comportamentos aditivos em função do sexo dos adolescentes (Tabela 3). A ingestão de bebidas alcoólicas (p=0,002) e consumo de substâncias psicoativas ilegais (p=0,038) diferiram de forma estatisticamente significativas relativamente ao sexo, sendo observado maiores consumos no sexo masculino. Não foram observadas diferenças para o consumo de tabaco em relação ao sexo dos adolescentes (p=0,159). Verificaram-se ainda diferenças estatisticamente muito significativas quanto à utilização de jogos online, sendo mais utilizados pelo sexo masculino (p<0,001), como pode ser observado na tabela 3.
Legenda: gl: graus de liberdade; p: probabilidade de significância; RA: Resíduos Ajustados; χ2- valor de qui quadrado
*Resultado estatisticamente muito significativo
Também foram encontradas diferenças estatisticamente muito significativas nos consumos aditivos em função do grupo etário (Tabela 4), com maior consumo de álcool (p<0,001) e tabaco (p<0,001) em adolescentes do grupo etário dos 16-19 anos. Em relação aos comportamentos aditivos sem substância em função do grupo etário, foram observadas apenas diferenças na utilização dos jogos online (p=0,031), sendo mais utilizados pelos adolescentes mais novos.
Legenda: gl: graus de liberdade; p: probabilidade de significância; RA: Resíduos Ajustados; χ2- valor de qui quadrado. *Resultado estatisticamente muito significativo
Ao avaliar a associação entre os diferentes consumos aditivos, observou-se correlação positiva moderada entre o consumo de tabaco e o consumo de substâncias psicoativas ilegais (rφ=0,606, p<0,01) (Tabela 5). Foram observadas ainda correlações significativas, embora baixas, entre: o consumo de álcool com os consumos de tabaco (rφ= 0,368, p<0,01) e drogas (rφ=0,280, p< 0,01), o consumo de drogas e os jogos online (rφ = 0,114, p< 0,01), e entre o consumo de álcool e as redes sociais (rφ = 0,116, p< 0,01).
Discussão
Este estudo reforça que os comportamentos aditivos com substância estão presentes na vida diária dos adolescentes, sendo o álcool (41,5%) a substância mais consumida, seguindo-se o tabaco (9,8%) e por último as drogas ilícitas (7,4%). Estes dados vão ao encontro dos obtidos nos principais estudos nacionais, nomeadamente, no estudo Health Behaviour in School-aged Children (Matos e Equipa Aventura Social, 2018), e no estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Droga e outros Comportamentos Aditivos e Dependências (Lavado et al., 2020) realizado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos aditivos e nas Dependências (SICAD), em adolescentes dos 13 aos 18 anos de idade, em 2019. Esta tendência também é observada em estudos internacionais (Andrade et al., 2017; Roderick et al., 2018)
Quando consideramos os consumos regulares pelos adolescentes, inquiridos neste estudo, a substância mais consumida continua a ser álcool (10,1%), seguindo-se o tabaco (9,8%) e por último as drogas ilícitas (1,8%). Os resultados obtidos quanto aos consumos regulares são semelhantes dos obtidos por Matos e Equipa Aventura Social (2018), no qual a prevalência para o consumo regular de álcool foi de 10,6%, de tabaco 6,3% e de substâncias ilícitas 3,9%. Comparando os resultados obtidos em ambas as investigações, verificou-se na amostra do nosso estudo um maior consumo de tabaco e uma menor prevalência nos consumos de álcool e drogas. Os diferentes resultados encontrados poderão dever-se a diferenças metodológicas utilizadas, como o tipo de questionário e amostragem. Por outro lado, a média de idade dos inquiridos neste estudo situou-se nos 14 anos de idade, podendo-se deduzir que provavelmente o acesso a bebidas alcoólicas e a ambientes noturnos estará mais dificultado aos adolescentes mais novos, o que poderá justificar a diferença, embora mínima, na prevalência encontrada para o consumo de álcool. Em contrapartida, o desejo de emancipação e aceitação pelos pares, a curiosidade em experimentar o tabaco e o acesso ao mesmo pelos pares de faixas etárias mais velhas poderão justificar as diferenças encontradas neste estudo. A literatura também aponta como fatores preditores à experimentação e ao consumo de tabaco pelos adolescentes a vivência com pais e amigos fumadores, a ingestão de bebidas alcoólicas e grupo etário (17-19 anos) (Veiga et al., 2019).
Foi observada neste estudo uma maior prevalência de consumo de álcool e drogas nos rapazes, o que também se verifica no estudo de Lavado et al. (2020) e Rodríguez Muñoz, Carmona Torres, Hidalgo Lopezosa, Cobo Cuenca e Rodríguez Borrego (2019) em relação às drogas e ao álcool, respetivamente. Tais diferenças poderão deverem-se à menor perceção de risco associado a tais condutas, a uma maior propensão para a adoção de comportamentos de risco, e à necessidade de procura de aventura, por parte dos adolescentes rapazes (Figueiredo, Maior, Sosa, Ribeiro e Cordeiro, 2018). Não foram encontradas diferenças no consumo de tabaco em relação ao sexo, tal como os resultados obtidos nos estudos conduzidos por Carapinha e Calado (2018) e Figueiredo et al. (2016). Tais achados, poderão dever-se à necessidade de emancipação, experimentação e pertença ao grupo de pares, por parte dos adolescentes, apresentando ambos os sexos condutas semelhantes. Verificámos diferenças nos comportamentos aditivos para duas das substâncias estudadas (álcool e tabaco) em relação ao grupo etário, sendo mais predominantes nos adolescentes mais velhos. Estes resultados estão de acordo com os estudos de Figueiredo et al. (2016) e Lavado et al. (2020). Díaz Geada, Busto Miramontes e Caamaño Isorna (2018) também concluíram que o consumo de substâncias (álcool e tabaco) aumenta com a idade dos adolescentes.
Em relação aos comportamentos aditivos sem substância, neste estudo, a maioria dos adolescentes utilizam a internet quase diariamente, sendo uma das atividades preferidas a navegação nas redes sociais, o que também se verifica em diferentes estudos (Lavado et al., 2020; Matos e Equipa Aventura Social, 2018; Ponte e Batista, 2019), e sem diferenças para o sexo e idade dos adolescentes (Bernal Ruiz, 2017; Gaspar, 2014; Teixeira, 2016). As redes sociais são uma forma dos adolescentes interagirem com os seus pares e manterem as suas relações de amizade, quebrando as barreiras físicas da distância e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para alargar os laços sociais (Ponte e Batista, 2019). Os jogos online são utilizados por mais de 60% dos adolescentes, principalmente rapazes, tal como no estudo realizado por Ponte e Batista (2019) e nos mais jovens. Os jogos apresentam vantagens ao nível cognitivo, social e terapêutico (Patrão e Hubert, 2016), mas também quando utilizados em excesso podem conduzir a dependências severas e a outras adições semelhantes como as apostas ou jogos a dinheiro. Não se devem descurar fatores como a frequência e o número de horas em jogos online, os quais, em combinação com fatores individuais e situacionais, poderão contribuir para o desenvolvimento de distúrbio de jogo patológico (Patrão e Hubert, 2016).
Os adolescentes com comportamento aditivo a uma das sustâncias têm tendência a desenvolver também consumo a mais que uma (Pereira e Cunha, 2017) como foi verificado pela correlação positiva e significativa entre os diferentes consumos. Chacoñ Cuberos et al. (2016) concluiu que o consumo de álcool pelos adolescentes aumenta a probabilidade em dez vezes de consumo de tabaco e drogas ilícitas.
Conclusão
Os adolescentes não apresentam comportamentos aditivos com substância muito elevados, no que diz respeito aos consumos regulares, apesar de não podermos ficar indiferentes aos consumos esporádicos. O álcool é a substância mais consumida de forma regular pelos adolescentes da faixa etária da amostra, seguindo-se o tabaco e por fim as drogas ilícitas. A internet é utilizada pela maioria dos adolescentes com preferência pelas redes sociais, não esquecendo o peso que os jogos online têm na vida dos mais novos, em particular dos rapazes. Verificou-se associação entre o consumo de álcool e drogas ilícitas e o sexo, sendo que o consumo é mais elevado no sexo masculino; e associação entre o consumo de álcool e tabaco e o grupo etário dos 16-19 anos. Os adolescentes com consumo aditivo a uma sustância têm tendência a desenvolver, também, consumo de outras substâncias. Dado o impacto e as consequências na saúde, os profissionais de saúde devem fazer todos os esforços no sentido de reduzir e minimizar os diferentes consumos na adolescência, atuando aos diferentes níveis de prevenção.
Implicações para a prática clínica
Os resultados obtidos apontam para a necessidade de reforçar os programas de educação para a saúde na comunidade educativa, dirigidos para a prevenção de comportamentos aditivos com ou sem substância nos adolescentes. Face ao domínio que o adolescente tem na utilização da internet, os profissionais de saúde devem estar atentos às repercussões nefastas que estes comportamentos podem ter no desenvolvimento integral e harmonioso dos adolescentes. Neste contexto, os enfermeiros devem privilegiar as intervenções que visem o aumento da literacia, o reforço dos fatores protetores e o desenvolvimento de competências socioemocionais, fundamentais para a prevenção dos comportamentos aditivos. Garantir a saúde mental dos adolescentes constitui a peça chave para a prevenção do consumo aditivo e dependências, crucial para a promoção de estilos de vida saudável e prevenção de comportamentos de risco.