Introdução
O sono é uma das necessidades primordiais do ser humano, tendo como papel fundamental relaxar e restabelecer o organismo para um novo ciclo, tornando-se uma atividade tranquilizadora para a continuidade da qualidade de vida (Miranda & Passos, 2020). A sua redução pode ter um efeito negativo no funcionamento do indivíduo. Com a crescente modernização das sociedades, associada a ritmos de vida acelerados, o sono está a tornar-se uma importante questão de saúde pública (Dong et al., 2020).
O trabalho por turnos é distribuído pelas 24 horas do dia, através de turnos fixos ou rotativos, ambos os turnos demonstraram afetar a saúde e a qualidade de vida dos profissionais devido à dessincronização dos ritmos circadianos. Os fatores que afetam estes ritmos envolvem diversos estímulos externos, como a luz, a atividade física, o comportamento alimentar, o padrão de sono e os estímulos sociais. Além dos prejuízos a nível fisiológico, também podem existir consequências comportamentais e psicológicas da exposição ao trabalho por turnos (Chiang et al., 2022). Neste sentido, as consequências para a saúde e o bem-estar dos enfermeiros que trabalham por turnos são diversas, entre elas: distúrbios gastrointestinais e do sono, stress, insatisfação pessoal no trabalho e deterioração das relações sociais e familiares. O sono diurno não possui as mesmas características restauradoras do sono noturno, trabalhar por turnos afeta a Qualidade de Sono (QS) de forma negativa quando comparado ao trabalho diurno (Roman et al., 2023).
Desequilíbrios no padrão do sono levam à sonolência e podem afetar a função cognitiva, o estado de alerta e o desempenho no trabalho. Uma má QS pode ainda potenciar a irritabilidade e o stress. A privação do sono proporciona o desenvolvimento de perturbações metabólicas, endócrinas, doenças coronárias e perturbações do foro psiquiátrico (Dong et al., 2020; Wu et al., 2022; Wangsan et al., 2022). Curtos períodos de tempo entre os turnos e mudanças frequentes de horários, podem repercutir-se em distúrbios do sono. Há um impacto negativo do trabalho por turnos na saúde dos enfermeiros, como na quantidade e QS (Kang et al., 2020). A privação de sono pode agravar as condições de saúde física e mental dos enfermeiros que trabalham no Serviço de Urgência (Deng et al., 2020). Os distúrbios do sono promovem a insatisfação no trabalho, um fraco desempenho, uma baixa produtividade e reduzem a qualidade dos cuidados prestados e a segurança do enfermeiro e do doente. O cansaço, a redução da motivação e a mudança de humor são complicações físicas e mentais da alteração do padrão de sono (Najafzadeh et al., 2023).
Deste modo, pretende-se analisar a QS dos enfermeiros que trabalham no Serviço de Urgência (SU) num Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal. Assim, para o desenvolvimento desta pesquisa, foram formuladas as seguintes questões de investigação: Qual a QS dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal? Qual a relação entre a QS e o trabalho por turnos dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal?
Com base nestas questões, delineamos o objetivo geral: Analisar a QS de enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região do Norte de Portugal e a sua relação com o trabalho por turnos. Decorrente do objetivo geral definimos os objetivos específicos: i) Analisar se existe relação entre as características sociodemográficas e profissionais e a QS de enfermeiros que trabalham por turnos no SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal; ii) Identificar se existe relação entre o trabalho por turnos de enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal e a QS.
A partir das questões de investigação e dos objetivos delineados, formulámos as hipóteses de estudo:
H1 - Existe relação entre as características sociodemográficas dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal e a QS;
H2 - Existe relação entre as características profissionais dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal e a QS;
H3- Existe relação entre a QS e o regime de trabalho por turnos dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo-correlacional, transversal e de abordagem quantitativa. A população alvo foi constituída por 60 enfermeiros do SU, a exercer funções no período de outubro a novembro de 2021. Definiram-se critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão: i) Enfermeiros a exercer funções no SU; ii) Enfermeiros na prestação direta de cuidados de enfermagem, no período da recolha de dados. Como critérios de exclusão: i) Enfermeiros que não preencheram metade do instrumento de recolha de dados; ii) Enfermeiros que não se encontravam em funções durante o período de recolha de dados. Amostra coincidente com a população e foi de conveniência.
O instrumento de recolha de dados é constituído por duas partes: uma primeira parte com variáveis sociodemográficas (idade, sexo, estado civil e filhos) e profissionais (habilitações académicas, categoria profissional, formação profissional, tempo de exercício profissional em enfermagem, tempo de exercício profissional em funções no atual serviço, horário por turnos, turno noturno e acumulação de funções) e, uma segunda parte com o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (IQSP) (Buysse et al., 1989), cuja versão portuguesa foi validada por João et al. (2017).
O IQSP avalia a QS no período de um mês. Constituído por 19 questões de autopreenchimento e avalia sete componentes: i) Qualidade de sono; ii) Latência do sono; iii) Duração do sono; iv) Eficiência habitual do sono; v) Distúrbios do sono; vi) Uso de medicação para dormir; vii) Sonolência diurna. O somatório destes sete componentes gera uma pontuação global, que pode variar entre 0 e 21 pontos, em que uma pontuação < 5 significa boa QS e > 5 significa má QS. Uma pontuação global da IQSP maior que cinco indica grandes dificuldades em pelo menos dois componentes ou uma dificuldade moderada em três componentes (Buysse et al., 1989).
A recolha de dados decorreu entre outubro e novembro de 2021. Foram considerados os aspetos éticos inerentes a qualquer investigação científica. Pediu-se autorização para utilização do instrumento de recolha de dados e aos diretores de serviço para aplicação do instrumento. Os participantes foram informados dos objetivos da investigação, solicitamos o consentimento informado e informamos acerca da garantia do anonimato e confidencialidade das informações. O estudo obteve o parecer favorável da comissão de ética da instituição onde decorreu, parecer nº 3869.
O tratamento de dados foi feito com recurso ao IBM® - Statistical Package for the Social Sciences (IBM®-SPSS®) versão 27.0. Para o tratamento de dados recorreu-se à estatística descritiva, o cálculo das frequências absolutas e relativas de todas as variáveis e da média, desvio padrão, mínimo e máximo para as variáveis escalares.
Uma vez que a amostra tem mais de 50 observações, limite habitualmente apontado para a utilização do teste Kolmogorof-Smirnov ou o teste de Shapiro-Wilk, optou-se pelo primeiro. Estes testes têm como hipótese nula que os dados foram extraídos de uma população com uma distribuição normal. A observação gráfica da distribuição foi essencialmente confirmatória da decisão baseada no teste de Kolmogorof-Smirnov. Nas variáveis com distribuição normal utilizaram-se os testes paramétricos: o teste T-student quando a variável independente tinha duas categorias, ou análise de variância quando tinha três ou mais categorias. No caso das variáveis com distribuição não normal utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Na análise estatística, o nível de significância considerado foi de 5%.
Resultados
Caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes:
A amostra foi constituída por 60 enfermeiros, maioritariamente do sexo feminino (68,3%), com idade entre os 31 e os 40 anos (61,7%) e sem filhos (53,3%). Relativamente às habilitações académicas e categoria profissional, 78,3% possui uma licenciatura e, 63,3% é enfermeiro de cuidados gerais. No que se refere ao tempo de exercício da profissão verificamos valor percentual idêntico (30,0%) para os enfermeiros com tempos entre os 6-10 anos, 11-15 anos e >15 anos. Quanto ao tempo de exercício profissional no SU a maioria (55,0%) exerce entre 0-5 anos. Trabalham em horário de turnos e fazem turnos noturnos (86,7%), dos quais com número de turnos noturnos por semana ≤ 2 (82,7%).
Qualidade do sono avaliada pela IQSP:
No que se refere às estatísticas relativas à QS, no total dos participantes, obtiveram-se valores entre 2 e 17 ( x̅= 9,20; σ=4,19). Verificou-se uma média mais elevada para a “Latência do sono” (x̅=1,68; σ=0,98), seguindo-se a “Qualidade subjetiva do sono” (x̅=1,63; σ=0,78) e “Duração do sono” (x̅=1,60; σ=1,06) (Tabela 1).
Componente | x̅ | σ | Mín | Máx |
1 - Qualidade subjetiva do sono | 1.63 | 0.78 | 0 | 3 |
2 - Latência do sono | 1.68 | 0.98 | 0 | 3 |
3 - Duração do sono | 1.60 | 1.06 | 0 | 3 |
4 - Eficiência habitual do sono | 0.85 | 1.18 | 0 | 3 |
5 - Perturbações do sono | 1.38 | 0.49 | 1 | 2 |
6 - Uso de medicação hipnótica | 0.58 | 0.96 | 0 | 3 |
7 - Disfunção diurna | 1.48 | 0.65 | 0 | 3 |
Total | 9.20 | 4.19 | 2 | 17 |
Legenda: x̅ - Média; σ - Desvio padrão; Máx. - Máximo; Mín. - Mínimo. Fonte: Elaborada pelos Autores
Tendo em consideração que os autores da escala propõem que uma boa QS deve ter uma pontuação máxima que não ultrapasse os cinco valores, constatou-se que a maioria dos participantes (80%) apresentou um valor >5, correspondente a uma má QS e 20% um valor <5, correspondente a boa QS.
Relativamente à análise estatística inferencial das hipóteses em estudo, no que se refere às características sociodemográficas dos participantes não existe relação entre elas e a QS, não se verificou diferenças estatisticamente significativas (p>0,05), o que levou à não aceitação da H1. Os participantes do sexo feminino apresentaram má QS (x̅=9,49; σ=4,22), comparativamente aos do sexo masculino. Os participantes com idade entre os 31-40 anos revelaram má QS (x̅=9,51; σ=4,23), assim como os solteiros/divorciados (x̅=9,65; σ=4,82) e os participantes sem filhos (x̅=10,03; σ=4,34). Dos participantes com filhos, revelaram má QS os que têm um filho (x̅=8,73; σ=4,28), entre os quais, sobressaem aqueles cujos filhos não são menores (x̅=9,29; σ=4,72). Os participantes com habilitação académica de licenciado são os que referiram uma má QS (x̅=9,30; σ=4,10) (Tabela 2).
Variáveis sociodemográficas | x̅ | σ | MD | Mín. | Máx. | Estatística de teste1 | p |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||||
Feminino | 9.49 | 4.22 | 10.00 | 2.00 | 17.00 | 0.779 | 0.439 |
Masculino | 8.58 | 4.17 | 7.00 | 3.00 | 17.00 | ||
Idade | |||||||
20-30 anos | 7.38 | 3.07 | 6.50 | 3.00 | 12.00 | 0.876 | 0.422 |
31-40 anos | 9.51 | 4.23 | 10.00 | 2.00 | 17.00 | ||
>40 anos | 9.40 | 4.60 | 9.00 | 3.00 | 17.00 | ||
Estado civil | |||||||
Solteiro/divorciado | 9.65 | 4.82 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | 0.705 | 0.485 |
Casado/União de facto | 8.85 | 3.67 | 9.00 | 2.00 | 16.00 | ||
Tem filhos | |||||||
Sim | 8.25 | 3.87 | 7.50 | 2.00 | 17.00 | -1.668 | 0.101 |
Não | 10.03 | 4.34 | 11.00 | 2.00 | 17.00 | ||
Número de filhos | |||||||
1 | 8.73 | 4.28 | 9.00 | 3.00 | 17.00 | 0.702 | 0.489 |
≥ 2 | 7.69 | 3.43 | 7.00 | 2.00 | 14.00 | ||
Filhos menores | |||||||
Sim | 7.90 | 3.62 | 7.00 | 2.00 | 14.00 | -0.812 | 0.424 |
Não | 9.29 | 4.72 | 10.00 | 3.00 | 17.00 | ||
Habilitações académicas | |||||||
Licenciatura | 9.30 | 4.10 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | 0.341 | 0.734 |
Mestrado | 8.85 | 4.65 | 8.00 | 2.00 | 16.00 |
Legenda: x̅- Média; σ - Desvio Padrão; MD - Mediana; Mín. - Mínimo; Máx. - Máximo; 1 z de Mann-Whitney - Variáveis com distribuição não normal; T de Student - Variáveis com distribuição normal; p - Probabilidade de Significância. Fonte: Elaborada pelos Autores
Relativamente às características profissionais verificou-se que existiram diferenças estatisticamente significativas na categoria profissional (p<0,05), sendo na categoria de enfermeiro de cuidados gerais, os que percecionaram uma má QS (x̅=10,08; σ=3,85). Verificou-se que os participantes com uma perceção de má QS foram os que possuíam tempo de serviço entre os 6-10 anos (x̅=10,6; σ=3,21), com tempo de exercício de funções no atual serviço entre 0-5 anos (x̅=9,45; σ=3,83), com regime de horário fixo (x̅=9,50; σ=3,74), que fazem turnos noturnos (x̅=9,24; σ=4,29), com o número de turnos noturnos por semana ≤2 (x̅=9,40; σ=4,41) e que não acumulam funções noutra instituição (x̅=9,45; σ=3,81). Mediante os resultados, aceita-se a H2 para a variável categoria profissional (Tabela 3).
Variável profissional | x̅ | σ | MD | Mín. | Máx. | Estatística de teste1 | p |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Categoria profissional | |||||||
Enfermeiro cuidados gerais | 10.08 | 3.85 | 11.00 | 2.00 | 17.00 | -2.239 | 0.025 |
Enfermeiro especialista | 7.68 | 4.40 | 6.50 | 2.00 | 17.00 | ||
Tempo de serviço (anos) | |||||||
0-5 | 7.83 | 3.82 | 7.50 | 3.00 | 13.00 | 0.511 | 0.676 |
6-10 | 10.06 | 3.21 | 10.50 | 6.00 | 17.00 | ||
11-15 | 9.22 | 4.95 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | ||
> 15 | 8.78 | 4.49 | 7.50 | 3.00 | 17.00 | ||
Tempo de exercício de funções no atual serviço | |||||||
0-5 | 9.45 | 3.83 | 9.00 | 3.00 | 17.00 | 0.180 | 0.835 |
6-15 | 8.64 | 4.86 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | ||
> 15 | 9.15 | 4.60 | 8.00 | 3.00 | 17.00 | ||
Regime de trabalho | |||||||
Turnos | 9.15 | 4.29 | 8.50 | 2.00 | 17.00 | 0.229 | 0.819 |
Horário fixo | 9.50 | 3.74 | 9.50 | 4.00 | 17.00 | ||
Faz turnos noturnos | |||||||
Sim | 9.24 | 4.29 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | -0.197 | 0.844 |
Não | 9.00 | 3.81 | 9.00 | 4.00 | 17.00 | ||
Número de turnos noturnos por semana | |||||||
≤ 2 | 9.40 | 4.41 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | 0.111 | 0.912 |
> 2 | 9.22 | 4.74 | 7.00 | 3.00 | 15.00 | ||
Acumulação funções noutra instituição | |||||||
Sim | 8.77 | 4.84 | 7.00 | 2.00 | 17.00 | -0.598 | 0.552 |
Não | 9.45 | 3.81 | 9.50 | 3.00 | 17.00 |
Legenda: x̅ - Média; σ - Desvio Padrão; MD - Mediana; Mín. - Mínimo; Máx. - Máximo; 1 z de Mann-Whitney - Variáveis com distribuição não normal; T de Student - Variáveis com distribuição normal; p - Probabilidade de Significância. Fonte: Elaborada pelos Autores
Constatou-se que o regime de trabalho, o fazer turnos noturnos e o número de turnos por semana não têm relação com a QS dos participantes (p>0,05). Numa análise por valores médios, obtiveram-se valores mais elevados para os participantes que praticam horário fixo (x̅=9,50; σ=3,74), para os que fazem turnos noturnos (x̅=9,24; σ=4,29) e os que têm um número de turnos noturnos por semana ≤2 (x̅=9,40; σ=4,41), sugerindo que são estes os participantes com menor QS (Tabela 4).
Variável profissional | x̅ | σ | MD | Mín. | Máx. | Estatística de teste1 | p |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Regime de trabalho | |||||||
Turnos | 9.15 | 4.29 | 8.50 | 2.00 | 17.00 | 0.229 | 0.819 |
Horário fixo | 9.50 | 3.74 | 9.50 | 4.00 | 17.00 | ||
Faz turnos noturnos | |||||||
Sim | 9.24 | 4.29 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | -0.197 | 0.844 |
Não | 9.00 | 3.81 | 9.00 | 4.00 | 17.00 | ||
Número de turnos noturnos por semana | |||||||
≤ 2 | 9.40 | 4.41 | 9.00 | 2.00 | 17.00 | 0.111 | 0.912 |
> 2 | 9.22 | 4.74 | 7.00 | 3.00 | 15.00 |
Legenda: x̅ - Média; σ - Desvio Padrão; MD - Mediana; Mín. - Mínimo; Máx. - Máximo; 1 z de Mann-Whitney - variáveis com distribuição não normal; T de Student - variáveis com distribuição normal; p - Probabilidade de Significância. Fonte: Elaborada pelos Autores
Discussão
Do ponto de vista sociodemográfico e profissional, os participantes são maioritariamente do sexo feminino (68,3%), corroborando os dados nacionais, segundo a Ordem dos Enfermeiros (OE) (2022), 82.52% dos enfermeiros são do sexo feminino. Apresentam idades entre 31-40 anos (61,7%) o que segue a tendência do grupo etário mais representativo a exercer funções em Portugal (OE, 2020). Maioritariamente, os participantes são enfermeiros licenciados (78,3%), dados corroborados por Rodrigues (2021) e Najafzadeh et al. (2023). Referente à categoria profissional 63,3% são enfermeiros de cuidados gerais. De acordo com o anuário estatístico da OE (2022) 77,2% dos enfermeiros portugueses são licenciados em enfermagem e 71,14% são enfermeiros de cuidados gerais, o que vai ao encontro do nosso resultado. A maioria dos participantes têm um regime de trabalho por turnos noturnos (86,7%), e (82,7%) realiza ≤2 turnos noturnos por semana. Dada a natureza do SU, com a necessidade permanente de enfermeiros para fazer face à procura em momentos imprevisíveis, as evidências mostram que o número de enfermeiros a fazer turnos noturnos é habitualmente elevado (Stimpfel et al., 2020).
Relativamente à QS verificamos uma média mais elevada para a “Latência do sono”, seguindo-se a “Qualidade subjetiva do sono” e “Duração do sono”. Huang et al. (2021) no seu estudo obtiveram pontuações mais elevadas na “Qualidade subjetiva do sono” e na “Latência do sono” o que vai ao encontro dos dados obtidos no nosso estudo, mas não observaram diferenças estatisticamente significativas na “Duração do sono”. Estes resultados sugerem que 80% dos participantes, relatam que demoram a adormecer e apresentam um sono mais curto, o que levou os participantes a percecionarem-se com má QS. Estes resultados estão em conformidade com as evidências do estudo de Miranda et al. (2020) e Kang et al. (2020), que demonstram que os enfermeiros que exercem funções num SU apresentam má QS, justificada pelo: excesso de trabalho, disparidade de rácio enfermeiro/doente, sobrelotação do SU, turnos noturnos e ter de lidar com situações de urgência/emergência. Tudo isto, resulta em exaustão emocional e física, que acaba por ter um efeito dicotómico, ou seja, quanto mais cansaço menor é a QS e quanto menor for a QS, mais exaustão os enfermeiros sentem, o que pode repercutir-se nos cuidados prestados à pessoa em situação crítica e nas relações com a equipa multiprofissional. No estudo de Dong et al. (2020) cerca de 76,3% dos enfermeiros enfrentam problemas sérios de sono repercutindo-se em uma má QS. Os mesmos autores referem que a má QS está associada à carga de trabalho, turnos noturnos e stress, à elevada pressão psicológica e à insegurança. Também Najafzadeh et al. 2023, verificaram que 63,3% apresentaram má QS.
No que concerne à H1, através da qual se pretendeu identificar se existia relação entre as características sociodemográficas dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal e a sua QS, verificamos que não existiram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05), o que levou à não aceitação da hipótese. No entanto, a QS dos participantes do sexo feminino é menor comparativamente ao sexo masculino. Estes resultados poderão ser justificados com o facto de os participantes serem predominantemente do sexo feminino, uma vez que, a prevalência de mulheres na profissão de enfermagem é confirmada por vários estudos (Hu et al., 2020; Rodrigues, 2021). Dong et al. (2020) no seu estudo, observaram que os participantes eram maioritariamente do sexo feminino e apresentaram uma menor QS, o que esta de encontro com os nossos resultados. No estudo realizado por Khatony et al. (2020), 77,4% dos participantes tinham uma má QS, com destaque para o sexo feminino, com sintomas de latência de sono e insónia. Os mesmos autores referem que, os enfermeiros do SU prestam cuidados a doentes em situação crítica e de grande complexidade, o que pode levar a ritmos de trabalho com elevada tensão emocional e mental, que os predispõe a uma menor QS, sugerindo que, os fatores que influenciam a QS destes profissionais de saúde podem diferir dos que trabalham em outros serviços. Urzal et al. (2021), no estudo que realizaram com profissionais de saúde a exercerem funções em hospitais portugueses, tendo incluído os profissionais do SU, verificaram que são os enfermeiros do sexo feminino com maior probabilidade de desenvolver níveis elevados de stress, resultando numa má QS.
Quanto à H2, através da qual se pretendeu identificar se existia relação entre as características profissionais dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal e a sua QS, verificamos que existiram diferenças estatisticamente significativas na categoria profissional, sendo os enfermeiros de cuidados gerais os que percecionaram como má a sua QS (p<0,05), o que levou à aceitação da mesma. Suleiman et al. (2019) no estudo que realizaram, os participantes percecionaram-se com um sono fraco, 7,9% tiveram pontuações no IQSP <5 que indicam boa QS, e 82,1% tiveram pontuações ≥5 que indicam má QS. Também não verificaram diferenças estatisticamente significativas em relação às outras variáveis profissionais. Estes resultados demonstram que há alterações na QS dos enfermeiros que trabalham no SU, evidenciando uma má QS, os nossos resultados vêm corroborar o estudo referido. No estudo de Wangsan et al. (2022) constaram que os enfermeiros apresentaram elevada prevalência de má QS (75,9%), verificaram diferenças estatisticamente significativas na experiência profissional, sendo os menos experientes os que percecionam menor QS. Também, Wu et al. (2022) observaram que 62,27% dos enfermeiros apresentaram má QS.
Em relação à H3, onde se procurou identificar se existe relação entre a QS e o regime de trabalho dos enfermeiros do SU de um Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal, os resultados demonstram que, o regime de trabalho, o fazer turnos noturnos e o número de turnos noturnos por semana não se relacionam com a QS dos participantes (p>0,05). Porém, os participantes que têm horário fixo, os que fazem turnos noturnos e os que tem um número de turnos noturnos por semana ≤2, percecionaram-se com má QS. Tais resultados corroboram o estudo de Dong et al. (2022), estes verificaram que, os enfermeiros que fazem turnos noturnos referem má QS. Esta má QS pode ser associada ao facto de o sono diurno não ser tão revigorante, decorrente ao ambiente ruidoso e da presença de luz diurna. Nesse mesmo estudo, os enfermeiros que realizavam mais turnos noturnos (>7) apresentaram menor QS, o que é contrariado pelos nossos resultados.
As limitações deste estudo estão associadas a uma amostra de dimensões reduzidas e ser um estudo transversal o que impossibilita a extrapolação dos resultados. Consideramos a realização de um estudo longitudinal, numa amostra maior e em diferentes contextos de SU.
Conclusão
Do total dos participantes, 80% dos enfermeiros percecionou a sua QS como má, cuja a média mais elevada foi verificada para a “Latência do sono”, seguindo-se a “Qualidade subjetiva do sono” e “Duração do sono”.
Não existiram diferenças estatisticamente significativas entre as características sociodemográficas dos participantes estudados e a sua QS, os enfermeiros do sexo feminino apresentaram uma má QS comparativamente aos do sexo masculino. Pese embora, apenas existam diferenças estatisticamente significativas na categoria profissional, os participantes com a categoria profissional de enfermeiro de cuidados gerais apresentaram uma má QS. Também os participantes com horário fixo, os que fazem turnos noturnos e os que tem um número de turnos noturnos por semana ≤2, percecionaram má QS.
Implicações para a prática clínica
A integração da prática baseada na evidência no quotidiano profissional dos enfermeiros, no caso concreto em contexto de SU, tem o potencial de melhorar o ambiente da prática, bem como os resultados dos cuidados à pessoa em situação crítica. É essencial que os enfermeiros construam o seu corpus de conhecimentos, normalizem a prática e melhorem os resultados das suas intervenções. Assim sendo, este trabalho de investigação contribui para o enriquecimento da Ciência da Enfermagem, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho por turnos e à QS de enfermeiros de um SU.
A maioria dos participantes do estudo apresentam uma má QS. Por este motivo, é necessário intervir a nível individual, para que sejam adotadas medidas que visem melhorar a QS dos enfermeiros. Importa ainda, sensibilizar a adoção de estratégias adequadas de higiene do sono, com a promoção de hábitos de vida saudáveis, tendo em vista melhorar a qualidade de vida, o que se traduz num benefício nos cuidados de saúde prestados à pessoa em situação crítica. Na literatura atual, a prevenção do impacto negativo da má QS, surge também a nível institucional, com o desenvolvimento de políticas específicas para apoiar a salubridade do sono. Uma monitorização cuidada das horas de trabalho efetivo e do número de turnos noturnos é uma das estratégias mais básicas para evitar situação de disrupção dos ciclos circadianos.