Introdução
O bem-estar psicológico (BEP) é um conceito multidimensional, refletindo a sensação de bem-estar sentida pelo individuo em função das suas representações intrapessoais e estados emocionais (Ryff, 1989), e surge associado ao conceito de saúde mental positiva (Waldo, 2014). O bem-estar resulta do equilíbrio entre o corpo, a família, a comunidade e a cultura (Direção Geral da Educação [DGE], 2017) e está relacionado com as experiências pessoais, autorrealização e sentido de vida (Machado e Bandeira, 2012).
A saúde mental dos adolescentes pode ser influenciada por vários fatores, como a relação familiar, os pares, o consumo aditivo, as perturbações mentais pré-existentes, a falta de competências pessoais e sociais (Santos et al., 2019), mas também pelas dependências criadas pelas novas tecnologias, como tem sido demonstrado em vários estudos (Assunção e Matos, 2014; Vitória, 2016). A utilização da internet imprimiu novas formas de socialização e comunicação entre os adolescentes e apesar das inúmeras vantagens e benefícios, o uso excessivo, compulsivo e disfuncional acarreta prejuízos na vida social, física e académica, com impacto na saúde mental e psicológica dos adolescentes e, consequentemente no seu bem-estar psicológico (Machado, 2015; World Health Organization [WHO], 2015).
A avaliação do bem-estar dos adolescentes em contexto escolar revela-se de grande importância, pelo impacto que tem na saúde global e no desenvolvimento saudável, integral e mentalmente equilibrado. Assim, este estudo teve como principais objetivos: caracterizar o bem-estar psicológico e a utilização da internet; relacionar o uso problemático da Internet com o bem-estar psicológico dos adolescentes; e relacionar o bem-estar psicológico dos adolescentes com as variáveis sociodemográficas, escolares e, utilização da internet.
Metodologia
Estudo descritivo-correlacional e transversal, com uma amostra não probabilística, por conveniência, de alunos de um agrupamento escolar do Norte de Portugal. Foram estabelecidos como critérios de inclusão: idade compreendida entre os 12 e os 19 anos, matriculados no ano letivo 2018/2019 e estarem presentes no momento da recolha de dados e terem o consentimento dos encarregados de educação. E excluíram-se os alunos com deficiência acentuada identificada pelo diretor de turma. Aplicou-se como instrumento de recolha de dados um questionário de autopreenchimento, online e presencial, em contexto escolar, constituído por três partes: i) questões para caracterização sociodemográfica e utilização da internet; ii) questionário de Bem-estar Psicológico, versão reduzida (QBEP-R) (Rainho et al., 2018), para avaliar o bem-estar psicológico; e iii) Escala do Uso Generalizado e Problemático da Internet (GPIUS2) (Pontes, Caplan & Griffiths, 2016) para avaliar a utilização problemática da Internet (UPI).
O QBEP-R é composto por seis itens, e avalia a perceção de bem-estar psicológico, numa escala de 0 a 5 pontos, variando a pontuação total entre 0-30. Quanto maior for a pontuação obtida melhor será a perceção de bem-estar psicológico. Em função da pontuação obtida, o bem-estar psicológico foi classificado nos seguintes níveis: bem-estar psicológico satisfatório (QBEP-R≥15) e bem-estar psicológico insatisfatório (QBEP-R<15), tendo sido obtido no QBEP-R um alfa de Chronbach de 0,83.
A escala GPIUS2 é constituída por 15 itens de autopreenchimento, classificados numa escala tipo likert de 7 pontos, e avalia a UPI em quatro dimensões: i) preferência pela interação social online (POSI), ii) regulação do humor (MR), iii) autorregulação deficiente (DSR); e iv) consequências negativas (NO) associadas ao uso da internet. Pontuação igual ou superior a 60 pontos indica uma utilização problemática da Internet e a GPIUS2 revelou 0,89 de consistência interna.
Os dados foram recolhidos no período compreendido entre dezembro de 2018 e março de 2019, após aprovação pela Direção Geral da Educação (DGE), com o registo nº 0652000001, após ter sido submetido o projeto na plataforma MIME (Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar). Foi solicitada a autorização por escrito aos pais/encarregados de educação e foram assegurados todos os procedimentos éticos, nomeadamente o anonimato, confidencialidade e direito a não participar ou desistir do preenchimento do questionário. Os dados foram processados no IBM SPSS® Statistics (versão 25), tendo sido efetuada a análise estatística descritiva e correlacional, recorrendo ao teste não paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes e o Rho de Spearman para as variáveis intervalares, após verificação da não distribuição normal das variáveis. Foi adotado o nível de significância de 5%.
Resultados
Participaram no estudo 478 adolescentes com média M=14,5 anos (DP=1,9), sendo que a maioria era residente em meio rural (69,7%), realizava atividades de lazer nos tempos livres (58,2%), frequentava o 3º ciclo do ensino básico (61,5%), apresentava bom rendimento escolar no último ano letivo (48,7%) e sem reprovações (77,6%). Quanto à caracterização dos comportamentos online, a maioria dos adolescentes reportaram utilizar a internet diariamente (91,2%), até três horas (40,8%), nos períodos da noite (41,2%) e da tarde (34,9%), a partir de casa (43,6%), através do telemóvel (40,3%) e computador (33,8%). Os motivos mais referidos foram: a comunicação (28,7%) e diversão (25,3%), e as atividades preferidas foram: navegar nas redes sociais, ouvir música e ver filmes. A maioria dos adolescentes participava em jogos online (64,3%), diariamente (34,7%) e até duas horas. Por sua vez, 96,9% dos participantes utilizavam diariamente as redes sociais e 82,8% utilizavam simultaneamente várias redes sociais, para comunicar com os amigos e colegas de escola. A análise descritiva revelou que a maioria dos adolescentes percecionavam elevado e satisfatório nível de bem-estar psicológico (Tabela 1).
Dos 478 adolescentes inquiridos, 13,4% apresentavam critérios de utilização problemática da Internet (UPI). A maioria dos adolescentes com UPI apresentavam nível satisfatório de bem-estar psicológico (67, 2%). Em termos descritivos, 90,4% dos adolescentes do sexo masculino e 88,2% dos adolescentes, entre os 12 aos 15 anos, apresentavam nível satisfatório de bem-estar psicológico. A análise correlacional demonstrou que existe correlação negativa e significativa entre o bem-estar psicológico e a idade; à medida que aumenta a idade diminui o bem-estar psicológico.
Observou-se, também, uma correlação negativa e significativa entre o bem-estar psicológico e a utilização problemática da Internet; à medida que aumenta a utilização problemática da internet diminui o bem-estar psicológico (Tabela 2).
Quanto à relação entre o bem-estar psicológico e as variáveis sociodemográficas, após a aplicação do teste de Mann-Whitney-Wilcoxon, registaram-se diferenças estatisticamente significativas em função do sexo, idade, nível de ensino, presença de hobby, utilização de jogos online e redes sociais. Apresentaram valores médios mais elevados de bem-estar psicológico: os adolescentes do sexo masculino, os mais novos, os que praticavam um hobby fora do tempo letivo e os que jogavam e utilizavam as redes sociais de forma regulada e equilibrada (Tabela 3).
Discussão
No presente estudo, os resultados apontaram para níveis satisfatórios de bem-estar psicológico nos adolescentes tal como se constata no estudo de Pereira Simões et al. (2018), ao referir que a maior parte dos adolescentes percecionavam um bom estado mental. O valor médio de bem-estar psicológico foi mais elevado no presente estudo quando comparado com o estudo de Barroso et al (2014). No entanto, 14% dos adolescentes apresentavam um nível de bem-estar psicológico insatisfatório. Os dados do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) em 2014, apontavam para um agravamento da saúde mental dos adolescentes, nomeadamente, a presença de sintomas psicológicos como o nervosismo, a tristeza e a irritação (Matos et al, 2015). Também em 2018, o estudo HBSC revelou que 13,6% dos adolescentes referiram sentir-se infelizes, 13,6% nervosos, 12,6 % irritados, 9,2% tristes e 6,3% com medo (Matos e Equipa Aventura Social, 2018).
No que se refere ao bem-estar psicológico, os resultados evidenciaram que é mais elevado no sexo masculino, o que é consistente com a literatura (Matos e Equipa Aventura Social, 2018; Santos et al, 2019;). De um modo geral, os rapazes são mais positivos e referem sentimentos felizes em relação à vida (Matos e Equipa Aventura Social, 2018) e por sua vez as raparigas apresentam maior risco de sintomas ansiosos e depressivos e menor autoestima, em resultado da tendência para a internalização de mal-estar psicológico (Gómez-Baya et al, 2017). Também no estudo HBSC (2018), as raparigas apresentavam valores mais elevados no que respeita à ansiedade, stresse, sintomas depressivos e níveis de preocupação (Matos e Equipa Aventura Social, 2018). O sexo feminino é preditor positivo de morbilidade psicológica, apresenta mais sintomas de ansiedade, conduzindo ao aumento de sintomatologia depressiva (Pucci e Pereira, 2012), e, por conseguinte, menor perceção de BEP.
Quanto à perceção de bem-estar psicológico e à relação com a idade e o nível de ensino, os resultados demonstraram que a perceção de bem-estar psicológico foi melhor nos adolescentes mais novos e naqueles que frequentavam o 3ºciclo do ensino básico. Estes resultados corroboram os obtidos no estudo desenvolvido pela equipa HBSC (2018) ao evidenciar que os adolescentes mais velhos apresentavam maiores níveis de ansiedade e stresse, sintomas depressivos, preocupações e resultados menos positivos quando comparados com os mais novos (Matos e Equipa Aventura Social, 2018).
No que respeita à relação entre o bem-estar psicológico e a participação em alguma atividade extracurricular, os resultados mostraram que a prática de atividades desportivas promovia melhores pontuações de BEP. A evidência demonstra que o facto dos adolescentes realizarem atividades desportivas, em particular os desportos coletivos, tem efeitos positivos na inserção do adolescente no meio ambiente envolvente, fomenta relações pessoais e objetivos de vida mais positivos, promove a aceitação de si e o bem-estar global (Almeida et al, 2018). Este estudo reforça o que outros já evidenciaram, que a prática de atividade física regular é promotora de BEP nos adolescentes (Seabra, 2017).
No que respeita à relação entre o BEP e o UPI, constatamos que o BEP se correlacionou inversamente com a UPI, ou seja, os adolescentes com comportamento de UPI apresentaram valores mais baixos de BEP tal como se verificou no estudo de Machado (2015). O bem-estar psicológico mostrou-se melhor para quem utilizava as redes sociais e os jogos online de forma moderada. As redes sociais podem promover a autoestima (Vitoria, 2016), emergindo como forma de comunicação, diversão, conexão e estabelecimento de relações interpessoais. Os jogos online potenciam a criatividade, aumentam a atenção seletiva, atenuam o declínio cognitivo, reforçam as competências mentais e influenciam a cognição espacial (Pontes & Griffiths, 2015). Assim, a internet apresenta um papel importante no desenvolvimento emocional dos adolescentes pela sua importância no estabelecimento de contactos sociais, desde que utilizada de forma equilibrada e saudável.
Conclusão
Os comportamentos online e a utilização abusiva da Internet podem conduzir a fenómenos de dependência por parte dos adolescentes, com repercussões na sua saúde mental e no bem-estar psicológico. De uma forma geral, os adolescentes apresentavam níveis satisfatórios e elevados de bem-estar psicológico. No entanto, quando se verificou a utilização problemática da Internet pelos adolescentes constatou-se uma influência negativa na perceção de bem-estar psicológico. Assim, o uso moderado e equilibrado da Internet, jogos e redes sociais pode potenciar e promover o bem-estar psicológico dos adolescentes.
Implicações para a Prática Clínica
Os resultados do estudo evidenciaram que o bem-estar psicológico na sua relação com a utilização problemática da internet deve ser objeto da prática clínica dos enfermeiros, na medida em que podem conceber, implementar e avaliar programas efetivos para a promoção de comportamentos online saudáveis, através de estratégias de educação para a saúde e de literacia digital, conjugando formas de comunicação e interação com a promoção de bem-estar psicológico dos adolescentes. A saúde mental deverá ser uma das áreas prioritárias no campo de intervenção das equipas de saúde escolar visando o desenvolvimento de competências pessoais, cognitivas e socioemocionais, fundamentais para a prevenção de comportamentos de risco e promoção de um estilo de vida mais saudável com impacto positivo na saúde.