Introdução
A saúde mental (SM) dos jovens adolescentes é suscetível de ser influenciada positiva ou negativamente, por múltiplos fatores. Neste sentido, é importante desenvolver investigação relativamente aos fatores de vulnerabilidade e de proteção, inclusive nos estudantes do ensino secundário, para que possam beneficiar de intervenções ao nível da promoção da saúde mental que se têm vindo a mostrar eficientes, designadamente as que reforçam os recursos positivos dos estudantes e dos contextos académicos (World Health Organization [WHO], 2021), com benefício na vivência das transições múltiplas em que muitas vezes estes estudantes se encontram, influenciando as suas respostas humanas de bem-estar (Nogueira, 2017).
A vulnerabilidade resulta de um processo complexo, multidimensional e dinâmico, numa interação entre os atributos de natureza pessoal, condições sociais e ambientais (Spiers, 2000), que abrange o conceito mais estrito de vulnerabilidade mental. Do ponto de vista da saúde mental, o conceito de vulnerabilidade progrediu de uma visão epidemiológica inicial até uma conceção mais compreensiva que lhe adicionou a ideia de perceção e experiência individual e única de “sentir-se ou não vulnerável” (Spiers, 2000; Nogueira, 2017). Avaliar vulnerabilidade é crucial para identificar as caraterísticas e condições associadas a indivíduos mais suscetíveis, designadamente para conhecer as variáveis e condições que promovem ou reduzem os sentimentos de vulnerabilidade individual e dos grupos, constituindo um contributo para os profissionais de saúde na identificação de indivíduos vulneráveis e agir precocemente, conjuntamente com as instituições de ensino, no planeamento e implementação de programas de promoção da saúde e prevenção de sofrimento mental (Nogueira, 2017).
Estes pressupostos vão ao encontro do Plano de Ação de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS) para 2013-2030, que tem como principal foco valorizar, promover e proteger a saúde mental. Este, assenta em quatro objetivos principais: fortalecer liderança e governança eficazes para a saúde mental; fornecer serviços de saúde mental comunitários abrangentes, integrados e responsivos; implementar estratégias de promoção e prevenção em saúde mental; e fortalecer os sistemas de informação, evidências e pesquisas em saúde mental (WHO, 2021).
Neste sentido, tem-se vindo a fomentar uma abordagem da SM centrada na adoção de medidas promotoras da Saúde Mental Positiva (SM+), como recurso decisivo para o incremento da saúde e bem-estar dos jovens, em detrimento das abordagens ancoradas em modelos centrados na doença (Sequeira et al., 2014; Leite, 2016).
O conceito de “Saúde Mental Positiva” emerge como parte integrante da saúde global do indivíduo (Lluch, 2008), cujo termo “positiva” compreende a “promoção de ações no sentido de reforçar e potenciar a saúde mental na sua generalidade” (Leite, 2016, p. 38), ou seja, ações com efeito positivo, de bem-estar e de benefício para a SM. Admite-se que a SM+ pode ser parte da resposta aos desafios da SM que enfrentamos na atualidade, por isso, a aposta na investigação nesta área tem vindo a intensificar-se. Esta pode ser a via de empoderamento dos jovens, tornando-os mais aptos a tomar decisões que promovam a sua SM, a lidar com situações de stress e frustrações, otimizando o seu desenvolvimento pessoal, sua identidade, funcionamento social e coletivo.
A literacia envolve o conhecimento de problemas de SM e a vinculação à ação pode beneficiar a SM dos jovens, sendo determinante para a sua capacitação, tomada de decisão informada e obtenção de ganhos em saúde (WHO, 2021). A evidência mostra que o défice de literacia em SM é um fator determinante para a ausência da saúde mental, em particular dos jovens que se encontram em fase de desenvolvimento e autoafirmação, o que tem vindo a constituir um grave problema de saúde pública a nível mundial, com especial relevo na Europa, nas últimas décadas, nomeadamente, associado ao aumento significativo das taxas de suicídio entre os adolescentes, jovens adultos e idosos (Direção Geral da Saúde, 2015). Promover a literacia em SM é fundamental para melhorar a promoção da mesma, adotar estilos de vida saudáveis, prevenir a doença e comportamentos de risco, procurar ajuda e empoderar para a gestão da doença e dos regimes terapêuticos (Angermeyer et al., 2013).
Destaca-se a importância de investigar sobre a saúde mental dos jovens do ensino secundário da ilha da Madeira, nomeadamente os fatores de vulnerabilidade e proteção, com o intuito da definição de potenciais estratégias de promoção de intervenções, designadamente, na promoção da saúde e prevenção da doença mental, junto das escolas e dos organismos do arquipélago e eventual implementação de programas de Saúde Mental Positiva e Primeira Ajuda em Saúde Mental.
O presente estudo integra o projeto “Literacia e Saúde Mental Positiva”, que se encontra a decorrer, cuja finalidade visa o conhecimento da literacia e saúde mental positiva em jovens do ensino secundário, no sentido de trazer benefícios para a prestação de cuidados através da promoção da saúde escolar na prevenção primária praticada de forma articulada entre os centros de saúde e as escolas do ensino secundário. Objetivo: identificar os fatores de vulnerabilidade e proteção de jovens do ensino secundário da ilha da Madeira.
Metodologia
Investigação descritiva de cariz quantitativo - estudo piloto realizado na ilha da Madeira, com estudantes do ensino secundário. A amostra (por conveniência), é constituída por 1948 estudantes do ensino secundário. A colheita de dados decorreu entre março e junho de 2021, em contexto escolar, com a colaboração dos estabelecimentos de ensino secundário, através de um instrumento criado para este efeito - "Questionário de Literacia e Saúde Mental Positiva, versão Estudantes do Ensino Secundário" (QSM+ VEESec) (Ribeiro, Sequeira, Ferreira, Carvalho e Pires, 2018), constituído por: Questionário de caraterização sociodemográfica, composto por 24 questões; Escala de vulnerabilidade psicológica (Nogueira, 2017) com seis itens (Likert com cinco opções); Questionário de saúde mental positiva (Sequeira et al., 2014), com 39 itens (Likert com quatro opções); Questionário de conhecimento de saúde mental (Chaves et al., 2019), com 16 itens (Likert com cinco opções) + quatro itens (atividades de promoção de saúde mental); Questionário “O que é importante para uma boa saúde mental?” (Chaves et al., 2019), com 10 itens (Likert com cinco opções + N/A).
No presente estudo, dá-se enfase aos dados preliminares obtidos, tendo em consideração que este sub-estudo, insere-se assim num projeto mais alargado ao nível da literacia e saúde mental positiva (tendo como alvo estudantes do ensino superior; professores; profissionais de saúde).
A aplicação foi feita online através do link: http://survey.esenf.pt/index.php/147643?lang=pt. Todos os instrumentos foram codificados. O estudo teve aprovação da Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem do Porto - ESEP (8 de junho fluxo ADHOC_822/2020). Os estudantes participaram de forma voluntária, tendo assinado o consentimento informado. Assim como o consentimento informado foi dado também pelo respetivo encarregado de educação. Tivemos um estudante com idade igual a 18 anos que participou no estudo.
Resultados
Dos resultados obtidos verificou-se que 76,7% dos estudantes (n=1948), tinha idades entre 15 e 18 anos, 33,3% frequentava o 12.º ano e 31,3% o 10.º ano de escolaridade. Quanto à história de doença mental, 9,9% referiu ter algum problema de saúde mental, no entanto, é de salientar que 20,9% não respondeu a esta questão, o que corresponde a 407 jovens.
Dos estudantes inquiridos 9,3% (n=144) recorreu a algum serviço de saúde devido a problema de saúde mental e 29,7% referiu ter tido ou ter algum acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.
Na análise, salienta-se que 42,4% referiu não estar satisfeito com o seu sono e 46,1% (n=707) considerou não dormir as horas suficientes para as suas necessidades.
Quanto à toma de medicação, de forma regular para algum problema de saúde mental 4,8% (n=73) dos estudantes inquiridos adere ao regime medicamentoso, sendo os problemas mais mencionados: a ansiedade e a depressão (25,4%).
Em relação à prática de desporto ou exercício físico regular, verificou-se que 48,6% dos estudantes inquiridos não pratica.
Relativamente aos hábitos alimentares, 26,9% dos estudantes não considerou a sua alimentação saudável e 17,7% não ingere diariamente fruta ou legumes.
No que refere à interação social, 25,1% raramente está com amigos fora do contexto escolar, 78,2% não participa em atividades recreativas e 43,7% não está satisfeito com a sua relação afetiva/amorosa.
Em relação ao fator de vulnerabilidade consumo de substância lícitas, verificou-se que 26,4% (n=401) dos estudantes inquiridos consumia bebidas alcoólicas.
Quanto ao consumo de drogas, constatou-se que 3,4% (n=51) dos estudantes inquiridos consumia drogas, sendo 25,5% com uma regularidade superior a três vezes por semana.
Discussão
Os resultados obtidos neste estudo mostram relevância entre os fatores de vulnerabilidade e proteção na saúde mental dos jovens. Pela escassez de comparabilidade com outros estudos no âmbito do ensino secundário, a evidência utilizada refere-se também aos estudantes do ensino superior.
Na história de doença mental, 9,9% dos estudantes inquiridos relatam problemas de saúde mental o que atesta os resultados do estudo de Sequeira e colaboradores (2019), que embora, sejam em estudantes do ensino superior, na área de enfermagem, também exibiram problemas de saúde mental num percentual de 2,6%. Constatamos que os problemas de saúde mental mais frequentes nos estudantes, são ansiedade e depressão (25,4%). Em outros estudos, a ansiedade e a depressão, foram mencionadas com valores percentuais superiores, nomeadamente 66,1% (Sequeira, Carvalho, Borges e Sousa, 2013) e 65% (Sequeira et al., 2012) na ansiedade e com 61,4% (Sequeira et al., 2013) para a depressão.
No estudo realizado por Santos e colaboradores (2019), a ansiedade e stress, os sintomas físicos e psicológicos, as preocupações, os sintomas depressivos, a perceção de felicidade e de qualidade de vida são fatores importantes para compreensão e caraterização da saúde mental dos adolescentes.
Relativamente ao sono, os estudantes referem estar insatisfeitos com o seu padrão de sono (42,5 %), nível inferior ao dos jovens do ensino superior em 54,4% (Valentim et al., 2022) e em 60,7% revelado no estudo de Cunha (2020). Quanto às horas de sono suficientes para a satisfação das suas necessidades, 46,1% dos estudantes mencionaram não dormir as horas suficientes, também inferior ao estudo de Cunha (2020), que demostrou que 67,8% dos estudantes do ensino superior não dorme as horas suficientes para a satisfação das suas necessidades.
Em relação ao exercício físico, verificou-se que 48,6% não pratica exercício físico ou desporto de forma regular, que quando comparado com outros estudos, apresentam melhores resultados que 66,1% (Valentim et al., 2022), de 68,2% no estudo realizado por Sequeira e colaboradores (2013) e de 76,5% no estudo de Cunha (2020).
Verificam-se resultados semelhantes no que se refere aos hábitos alimentares, neste estudo com 26,9%, com os resultados de Cunha (2020) com 28,4% dos estudantes e dos 29,9% de Valentim e colaboradores (2022), dos jovens que não apresentam uma alimentação saudável.
A satisfação com as relações obteve nos estudantes em análise um percentual de 43,7% de insatisfação com as suas relações afetivas/amorosas, resultado idêntico ao verificado nas pesquisas de Sequeira e colaboradores (2012, 2019) e Nogueira e colaboradores (2022), em que, respetivamente, 56,4% e 40,9% a frequentar o ensino superior, refere dificuldades em estabelecer relações interpessoais satisfatórias.
O que contrasta com os resultados obtidos no estudo o bem-estar e a saúde mental dos adolescentes portugueses, realizado em 2019, cujos autores Santos e seus colaboradores (2019) referem que o desenvolvimento de competências socio emocionais e de relacionamento interpessoal são fatores ligados à proteção no âmbito da saúde mental e qualidade de vida dos adolescentes.
Outro dos fatores de vulnerabilidade, no que respeita ao consumo de bebidas alcoólicas, 26,4% dos estudantes refere hábitos de consumo, percentual inferior ao verificado em outras pesquisas com jovens, com 46,4% (Cunha, 2020) e de 49,7% (Valentim et al., 2022). O consumo de substâncias psicoativas ilícitas foi referido por 3,4% dos estudantes, percentual idêntico aos achados encontrados em outros estudos, especificamente de 3,9% (Valentim et al., 2022), 4,4% (Cunha, 2020) e de 4,6% (Sequeira et al., 2013).
Conclusão
Este estudo piloto, permitiu identificar alguns fatores de vulnerabilidade e proteção de jovens do ensino secundário da ilha da Madeira, associados à saúde mental. Os resultados indicam existência de problemas de saúde mental nos jovens, nomeadamente, ansiedade e depressão, consumos de álcool e de substâncias ilícitas. Como fatores de vulnerabilidade destaca-se a falta de interação social, a ausência de participação em atividades recreativas e desportivas e a insatisfação ao nível da relação afetiva/amorosa. O número de horas de sono suficientes para as suas necessidades, a prática de desporto ou exercício físico de forma regular e a alimentação saudável foram os fatores protetores mais relevantes.
Muitos dos resultados obtidos, que poderiam ser fatores de proteção, apresentam-se como fatores de vulnerabilidade, o que requer uma observação mais cuidada e atenta, pelo que necessitam de uma maior intervenção ao nível da promoção da saúde mental.
Uma das dificuldades, prendeu-se com as questões burocráticas e de acessibilidade à população para a obtenção dos dados, uma vez que se trata de adolescentes menores e ser imprescindível o consentimento dos pais.
Implicações para a Prática Clínica
Destaca-se a importância da definição de estratégias de promoção e prevenção da Saúde Mental, junto das escolas e dos organismos do arquipélago e eventual implementação de programas de Saúde Mental Positiva e Primeira Ajuda em Saúde Mental, de forma a poder ser um meio facilitador, para uma melhor comunicação e literacia em saúde mental.
Agradecimentos
Agradece-se a todas as instituições de ensino, desde as direções que prontamente aceitaram participar destacando-se o seu papel na autorização e agilização das questões burocráticas, uma vez que a colheita ocorreu em período pandémico e a toda a comunidade educativa nomeadamente todos os Professores, Estudantes e Encarregados de Educação.