Introdução
A pandemia COVID-19 provocou alterações profundas no estilo de vida com grande impacto na saúde mental e no bem-estar geral das populações e dos profissionais de saúde. Os enfermeiros estiveram expostos a diversos riscos que provocaram sofrimento psicológico e o surgir ou agravamento de doenças como: ansiedade, depressão e perturbação de stresse pós-traumático e burnout. As restrições impostas por esta pandemia tornaram-se cada vez mais exigentes. Assim ansiedade, stresse, irritabilidade e agressividade levaram à deterioração da saúde mental dos enfermeiros. Na realidade, a evolução negativa da pandemia levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a reconhecer impactos na saúde psicológica dos indivíduos, dando destaque aos profissionais de saúde. No entanto é de salientar que muitos destes problemas existem há vários anos, e foram intensificados nesta fase pandémica (World Heath Organization [WHO], 2020).
Em Portugal, a situação pandémica também teve impactos negativos na saúde mental dos enfermeiros, comprovado por um estudo realizado nos primeiros seis meses de pandemia em que 27% dos participantes reportaram sintomas moderados a graves de ansiedade, 26,4% de depressão e 26% de perturbação de stress pós-traumático. Os preditores de sofrimento psicológico foram: a dificuldade na conciliação entre trabalho e família, a manutenção dos estilos de vida e atividades de lazer, a preocupação com a manutenção/preservação do rendimento de trabalho, a perceção de falta de apoio social/familiar, a preocupação relativamente ao futuro e menor resiliência (Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2022).
A resiliência humana é uma resposta intuitiva à adversidade e/ou ao stresse agudo sentido pelas pessoas ao longo da vida. Esta contribui para prevenir, minimizar ou ultrapassar situações adversas, não significando, no entanto, que o individuo saia completamente ileso de todas as situações adversas encontradas. É necessário que o individuo possua um conjunto de caraterísticas que lhe permite construir a capacidade de resiliência. Desta forma, são enumerados um conjunto de características de resiliência: autoeficácia, autoconfiança, otimismo apreendido, empatia, competência social, proatividade, flexibilidade mental, soluções para os problemas e tenacidade (Moller & Froeblich, 2021). No contexto de trabalho, a resiliência consiste na existência ou construção de recursos adaptativos, por forma a preservar a relação saudável entre os indivíduos e o seu ambiente laboral. A resiliência na área da saúde surge como um fator capaz de mitigar os efeitos negativos do stresse e capaz de prevenir as consequências psicossociais negativas nos enfermeiros (Badu et al., 2020).
Os enfermeiros inseridos no processo de cuidar deparam-se com várias barreiras na assistência ao doente crítico devido a dificuldades inerentes à prestação de cuidados e ao stresse originado antes, durante e após os procedimentos. A exposição a numerosos fatores de stresse e situações de risco influencia a prestação de cuidados aos doentes e traz repercussões para a sua saúde mental. Desta forma, torna-se pertinente o recurso a fatores de proteção, formas de potenciar a resiliência e desenvolvimento de emoções positivas que contribuam para o fortalecimento da dimensão psicológica com a finalidade de prevenir posteriores complicações psicossociais. Também o recurso a ações adaptativas com apoio instrumental, emocional e resiliência são importantes para preservar a saúde mental dos enfermeiros (Balay-odao et al., 2021, Lorente et al., 2021).
Este estudo teve como objetivo identificar o nível e fatores de resiliência e analisar a sua relação com as características sociodemográficas e profissionais dos enfermeiros.
Metodologia
Em termos metodológicos, privilegiou-se uma abordagem quantitativa através de um estudo exploratório, descritivo, correlacional e transversal, realizado no período de setembro de 2021 a fevereiro de 2022, num serviço de urgência de um hospital do norte do país. A população alvo foi constituída por 66 enfermeiros que trabalham em regime de turnos.
A amostra não probabilística e de conveniência foi constituída por 60 enfermeiros tendo sido incluídos todos os enfermeiros a exercer funções como enfermeiros no serviço de urgência geral de adultos. Foram excluídos seis enfermeiros por se encontrarem ausentes do serviço por atestado ou qualquer outra razão contemplada pela lei e por não preencherem o questionário na sua totalidade.
Solicitamos a autorização da aplicabilidade das escalas aos autores que fizeram a tradução linguística e cultural das mesmas. Também solicitamos a autorização ao enfermeiro-chefe, ao diretor clínico do serviço, ao Concelho de Administração e à Comissão de Ética da Instituição onde decorreu o trabalho de investigação - Autorização da Comissão de Ética nº 3756. Foi entregue a cada participante, juntamente com o questionário, um consentimento informado no qual constava o contacto do investigador. Garantimos o anonimato dos participantes e dos dados e o consentimento informado foi colocado em envelope distinto do questionário por forma a garantir a confidencialidade.
Para a caraterização dos participantes e para obter informação relevante de fatores pessoais e profissionais que pudessem ser relacionados com fatores de resiliência recorreu-se a um questionário de respostas abertas e fechadas, com dez perguntas sob a forma de questões dicotómicas e de escolha múltipla. A primeira parte do instrumento de recolha de dados teve como finalidade caraterizar a população sob o ponto de vista pessoal e profissional. Deste modo, os itens selecionados para esta caraterização são: sexo, idade (faixas etárias), situação conjugal, categoria profissional, tempo de exercício profissional (faixas etárias), tempo de exercício profissional no atual serviço (faixas etárias), trabalho por turnos, contrato seguro com a instituição, formação especifica na área de pessoa em situação crítica e desempenho de funções de enfermagem noutras instituições.
Por forma a obter as caraterísticas de resiliência foi utilizada a Escala de Resiliência para Adultos (ERA), traduzida e adaptada para a população portuguesa, por Pereira et al. (2016). Trata-se de um instrumento de autopreenchimento destinado a avaliar as caraterísticas da resiliência de cada participante organizadas em seis fatores: Perceção do Self (avalia a confiança nas próprias capacidades e julgamentos, auto-eficácia e experiências realistas), Planeamento do Futuro (avalia a capacidade de planeamento antecipado), Competências Sociais (avalia a flexibilidade em interações sociais), Estilo Estruturado (avalia a capacidade de ter rotinas e organização do próprio tempo), Coesão Familiar (avalia se os fatores são partilhados ou discordantes na família e se os membros da família apreciam passar tempo juntos) e Recursos Sociais (avalia a disponibilidade de apoio social). Esta escala pode ser aplicada em adultos de populações comunitárias e clínicas, destinando-se a uma utilização corrente em investigação e na prática clínica. É uma escala composta por 33 itens, de resposta tipo Likert, com cotação de 1 a 7 e o resultado total varia entre 33 e 231 pontos. Pontuação mais elevada corresponde a maiores níveis de resiliência.
Os dados foram analisados com recurso ao programa IBM® -SPSS versão 25.0.
Para comprovar a normalidade da amostra foi realizado o teste Kolmogorov-Smirnov. Para a análise descritiva utilizou-se frequências absolutas, relativas e medidas de tendência central. A nível da estatística inferencial foram utilizados testes paramétricos: t de student (t) e o teste One-way ANOVA. Uma vez que o teste ANOVA apenas nos informa da existência de uma diferença geral, não nos indicando quais os grupos que diferem, foram realizados, no caso de diferenças estatisticamente significativas testes Post Hoc que nos permitem identificar entre que grupos se evidenciam as diferenças. Para a realização deste procedimento, foi selecionado o teste de Bonferroni. Considerou-se um limite de significância de p ≤ 0,05.
Resultados
A análise da amostra em estudo permitiu a sua caraterização sociodemográfica e profissional quanto à frequência, percentagem, média e desvio-padrão (Tabela 1). Verificámos que a maioria é do sexo feminino (66.7%), quanto ao grupo etário a maioria situa-se entre os 31 - 40 anos (61.7%) e são solteiros (40%). Relativamente à categoria profissional a maioria são enfermeiros que não possuem especialidade (66.7%), com tempo de exercício profissional total entre 11 - 20 anos (40%) e com tempo de exercício profissional no atual serviço até 5 anos (53.3%). Na sua maioria são enfermeiros que trabalham por turnos (88.3%), sentem o seu contrato de trabalho como seguro (66.7%), possuem formação especializada na área da pessoa em situação crítica (55%) e não desempenham funções noutras instituições (61.7%).
Variável | n | (%) | Média | Desvio -padrão | |
Sexo | |||||
Feminino | 40 | 66.7 | 1.33 | 0.475 | |
Masculino | 20 | 33.3 | |||
Idade | |||||
≤ 30 anos | 9 | 15.0 | 2.08 | 0.619 | |
31-40 anos | 37 | 61.7 | |||
> 41 anos | 14 | 23.3 | |||
Situação conjugal | |||||
Solteiro | 24 | 40.0 | 2.05 | 0.999 | |
Conjugue/Companheiro (a) | 12 | 20.0 | |||
Conjugue/Companheiro (a) e filhos | 22 | 36.7 | |||
Família Alargada | 1 | 1.7 | |||
Divorciado | 1 | 1,7 | |||
Categoria Profissional | 1.33 | 0.475 | |||
Enfermeiro | 40 | 66.7 | |||
Enfermeiro Especialista | 20 | 33.3 | |||
Tempo de serviço total (anos) | 2.72 | 0.940 | |||
≤ 5 anos | 7 | 11.7 | |||
6-10 anos | 16 | 26.7 | |||
11-20 anos | 24 | 40.7 | |||
> 20 anos | 13 | 21.7 | |||
Tempo no atual serviço (anos) | 1.93 | 1.133 | |||
≤ 5 anos | 32 | 53.3 | |||
6-10 anos | 8 | 13.3 | |||
11-20 anos | 12 | 20.0 | |||
> 20 anos | 8 | 13.3 | |||
Trabalho por turnos | 1.12 | 0.324 | |||
Sim | 53 | 88.3 | |||
Não | 7 | 11.7 | |||
Contrato de trabalho seguro | 1.33 | 0.475 | |||
Sim | 40 | 66.7 | |||
Não | 20 | 33.3 | |||
Formação especializada na área da PSC | 1.45 | 0.502 | |||
Sim | 33 | 55.0 | |||
Não | 27 | 45.0 | |||
Prestação de serviços de enfermagem noutras Instituições e/ou Serviços | 1.62 | 0.490 | |||
Sim | 23 | 38.3 | |||
Não | 37 | 61.7 |
Fonte: elaborada pelo autor
Analisando o índice médio de resiliência apresentado pelos participantes do serviço de urgência este é de 176.30 (DP = 25.56), como apresentado na tabela 2.
ERA Total | n = 60 | ||
---|---|---|---|
Média | 176.30 | ||
Moda | 144 | ||
Desvio-padrão | 25.56 | ||
Mínimo | 116 | ||
Máximo | 225 |
Fonte: produção dos autores. Legenda: ERA = Escala de Resiliência para Adultos
Analisando as medidas descritivas de cada fator de resiliência (Tabela 3), verificamos que os fatores mais frequentes são o fator Recursos Sociais (M = 41.78, DP = 6,536), seguido do fator Coesão Familiar (M = 33.92, DP = 6.572), do fator Competências Sociais (M = 31.67, DP = 5.223) e do fator Perceção do Self (M = 29.98, DP = 6.044). Como fatores menos frequentes são apresentados o fator Planeamento do Futuro (M = 20.07, DP = 4.218) e o fator Estilo Estruturado (M = 18.88, DP = 3.632).
Fatores de resiliência | Média | Moda | Desvio-padrão | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|---|
Perceção do Self | 29.98 | 34 | 6.044 | 18 | 42 |
Planeamento do Futuro | 20.07 | 22 | 4.218 | 7 | 28 |
Competências Sociais | 31.67 | 25 | 5.223 | 21 | 42 |
Estilo Estruturado | 18.88 | 19 | 3.632 | 11 | 28 |
Coesão Familiar | 33.92 | 36 | 6.572 | 14 | 42 |
Recursos Sociais | 41.78 | 44 | 6.536 | 22 | 49 |
Fonte: produção dos autores.
Através da análise da relação entre os níveis de resiliência e as variáveis sociodemográficas e profissionais verificamos diferenças estatisticamente significativas relativamente à variável sexo. O valor de resiliência do teste t para diferenças entre grupos é significativo (t(58) = 1.172, p = 0.014), sendo que o sexo feminino apresenta maiores níveis de resiliência (M = 179.03, DP = 22.09) relativamente ao sexo masculino (M = 170.85, DP = 31.29). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente às restantes variáveis sóciodemográficas e profissionais (Tabela 4). Nas restantes variáveis pessoais e profissionais analisadas não houve variação na resiliência, quer ao nível total quer ao nível dos diferentes fatores.
Idade | F (58) | p | ||
---|---|---|---|---|
≤ 30 anos; 31-40 anos; > 41 anos | 0,019 | 0,981 | ||
Situação conjugal | F (58) | p | ||
Solteiro; Conjugue/Companheiro (a); Conjugue/Companheiro (a) e filhos Família Alargada; Divorciado | 0,132 | 0,969 | ||
Tempo do Serviço total (anos) | F (58) | p | ||
≤ 5 anos; 6-10 anos; 11-20 anos; > 20 anos | 0,297 | 0,827 | ||
Tempo no atual serviço (anos) | F (58) | p | ||
≤ 5 anos; 6-10 anos; 11-20 anos; > 20 anos | 1,098 | 0,358 | ||
Sexo | M | DP | t (58) | p |
Feminino | 179,03 | 22,09 | 1,172 (58) | 0,014* |
Masculino | 170,85 | 31,29 | ||
Categoria Profissional | M | DP | t (58) | p |
Enfermeiro | 172,98 | 25,53 | -1,438 (58) | 0,625 |
Enfermeiro Especialista | 182,95 | 24,92 | ||
Trabalho por turnos | M | DP | t (58) | p |
Sim | 176,77 | 25,59 | 0,392 (58) | 0,838 |
Não | 172,71 | 27,00 | ||
Contrato de trabalho seguro | M | DP | t (58) | p |
Sim | 178,35 | 24,58 | 0,877 (58) | 0,112 |
Não | 172,20 | 27,59 | ||
Formação especializada na área PSC | M | DP | t (58) | p |
Sim | 176,73 | 26,12 | 0,142 | 0,897 |
Não | 175,78 | 25,34 | ||
Prestação de serviços noutras instituições e/ou serviços | M | DP | t (58) | p |
Sim | 171,00 | 29,19 | -1,273 | 0,182 |
Não | 179,59 | 22,81 |
Fonte: produção dos autores. Legenda: M = Média; DP= Desvio padrão; t = Student test; p= valor de significância; F = Valor de One way - ANOVA; p= valor de significância; * p<0,05
Discussão
A média da resiliência dos enfermeiros encontra-se acima do valor médio da escala, indicando um alto nível de resiliência dos enfermeiros deste estudo, este resultado corrobora os dados de outros estudos (Balay-odao et al., 2021; Manzanares et al., 2021; Silva et al., 2020). Alto nível de resiliência pode ser explicado pela Teoria de Reintegração Resiliente, na qual o confronto com a adversidade resulta num novo patamar de crescimento interno (Fleming & Ledogar, 2008). Dados contraditórios foram apresentados em estudos efetuados numa fase inicial da pandemia em que os enfermeiros eram caraterizados por possuírem baixa resiliência ou resiliência normal (Huang et al., 2020; Labrague & De Los Santos, 2020). A resiliência é uma caraterística individual e apresenta-se fundamental na resposta a adversidades e aos acontecimentos de vida stressantes presentes no quotidiano. As diversas fases pandémicas vivenciadas pelos enfermeiros originaram aumento do stresse e mudanças no ambiente de trabalho. No entanto, estes profissionais conseguiram utilizar estratégias de autogerenciamento e sistemas de apoio, tornando-se resilientes (Liu et al., 2020).
O fator de resiliência mais frequente nos enfermeiros deste estudo foi o fator Recursos Sociais, seguido do fator Coesão Familiar, do fator Competências Sociais e do fator Perceção do Self. Como fatores menos frequentes foram o fator Planeamento do Futuro e o fator Estilo Estruturado. Este facto revela a importância do apoio social e familiar para estes profissionais, evidenciando a família e amigos como o suporte fundamental para ultrapassar as suas adversidades. No entanto, os enfermeiros referem que o planeamento antecipado, organização do próprio tempo e orientação de objetivos/rotinas não são os principais recursos de apoio. Vários estudos defendem a utilização destes fatores de resiliência como medida estratégica para potenciar a resiliência (Labrague & De Los Santos, 2020; Silva et al., 2020; Teixeira et al., 2021; Yoruk & Guler, 2021).
Os resultados indicam que as enfermeiras apresentam valores médios de resiliência mais elevados que os enfermeiros. Alto valor de resiliência nas enfermeiras pode ser explicado pelo facto de estas desempenharem vários papéis sociais e assumirem muitas vezes diferentes funções a nível profissional (Adriano et al., 2017). Dado contraditório aos resultados deste estudo surge num estudo realizado por Huang et al. (2020), durante a pandemia em que ficou demonstrado que as enfermeiras apresentam menor nível de resiliência do que os enfermeiros. Segundo os autores, a razão pode estar nas diferenças entre os géneros e nas suas perspetivas e forma de encarar os problemas. As mulheres são mais sensíveis e a sua capacidade anti stresse é mais fraca tornando-se inadequada para a adaptabilidade psicológica e desenvolvimento da resiliência. Parece-nos que serão necessários mais estudos para clarificar as diferenças de género nos profissionais de enfermagem relativamente à resiliência.
A idade não demonstrou influência na resiliência dos enfermeiros e este resultado corrobora os achados de outros estudos (Lorente et al., 2021; Manzanares et al., 2021; Yoruk & Guler, 2020; Zakeri et al., 2021). No entanto, estudos revelam que quanto maior a idade maior será a resiliência. Este facto é justificado pelo aumento da capacidade de lidar e resolver problemas emocionais decorrentes das experiências de vida que se acumulam com a idade (Balay-odao et al., 2021; Silva et al., 2020).
A resiliência não se demonstrou influenciada pela situação conjugal dos enfermeiros o que talvez possa ser justificado pela distribuição da amostra nesta variável. Autores que abordaram a relação entre as variáveis anteriormente descritas concluíram que são os participantes solteiros que apresentam menores níveis de resiliência, pois são os que possuem maior stresse, evidenciando a sua dificuldade no confronto com as adversidades (Teixeira et al., 2021). No estudo de Manzanares et al. (2021) verificam que os profissionais solteiros são os que apresentam baixa resiliência, e os profissionais com filhos apresentam maior níveis de resiliência resultado da sua habilidade para a adaptação às diversas mudanças familiares.
Relativamente às variáveis profissionais, designadamente o tempo de serviço, não se encontrou relação com a resiliência dos enfermeiros. Existem estudos que comprovam que quanto maior forem os anos de serviço, maior será a experiência de cada profissional e, consequentemente mais alta será a resiliência. De facto, maior experiência profissional proporciona maior capacidade de gestão e resolução de problemas emocionais (Balay-odao et al., 2021; Li et al., 2021; Silva et al., 2020).
No presente estudo não se verificou associação significativa na relação entre o trabalho por turnos e a resiliência. Num estudo sobre stresse e resiliência realizado entre Portugal e Alemanha (Teixeira et al., 2021), os autores verificaram que na Alemanha os enfermeiros que trabalham por turnos apresentam menor resiliência. Este facto deve-se à rotatividade de turnos, quebras no ritmo circadiano, trabalhar em diferentes equipas e com diferentes doentes. No estudo realizado por Manzanares et al. (2021) verificaram que os enfermeiros que trabalham em turno fixo apresentam maior resiliência resultado da adaptabilidade às diversas situações no decorre do seu trabalho diário.
O facto de sentir ou não o seu contrato como seguro mostrou não estabelecer relação estatisticamente significativa com a resiliência. Na literatura existente é assegurado que os profissionais que possuem um contrato que lhes proporciona melhores condições de trabalho contribui para melhorar a resiliência dos mesmos (Vieira et al., 2022). Dado contraditório surge no estudo de Manzanares et al. (2021) ao afirmarem que os profissionais que possuem um contrato mais prolongado possuem menor possibilidade de desenvolverem a sua resiliência, pois são aqueles que mais apresentam stresse e consequentemente menos capacidade de confronto com as adversidades.
Conclusões
Após a análise dos dados foi possível concluir que os enfermeiros apresentam um valor médio global acima do valor médio da própria escala, demonstrando a sua constante evolução adaptativa, o que permite o aumento da sua resiliência. Os fatores de resiliência mais frequentes foram os Recursos Sociais e Coesão Familiar e os menos frequentes foram o Planeamento do Futuro e Estilo Estruturado. Assim sugere-se que os enfermeiros se apoiem em recursos mais centrados no afeto recorrendo aos familiares e amigos, em detrimento de recursos de planeamento e cumprimento de objetivos/rotinas. Concluímos que os enfermeiros do sexo feminino apresentam maiores níveis de resiliência comparativamente aos do sexo masculino. Não foi possível confirmar que os valores de resiliência variem com as restantes variáveis sociodemográficas e profissionais estudadas.
Os resultados deste estudo reforçam que a resiliência e os seus fatores são utilizados frente às adversidades, o que resulta num novo patamar de crescimento interno, garantindo que a resiliência é um processo de construção e reconstrução individual.
O estudo foi realizado apenas em um hospital e no mesmo clima organizacional, pelo que é pertinente a exploração da prevalência de fatores de resiliência nos enfermeiros em diferentes contextos de trabalho e clima organizacionais para que seja possível uma melhor compreensão do impacto na saúde mental dos mesmos. A recolha de dados foi realizada num momento único, através de um questionário, o que poderá ter sido limitativo, sendo que a comparação dos resultados por repetição poderia ter alargado as conclusões entre as variáveis em estudo. A amostra de pequenas dimensões poderá ter impedido a generalização dos dados. A significância de alguns resultados permitiu formular hipóteses que poderão ser verificadas numa investigação posterior e de maior dimensão.
Implicações para a prática clínica
A avaliação dos níveis e fatores de resiliência nos enfermeiros demonstra a necessidade de fomentar estratégias promotoras de saúde mental nestes profissionais de saúde. É importante a implementação de estratégias específicas e programas de promoção de resiliência, individuais e organizacionais, visando o crescimento de recursos internos dos enfermeiros. Estratégias como o fortalecimento do trabalho em equipa, o apoio da instituição e dos supervisores, a criação de grupos de apoio, equipas de trabalho mais homogéneas em termos de conhecimentos e a melhoria de condições de segurança no trabalho tornam-se fundamentais para o desenvolvimento individual no exercício profissional.
Torna-se imperativo que este grupo profissional desenvolva a sua resiliência com vista à melhoria das práticas e cuidados, da segurança dos doentes e dos enfermeiros e dos ganhos em saúde.