Introdução
Os fenómenos contemporâneos da globalização, o aumento da adoção de políticas neoliberais de fortalecimento dos mercados financeiros e do capital em detrimento do trabalho, a flexibilização da gestão por via do incremento, sem precedentes, de mecanismos tecnológicos automatizados e de ferramentas digitais ou a crise energética global têm contribuído para alterações significativas nos modos de funcionamento das sociedades. Como consequência destas dinâmicas, a nível mundial, tem-se verificado o aumento do fosso entre os detentores da riqueza e do poder e aqueles que “ficam para trás” (Costa, 2012; Milanovic, 2016; Piketty, 2014; Tilly, 2005). As desigualdades no mundo estão a aumentar e os seus efeitos na estrutura das sociedades são transversais, interligando-se de forma complexa com uma variedade de fenómenos económicos, culturais, políticos e ambientais (Alvaredo et al., 2018; Dorling, 2017, 2018; Lamont, 2018; Piketty, 2020).
As teorias mais avançadas das desigualdades enfatizam o seu caráter multidimensional, sistémico e plural, bem como as suas dinâmicas interativas, de natureza cumulativa (Bourdieu, 1979; Costa, 2012; Lamont, 2019; Therborn, 2013, 2020; Tilly, 1998).
O atual contexto da sociedade digital, onde se assiste ao desenvolvimento intensivo dos processos de digitalização, robotização ou automação, converge numa intensificação estrutural das desigualdades, na medida em que os indivíduos com qualificações médias ou elementares, empregues em atividades rotineiras e repetitivas, estão particularmente permeáveis ao risco de substituição da sua força de trabalho por mecanismos automatizados, podendo vir a configurar-se como uma “classe inútil” (Harari, 2018).
Este trabalho, tendo como pano de fundo a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, com especial enfoque no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10 (redução das desigualdades), tem dois objetivos abrangentes: i) investigar as diferentes configurações de inclusão social, económica e política nos países europeus; ii) analisar as relações de vários tipos de desigualdades com as configurações de inclusão europeias. Para tal, desenvolvem-se análises multivariadas e articulam-se vários métodos estatísticos, nomeadamente, Análise de Clusters e Modelos de Regressão, com base nos microdados do European Social Survey (2016).
O foco é explorar a interação entre as dimensões distributivas (educação e rendimentos) e categoriais (classe social, condição económica, idade, género, etnia, deficiência, naturalidade e religião) das desigualdades sociais e as suas relações com a inclusão: i) social (operacionalizada a partir das perceções das pessoas sobre o estado dos serviços de saúde e das instituições educativas, utilização da internet, confiança interpessoal e perceção de discriminação); ii) económica (procurando entender de que forma as desigualdades sociais se relacionam com os diferentes tipos de contrato de trabalho, a sindicalização e a insegurança económica); e, iii) política (procurando demonstrar como esta é limitada pela confiança institucional e satisfação com a democracia, pela capacidade política e responsividade e práticas de ação coletiva).
Tendo como enfoque o ODS 10, mais especificamente, a Meta 10.2, exploram-se as relações entre diferentes configurações de desigualdade e condições de inclusão nos territórios europeus. Além disso, pretende-se contribuir para a conceção de um sistema de indicadores harmonizados que permita apoiar a análise das desigualdades e da inclusão de forma consistente nos diversos países. Este sistema procura melhorar os indicadores já apresentados, nomeadamente, pela ONU, Eurostat e OCDE, conferindo-lhes, ao mesmo tempo, um maior potencial interpretativo.
Desigualdades e inclusão na agenda global do bem-estar
Os indicadores relativos ao crescimento e desempenho económico têm-se revelado insuficientes para medir o progresso social das sociedades (Stiglitz et al., 2019).
A centralidade global que atualmente é conferida ao problema das desigualdades, por parte das principais instituições e organizações internacionais, estados nacionais e sociedades civis, deveu-se, em grande medida, à capacidade que as ciências sociais tiveram em demonstrar o caráter estrutural das desigualdades entre países e no interior dos países, e a sua persistência e intensificação ao longo dos anos (Atkinson, 2015; Milanovic, 2016; Piketty, 2014, 2020).
Enquanto prolongamento teórico-analítico da sociologia das classes sociais, a problemática das desigualdades sociais contemporâneas, que não se esgota nas desigualdades de rendimentos (Costa & Mauritti, 2018; Grusky & Hill, 2018; Mauritti et al., 2016; Savage, 2021), suporta novos horizontes científico-sociais e de políticas públicas nacionais e internacionais, em temas urgentes como as alterações climáticas (Chancel, 2020), a justiça distributiva (Chancel et al., 2021 ; Dorling, 2018), a diferenciação cultural (Flemmen et al., 2018), a participação democrática (Gethin et al., 2021), as dinâmicas do capitalismo atual (Milanovic, 2019) e o desenvolvimento sustentável (Wilkinson & Pickett, 2020).
Atualmente, é consensual a ideia de que as desigualdades sociais constituem um obstáculo à construção de sociedades mais inclusivas (Therborn, 2013), pois geram uma gama vasta de injustiças, discriminação e estigmatização, que se (re)produzem estrutural e culturalmente (Fraser, 2008; Lamont, 2018), corroendo as instituições e os laços sociais entre os indivíduos (Putnam, 2020) e desencadeando múltiplas formas de exclusão social que refletem a qualidade de vida, o bem-estar e o desenvolvimento sustentável das sociedades (Bertin & Moro, 2021). Assim, e de forma contrária, a igualdade potencia a inclusão social, económica e política (Dorling, 2017, 2018).
Segundo Silver (2015), apesar da definição do conceito de inclusão social variar nos diferentes contextos, ao nível local ou nacional, pode ser definido de uma forma geral como um processo multidimensional e relacional, que pressupõe o aumento de oportunidades de participação social, o reforço das capacidades para cumprir papéis sociais prescritos normativamente, o alargamento das condições de reconhecimento e de respeito (dignidade) e, ao nível coletivo, o reforço dos laços sociais, a coesão, integração ou solidariedade.
Tendo em conta o quadro teórico apresentado, a Figura 1 propõe o modelo conceptual e analítico que se pretende operacionalizar nesta pesquisa. Este modelo visa clarificar de que forma as desigualdades sociais contemporâneas mais significativas influenciam as dinâmicas da inclusão social, económica e política, tendo como campo de análise empírica o espaço social europeu.
A natureza multidimensional das interseções das desigualdades sociais contemporâneas (Costa et al., 2018; Mauritti et al., 2016) forma uma matriz estrutural constituída essencialmente por desigualdades na distribuição de recursos económicos e educativos (Atkinson, 2015; Bourdieu, 1979). Também incluídas nesta matriz estão as desigualdades derivadas da pertença a determinadas categorias sociais, tais como a classe social, o estatuto profissional, o género, a idade, a etnia, a deficiência, a naturalidade e a religião - todas elas teoricamente definidas como desigualdades categoriais (Costa & Mauritti, 2018; Tilly, 1998).
Temos ainda um longo caminho por percorrer antes de se alcançar a plena inclusão dos direitos sociais, económicos e políticos (Fraser, 2008). E, além disso, é fundamental assegurar que o trajeto de conquistas de direitos e garantias até agora percorrido não é revertido. Num contexto sociocultural muito marcado por experiências e perceções difusas de discriminação (Lamont, 2018), é particularmente relevante a análise dos mecanismos sociais que constituem entraves à plena participação e reconhecimento social. Num mundo cada vez mais globalizado, os valores fundamentais europeus da dignidade humana, da liberdade e da democracia estão sob ameaça. Estes três pilares do bem-estar são decisivos para determinar o grau de confiança interpessoal, reforçando o capital social inclusivo (Carmo & Nunes, 2013).
Nesta ótica, o presente estudo enfatiza também componentes de inclusão social ligadas à sociedade digital, na qual a literacia e as competências tecnológicas são essenciais (van Deursen & van Dijk, 2015). A análise realizada nesta vertente de inclusão procura ainda destacar os quadros institucionais mais ou menos facilitadores no acesso a serviços de bem-estar, nomeadamente de saúde, educação e segurança social, através dos quais os cidadãos constroem a sua perspetiva sobre o Estado social (Mauritti et al., 2020; Wilkinson & Pickett, 2009).
No nível socioeconómico, uma das tendências mais relevantes das últimas décadas é, inegavelmente, a diminuição das taxas de sindicalização, juntamente com o aumento das situações de trabalho precário e de insegurança económica (Kalleberg, 2018; Stiglitz et al., 2019; Waddington et al., 2019). Os números do desemprego são por si só motivo de preocupação, mas, ao mesmo tempo, não é menos desafiante o facto de que cada vez mais trabalhadores não terem acesso a empregos com salários justos, a proteção social e a outros direitos e garantias, que lhes permitam construir expectativas de futuro (ILO [International Labour Office], 2020).
A inclusão política é um dos principais desafios que as democracias enfrentam na atualidade, face a desafios globais ligados a nacionalismos, ao autoritarismo, à xenofobia, à intolerância e à tensão crescente de rotura dos laços comunitários (Broderick et al., 2018; Lamont, 2019). A confiança institucional e a satisfação com a democracia, a capacidade de interagir politicamente e o exercício efetivo da cidadania através da ação coletiva assumem uma posição central no nosso contexto histórico. Tais dimensões políticas estão associadas aos mecanismos de (des)igualdade social e aos processos de mobilidade social (Nunes & Raposo, 2018; Therborn, 2020).
O atual paradigma do progresso social assume a inclusão como um eixo fundamental do desenvolvimento sustentável das sociedades (UNECE [United Nations Economic Commission for Europe], 2020), estando presente em múltiplos ODS das Nações Unidas e em instrumentos de políticas públicas (De Neve & Sachs, 2020). A sua operacionalização perspetiva a oportunidade de recuperação do modelo social europeu e de construir uma economia do bem-estar (Bertin & Moro, 2021) capaz de enfrentar os desafios de coesão digital, ambiental e social que as instituições da União Europeia propuseram aos seus cidadãos, reduzindo simultaneamente as desigualdades entre e nos países europeus (Beckfield, 2019).
As desigualdades sociais são uma preocupação em toda a Agenda 2030 da ONU (Freistein & Mahlert, 2016) e, embora subjacente a vários objetivos, conta com um objetivo específico na Agenda: ODS 10 - Redução das desigualdades. Este ODS apresenta 10 metas, todas elas com vista a uma distribuição mais equilibrada de recursos e oportunidades sociais. Focamo-nos em concreto na Meta 10.2: “Até 2030, capacitar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, género, deficiência, etnia, origem, religião, condição económica ou outra” (Resolution No. A/RES/70/1, 2015, p. 21).
Esta meta assenta numa perspetiva holística e multidimensional da inclusão, integrando não apenas objetivos económicos, mas também preocupações acerca das condições necessárias para que os indivíduos participem e sejam reconhecidos na sociedade (Sen, 2009). No presente artigo, procura-se a operacionalização de indicadores complementares para a sua monitorização. A proposta desenhada e analisada tem em conta as condições objetivas, as perceções e as práticas dos sujeitos, numa perspetiva multidimensional, e teoricamente informada na problemática das desigualdades sociais.
Metodologia
Para entender as relações multidimensionais entre as desigualdades sociais e a inclusão social, económica e política utilizou-se como fonte empírica os microdados do European Social Survey (ESS) referentes ao ano de 2016. Para a operacionalização do modelo conceptual (Figura 1) incluíram-se 21 países europeus, todos os participantes nesta ronda do ESS, com exceção de Israel e da Rússia - Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Lituânia, Noruega, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República-Checa, Suécia e Suíça. Esta base de dados de acesso gratuito é aqui manobrada com o objetivo de ilustrar o potencial operatório e heurístico do modelo proposto, potencialmente replicável para outros períodos, utilizando a mesma referência de dados ou outra.
O ESS é um inquérito internacional realizado de dois em dois anos, em vários países da Europa, cujo objetivo é a recolha de informação relativa às atitudes, crenças e comportamentos dos cidadãos. Este inquérito segue padrões metodológicos e científicos rigorosos para assegurar que os dados recolhidos são representativos da diversidade de opiniões e de atitudes dos cidadãos (Wuyts & Loosveldt, 2019).
Tendo em conta o objetivo mais amplo desta pesquisa - a construção de um sistema multidimensional de indicadores para monitorizar a Meta 10.2 do ODS 10 - propõem-se as seguintes operações:
1.º Construção de um sistema de indicadores de monitorização da inclusão social, económica e política;
2.º Comparação dos graus de inclusão social, económica e política nos diferentes países europeus;
3.º Construção de perfis de países (clusters) a partir das suas condições de inclusão social, económica e política;
4.º Construção de um sistema de indicadores para monitorizar as desigualdades sociais;
5.º Monitorização das relações entre desigualdades e inclusão social, económica e política em cada um dos perfis de países.
Após mapear as questões do ESS (2016) capazes de medir os três graus de inclusão, efetuou-se uma análise exploratória das variáveis e avaliaram-se as suas distribuições, valores omissos, outliers e medidas descritivas.
Para reduzir a multidimensionalidade, aplicaram-se técnicas estatísticas multivariadas, Análises Fatoriais Lineares e Não Lineares (ACP e CatPCA) e Análise de Correspondências Múltiplas (ACM), de acordo com a natureza dos conjuntos de variáveis (Carvalho, 2017; Greenacre, 2007; Hair et al., 1998). O objetivo foi identificar variáveis latentes resultantes das interdependências entre as variáveis iniciais para criar indicadores quantitativos compósitos. Para a criação destes indicadores, a consistência interna foi avaliada com recurso ao alfa de Cronbach e revelou-se adequada (Marôco & Garcia-Marques, 2006). Na sequência foi possível estabilizar um conjunto de indicadores para cada dimensão de inclusão.
Relativamente à inclusão social é monitorizada através dos seguintes indicadores:
a)Perceção de discriminação. Este indicador constitui uma medida sobre as perceções intersubjetivas dos indivíduos face a experiências de discriminação, refletindo a percentagem dos que admitem pertencer a um grupo discriminado, seja por razões étnicas, raciais, religiosas, relativas à sexualidade ou outras.
b)O tempo médio de utilização da internet por dia. Analisou-se a distribuição dos valores e consideraram-se os valores entre 0 e 485 minutos (8h/dia); excluíram-se os outliers.
c)Avaliação dos serviços de saúde e de educação. Criou-se um índice a partir das médias aritméticas das respostas às duas questões iniciais, que variam numa escala entre 0 - Extremamente mal a 10 - Extremamente bem (alfa de Cronbach = 0,608).
d)Confiança interpessoal. Criou-se um indicador compósito estandardizado, onde os valores mais altos dos scores refletem a opinião de que a maioria das pessoas tenta ser justa, é de confiança, tenta ajudar os outros (alfa de Cronbach = 0,740, 65,9% da variância explicada)1
Quanto à inclusão económica, utilizaram-se como indicadores:
a)Tipo de contrato (sem termo, a termo, sem contrato).
b)Membro de um sindicato.
c) Insegurança económica2 Um indicador compósito estandardizado, cujos scores com valores mais elevados refletem a perceção de maior probabilidade de não ter dinheiro suficiente para as necessidades do agregado familiar nos próximos 12 meses e a probabilidade de perder o emprego nos próximos 12 meses (alfa de Cronbach=0,758).
Para a construção da dimensão de inclusão política, foram utilizadas múltiplas questões do ESS as quais resultaram na criação dos seguintes indicadores compósitos:
a)Capacitação política e responsividade3. Este indicador traduz a capacidade percebida pelo indivíduo para ter um papel ativo num grupo político, a confiança na sua própria capacidade para participar na política, o interesse pela política e a perceção de que o sistema político permite que as pessoas tenham influência sobre a política e uma palavra a dizer sobre o que o governo faz, bem como se votaram na última eleição (alfa de Cronbach=0,757).
b)Confiança institucional e satisfação com a democracia4. Neste indicador compósito estandardizado, os valores mais altos dos scores refletem uma maior confiança nos políticos, nos partidos políticos, no governo, no sistema legal e uma maior satisfação com a democracia (alfa de Cronbach=0,893).
c)Práticas de ação coletiva5. Neste indicador compósito estandardizado, os valores mais altos dos scores traduzem mais práticas como assinar uma petição, trabalhar numa organização/associação, trabalhar num partido político, postar ou partilhar algo sobre política ou boicotar produtos, nos últimos 12 meses (alfa de Cronbach=0,704).
Para uma análise descritiva e comparativa dos indicadores de cada dimensão de inclusão calcularam-se os valores médios para cada país.
De seguida, para segmentar e agrupar os países em função dos seus níveis de inclusão social, económica e política efetuou-se uma Análise de Clusters. Utilizaram-se 10 indicadores de inclusão como variáveis de segmentação e realizaram-se Análises Hierárquicas de Agrupamento com os métodos de agregação do vizinho mais afastado e de Ward, com a medição das distâncias pelo quadrado da distância euclidiana (Hair et al., 1998). Os diferentes métodos aplicados permitiram determinar o número de clusters de países e a estabilidade dos resultados, sendo o método de agregação de Ward utilizado no final para a segmentação dos países. Os clusters foram caracterizados de acordo com os indicadores de inclusão e analisaram-se as suas diferenças.
Relativamente às desigualdades, utilizaram-se indicadores de género, idade, naturalidade, escolaridade, condição perante a atividade económica, doença ou deficiência, identificação com uma religião, perceção de pertença a grupos étnicos minoritários. Adicionalmente, usou-se o indicador de classe social seguindo os procedimentos propostos na tipologia ACM (Costa 1999; Mauritti et al., 2016). Assim, os indivíduos foram classificados em cinco posicionamentos de classe: Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais (EDL), Profissionais Técnicos e de Enquadramento (PTE), Empregados Executantes (EE), Trabalhadores Independentes (TI), Operários (O). Os EDL configuram-se como a classe social mais dotada de recursos económicos, educativos e organizacionais, bem como de poder/status. Os PTE envolvem os indivíduos com qualificações intermédias ou superiores, que desenvolvem a sua atividade enquanto quadros ou técnicos assalariados, correspondendo às “classes médias”. Os EE são também assalariados, embora com um perfil de qualificações mais baixo, exercendo atividades de base na prestação de serviços de apoio administrativo, comerciais, pessoais e de segurança. Os TI correspondem a pequenos comerciantes, artesãos e prestadores de serviços, aproximando-se dos assalariados de base no que diz respeito às qualificações e rendimentos intermédios. Os Operários configuram-se como empregados em atividades agrícolas e da indústria com perfis qualificacionais baixos e muito baixos, dotados de menores recursos económicos, de poder/status (Costa & Mauritti, 2018).
Para avaliar as relações entre as desigualdades e a inclusão, efetuou-se a caracterização das desigualdades em cada cluster de países. Depois calcularam-se medidas de associação e correlação entre os indicadores e criaram-se variáveis dummy, tendo sido definidas categorias de referência para cada uma destas. Utilizou-se o Modelo de Regressão Linear Múltipla para os indicadores quantitativos da inclusão e avaliaram-se os pressupostos estatísticos envolvidos na análise, bem como o possível efeito da presença de outliers. No caso dos indicadores qualitativos e binários da inclusão - contrato de trabalho (sem termo, a termo ou sem contrato) e sindicalização - construíram-se Modelos de Regressão Logística (Marôco, 2018; Wooldridge, 2013). Relativamente às relações entre indicadores de desigualdade e inclusão, apresentam-se apenas os modelos nos quais a regressão teve capacidade de estimação dos resultados.
A inclusão social, económica e política na Europa
Inclusão social
Para operacionalizar a dimensão da inclusão social, analisaram-se os seguintes indicadores: estado dos serviços de saúde e de educação, utilização da internet, confiança interpessoal e perceção de discriminação (Figura 2).
No âmbito da inclusão social, os países do Norte e do Centro da Europa (Finlândia, Noruega, Islândia, Bélgica, Áustria, Países Baixos) são os que revelam, de uma forma geral, condições de inclusão mais favoráveis. Nestes países, o único elemento que emerge como desafio relaciona-se com as perceções de discriminação.
No que respeita à avaliação acerca do estado dos serviços de saúde e de educação, os países que apresentam os valores mais altos são a Noruega e a Finlândia, estando no extremo oposto desta componente de inclusão a Hungria, Polónia e Lituânia. A saúde e educação representam dois pilares fundadores do modelo de Estado social europeu, servindo de referência nas apreciações que os cidadãos projetam relativamente à qualidade dos serviços públicos de bem-estar (Mauritti et al., 2020).
Também no que concerne à “utilização da internet” - utilizado neste estudo, simultaneamente, como indicador de “inclusão digital” e de “desigualdade digital” (Reisdorf & Rhinesmith, 2020) -, verificam-se diferenças relevantes entre os países europeus: os cidadãos da Islândia, Suécia e Noruega reportam o dobro da frequência média de utilização diária em comparação com países como a Polónia, Eslovénia e Portugal. Perante o contexto desafiador da sociedade digital, a capacidade de mobilização de competências tecnológicas e digitais revela-se um elemento crucial, potenciador da inclusão nas várias esferas sociais (Harari, 2018). Os cidadãos dos países do Sul e Centro Europeu são, assim, os que tendem a encontrar-se em situações de maior desvantagem face aos novos parâmetros de economia e sociedade digitais.
Relativamente à confiança interpessoal (indicador que traduz o sentimento de que a maioria das pessoas é de confiança, é honesta e tenta ajudar os outros), os scores mais baixos observam-se na Polónia, Itália e Portugal, com valores claramente abaixo da média europeia, em forte contraste com a Noruega, Finlândia e Islândia, países cujos cidadãos reportam os níveis mais elevados de confiança nos outros. A confiança interpessoal é um fator relevante nas relações sociais mais prolongadas, sendo, por isso, fundamental para a criação de capital social e para a promoção de condições de segurança ontológica e maior ou menor ansiedade existencial (Giddens, 1997).
No que diz respeito às perceções de discriminação, verifica-se que estas são mais frequentes em países como a Islândia, Reino Unido e França. Na interpretação destes dados, importa ter em conta que os países cujos cidadãos estão mais conscientes de processos discriminatórios poderão também refletir índices mais elevados, relacionados com a maior perceção do caráter não legítimo da discriminação e com a “estranheza” ou a perceção de injustiça face a experiências de não identificação como igual por um outro (Abrams, 2010; Therborn, 2020). Na sua análise, Lamont et al. (2014) caracterizam os mecanismos discriminatórios como processos culturais que são parte integrante do quotidiano, com lógicas próprias face aos sistemas de oportunidades, relacionados com o que designa de “dimensões clássicas de desigualdades”, reportadas às diferentes categorias assinaladas no modelo de análise do presente estudo.
Inclusão económica
A inclusão económica mediu-se de acordo com a percentagem relativa de diferentes tipos de contrato de trabalho, percentagem de sindicalização e classificação da insegurança económica (Figura 3).
Relativamente ao tipo de contrato de trabalho, os irlandeses, os espanhóis, os portugueses e os polacos são os que tendem a apresentar níveis mais elevados de condições laborais precárias e informais, com mais situações de trabalhadores sem contrato de trabalho ou com contrato a termo. Estão aqui em evidência as dinâmicas de flexibilidade laboral associadas à instabilidade e fragilidade dos vínculos contratuais, com impactos na proteção social e financeira dos trabalhadores (ILO, 2020). No extremo oposto, estão países como a Estónia, Lituânia, Áustria e Hungria, cujos trabalhadores tendem a apresentar situações contratuais mais estáveis.
Em relação à sindicalização, observa-se que a percentagem média total de filiação em sindicatos e associações profissionais é de 16,5%. Este valor espelha os tempos difíceis que o sindicalismo assiste no contexto europeu (fenómeno que não é novo), no qual à exceção de países como a Islândia, Suécia, Noruega e Finlândia, esta percentagem não ultrapassa os 40%. Nos países nórdicos com maiores índices de sindicalização, o quadro institucional-legal determina que a filiação sindical seja assumida por defeito na formalização de um novo laço contratual. Nos restantes países, os valores de sindicalização reduzidos tendem a refletir lógicas de flexibilização e de desregulação do emprego e das relações laborais, ligadas ao aumento das formas de trabalho atípicas, como o trabalho a tempo parcial, o trabalho temporário, mediado por plataformas, entre outras. Modelos que contribuem para a individualização do trabalho e que colocam sérios desafios à organização destes trabalhadores enquanto coletivo (Waddington et al., 2019).
No que diz respeito ao sentimento de insegurança económica, o eixo vertical revela que os países da Europa do Norte e Central, com scores mais baixos neste indicador, contrastam com os países da Europa do Leste e do Sul, onde a insegurança económica, também relacionada com rendimentos médios mais baixos (Costa et al., 2018), é sentida de forma mais intensa. Nestes contextos, é mais frequente a existência de situações de fragilidade e instabilidade económica e laboral, dado que os cidadãos tendem a reportar sentimentos de incerteza relativamente à possibilidade de perder o emprego no próximo ano, não ter dinheiro suficiente para fazer face às despesas do agregado familiar, bem como a viver com dificuldades com os rendimentos auferidos.
A Figura 3 demonstra ainda que países com níveis mais reduzidos de insegurança económica - Islândia, Suécia e Noruega - tendem a apresentar percentagens mais elevadas de trabalhadores sindicalizados (quadrante superior esquerdo); inversamente, a maioria dos países com scores mais altos para a insegurança económica - Lituânia e Portugal - têm níveis mais baixos de sindicalização (quadrante inferior direito). No entanto, esta relação não é linear, uma vez que alguns países com baixos níveis de insegurança económica - Holanda, Alemanha e Suíça - também têm baixos níveis de sindicalização (quadrante inferior esquerdo).
Inclusão política
Para a dimensão da inclusão política, analisaram-se os scores médios dos indicadores relativos à capacitação política e responsividade, confiança institucional e satisfação com a democracia e práticas de ação coletiva (Figura 4).
De uma forma geral, é notória a inclusão política mais favorável dos cidadãos do Norte e do Centro da Europa (Noruega, Finlândia, Islândia, Suécia), os quais registam valores mais positivos de confiança nas instituições e satisfação com a democracia, bem como maior capacitação e responsividade política. Os cidadãos destes países são também os que mais tendem a envolver-se politicamente através de práticas de ação coletiva. Apesar da complexidade crescente que também caracteriza estes países, os seus quadros relacionais assinalam, como referido em Almeida (2013), uma maior capacidade em termos de recursos de literacia política dos seus cidadãos. Assim, não obstante as mudanças radicais a que também estes países estão sujeitos, o contexto institucional estabelecido permite que os indivíduos continuem a percecionar nas instituições tradicionais de monitorização e proteção social um enquadramento coletivo das suas práticas (Beck, 2000).
No extremo oposto estão os países do Sul e do Leste Europeu (Polónia, Itália, Portugal, Hungria), cujos residentes reportam os níveis mais baixos de confiança institucional e satisfação com a democracia, capacitação e responsividade política e de envolvimento coletivo dos cidadãos (Nunes & Raposo, 2018). A maior apatia política, a falta de confiança, o desencanto e a frustração política, traços que tendem a ser prevalecentes nas práticas e orientações dos cidadãos destas regiões europeias, têm raízes profundas, já assinaladas por Giddens (2009), que as relaciona com a “baixa” identidade coletiva. Ou seja, se por um lado, há um apelo nas teorias normativas de afirmação da importância legitimadora da participação política, por outro lado, através da leitura destes dados, sugere-se que estas democracias liberais funcionam com níveis de mobilização e participação coletiva reduzidos (Nunes, 2013).
Análise de Clusters
Para identificar diferentes perfis de inclusão social, económica e política na Europa, realizou-se uma Análise Hierárquica de Clusters, incluindo todos os indicadores das três dimensões da inclusão em estudo. Identificam-se três perfis de países.
Um primeiro perfil, correspondente ao cluster 1, aglomera 10 países do Centro e do Norte da Europa: Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia, Noruega, Islândia, Países Baixos, Reino Unido, Suécia, Suíça. É o que apresenta os scores mais favoráveis em todas as variáveis incluídas na análise, com exceção da perceção de discriminação e tipo de contrato de trabalho. O cluster 2 aglomera cinco países do Báltico e Leste europeu: Eslovénia, Estónia, Hungria, Lituânia, República-Checa. Este conjunto destaca-se pela inclusão social mais favorável no que concerne aos menores sentimentos de discriminação e pela inclusão económica mais favorável relativa à estabilidade contratual. O cluster 3 reúne seis países: Espanha, França, Irlanda, Itália, Polónia e Portugal, e corresponde ao conjunto com níveis mais desfavoráveis de inclusão social, económica e política (Tabela 1).
Relativamente à inclusão social, o cluster 1 aglomera os países que se diferenciam de forma positiva pela melhor avaliação que os cidadãos fazem acerca do desempenho dos serviços de saúde e de educação, pela maior frequência de utilização da internet e pela maior confiança interpessoal que os indivíduos estabelecem entre si. O cluster 2 distingue-se pela inclusão de países cujos cidadãos reportam baixas perceções de discriminação. Já o cluster 3 é o que apresenta os níveis mais baixos de confiança interpessoal, com scores negativos neste cluster (e também no 2).
No que diz respeito à inclusão económica, os países nórdicos caracterizam-se pelos níveis mais altos de sindicalização e correspondem a contextos em que os cidadãos se sentem menos inseguros do ponto de vista económico, dado que não temem o desemprego ou a perda de rendimentos.
Os países do Leste Europeu, posicionados no cluster 2, distinguem-se pela forte presença de trabalhadores com contratos de emprego permanentes, refletindo valores mais elevados no que concerne à estabilidade dos vínculos contratuais. Numa situação oposta estão os países do cluster 3, com uma maior presença de trabalhadores com situações de contratos irregulares (contrato a termo e sem contrato). Por conseguinte, estes contextos são os que apresentam os maiores desafios em termos de precariedade e formas atípicas de trabalho.
Refletindo a importância de condições materiais de existência de maior favorecimento relativo (Almeida, 2013), nos países do cluster 1, a inclusão política volta a destacar-se positivamente apresentando scores melhorados em todos os indicadores desta dimensão. Pelo contrário, os clusters 2 e 3, onde estão posicionados os países do Leste e Sul da Europa, apresentam scores negativos na capacidade política e responsividade - os cidadãos destes países percebem que são menos “capazes de assumir um papel ativo num grupo político”, têm menos “confiança na sua própria capacidade de participar na política”, também estão menos “interessados na política” e, em geral, têm “menos confiança na representação política”. Do mesmo modo, são menos propensos a tomar iniciativas como contactar um político ou a envolverem-se numa organização política, são também menos propensos a assinar petições, a participar em manifestações ou em boicotes a determinados produtos ou a publicar conteúdos políticos na internet. Estes clusters 2 e 3 têm ainda os scores mais baixos de confiança institucional e satisfação com a democracia. Nestes países, os cidadãos tendem a ter menos confiança tanto em relação às instituições políticas como aos políticos, e expressam maiores graus de insatisfação com a forma como a democracia funciona no seu país.
Fatores de desigualdade que explicam a inclusão na Europa
Indicadores de desigualdade
A Tabela 2 destaca as variáveis de desigualdade que propomos operacionalizar para leitura dos objetivos da Meta 10.2. Os três clusters de países identificados integram múltiplos perfis estruturais, culturais, étnicos e religiosos, que definirão o modo como na Europa se configuram as desigualdades categoriais e distributivas.
O cluster 1 agrupa os países do Norte e do Centro da Europa. Este agrupamento é caracterizado pela maior presença de segmentos de classe social dotados de recursos socioprofissionais e socioeducativos ajustados aos requisitos de um contexto global marcado pelo domínio do conhecimento científico e das tecnologias de informação - os profissionais técnicos e de enquadramento (Tilly, 2005). Denota-se também um peso expressivo de categorias de assalariamento de base dos serviços de apoio, administrativos, comerciais e de segurança (empregados executantes, sobretudo mulheres), fundamentais no contexto de sociedades urbanas, muito estruturadas pela presença do setor terciário (Costa & Mauritti, 2018). Consistentes com estas características, os rendimentos médios dos cidadãos destes países são os mais elevados. Tais traços contribuem para que neles os fluxos de pessoas com proveniências territoriais diversas sejam também notórios através da presença mais elevada de pessoas naturais de outros países. A diversidade cultural da população que vive nestes contextos também se destaca na percentagem de pessoas que declaram pertencer a uma religião que não é a mais frequente. Este cluster 1 diferencia-se ainda pela presença significativa de pessoas com incapacidade/deficiência.
Quanto ao cluster 2, que integra os países do Báltico e do Leste Europeu (com exceção da Polónia), é caracterizado pela maior incidência de trabalhadores pouco qualificados e com referenciais remuneratórios relativamente mais baixos, que exercem profissões de assalariamento de base na indústria e na agricultura (operários). Nestes países, regista-se também uma maior presença de reformados, bem como de pessoas com deficiência. No geral, a menor abertura face aos fluxos de mobilidade internacional está patente na pouca presença relativa de cidadãos estrangeiros; apesar disto, um segmento expressivo identifica-se pela pertença a uma minoria étnico-cultural, enquanto a maioria afirma não pertencer a qualquer religião.
O cluster 3, formado pelos países do Sul Europeu, Irlanda e Polónia, tem um perfil de rendimentos ligeiramente melhorado em comparação com o anterior, aglomerando situações de algum contraste. A sua estrutura de classes caracteriza-se pela maior presença de empresários, dirigentes e profissionais liberais e de trabalhadores independentes. Mas também aqui estão agrupados os países com as mais elevadas taxas de desemprego, bem como de pessoas (sobretudo mulheres) dedicadas a trabalho não pago de cuidado de crianças e outros familiares dependentes. Neste conjunto encontramos ainda alguma presença de cidadãos estrangeiros e mais de dois terços declara identificar-se com a religião dominante (católica), tendo pouca expressão os que se reconhecem numa outra religião.
Desigualdades e inclusão social
Neste capítulo, analisam-se os efeitos mediadores das desigualdades sociais sobre as condições de inclusão social e destaca-se a variável que se revelou significativa: utilização da internet (minutos/dia). Os Modelos de Regressão Múltipla demonstraram a existência de indicadores de desigualdade relacionados com a utilização da internet em cada cluster (Tabela 3). No modelo de regressão, as variáveis qualitativas são apresentadas em comparação com uma categoria de referência (†), correspondente ao segmento em que se pretende detetar os benefícios/dificuldades de inclusão.
Em qualquer um dos contextos em análise, existe um efeito negativo da idade sobre o tempo de utilização da internet. Refletindo a intensificação do fosso digital associado às pessoas mais velhas - aqui observado através do indicador de utilização da internet, mas que se consubstancia nas desiguais condições de acesso, de posse de aparelhos digitais/tecnológicos e de competências de uso (Gallistl et al., 2020) - à medida que os indivíduos envelhecem, o tempo de utilização da internet diminui. Nestas segmentações evidenciam-se, igualmente, relações intersecionais, cumulativas e multidimensionais das desigualdades sociais (Costa, 2012; Radovanovic, 2020). Os indivíduos mais velhos, tendencialmente menos escolarizados, com rendimentos inferiores e menos competências digitais, são também aqueles que, com maior frequência, tendem a ficar excluídos do mundo digital (Almeida, 2013).
Entre os fatores que influenciam a utilização da internet, os recursos de literacia digital de que os indivíduos são portadores revelam-se cruciais (Reisdorf & Rhinesmith, 2020). No entanto, este efeito não é linear, como se pode observar no cluster 2. Na comparação com o Sul, os países posicionados neste agrupamento já nos anos 1990, apresentavam perfis de educação melhorados, sem que tal se refletisse, de forma clara, nas condições de vida e de participação dos seus cidadãos (Mauritti et al., 2016). Neste caso, a influência da educação sugere ser mediada pelo contexto cultural, tecnológico e político - “pós-comunista” e “pré-moderno” (Almeida, 2013, p. 218) - que os caracteriza. E também pela transversalidade de constrangimentos materiais que configuram as condições de vida e de participação social de ainda boa parte das suas populações. Neste sentido, observa-se que também o rendimento afeta positivamente o tempo de utilização da internet em todos os clusters, embora mais notavelmente no cluster 2, onde se estima que por cada 1% de aumento do rendimento, esse tempo aumenta em média cerca de 25 minutos.
Verifica-se que as mulheres utilizam a internet aproximadamente 10 minutos menos do que os homens, embora este efeito seja apenas significativo no cluster 1. Desta forma, a diferenciação de género assinalada no tempo de utilização da internet denota, também nestes países, tendencialmente mais igualitários, a existência difusa de sistemas culturais patriarcais que continuam a ter efeitos nas práticas de utilização de meios de comunicação e informação digitais. Para uma leitura contextualizada destes dados, seria importante compreender em que medida tais diferenciações se intersetam com outros traços de desigualdades, nomeadamente se são incidentes nos segmentos de população feminina de baixas-qualificações ou em setores marcados por menores oportunidades de participação plena (Arroyo, 2020).
Em relação à etnicidade, o cluster 2 revela efeitos significativamente negativos. Estima-se que os indivíduos pertencentes a uma minoria étnica, em termos médios, utilizam 33 minutos menos a internet diariamente. No cluster 3, a etnia foi também considerada como um fator com implicações semelhantes para a utilização da internet, exceto que nestes países se verificou que os indivíduos pertencentes a uma minoria étnica a utilizam em média mais 15 minutos por dia em comparação com os indivíduos não pertencentes a grupos étnicos. Para uma clarificação destas relações importaria considerar também as composições sociais de classe das minorias étnico-raciais nas configurações de países em destaque: no Leste, os dados sugerem uma segmentação da presença de minorias sobretudo nas posições executantes e no operariado; no Sul, uma maior transversalidade, com alguma participação em segmentos de maior qualificação e prestígio social, refletindo-se na maior intensidade de utilização de meios digitais.
Relativamente à estrutura de classes - onde a categoria de referência é a dos empregados executantes, envolvendo trabalhadores assalariados de base dos serviços administrativos, comerciais, pessoais, de proteção e segurança -, os clusters 1 e 3 demonstram resultados semelhantes. As classes sociais com mais recursos económicos, poder e estatuto social (empresários, dirigentes e profissionais liberais) e os segmentos de empregados com qualificações mais elevadas (profissionais técnicos e de enquadramento) passam mais tempo a utilizar a internet no dia-a-dia. Inversamente, os trabalhadores independentes e os operários utilizam menos a internet do que os empregados executantes. No cluster 2, os trabalhadores independentes passam em média mais 36 minutos a utilizar a internet do que a classe de referência, por outro lado, estima-se que os operários utilizam menos 23 minutos.
(†)Categorias de referência. (*) Estatiscamente significativo 0.10; (**) 0.05; (***) 0.01 Fonte: ESS (2016).
Quando se trata da categoria referente à condição económica, em todos os clusters os estudantes e os desempregados apresentam relações significativas de uso de internet. Relativamente aos estudantes, observa-se uniformemente que estes tendem a utilizar mais a internet do que os que exercem uma atividade. Quanto aos desempregados, tanto nos países nórdicos como nos do Sul o uso de internet tende a ser maior; no Leste é ao contrário. Tais variações sugerem perfis sociodemográficos e qualificacionais, mas também, eventualmente, quadros de referência cultural heterogéneos da população desempregada nestas regiões europeias.
Em todos os clusters, os indivíduos que se identificam com a religião dominante no país têm uma média diária mais baixa de tempo de utilização da internet. Esta relação é intensificada no cluster 1, em que pertencer a uma religião (seja ela a dominante ou não) está relacionado com passar menos tempo online. Também os indivíduos com incapacidade ou deficiência tendem a utilizar menos a internet. Este efeito é mais proeminente nos clusters 1 e 2.
Desigualdades e inclusão económica
Relativamente à inclusão económica, as variáveis referentes ao tipo de contrato de trabalho são particularmente notáveis. A análise engloba os trabalhadores com contrato a termo e sem contrato (Tabela 4) e a insegurança económica (Tabela 5).
Tipo de contrato de trabalho
Para determinar os indicadores de desigualdade que explicam a propensão relativamente a estes dois tipos de contrato de trabalho (contrato a termo e sem contrato de trabalho), efetuou-se uma regressão logística binária em cada cluster (Tabela 4).
Em todos os clusters de países, o aumento da idade e do rendimento dos indivíduos diminui a chance de não ter contrato ou de ter um contrato a termo. Tal implica que tendem a ser os mais jovens e os que auferem menos rendimentos, os protagonistas dos contratos de trabalho precários, sem acesso a condições de proteção laboral, salários justos ou à possibilidade de construir perspetivas de carreira e de futuro. Tal como em Almeida (2013), na análise de dados reportada ao ESS 2002-2008, poderá assumir-se, de forma inversa, que as gerações mais velhas e com mais rendimentos protagonizam situações mais favoráveis, com acesso a condições de trabalho mais estáveis e vínculos contratuais duradouros.
Em relação ao efeito da escolaridade, nos países do cluster 1, o aumento de um ano de escolaridade aumenta em 1,8% a probabilidade de ter uma situação precária; o efeito é contrário nos países do cluster 3 (com processos de escolarização mais recentes), onde o aumento de um ano de escolaridade diminui em 4,6% a possibilidade de situações precárias.
Apenas o cluster 3, apresenta como significativa a diferença de género. Aqui as mulheres apresentam uma probabilidade 44% maior do que os homens de terem contratos a termo ou de não terem contrato. Neste conjunto de países são assim evidentes os efeitos estruturais das desigualdades de género na inclusão e estabilidade laboral, bem como nas oportunidades de progressão de carreira (Torres, 2018).
Nos clusters 1 e 2 a perceção autodeclarada de pertença a uma minoria étnica aumenta a possibilidade de ter vínculos contratuais precários. Nestes contextos, também os indivíduos não naturais do país apresentam maior propensão para contratos a termo e ausência de contrato. Estas condições são coerentes com o observado antes, nesta análise, a propósito das perceções de discriminação.
Relativamente à estrutura de classes, no segmento de trabalhadores em assalariamento, em todos os conjuntos de países, os profissionais técnicos e de enquadramento, uma categoria que se distingue pelo seu perfil de qualificações melhorado e pela sua posição de favorecimento na hierarquia das organizações, têm menos precariedade do que os empregados executantes (EE). Quanto aos operários, denotando uma estrutura qualificacional diferenciada a Norte, verifica-se que neste contexto aqueles mantêm condições de maior estabilidade face aos EE; enquanto a Leste e no Sul, o seu perfil relativamente mais desqualificado reflete-se nas suas condições laborais pautadas por maior instabilidade (Mauritti et al., 2016).
Quanto aos efeitos da religião, nos países do cluster 3 a identificação com a religião predominante associa-se à menor precariedade.
Insegurança económica
Uma das formas de monitorizar a inclusão económica consiste em aferir as perceções dos sujeitos em relação às suas dificuldades para fazer face à gestão do agregado; bem como as perspetivas que têm perante a possibilidade de perderem o emprego. São estas duas dimensões que integramos nos modelos de regressão referentes aos resultados de perceção de insegurança económica. As análises realizadas permitiram identificar relações significativas dos indicadores de desigualdade com esta dimensão (Tabela 5).
No cluster 1, observa-se o efeito negativo da idade sobre a insegurança económica, sugerindo menores níveis de insegurança entre a população mais velha. Os anos de escolaridade apresentam-se também negativamente relacionados com a insegurança económica nos clusters 1 e 3. Em contrapartida, também nestes contextos, e de forma coerente com análises anteriores, ser mulher associa-se a scores mais elevados de insegurança económica.
Em todos os clusters, o rendimento destaca-se como fator mitigador da insegurança económica, estimando-se que o seu aumento esteja associado à diminuição significativa dos scores. Outro traço transversal associa a situação de deficiência (doença, incapacidade ou problema mental) ao sentimento de insegurança.
Relativamente aos efeitos da estrutura de classes, as associações com a insegurança económica variam entre clusters. No cluster 1, apesar de terem vínculos contratuais relativamente estáveis, os operários denotam maiores níveis de insegurança; pelo contrário, a pertença a categorias como a dos profissionais técnicos e de enquadramento e dos trabalhadores independentes relaciona-se com níveis inferiores de insegurança económica. No cluster 2, os posicionamentos sociais de classe marcados por maior favorecimento social e económico (EDL e PTE) estão associados a níveis mais baixos de insegurança económica. Relativamente ao cluster 3, para além destas duas classes, também os trabalhadores independentes se associam a scores de menor insegurança económica.
(†)Categorias de referência. (*) Estatiscamente significativo 0.10; (**) 0.05; (***) 0.01 Fonte: ESS (2016).
Os efeitos da condição económica também variam entre clusters. No cluster 1, os estudantes e reformados têm associados scores de insegurança económica mais baixos. Pelo contrário, as pessoas com deficiência ou as que fazem trabalho doméstico e, com maior destaque as desempregadas, tendem a apresentar scores mais altos de insegurança económica. No cluster 2, as perceções de insegurança económica aumentam entre os desempregados e as pessoas com deficiência. O cluster 3 é semelhante ao cluster 1, apesar de a condição mais diferenciadora ser relativa ao segmento de pessoas domésticas, que tendem a reportar scores mais baixos de insegurança económica.
Apenas no cluster 2 (países com menor presença de minorias étnicas) a pertença a um grupo étnico está correlacionada de forma significativa com a maior insegurança económica. Nos clusters 1 e 3, os estrangeiros ou naturais de outro país tendem a apresentar scores mais altos de insegurança económica.
Observa-se ainda que a religião é também um indicador com efeito significativo nesta variável. Em todos os clusters, estima-se que os indivíduos que se identificam com a religião predominante no país se associam a scores mais baixos de insegurança económica. No cluster 1, verificou-se também um efeito idêntico no caso dos indivíduos que se identificam com uma religião não dominante no país onde residem.
Desigualdades e inclusão política
Relativamente à inclusão política, os modelos de regressão mostram relações significativas com as desigualdades nas três variáveis: capacitação política e responsividade, confiança institucional e práticas de ação coletiva (Tabela 6).
Capacitação política e responsividade
O aumento da idade e do número de anos de educação está associado a scores mais elevados de capacitação política e responsividade nos clusters 1 e 3. Em todos os clusters, o rendimento e o género influenciam os níveis de capacitação política e responsividade, onde as mulheres estão associadas a scores mais baixos, e um aumento no rendimento está associado a scores mais altos.
No cluster 1, as pessoas com deficiência tendem a apresentar uma diminuição significativa nos níveis de capacitação política e responsividade.
No cluster 3, as pessoas que se identificam como membros de uma minoria étnica tendem a demonstrar um aumento da capacitação política e responsividade.
Os clusters também diferem na forma como as variáveis são influenciadas pela estrutura de classes. No cluster 1, os empresários, dirigentes e profissionais liberais (EDL), os profissionais técnicos e de enquadramento (PTE) e os trabalhadores independentes (TI) estão associados a uma maior capacitação política e responsividade. Em contraste, a pertença à categoria dos operários tende a relacionar-se com o menor engajamento político. Nos clusters 2 e 3, o que mais se destaca é o efeito de pertencer à categoria dos EDL e dos PTE, sobre o aumento da capacitação política e responsividade em relação aos empregados executantes. A principal característica diferenciadora entre estes clusters é que no cluster 3 a pertença à categoria dos operários ou TI associa-se a scores baixos.
Relativamente à condição económica, os clusters 1 e 3 mostram que ser estudante tende a aumentar os scores de capacitação política e responsividade, relativamente aos que fazem trabalho pago. No cluster 1, estar reformado e, em maior grau, ter uma deficiência tende a diminuir a capacitação política e responsividade. No cluster 3, o desemprego prejudica a perceção de capacitação política e a responsividade.
Não ter nascido no país de residência é uma condição que reduz a capacitação política e responsividade em relação às pessoas nascidas no país, nos clusters 1 e 3.
Finalmente, observou-se que a religião é novamente um indicador que afeta a inclusão, mas com diferentes implicações nos vários clusters. No cluster 1, a identificação com uma religião (dominante ou não) está associada a scores mais elevados de capacitação política e responsividade. No cluster 2, o efeito é notável apenas para indivíduos que se identificam com uma religião que não é a dominante, enquanto no cluster 3 são os indivíduos que se identificam com a religião dominante no país de residência que reportam scores mais elevados.
Confiança institucional
Entre os modelos analisados para a variável da confiança institucional, apenas o do cluster 1 provou ser de qualidade suficiente para análise (Tabela 6). Nos outros contextos, os resultados desta variável não parecem depender dos indicadores de desigualdade considerados.
Os resultados revelam a influência negativa de certos indicadores na confiança institucional, nomeadamente idade (mais velhos), género (feminino) e, com maiores implicações, pessoas com deficiência (aqueles que a têm). Em contraste, o aumento do número de anos de escolaridade ou do rendimento está associado a scores de confiança institucional mais elevados.
Em termos da estrutura de classes, verifica-se que a pertença a categorias mais favorecidas (empresários, dirigentes e profissionais liberais e profissionais técnicos e de enquadramento) se associa a níveis mais elevados de confiança institucional, relativamente aos empregados executantes. Por outro lado, a pertença à categoria dos operários associa-se a níveis ligeiramente inferiores.
O local onde se nasce e a religião também influenciam a confiança institucional. Os indivíduos que não nasceram no país de residência ou que se identificam com uma religião (dominante ou não) estão associados a scores mais elevados.
Práticas de ação coletiva
A última variável a ser considerada remete para práticas de ação coletiva, envolvendo um conjunto de ações com potencial de impacto nas relações e contextos institucionais que envolvem experiências pessoais e coletivas multifacetadas (Nunes, 2013). Compõem o índice em referência ações reportadas aos últimos 12 meses como: assinar uma petição, trabalhar numa organização do terceiro setor ou estrutura associativa, trabalhar num partido político, postar ou partilhar algo sobre política ou boicotar produtos. Nesta análise, como nas anteriores, procuramos perceber de que forma as características de desigualdade, com os recursos de oportunidade e constrangimento que lhes são específicas, interatuam nessas práticas.
Na análise da Tabela 6, a idade apresenta-se como uma variável de mediação com efeitos estatisticamente significativos nas regiões de Leste e Sul da Europa, sugerindo a importância de enquadramento histórico e cultural que enforma essas práticas, bem como dos contextos de desigualdade que as possibilitam e suscitam (Nunes & Raposo, 2018; Savage, 2021). No cluster 2, envolvendo países da ex-URSS, o efeito é positivo, sugerindo que o aumento da idade é acompanhado por níveis mais elevados de práticas de ação coletiva. Pelo contrário, no cluster 3, a idade tem um efeito negativo, indicando que com o aumento da média etária diminuem essas práticas. Ainda na componente sociodemográfica, também aqui, ser mulher está associado a scores mais baixos de ação coletiva em todos os clusters. Pelo contrário, ter uma deficiência associa-se ao aumento dos scores das práticas de ação coletiva nos clusters 1 e 3.
Relativamente ao efeito da naturalidade, os estrangeiros têm scores mais baixos nas práticas de ação coletiva nos clusters 1 e 3 - sugerindo a presença de desafios ligados à sua representação (Fraser, 2008), mas não no cluster 2 (países onde a sua presença tende a ser diminuta). Verificou-se também que, no cluster 1, a identificação com uma religião (dominante ou não) afeta positivamente as práticas de ação coletiva, enquanto no cluster 2, os mesmos indicadores têm um efeito negativo sobre esta variável.
(†)Categorias de referência. (*) Estatiscamente significativo 0.10; (**) 0.05; (***) 0.01 Fonte: ESS (2016).
Estes resultados são coerentes com os obtidos noutras pesquisas que assinalam, precisamente, os desafios ligados à representação de mulheres (Fakih & Sleiman, 2022), de pessoas com deficiência e incapacidade, bem como de minorias linguísticas, étnicas e religiosas nos processos de participação política (Broderick et al., 2018; Fraser, 2008; Lamont, 2018). As variações observadas nos diferentes contextos, reportadas a segmentos específicos da população, relacionam-se com condições diversas em termos de representação e reconhecimento legal, administrativo e institucional.
No mesmo sentido, os efeitos da estrutura de classes nas práticas de ação coletiva variam consoante os clusters. No cluster 1, a pertença à categoria dos profissionais técnicos e de enquadramento (PTE) e, em maior grau, dos empresários, dirigentes e profissionais liberais tende a resultar em scores mais elevados, enquanto a pertença à categoria dos operários tem um efeito oposto. No cluster 2, a pertença às categorias dos PTE e, mais particularmente, dos trabalhadores independentes associa-se a níveis mais elevados de práticas de ação coletiva. No cluster 3, a categoria dos PTE destaca-se novamente como tendo um efeito positivo nos scores, enquanto a pertença à classe dos operários tem um efeito negativo.
Relativamente à condição perante o trabalho, no cluster 1, os efeitos mais proeminentes são o estatuto de estudante, com impacto positivo, e o estatuto de reformado ligado à maior desmobilização. No cluster 2, o efeito negativo das categorias dos reformados e das pessoas que fazem trabalho doméstico é mais significativo. Finalmente, no cluster 3, destaca-se o estatuto de estudante e (em menor grau) o estatuto de desempregado com efeitos positivos sobre as práticas de ação coletiva.
Tal como as desigualdades categoriais, também as desigualdades distributivas de educação (cluster 1, 2 e 3) e de rendimentos (clusters 1 e 2) influenciam positivamente esta variável.
Conclusão
Esta pesquisa exploratória permitiu identificar os impactos multidimensionais das desigualdades sociais sobre a inclusão. Os resultados obtidos assinalam como as diferentes dimensões das desigualdades categoriais - o género, a classe social, a religião, a pertença a um grupo etário ou a uma minoria étnica, a condição perante o trabalho, ter uma incapacidade ou deficiência ou ser, ou não, natural do país - e distributivas - relativas aos recursos de que os indivíduos são detentores, como a educação ou os rendimentos - se correlacionam entre si (Costa et al., 2018; Mauritti et al., 2016). Foi possível revelar as interações complexas, cumulativas e sistémicas das desigualdades sociais nos efeitos que produzem (Alvaredo et al., 2018; Piketty, 2020), bem como demonstrar que as mesmas se relacionam com as condições e perceções de inclusão social, económica e política nos vários países analisados.
Apesar do estatuto da Europa como berço da modernidade, o nível de inclusão social, económica e política observado nos países em referência reflete um continente heterogéneo e assimétrico (Beckfield, 2019; Silver, 2015), que tende a excluir da esfera económica, social e política da sociedade segmentos vulneráveis da população (Broderick et al., 2018). Colocam-se desafios acrescidos à sociedade digital (Reisdorf & Rhinesmith, 2020; van Deursen & van Dijk, 2015), às instituições do Estado social e à produção de capital social inclusivo (Carmo & Nunes, 2013), especialmente num contexto europeu transnacional que mantém, em termos económicos, as suas ideologias liberais e tendências de desregulamentação do mercado de trabalho (ILO, 2020; Kalleberg, 2018).
A análise desenvolvida permitiu ainda demonstrar que os sistemas institucionais e legais dos estados nacionais apresentam condições de oportunidades e de recursos desiguais entre si, refletindo o efeito do “país” sobre as diferentes esferas da inclusão social, económica e política e colocando em evidência mecanismos (in)igualitários (Costa et al., 2018; Mauritti et al., 2016; Therborn, 2013) que não se repartem da mesma forma no conjunto dos países europeus.
Sistemas de proteção social robustos que tendem a proteger os indivíduos em situações de maior vulnerabilidade e a reduzir as disparidades sociais, como é o caso dos países no Norte da Europa (Almeida, 2013; Torres, 2018), relevam-se mais efetivos na garantia de promoção de melhores condições de vida e participação social dos cidadãos (Stiglitz et al., 2019; Therborn, 2020). Tal é patente, na componente política, nos níveis melhorados de capacitação política e responsividade, confiança nas instituições e engajamento coletivo; na componente económica, nos níveis melhorados de segurança económica e maiores taxas de sindicalização; na componente social, nos maiores níveis de confiança interpessoal entre os cidadãos e também nas condições alargadas de integração na sociedade digital através da utilização da internet.
Nesta pesquisa tendo como enfoque o ODS 10, mais especificamente, a Meta 10.2: “Até 2030, capacitar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, género, deficiência/incapacidade, etnia, origem, religião, condição económica ou outra” (Resolution No. A/RES/70/1, 2015, p. 21), pretendeu-se contribuir para a conceção de um sistema de indicadores harmonizados, que permita apoiar a análise das desigualdades e da inclusão de forma teórica e empiricamente consistente nos diversos países. Desta forma, propomos indicadores complementares ao indicador global - Proporção de pessoas que vivem em agregados familiares com um rendimento inferior a 50% do rendimento mediano, por sexo, grupo etário e tipo de limitação - que tem sido utilizado pelas diversas instâncias internacionais para monitorizar esta meta.
Os indicadores propostos nesta pesquisa, suportados em bases de microdados do European Social Survey (de acesso livre) referentes ao ano de 2016, possibilitam a aferição multidimensional sobre as perspetivas intersubjetivas, dinâmicas simbólicas associadas e condições objetivas de participação dos cidadãos, nas diferentes componentes de inclusão. O enquadramento teórico na problemática das desigualdades sociais dá corpo à monitorização dos avanços/recuos face à meta definida, tendo em conta desafios experimentados, não apenas pelas populações em geral dos diversos países, mas também, por segmentos específicos que lidam com diferentes tipos de barreiras materiais, normativas, institucionais ou legais.
A análise aqui efetuada poderá ser o ponto de partida para outras investigações futuras que se debrucem acerca da problemática das desigualdades sociais e da inclusão numa perspetiva comparativa.