Introdução
Ao longo das últimas décadas, o conceito de saúde, e por extensão o de saúde mental (SM) sofreu diversas redefinições. A visão tradicional que compreendia a saúde como uma simples ausência de doença ou de sintomas, uma perspetiva fortemente ancorada no modelo biomédico que privilegiava a patologia na abordagem da saúde e das doenças (Farre & Rapley, 2017; Gautam et al., 2024), foi substituída por uma perspetiva centrada sobretudo nos aspetos salutogénicos e promocionais da saúde e do bem-estar.
No caso específico do conceito de SM, três quartos de século separam a sua primeira definição, sob os auspícios da World Health Organization (WHO).
Em 1950 a WHO definiu-a como “uma condição, sujeita a flutuações devido a fatores biológicos e sociais, que permite ao indivíduo alcançar uma síntese satisfatória dos seus próprios impulsos instintivos, potencialmente conflitantes, e formar e manter relações harmoniosas com os outros; e participar de mudanças construtivas no seu ambiente social e físico” (WHO, 1950, p. 4). Esta contrasta com a definição comumente aceite, segundo a qual “a SM é parte integrante da nossa saúde e bem-estar (BE) geral (…). SM significa ser mais capaz de se relacionar, funcionar, lidar com as dificuldades e prosperar. A SM existe num complexo processo continuum, com experiências que englobam desde um estado ótimo de bem-estar até esta dos debilitantes de grande sofrimento e dor emocional” (WHO, 2022, p. 2).
A associação do conceito de BE à SM começa por surgir em finais da década de 1950 com o erigir a saúde mental positiva (SMP), impulsionado tanto pelo trabalho de Jahoda (1958), que se focou nos aspetos hedónicos do BE, quanto pelos estudos de Gurin et al. (1960), concentrados nos aspetos eudaimónico do BE. Contudo, foi apenas no último quarto do século XX que essa associação dos conceitos ganhou lugar de destaque, especialmente nos campos da medicina, sociologia e saúde pública (Gautam et al., 2024). Mais recentemente, o movimento da psicologia positiva também reforçou essa ligação (Farre & Rapley, 2017; Oman, 2021).
Neste contexto atual, SM e BE são considerados conceitos distintos, mas interdependentes. Esta perspetiva alinha-se com o modelo do duplo continuo da SM introduzido por Tudor (1996) e posteriormente desenvolvimento por Keyes (2005). Esta perspetiva contrasta fortemente com o modelo unidimensional que vê a saúde e a doença como variando em polos opostos de um único espetro. Neste caso a SM surge num oposto (enquadrando o BE) e a doença mental (DM) no outro oposto (enquadrando o mal-estar) (Scutt et al., 2023). Podemos, assim, afirmar que SM e a DM são extremos de uma mesma dimensão.
No caso do modelo do duplo contínuo, SM (e DM) e o BE funcionam em dois contínuos separados, mas interrelacionados (Franken et al., 2018). Este modelo está alicerçado no conceito mais vasto de saúde mental positiva (Westerhof & Keyes, 2009). O BE resulta de uma combinação de três componentes, nomeadamente o BE emocional, psicológico e social (Keyes, 2002; 2005).
Tal como se pode observar da Figura 1, o modelo considera que o indivíduo está em flourishing quando combina um elevado nível de BE subjetivo, e ótimo funcionamento psicológico e social, associado a dificuldades mínimas de SM. Por oposição o indivíduo está em languishing quando apresenta baixos níveis em cada uma das componentes referidas e apresenta dificuldades de SM. Quando não se está num estado de flourishing ou languishing, aponta-se para o estado de SM “moderada”.
Em termos práticos, uma das consequências deste modo de pensar a SM e o BE, prende-se com a necessidade de medir em simultâneo o BE e o sofrimento psicológico, pois ambos contribuem para a SM geral.
Nesta concepção, por exemplo, os indivíduos podem apresentar elevados níveis de BE na presença de DM e vice-versa. Como DM e BE são dimensões independentes, a SM não se apresenta como oposta à DM. É, pois, possível sofrer de um problema de SM e apresentar níveis elevados de BE, tal como é possível apresentar reduzidos níveis de BE sem apresentar sintomatologia significativa e indicadora de um problema de SM.
A validade do modelo tem sido alvo de revisões sistemáticas da literatura (Lasiello et al., 2020; Magalhães, 2024), e por um corpo consistente de investigação produzida nos mais diversos contextos (Stephens et al., 2023). Do conjunto de metodologias para a sua validação podem destacar-se análises fatoriais confirmatórias, da análise de perfis latentes, estudos longitudinais, entre outros.
Neste estudo procuramos validar o modelo através da testagem de dois critérios (Stephens et al., 2023):
a) Confirmação da existência de construtos independentes;
Neste caso procuramos validar o pressuposto de que a presença de BE não reflete simplesmente a ausência de sintomas de sofrimento psicológico. Assim, os conceitos de SM e BE são definíveis de modo independente. Isto pode ser visível, por exemplo em grupos em que existe sofrimento psicológico (sintomas de DM) e, simultaneamente, elevado BE, tal como proposto por Keyes (2002).
b) Desconfirmação da bipolaridade.
Enquanto no primeiro caso a existência de independência dos conceitos não contradiz a possibilidade da DM e BE assentarem numa visão unidimensional bipolarizada, neste caso procura-se verificar se o sofrimento psicológico e o BE existem nas extremidades de um único continuum. Avalia-se o padrão de BE em diferentes graus de sofrimento psicológico. Por outras palavras, não se espera que o bem-estar mental diminua a cada aumento da severidade dos sintomas.
O objetivo deste estudo é, pois, testar o modelo de duplo contínuo ao nível da independência dos conceitos e a desconfirmação da bipolaridade.
Metodologia
O presente estudo é de natureza quantitativa, seguindo um desenho descritivo-correlacional.
Neste estudo procedemos à testagem de duas hipóteses:
H1: prevê-se a existência de uma associação entre o BE e a severidade dos sintomas de depressão, ansiedade e stress;
H2: O BE difere em função dos níveis de depressão, ansiedade e stress.
A amostra deste estudo, foi selecionada de modo aleatório simples com recurso ao https://www.randomizer.org/. A partir dos estudantes (n= 295) que ingressaram no 1.º ano numa instituição de ensino superior da região Centro de Portugal continental, foi selecionada a presente amostra que é constituída por 226 jovens estudantes do 1.º ano, com idades compreendidas entre os 17 (26,1%) e 18 anos (73,9%), sendo 37 (16,4%) do sexo masculino e 189 (83,6%) do feminino. Critérios de inclusão: idade ( 18 anos. Critérios de exclusão: ter doença mental diagnosticada. A colheita de dados decorreu em ala de aula, sessões coletivas, estando sempre um investigador presente.
Como instrumentos de colheita de dados foram utilizados, além de um questionário que incluía questões de domínio sociodemográfico, a versão Portuguesa da Depression Anxiety, Stress Scales na versão de 21 itens (DASS-21) (Ribeiro et al., 2004) e a versão breve do questionário Mental Health Continuum Short Form (MHC-SF), traduzida por Matos et al. (2010).
A DASS-21 é um instrumento constituído por 21 itens, que engloba três subescalas, respetivamente; stress, ansiedade e depressão, sendo cada subescala composta por 7 itens com formato de resposta tipo Likert e 0 (não se aplicou nada a mim) a 4 pontos (aplicou-se a mim a maior parte das vezes). As pontuações de cada subescala são calculadas a partir dos somatórios dos itens de cada subescala. Estes scores são posteriormente multiplicados por dois. Para a categorização da sintomatologia, utilizaram-se os seguintes valores: a) stress: normal de 0 a 14 pontos; leve de 15 a 18 pontos; moderado de 19 a 25 pontos; severo de 26 a 33 pontos e extremamente severo ( 34 pontos; b) ansiedade: normal de 0 a 7 pontos; leve de 8 a 9 pontos; moderado de 10 a 14 pontos; severo de 15 a 19 pontos e extremamente severo ( 20 pontos; c) depressão: normal de 0 a 9 pontos; leve de 10 a 13 pontos; moderado de 14 a 20 pontos; severo de 21 a 27 pontos e extremamente severo ( 28 pontos.
O ´MHC-SF é constituído, na versão breve, por 14 itens que avaliam: BE emocional (3 itens), BE social (5 itens) e BE psicológico (6 itens, sendo o formato de resposta de 0 (“nunca”) e 5 pontos (“todos os dias”). O BE emocional reporta à dimensão hedónica do BE, enquanto as outras duas dimensões ao BE eudaimónico.
Os scores deste questionário permitem criar três estados de saúde mental, nomeadamente flourishing, saúde mental “moderada” e languishing.
Para serem diagnosticados como flourishing, os indivíduos devem experimentar “todos os dias” (5) ou “quase todos os dias” (4) pelo menos um dos três sinais (itens) de bem-estar hedónico e pelo menos seis dos onze sinais (itens) de funcionamento positivo durante o último mês.
Indivíduos que exibem níveis baixos (ou seja, “nunca” (0) ou "uma ou duas vezes” (1) durante o último mês) em pelo menos uma medida de bem-estar hedônico e níveis baixos em pelo menos seis medidas de funcionamento positivo são diagnosticados com languishing. Indivíduos que não se situam em flourishing ou languishing, são classificados como tendo saúde mental moderada.
A colheita de dados decorreu em setembro de 2024. Foram considerados os aspetos ético-formais para a colheita de dados, tendo sido solicitada autorização à instituição de ensino, assim como o parecer da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciência da Saúde: Enfermagem (UICISA: E; N.º: P603-06/2019).). Os participantes foram informados dos objetivos do estudo, tendo assinado o consentimento informado como condição para participar no estudo.
Os dados foram analisados com recurso ao software IMB-SPSS, versão 28. Foram calculadas as estatísticas resumo adequadas. Para testar a 1.ª hipótese foi utilizado o teste de Fisher-Freeman-Halton. O recurso a este teste resulta do não cumprimento dos critérios de Cochran para utilização do teste do quiquadrado, pois a utilização só é possível se no máximo 20% das células tiverem frequências esperadas inferiores a 5 e nenhuma inferior a 1.
A 2.ª hipótese foi testada com recurso ao teste H de Kruskal-Wallis e respetivos teste post hoc com correção de Bonferroni. Previamente foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de significância de Lilliefors para verificar da distribuição normal dos scores do BE na população. Como medidas de tamanho de efeito foram calculadas o V de Cramer e o (2 para o teste de Kruskal-Wallis. Associado à 2.ª hipótese foi ainda efetuada uma Análise de Regressão Múltipla (ARM) por método stepwise.
Resultados
De modo a testar a hipótese que prevê a existência de uma associação entre o BE e a severidade dos sintomas de stress, ansiedade e depressão, e que respeita a existência de independência dos conceitos, ou seja, busca de evidência a favor do modelo do duplo contínuo por oposição ao modelo de um único contínuo, procedeu-se da seguinte forma:
primeiramente utilizámos a categorização dos scores proposta para as três subescalas descritas na metodologia, agregando à posteriori essas categorias em dois grupos que correspondem a dois grupos de sintomas, considerados “baixo” e “elevado”. “Baixo” corresponde nesta nova agregação às categorias “normal”, “leve” e “moderado”, tal como utilizado Stephens et al. (2023), enquanto “elevado” corresponde a “severo” e “extremamente severo”;
posteriormente foi criada, tal como efetuado por Stephens et al. (2023), uma categorização para o score global das três subescalas. Neste caso, os indivíduos eram classificados como “baixo” e “elevado”, sendo que para serem classificados como elevado deveriam ter sido classificados “severo” ou “extremamente severo” em pelo menos duas das subescalas, sendo obrigatório a subescala da depressão.
No que respeita ao teste de hipótese, podemos verificar que se observam três associações estatisticamente significativas, entre o bem-estar e o stress ((2= 19,521; p< 0,01; V= 0,28), bem-estar e ansiedade ((2= 17,963; p< 0,01; V= 0,28) e bem-estar e depressão ((2= 9,865; p< 0,01; V= 0,24). Todos os valores das medidas de tamanho de efeito indicam associações de moderadas e elevadas.
Como se referiu, queríamos saber se os resultados do teste apoiavam a ideia proposta pelo modelo dual contínuo, isto é, se é possível encontrarmos jovens com elevado sofrimento psicológico (pontuação extremas da DASS 21) (grupo elevado) e simultaneamente em flourishing, isto é, com BE.
A leitura dos resultados permite verificar que no caso do stress, 1,3% (3) dos sujeitos que apresentam nível elevado de stress, apresentam-se em flourishing. No que respeita à ansiedade, 4,4% (10) apresentam scores extremos a severos, estando simultaneamente em flourishing ao nível do BE. Por último encontramos 2 indivíduos (0,9%) que apresentam níveis elevados de depressão e estão em flourishing.
Tabela 1 Distribuição absoluta e percentual do BE em função da SM (N= 226)

a) Teste de Fisher-Freeman-Halton ((2) = 19,521; p< 0,01; V= 0,28, b) Teste de Fisher-Freeman-Halton ((2) = 17,963; p< 0,01; V= 0,28, b) Teste de Fisher-Freeman-Halton ((2) = 9,865; p< 0,01; V= 0,24
Recorreu-se ainda ao teste do Fisher-Freeman-Halton, mas agora classificando os scores globais da DASS-21 em “baixo” e “elevado” como referido anteriormente. Como se pode observar da Tabela 2 e a respetiva projeção gráfica dos dados (Figura 2), a associação entre as variáveis é estatisticamente significativa ((2= 20,449; p< 0,01; V= 0,28).
Tabela 2 Distribuição absoluta e percentual do BE em função da SM (N= 226)

Teste de Fisher-Freeman-Halton ((2) = 20,449; p< 0,01; V= 0,28
Pode-se ainda observar (Tabela 2) que 1,3% dos jovens apresentam-se em flourishing e apresentam sintomas elevados de sofrimento psicológico, do mesmo modo que 1,3% apresentam languishing e simultaneamente estão com nível de sintomas global considerado baixo.

Figura 2 Representação das distribuições absolutas conjuntas das categorias da saúde mental em função das categorias do bem-estar mental
Relativamente 2.ª hipótese (critério de desconfirmação da bipolaridade) recorreu-se ao teste H de Kruskal-Wallis, comparando o score global da MHC-SF em função dos grupos/categorias da DASS-21. Neste caso agregaram-se as categorias “severo” e “extremamente severo” das DASS-21 numa categoria designada de “severo” de modo a não apresentar grupos com reduzida dimensão nas comparações.
Como se pode observar da Tabela 3, os scores do bem-estar apresentam diferenças significativas para o stress ((= 26,462; p< 0,01; (2= 0,11), ansiedade ((= 29,301; p< 0,01; (2= 0,12) e depressão ((= 51,473; p< 0,01; (2 =0,22). A medida de tamanho de efeito revela diferenças moderadas (0,11< (2 < 0,12) a elevadas ((2= 0,22)
Tabela 3 Resultados da aplicação do teste H de Kruskal-Wallis aos scores globais da MHC em função dos níveis de ansiedade, depressão e stress medidos pela DASS-21 (N=226)
Os resultados dos testes post hoc (com correção de Bonferroni) indicam, no caso do stress, que as diferenças com significado estatístico (p< 0,05) ao nível dos scores do MHC-SF se observam entre os grupos de stress “normal” e “extremo e “normal” e “moderado”.
No caso da ansiedade as diferenças observam-se entre os grupos de sintomas “extremos” e “normais” e entre sintomas “moderados” e sintomas “normais”.
Por último, no caso dos sintomas depressivos, observam-se diferenças nos scores do bem-estar mental entre os grupos “normal” e “extremo”, “normal” e “moderado” e “normal” e “leve”.
Na Figura 3 são apresentados três diagramas de extremos e quartis para cada um dos scores do MHC para cada nível do stress (a), ansiedade (b) e depressão (c).

Figura 3 Diagramas de extremos e quartis para a mediana dos scores globais do bem-estar (MHC-SF) em cada nível de severidade dos sintomas da DASS-21 ao nível do stress (a), ansiedade (b) e depressão (c)
Estes resultados apresentam um padrão diferenciado consoante o tipo de sintomas e severidade da DASS-21 que estamos a analisar. Os resultados com maior consistência podem observar-se na depressão, que aliás, segue um padrão diferenciado em relação ao stress e à ansiedade, e que foi observado com a realização dos testes post hoc. Neste caso (depressão), à medida que aumenta a severidade dos sintomas depressivos, observa-se um decréscimo de tipo “linear” no BE.
Procedemos adicionalmente para compreender os resultados anteriores, à realização de uma análise de regressão múltipla por método stepwise, tendo como preditores os scores de cada dimensão da DASS-21 e como critério os scores totais do MHC-SF. O modelo global é estatisticamente significativo (p< 0,01) explicando (R2) 29,0% da variância. Contudo apenas os scores da depressão apresentam significado estatístico ((= -0,493; p< 0,001) e entram no modelo, comparativamente aos scores do stress ((= -0,061; p= 0,554) e ansiedade ((= -0,015; p= 0,871).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo demonstrar a validade do modelo de duplo contínuo da saúde mental através da verificação de dois critérios, o da independência dos conceitos e critério ou argumento de desconfirmação da bipolaridade.
Assim, e relativamente à 1.ª hipótese, os resultados revelam que o sofrimento psicológico, medido pela DASS-21 e o BE, medido pelo MHC-SF são construtos distintos e separados e esse facto é apoiado pelas percentagens de jovens que encontramos e que simultaneamente apresentam níveis elevados a extremos de stress (1,3%), ansiedade (4,4%) e depressão (0,9%) e estão em flourishing, tal como se pode observar em outros estudos (Keyes, 2002; Stephens et al., 2023). Em sentido contrário também se pode observar, jovens que apresentam níveis baixos de sintomas de stress, ansiedade e depressão e se encontram em languishing, respetivamente 1,3%, 0,9% e 1,3%.
Estes resultados advogam a independência dos contrutos, isto é, a existência de um construto não equivale a ausência do outro, facto que tende a ser advogado pelo modelo unipolar em que a existência de saúde mental retira o mal-estar e vice-versa, isto é, a DM tem no oposto o BE. Assim e como refere Keyes (2002; 2005; 2009) a saúde mental e bem-estar são conceitos distintos, mas interrelacionados.
No que respeita à 2.ª hipótese de procura de evidência que ajude na desconfirmação da bipolaridade, isto é, de que um aumento da gravidade dos sintomas de saúde mental não equivale a uma diminuição dos sintomas de BE, verificamos que esse critério só em parte é desconfirmado, tal como observado por Stephens et al., (2023). Ainda que se encontrem diferenças nos três casos, é na depressão que os dados sugerem a existência de bipolaridade, e em que um aumento dos sintomas equivale a um padrão de decréscimo do BE mental.
Este dado é apoiado pela ARM, já que apenas a depressão é valorizada com significado estatístico no modelo e consistente com o trabalho efetuado por Stephens et al. (2023) e que se encontram também noutros estudos (Siddaway et al., 2017). Como referem Stephens et al. (2023), em alguns casos poderá ser a natureza e conteúdo dos itens das escalas que sugiram a bipolaridade, já que os itens que são utilizados para medir um conceito podem ser idênticos, ainda que opostos no conteúdo, aos que medem o outro conceito. Os autores apresentam como exemplo os itens “não consegui sentir nenhum sentimento positivo” da DASS-21 e “com que frequência te sentiste feliz” do MHC como pertencendo a este balanceamento de conceitos que não sendo semelhantes, a sua avaliação, por exemplo, BE e depressão, faz recurso a itens que são na realidade antónimos, resultando numa simples lógica de presença - ausência.
Ainda que o conceito de BE possa ser considerado por muitos como ambíguo, pois pode não indicar a ausência de uma doença mental, ele é necessário, mesmo que esteja por vezes fora da esfera do modelo médico da saúde, dado não se constituir como uma entidade diagnóstica (Gautam et al., 2024).
Conclusões
Este estudo contribui para a valorização e validade que tem sido atribuída ao longo das últimas décadas ao modelo do duplo contínuo da SM, e da necessidade de estudar a SM e o BE em simultâneo, sobretudo quando os investigadores procuram, por exemplo, investir nos aspetos promocionais e preventivos da SM através da literacia em saúde mental (LSM).
É de referir a necessidade de manter a diferenciação de ambos os conceitos, pois torna-se peça fundamental para o planeamento de intervenções conducentes, não só à melhoria da LSM, mas simultaneamente à melhoria da SM e do BE dos indivíduos/grupos objeto das intervenções. Sendo construtos distintos, estão interrelacionados, operando em contínuos diferentes, tornando-se uma base de trabalho para quem pretende incutir preocupações salutogénicas nas suas intervenções.
Implicações para a prática clínica
Este estudo apresenta evidência adicional de que o BE e as DM são ambas dimensões relacionadas, mas independentes, da SM global.
O modelo do duplo contínuo é preferível às abordagens ou modelos de um espectro único que tendem a colocar a saúde e as DM em polos opostos e que refletem uma visão redutora da SM que se cinge à presença ou ausência de sintomas, tendendo a valorizar apenas o espetro da SM preventiva.
Tal como o proposto pelo modelo, podemos e devemos contribuir com as nossas ações educativas e promotoras da SM para a melhoria do BE, independente do individuo viver ou não com um problema de SM, isto é, integrar na SM o BE.















