Introdução
A felicidade é um termo utilizado comumente no dia-a-dia, mas o seu conceito é intrincado e subjetivo, variando de pessoa para pessoa (Pais-Ribeiro, 2012). A complexidade deste conceito prende-se com a dificuldade de identificar os fatores ou as causas que concorrem para ele, sendo para algumas pessoas fatores mais pessoais, como o bem-estar psicológico, a autoestima, entre outros, e, para outras pessoas, fatores mais externos, como o tipo de emprego, o nível financeiro, entre outros (Figueiras et al., 2021).
Apesar da complexidade associada ao conceito de felicidade, podemos referir que, de forma geral, diz respeito ao grau em que a pessoa examina a sua vida de forma positiva ou negativa e o quão está satisfeita com ela (Pais-Ribeiro, 2012), refere-se a um sentimento relativamente duradouro, experimentado de forma contínua ao longo do tempo (Chakhssi et al, 2018).
Neste sentido, ser feliz está intrinsecamente ligado à satisfação com a vida, à alegria, ao prazer, ao contentamento e ao bem-estar subjetivo (Jalloh et al., 2014 e Chakhssi et al, 2018), sendo um dos pilares fundamentais da qualidade de vida em todas as faixas etárias. A felicidade está relacionada com a manutenção de uma autoimagem positiva, de uma autoestima elevada e de uma perspetiva otimista em relação à vida, contribuindo para a melhoria do desempenho académico e profissional, além de contribuir de forma significativa para a saúde mental global (Figueiras et al., 2021 e Chakhssi et al, 2018).
A felicidade é um dos conceitos mais importantes no campo da saúde mental, definida como uma sensação agradável que inclui emoções positivas como alegria, paz, envolvimento e entusiasmo pela vida. Ela envolve não apenas o experimentar de emoções positivas, mas também a perceção de que a vida é significativa e valiosa. Assim, a felicidade possui uma importante dimensão de perceção pessoal, onde o indivíduo reconhece e valoriza a sua própria existência e experiências. Este estado de bem-estar mental é essencial para a saúde emocional e psicológica, influenciando diretamente a qualidade de vida e as relações interpessoais (Moghaddam et al., 2022).
Cada vez mais, a felicidade tem sido objeto de estudo e preocupação a nível internacional, inclusivamente, a Organização das Nações Unidas (ONU), reconhece a importância da felicidade e do bem-estar como objetivos universais e aspirações das pessoas em todo o mundo, sendo uma medida essencial do progresso humano e uma meta fundamental para o desenvolvimento global, orientando os governos de todo a mundo a implementar medidas que contribuam para estas variáveis. Desde 2012, anualmente, é apresentado um Relatório Mundial da Felicidade, onde se demonstra que os países mais desenvolvidos têm uma tendência para maiores níveis de felicidade (ONU, 2024).
Por outro lado, a infelicidade ou a falta de felicidade pode impactar negativamente a saúde mental da pessoa e, por conseguinte, prejudicar o seu desempenho em diversos aspetos da vida, incluindo a família, o trabalho, as relações sociais, a vida académica, entre outros (Galvão et al., 2019).
A felicidade pode ser influenciada por aspetos culturais ou por fatores ambientais. O ambiente nas instituições de ensino superior, por exemplo, pode ter um impacto significativo na perceção de felicidade dos estudantes (Yoo & Kim, 2019). Os jovens adultos que entram no ensino superior enfrentam uma transição que, muitas vezes, os leva a lidar com emoções negativas, stress, ansiedade e outros desafios, com impacto na sua vida (Nogueira, 2017). Esta fase de adaptação é um processo multidimensional e complexo (Candeias et al., 2019), que pode comprometer a felicidade destes jovens, acarretando prejuízo para a sua saúde mental.
Portanto, é fundamental estudar a felicidade neste grupo, pois um ambiente acadêmico positivo pode promover bem-estar, satisfação e um melhor desempenho académico. Compreender como esses fatores influenciam a felicidade dos estudantes pode ajudar a desenvolver estratégias e políticas que melhorem a sua qualidade de vida e o sucesso educacional (Yoo & Kim, 2019).
Neste contexto, o presente trabalho visa identificar o Nível de Felicidade de Estudantes de uma Instituição Privada de Ensino Superior de Saúde do Norte de Portugal e correlacionar o Nível de Felicidade dos Estudantes com as variáveis sociodemográficas.
Metodologia
Para o atingimento dos objetivos descritos realizou-se um estudo quantitativo, descritivo, correlacional e transversal. A amostragem foi por conveniência, sendo composta por 152 estudantes de uma Instituição Privada de Ensino Superior de Saúde do Norte de Portugal.
O instrumento de colheita de dados utilizado foi o questionário online, construído no google forms, composto por dados sociodemográficos (sexo, faixa etária, curso frequentado, ano curricular, estado civil, regime de frequência do curso e com quem reside) e pela Escala Subjetiva de Felicidade (Pais-Ribeiro, 2012). Esta escala engloba quatro itens, de autopreenchimento, em que duas das afirmações são dirigidas aos participantes, para se caracterizarem a si próprios em comparação com os seus pares e os outros dois itens consistem em descrições de felicidade e infelicidade. Cada um dos itens é avaliado com uma escala likert, que varia entre 1 e 7, sendo que o nível 1 representa um baixo nível de felicidade e o 7, um alto nível de felicidade (Pais-Ribeiro, 2012).
A colheita de dados decorreu entre janeiro e fevereiro de 2023. Sendo os estudantes informados sobre o estudo e incentivados a participar através do email institucional.
Os dados recolhidos foram processados através da versão 29.0 do software Statistical Package for the Social Sciences, sendo utilizada estatística descritiva, nomeadamente frequências relativa e absoluta, a média e o desvio padrão, para análise das características sociodemográfica dos participantes. Para identificar o nível de felicidade dos estudantes e para relacionar o nível de felicidade com as variáveis sociodemográficas foi utilizada estatística inferencial, como os dados recolhidos não seguiam uma distribuição normal, utilizou-se o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis. O nível de confiança foi estabelecido em 95% com um nível de significância de 5%.
O processo de investigação cumpriu todos os princípios éticos da investigação com seres humanos, todos os participantes receberam o consentimento informado e aceitaram participar no estudo. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da instituição onde decorreu (CE/IPSN/CESPU-35/22), bem como autorizado pela Direção de Escola.
Resultados e Discussão
A amostra é composta maioritariamente por pessoas do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 17 a 25 anos, estudantes de enfermagem, solteiros, a residirem com os pais/familiares, como consta na tabela 1.
O perfil sociodemográfico dos participantes coaduna-se com os dados oficias reconhecidos dos estudantes que frequentam o ensino superior português, principalmente no que diz respeito à idade de frequência do curso, ao sexo e ao estado civil (Martins et al., 2017 e OCDE, 2023).
Quanto aos resultados da aplicação da Escala Subjetiva de Felicidade (Pais-Ribeiro, 2012), verificou-se que a média de score dos participantes é 5. Na figura 1 está representado o nível de felicidade dos participantes.
Os estudantes apresentaram um nível de felicidade médio a alto, considerando-se por isso, maioritariamente felizes. Estes resultados convergem com os obtidos num estudo realizado em 2021, que utilizou como amostra 541 estudantes do ensino superior público e privado verificou-se que os participantes apresentaram bons níveis de felicidade, ainda que os estudantes do ensino superior público evidenciassem níveis de felicidade mais elevados que os do ensino privado (Figueiras et al., 2021). Em oposição a estes resultados, um estudo realizado em 2019 com 422 estudantes do ensino superior politécnico verificou que estes estudantes apresentavam níveis de felicidade baixos, bem como níveis aumentados de ansiedade, depressão e stress (Galvão et al., 2019).
Face a estes resultados, podemos extrapolar acerca da influência da pandemia de covid-19 na felicidade dos estudantes do ensino superior, visto que, dos dois estudos encontrados em Portugal acerca desta temática, o que foi realizado antes da pandemia descreve os estudantes como pouco felizes e mais ansiosos, depressivos e stressados, ao passo que, o realizado posteriormente, descreve o contrário. A fase de confinamento pode ter impactado de forma negativa a saúde mental destes estudantes, como alguns estudos demonstram (Silva et al., 2021), mas após o desconfinamento, com o regresso à vida académica regular, pode ter contribuído para um aumento dos níveis de felicidade.
Estes resultados também demonstram que a felicidade tem um impacto importante na saúde mental, em particular na saúde mental dos estudantes, pois a evidência aponta que a felicidade impacta noutras variáveis de saúde mental, particularmente, estudantes com menor nível de felicidade apresentam maiores níveis de stress, ansiedade e depressão (Galvão et al., 2019). A felicidade interfere significativamente e de forma positiva nas atitudes e em sentimentos de satisfação, valorização da vida e nas relações interpessoais (Frenham e Silva, 2021). A felicidade é cada vez mais reconhecida como um construto complementar importante na saúde mental (Pais-Ribeiro, 2012), sendo fundamental promover a sua procura e promover ambientes académicos felizes para promover a saúde mental dos estudantes.
Neste estudo foram identificadas algumas variáveis sociodemográficas dos participantes, nomeadamente, o sexo, a faixa etária, o curso, o ano curricular, o estado civil, o regime de frequência de curso e com quem vivem, que foram correlacionadas com o nível de felicidade dos estudantes, como pode ser analisado na tabela 2.
A análise da correlação entre as variáveis sociodemográficas e o nível de felicidade dos estudantes são contraditórios. No estudo atual, verificou-se que nenhuma das variáveis sociodemográficas avaliadas influenciam significativamente o nível de felicidade dos estudantes, corroborando os achados de Galvão et al. (2019). Este resultado pode ser atribuído à complexidade inerente do conceito de felicidade e aos múltiplos fatores que contribuem para o "ser feliz".
Contraditoriamente, um estudo mais antigo realizado no Brasil em 2012, com uma amostra de 388 estudantes do ensino superior, encontrou que as estudantes mulheres, mais velhas e que não vivem sós tendem a apresentar maiores scores de felicidade, bem-estar e satisfação com a vida (Coleta et al., 2012). Este estudo sugere que determinados grupos demográficos podem experimentar níveis diferenciados de felicidade, possivelmente devido a fatores culturais, sociais e contextuais específicos. A felicidade é uma construção multifacetada que abrange dimensões emocionais, sociais e psicológicas, dificultando a identificação de padrões claros quando se consideram apenas variáveis sociodemográficas isoladas.
Limitações do estudo
O estudo apresenta algumas limitações importantes que devem ser consideradas ao interpretar os resultados. Em primeiro lugar, foi utilizada uma amostra de conveniência, o que limita a capacidade de generalizar os resultados para outras populações e contextos. Além disso, a amostra foi composta exclusivamente por estudantes de uma única instituição privada de ensino superior de saúde localizada no Norte de Portugal. Essa escolha não representa a diversidade de estudantes de outras regiões ou de diferentes tipos de instituições, o que pode influenciar a aplicabilidade dos achados num contexto mais amplo.
Outra limitação significativa é o uso de dados autorreportados, recolhidos através de questionários online. Este método pode introduzir vieses, uma vez que os participantes podem responder de forma socialmente desejável ou não relatar com precisão as suas experiências e sentimentos. A ausência de controlo sobre outras variáveis que poderiam influenciar o nível de felicidade, como condições de saúde mental preexistentes, eventos de vida recentes e suporte social, também é uma limitação importante do estudo.
Adicionalmente, a recolha de dados ocorreu num período específico, de janeiro a fevereiro de 2023. Esse intervalo de tempo pode não captar variações sazonais ou eventos contextuais que poderiam impactar a felicidade dos estudantes. Portanto, essas limitações devem ser cuidadosamente consideradas ao interpretar os resultados e as implicações do estudo, destacando a necessidade de cautela ao generalizar os achados para outros contextos ou populações.
Conclusões
Apesar dos resultados apontarem para estudantes felizes, é importante monitorizar esta variável para detetar precocemente mudanças que possam conduzir a alterações na saúde mental e bem-estar dos estudantes, de forma a introduzir atempadamente medidas corretivas. A continuidade de estudos nesta área, que considerem uma abordagem multidimensional, é necessária para aprofundar a compreensão sobre como diferentes variáveis podem interagir e contribuir para a felicidade dos estudantes e para contribuir para a implementação de estratégias eficazes no ambiente académico.
Implicações para a prática clínica
Estudantes felizes e mentalmente saudáveis tendem a apresentar melhor desempenho académico e clínico. Os estudantes dos cursos de saúde e os profissionais de saúde que são felizes e bem ajustados emocionalmente são mais propensos a demonstrar empatia e compaixão na sua relação com os utentes.
A felicidade dos estudantes de ensino superior na área da saúde é um aspeto crucial que merece atenção. As instituições de ensino superior, os docentes, os familiares, os pares, entre outros, devem implementar estratégias para melhorar o bem-estar desses estudantes, visando não apenas o seu sucesso académico, mas também a sua futura prática clínica e a qualidade dos cuidados que executarão. Fomentar um ambiente académico saudável e fornecer suporte adequado pode levar a uma geração de profissionais mais empáticos, resilientes e eficazes.

















