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SOCIOLOGIA ON LINE

versão On-line ISSN 1647-3337

SOCIOLOGIA ON LINE  no.31 Lisboa jun. 2023  Epub 27-Jul-2023

https://doi.org/10.30553/sociologiaonline.2023.31.2 

Artigo Original

O OLHAR SOCIOLÓGICO SOBRE A SOCIEDADE CIVIL, ECONOMIAS ALTERNATIVAS E O VOLUNTARIADO

THE SOCIOLOGICAL REGARD ON CIVIL SOCIETY, ALTERNATIVE ECONOMIES AND VOLUNTEERING

Sílvia Ferreira1  , Conceptualização, Investigação, Visualização, Redação do rascunho final, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5549-5168

Cristina Parente2  , Conceptualização, Investigação, Visualização, Redação do rascunho final, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-7500-7050

Raquel Rego3  , Conceptualização, Investigação, Visualização, Redação do rascunho final, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-7342-8695

1Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais. Av. Dias da Silva, 165, 3004-512 Coimbra, Portugal, E-mail: smdf@fe.uc.pt

2 Departamento de Sociologia, Instituto de Sociologia, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Av. Panorâmica, s/n, 4150-574 Porto, Portugal, E-mail: cparente@letras.up.pt

3 Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9, 1600-189 Lisboa, Portugal, E-mail: raquel.rego@ics.ulisboa.pt


Resumo

Através de uma revisão da literatura, este artigo procura sistematizar as especificidades da análise sociológica que trata da “sociedade civil, economias alternativas e o voluntariado”. Não se pretendeu ser exaustivo na abordagem proposta, mas ilustrar a diversidade dos contributos sociológicos dentro de um campo de investigação recente e em crescimento de há 3 décadas a esta parte. Importa assumir que se trata de um objeto multidisciplinar pelo que a especificidade da análise sociológica pode surgir dissolvida. É na fronteira com a economia, a gestão e a ciência política, passando por diversas outras disciplinas, que os sociólogos, académicos e profissionais, têm dado vários contributos para a afirmação do campo. Em Portugal, a investigação sociológica, apesar de escassa, tem contribuído para o desenvolvimento e a institucionalização, tardia, do próprio campo. Em remate conclusivo, salientamos que existe um legado sociológico específico para o conhecimento e intervenção neste campo e que, tal como sucede noutros domínios, ele denota a variabilidade teórica e empírica de diferentes tradições e contextos geográficos.

Palavras-chave: sociologia; terceiro sector; economia social e solidária; associativismo.

Abstract

Through a literature review, this article seeks to systematize the specificities of sociological analysis dealing with “civil society, alternative economies and volunteering”. It is not intended to be exhaustive in the proposed approach, but rather to illustrate the diversity of sociological contributions within a field of research that is recent and growing over the last three decades. It is important to assume that this is a multidisciplinary object and therefore the specificity of sociological analysis may appear dissolved. It is on the borderline with economics, management and political science, passing through various other disciplines, that sociologists, both academics and professionals, have made various contributions to the affirmation of the field. In Portugal, sociological research, although scarce, has contributed to the development and (late) institutionalization of the field itself. In conclusion, we emphasize that there is a specific sociological legacy for knowledge and intervention in this field and that, as in other fields, it denotes the theoretical and empirical variability of different traditions and geographical contexts.

Keywords: sociology; third sector; social and solidarity economy; associationism.

Apresentação

A análise sociológica encontra-se institucionalizada há mais de um século embora as suas fronteiras permaneçam porosas. A complexidade dos fenómenos sociais e a sua multicausalidade e interdependência, bem como a combinação de metodologias e a sua triangulação, são marcos de um olhar sociológico que constitui a sua originalidade também nos limites das fronteiras disciplinares, seja da ciência política, da economia política e da gestão, seja da própria intervenção social.

A reflexão que propomos neste artigo procura sistematizar o que consideramos constituir a especificidade do enfoque da análise sociológica que trata da “sociedade civil, economias alternativas e o voluntariado”. Não se pretende exaustividade nas enumerações e discussões feitas mas a ilustração do pensamento sociológico dentro de um campo de investigação multidisciplinar em crescimento há cerca de três décadas a esta parte. Neste sentido, o sociólogo norte-americano, D. H. Smith iniciou, em 1970, a recolha de termos próximos, tendo desembocado num Dictionary of Nonprofit Terms and Concepts (Smith et al., 2006), com centenas deles; e, em outras geografias, o Dicionário Internacional da Outra Economia (Cattani et al., 2009) acrescentou mais de meia centena de termos relacionados.

A pluralidade de designações está marcada pelos contextos socioeconómicos e políticos dos investigadores e das realidades que estudam, das perspetivas disciplinares e teóricas e dos projetos políticos a que frequentemente se associam. Isto mesmo tem sido tema de preocupação dos investigadores deste campo, cientes do caráter socialmente construído e historicamente situado dos conceitos.

Temos noção de que a criação de um campo de investigação próprio, ainda que de fronteiras porosas, é muito posterior à existência das realidades que procura retratar. Os primeiros sociólogos preocuparam-se com a ação e as estruturas originárias na sociedade e inspiraram estudos posteriores. Weber inspira análises da sociologia económica, Parsons inspira a própria ideia de sector e função, Tönnies e Durkheim contribuem para as formulações sobre a solidariedade. Mas as propostas unificadas de um “sector” ou “campo” são mais recentes.

Nas páginas que se seguem, estruturamos o texto em quatro partes. Três destas correspondem genericamente a três formas de “entrada” para o olhar sobre este campo vasto e plurisemântico. Na primeira trabalhamos o “espaço” entre o Estado e a economia mercantil que se desenvolve em relação com o Estado-Providência e a sua crítica e crise, onde dominam termos como terceiro sector (TS), sector não lucrativo e algumas aceções do conceito de sociedade civil. Na segunda secção, ao trabalhar as economias alternativas, remetemos para uma abordagem de mercado que entende a economia como plural e integral. Uma economia que não fragmenta a vida em relações económicas e relações sociais, e que pretende recolocar as pessoas no centro da economia. Trabalhamos sobretudo a proposta da economia solidária como campo de análise e teorização que tem suscitado mais interesse no âmbito da sociologia.

Na terceira secção abordamos a ação voluntária e o associativismo, temas trabalhados na sociologia do voluntariado e na sociologia das associações, na sua relação com conceitos como os de comunidade, capital social e participação.

Finalmente, apontamos as abordagens da sociologia portuguesa, ainda dispersas e refletindo uma tardia maturação do campo científico, em consonância com a tardia e incompleta institucionalização do campo.

Sem ambição de exaustividade, procuramos, assim, fazer um esboço de caracterização dos olhares sociológicos sobre a “sociedade civil, economias alternativas e o voluntariado”.

Estado, sociedade civil e terceiro sector

O elemento comum dos diversos conceitos que emergem para descrever um TS, é a sua (re)invenção em contexto de transformações no papel do Estado no bem-estar social, emergindo discursiva e estrategicamente quer como alternativa quer como aliado, a partir dos anos 1970 (Ferreira, 2009).

A delimitação deste TS implicou um trabalho de definição que foi central para a sua afirmação (Alcock, 2010) e para a sua governação (Nickel & Eikenberry, 2016). O sector não lucrativo foi definido como sendo constituído por organizações formais, privadas, sem fins lucrativos, autogovernadas e voluntárias (Salamon & Anheier, 1992). A proposta mais saliente foi liderada por Lester Salamon, no âmbito do “Comparative Nonprofit Sector Project”1. É neste projeto que surge a preferência pela utilização do conceito de sociedade civil, dando relevo às dimensões política e cultural, a par das dimensões social e económica (Heinrich, 2005). A associação do setor não lucrativo, voluntário ou da filantropia ao conceito de sociedade civil proposta por autores do campo dos estudos do terceiro setor (por exemplo, Deakin, 2001), sobretudo por perspetivas que colocam a sociedade civil num terceiro espaço entre a esfera política e a esfera económica, contribui para a delimitação do conceito. Gramsci é, nesse sentido, uma importante referência analítica ao colocar em relação estas diferentes esferas, por exemplo, nas discussões sobre a relação entre Estado e terceiro setor e o papel hegemónico e/ou contra-hegemónico da sociedade civil (Katz, 2006).

A tradição da sociologia estrutural funcionalista de Parsons foi mobilizada para a própria ideia de “sector” e para informar abordagens sobre diferentes funções e papéis. Se para alguns autores as organizações do terceiro sector (OTS) ocupavam um lugar específico na sociedade, relacionado com as funções de integração e cultural (Donati, 1996; Van Til, 1988), para outros as OTS operam nas quatro funções, económica, cultural, política e construção de comunidade (Salamon et al., 2004).

A sociologia Luhmanniana inspira a ideia de que OTS estão acopladas a vários sistemas funcionais como o económico, o político e o da comunidade (Ferreira, 2014; Neumayr et al., 2010). O TS é percebido como resultado da diferenciação funcional (Will et al., 2018) ou como uma resposta à necessidade de estabelecer acoplamentos entre diferentes sistemas sob diferenciação e complexidade sociais (Donati, 1996).

Estas abordagens foram mobilizadas para descrever o TS como estando em tensão com o Estado. Como descreve Villadsen (2008), existe uma tendência para se procurarem diferenças em vez de semelhanças e o Estado como impondo a sua racionalidade ao TS. Esta distinção entre uma racionalidade instrumental e técnico-científica de Estado e a proximidade e intersubjetividade do TS estão presentes na tradição sociológica de Weber, Tönnies e Habermas.

As abordagens sociológicas têm estudado o modo como as OTS se posicionam em relação com outras organizações, atores e discursos. Com recurso à teoria bourdieusiana do campo, alguns autores estudam o posicionamento das OTS em campos que são arenas de luta entre diferentes agentes, desenvolvendo estratégias de distinção (Macmillan, 2013). A teoria dos campos de ação estratégica (Fligstein & McAdam, 2011) liga a investigação sobre TS à investigação sobre movimentos sociais, analisando a ação estratégica das OTS na construção de coligações e na partilha de significados para formação do campo (Lang & Mullins, 2020).

Na sociologia pragmática, em convergência com a economia das convenções, tem sido mobilizada a teoria das ordens de valor, de Boltanski e Thevenot (2006), para compreender os valores e práticas de diferentes tipos de OTS, com particular ênfase na ideia de que estas organizações confrontam-se com várias ordens de valor a partir das quais justificam as suas práticas em contextos específicos (Petzinger et al., 2021). Alguns autores percebem as OTS como realizando compromissos entre diferentes ordens em tensão (Enjolras, 2004).

A marca distintiva das abordagens sociológicas é a atenção ao contexto e às interações que dão origem às organizações que povoam o TS (DiMaggio & Anheier, 1990; Sager, 2010). É a partir destas perspetivas que se criticam as abordagens dos fracassos do Estado e do mercado, provenientes da economia neoclássica. Lester Salamon (1987) explica o Estado-Providência como resposta a fracassos da filantropia: insuficiência, particularismo, paternalismo e amadorismo. DiMaggio e Anheier (1990) explicaram o aumento do número de OTS com o desenvolvimento do Estado-Providência. Salamon e Anheier (1998) utilizaram a teoria da mobilização de recursos para explicar o TS em diferentes países, formulando uma teoria das origens sociais.

As abordagens institucionalistas são atualmente proeminentes nos estudos do TS a partir de diferentes disciplinas. O institucionalismo histórico enfatiza trajetórias dependentes da história das instituições onde as organizações estão imersas (Meyer et al., 2020), e o institucionalismo sociológico tem também em conta a dimensão cultural para explicar transformações nas OTS ou no seu contexto (Bromley & Meyer, 2017). No novo institucionalismo, uma importante linha de investigação foi desenvolvida em torno da ideia de campo organizacional, composto por organizações envolvidas na produção e distribuição de um bem ou serviço. DiMaggio e Powell (1983) referem-se à estruturação deste campo organizacional através de um aumento das interações entre organizações, à presença de estruturas organizacionais federativas, ao aumento da informação e ao desenvolvimento de uma consciência mútua. O conceito de isomorfismo institucional (DiMaggio & Powell, 1983), explica a semelhança entre organizações a partir das influências das instituições públicas, das outras organizações e das culturas profissionais.

Também, as abordagens ecológicas às organizações, incluindo as perspetivas evolucionistas, percebem as características das OTS a partir de efeitos do ambiente, surgindo como alternativa às abordagens que as percebem dependendo inteiramente de fatores intrínsecos gestionários (Helmig et al., 2010).

Existe também o olhar sobre os efeitos das OTS na sociedade. Anheier (2004) construiu um índice de sociedade civil, aplicado internacionalmente no âmbito da CIVICUS - Global alliance of civil society organisations and activists, na perspetiva de que uma sociedade civil com ações cidadãs fortes são boas para a democracia. Nas abordagens ao capital social, a existência de um TS forte é uma das condições para elevados níveis de capital social. O conceito de impacto social concentra muitos estudos que procuram avaliar e medir os efeitos do TS na sociedade (Bassi & Vincenti, 2015). O olhar sociológico sobre este debate assinala a complexidade e dificuldade de avaliação e mensuração do impacto, como se conclui com no projeto “Third Sector Impact” (Enjolras & Sivesind, 2018). Estuda-se, também, o modo como as OTS lidam com as tensões relacionadas com a prestação de contas (Bode, 2010).

O mercado e a economia social e solidária

A economia social e solidária europeia remonta ao início do século XIX, sendo originária da tradição do cooperativismo operário e associativismo das classes populares que se organizaram para fazer face às vicissitudes da exploração causada pelo capitalismo industrial europeu.

Como resultado do crescimento económico da reconstrução da Europa do pós segunda Grande Guerra e da institucionalização do Estado Providência, a economia social (ES), institucionalizou-se. No âmbito dos estudos europeus, marcados pelo protagonismo das cooperativas, mutualidades e associações, a ES foi descrita como contendo dois subsectores, um não mercantil e outro mercantil, remetendo, respetivamente, para as organizações não lucrativas, frequentemente operando em proximidade com o Estado e para as organizações que operam no mercado sob forma cooperativa ou outras formas de organização produtiva democrática. Estes autores têm também desenvolvido um trabalho de quantificação importante para a afirmação e reconhecimento da ES (Centre international de recherches et d’information sur l’économie publique, sociale et coopérative [CIRIEC], 2000; Monzón & Chaves, 2017).

Ao institucionalizar-se, a ES perdeu força reivindicativa e de luta pela transformação social. A partir de meados dos anos 1970, a crise do modo de regulação capitalista favoreceu o surgimento do conceito de economia solidária que, em rutura com a ES institucionalizada, se afirma como a matriz progressista e gérmen de um novo projeto societal.

Tem-se assistido à formulação de outros conceitos a partir de origens geográficas menos eurocêntricas como os de “economias alternativas”, “economias transformadoras” e de “outras economias”, sejam elas solidárias, feministas, populares, familiares, de subsistência, comunitária, cooperativa, etc. Em comum têm o seu afastamento face à racionalidade instrumental e ao individualismo utilitarista, característico do padrão clássico da economia de mercado. De entre estas modalidades, a que tem tido mais eco no âmbito da sociologia é a vertente da economia solidária, alvo de abordagens reflexivas seja da sociologia económica, seja da sociologia do trabalho e das organizações - é a esta vertente que dedicaremos as próximas páginas, não sem a relacionar com o conceito originário de ES.

A tradição sociológica europeia sobre a ES é fortemente influenciada pelo institucionalismo, nomeadamente com o trabalho de economistas como José Luis Monzón Campos, Rafael Chaves Ávila, Jacques Defourny, e sociólogos como Jean-Louis Laville, Jordi Estivill, Patrick Delvetere, entre outros. É assim, também, que a partir do contexto europeu emerge o conceito de empresa social, motivada por transformações e características dos seus contextos institucionais (Borzaga & Defourny, 2001; Defourny & Nyssens, 2017).

O conceito de economia solidária procura autonomizar-se em relação aos conceitos de ES, economia popular e TS (Estivill, 2018), visando, por um lado, reter aquilo que tem de comum com a ES e, por outro, distinguir-se da ES e das suas organizações, quase sempre maiores, mais antigas e institucionalizadas (Defourny & Develtere, 2009), com forte isomorfismo institucional com o Estado e a economia mercantil.

Assumindo forte expressão na Europa francófona na década de 1990, a economia solidária encontra um itinerário relevante no sul da Europa e na América Latina onde descreve um conjunto de iniciativas económicas implementadas pelas e para as populações mais pobres e desempregadas. Roque Amaro (2009) rotula a primeira de “versão francófona” discutida e afirmada por autores belgas, canadianos e franceses, respetivamente Jacques Defourny, Louis Favereau e Jean-Louis Laville; a segunda designa de “versão ibero-americana” com expressão em língua portuguesa e espanhola, destacando como representantes Paul Singer e Genauto França Filho no Brasil, José Luis Coraggio na Argentina e Jordi Estivill na Calatunha-Espanha; acrescenta ainda a “versão da macaronésia” que integra Portugal (Açores e Madeira), Cabo Verde e Canárias.

Concetualmente, a economia solidária conjuga-se na complementaridade entre dinâmicas mercantis (baseada na venda de bens e serviços no mercado), não mercantis de redistribuição (a partir das relações, protocolos, contratos com instituições estatais e para-públicas) e não monetária (onde dominam as relações comunitárias, familiares, de vizinhança baseadas na reciprocidade, entreajuda e dádiva). Uma complementaridade que se traduz simultaneamente numa integração entre as lógicas produtivas e reprodutivas (esta últimas sempre excluídas dos raciocínios económicos clássicos).

É, por isso, um campo amplo de iniciativas e práticas onde ganham forma modos alternativos de trabalho e de criação de rendimento, propondo um projeto político de sociedade, inspirado na emancipação das pessoas (ao invés da sua alienação), na atuação local e na pequena escala (ao invés da desterritorialização e globalização), concretizado em mudanças concretas que permitem pensar em novos rumos para as sociedades com foco na sustentabilidade da vida, em condições de justiça ecosocial. Com uma orientação focada no nível micro, propõe um modo de vida que respeita os ritmos da natureza e das pessoas, onde os vínculos sociais de reciprocidade (mais ou menos formal, seja associativo, cooperativo, vizinhança ou comunitário) se sobrepõem ao interesse material e individual.

Como sintetiza Pedro Hespanha (2018), as âncoras das práticas de economia solidária radicam em 4 princípios diferentes da economia de mercado: i) gestão democrática ou a autogestão; ii) solidariedade entre iguais; iii) dimensão política; iv) dimensão ambiental.

As abordagens de que é alvo são subsidiárias particularmente da sociologia e da ciência política, sendo objeto de trabalho de académicos, muitas vezes, de autores também eles ativistas, de todos os lugares do mundo. Assumem um caráter descritivo, muito marcado pelo relato das experiências nacionais.

Os estudos revelam uma nítida preocupação em sistematizar as práticas, refletindo sobre 2 eixos temáticos principais: i) a descrição do que fazem, como fazem e com quem fazem, destacando os procedimentos operacionais, nomeadamente as estruturas organizacionais, as modalidades de gestão, dificuldades e entraves quer a nível micro das organizações de base, coletivos e grupos, quer ao nível macro das organizações representativas e formas de funcionamento regionais e nacionais; ii) a relação com o Estado onde figura seja a propositura de políticas e programas de fomento, seja a avaliação das políticas públicas nacionais e regionais/locais de apoio ao desenvolvimento da economia solidária. A título de exemplo cite-se no primeiro eixo os trabalhos de Hillenkamp (2016), Lucas dos Santos (2011) e Suriñach (2017) ou os trabalhos desenvolvidos no âmbito da designada tecnologia social, muito disseminada no Brasil quer pelo Fórum Brasileiro da Economia Solidária, quer pela extinta Secretaria Nacional da Economia Solidária. No segundo eixo, e de novo a título ilustrativo, são marcantes os trabalhos de Jean-Louis Laville em França, do Jordi Estivill na Catalunha, Paul Singer no Brasil.

Do ponto de vista teórico, a leitura da sociologia sobre as economias alternativas terá sido inaugurada pelas interpretações marxistas do século XIX, hoje tão visíveis nas abordagens institucionalistas. Karl Marx foi pioneiro a questionar a universalidade e a inevitabilidade do sistema capitalista, pressuposto assumido pelos economistas clássicos. Demonstrou através do materialismo histórico como ao longo do processo de evolução das sociedades se foram construindo diferentes tipos de relação de exploração. A relação de exploração designada de assalariamento não é natural, mas resulta de um processo socio-histórico construído por sujeitos com interesses e vontades.

O processo de descontextualização da economia capitalista e de dissociação dos fenómenos económicos da sociedade é mais recentemente reafirmado por Karl Polanyi (1957) que denuncia a confusão que se faz entre o mercado e a economia, questionando a legitimidade de se impor o mercado à sociedade, quando o mercado é apenas uma parte integrante das sociedades e uma forma, entre outras, de realização da vida material.

Em Marcel Mauss encontramos na perspetiva anti-utilitarista da dádiva cerimonial, um outro questionamento à teoria da ação racional da economia neoclássica: a obrigação de dar-receber-devolver remete para um princípio de reciprocidade operacionalizado em objetos sem qualquer valor material, mas apenas com o valor simbólico do laço social que estabelecem. Hoje as práticas de dádiva permanecem nas instâncias de socialização quer primária quer secundária, como mecanismos de reconhecimento e reforço dos laços sociais numa lógica de aliança e gratuitidade.

Sociedade, voluntariado e associativismo

A atividade humana fora do contexto profissional e da esfera familiar é muitas vezes considerada como “voluntária”, estando por isso associada ao tempo de lazer. Mas outras nomeações do voluntariado são frequentes, como participação social, ação social, etc. Nestes casos, o envolvimento em sociedade, aproxima o voluntariado de atividades como “ativista” ou “militante”, sendo que nestes casos se assume um posicionamento ideológico. Isto quer dizer que, nem todo o voluntariado se deve apelidar de ativismo ou militantismo, mas estas atividades são sempre qualificáveis como voluntárias. Falar de voluntariado pode, com efeito, remeter para uma multiplicidade de situações. Muitas vezes decorre em contexto organizacional e regulamentado juridicamente pelo que se apelida de “voluntariado formal”, mas outros atributos se lhe podem associar: voluntariado informal, voluntariado jovem, voluntariado internacional, voluntariado virtual, voluntariado empresarial, voluntariado comunitário, etc. O que parece dar unidade ao voluntariado é um conjunto de parâmetros, que diversos autores têm procurado estabilizar, mas que, diríamos, têm essencialmente em comum o facto de o voluntariado ser uma atividade exercida de livre vontade, sem retribuição e com um mínimo de continuidade.

A origem do interesse científico pelo voluntariado é muito antiga, havendo publicações científicas que remontam pelo menos a 1940 (Smith, 1994). O primeiro editor e fundador da ARNOVA - Association for Research on Nonprofit Organizations and Voluntary Action, David Horton Smith (ou D. H. Smith), sociólogo norte-americano, é um dos nomes incontornáveis no estudo do voluntariado e da própria constituição do campo, incluindo um interesse pelo campo das associações de base, frequentemente menosprezadas nos estudos do TS.

O interesse dos sociólogos pelo voluntariado prende-se em grande parte com o impacto que essa atividade tem, não só no indivíduo e na organização ou grupo, mas na sociedade de um modo geral. A este propósito sobressai a obra do politólogo norte-americano Robert D. Putnam que, em Making Democracy Work (1994), faz a articulação entre o nível micro e macro-analítico, mostrando o impacto que o envolvimento associativo tem em toda a sociedade. Trata-se de um dos estudos mais relevantes sobre “capital social”, onde a aquisição de uma rede social, a promoção da confiança e valores dos cidadãos deriva especialmente das organizações ou grupos onde ocorrem atividades voluntárias. Nesta obra, o autor mostra que a horizontalidade das relações estabelecidas em contextos associativos gera maior cooperação e esta favorece o desenvolvimento, enquanto que relações mais hierárquicas tendem a dificultá-lo.

Uma outra linha de investigação em torno do voluntariado particularmente explorada centra-se nas causas ou motivações. Mais recentemente iniciou-se inclusivamente uma explicação para o voluntariado do ponto de vista de fatores fisiológicos (Bekkers et al., 2016). Se os determinantes do voluntariado são multivariados e as classificações proliferam, uma divisão entre o que poderíamos de forma simples designar por motivos altruístas e instrumentais tem alicerçado um número significativo de estudos. Neste quadro, encontram-se economistas, gestores e juristas a debruçarem-se também sobre o tema. Também neste âmbito se tem questionado se o voluntariado é forma de encobrimento de trabalho não pago. De resto, o projeto da Universidade Johns Hopkins (Anheier & Salamon, 1999), referido atrás, foi um dos primeiros a salientar o valor económico do voluntariado ao quantificar o número de voluntários e a sua equiparação em termos de emprego.

A análise das consequências individuais do voluntariado nas trajetórias individuais (Rego, 2007) tem também dado origem a linhas de investigação e parece ser o domínio onde a sociologia mais tem contribuído. A perspetiva de o voluntariado afetar a carreira, no sentido beckeriano, é antiga. Um dos estudos mais conhecidos na literatura anglo-saxónica coube ao sociólogo norte-americano Doug McAdam (1986), que se debruçou sobre o impacto da trágica experiência do Freedom Summer Project de 1964 na carreira ativista dos seus participantes.

Mas também a literatura de tradição francófona se tem debruçado sobre o tema. Alguns estudos sobre militantismo consideram de resto que o envolvimento voluntário dos indivíduos plasma mudanças maiores na sociedade. Neste sentido, o sociólogo francês Jacques Ion (1997), no final do século passado, falava de um envolvimento distanciado, a que chamou mesmo de post-it, característica que se intensificou com as “associações virtuais”, promovidas na era digital (McNutt et al., 2018).

A terminologia de tradição francófona e anglo-saxónica levanta invariavelmente discussão. Para autores na linha da socióloga francesa Dan Ferrand-Bechmann (1991), voluntariado não é um termo satisfatório nestes casos e também não se pode confundir militante com “benévolo” (usando uma tradução literal dos termos). Para estes autores, o bénévole reporta-nos a uma ação solidária e à participação a que todos os indivíduos em algum momento da sua vida, da esfera familiar à esfera política, levam a cabo, sendo completamente alheio a objetivos políticos tal como ao pagamento sob qualquer forma.

Se o estudo do voluntariado se liga estreitamente ao estudo das associações, é preciso estar alertado para a diferença linguística. As associações na tradição francófona têm um sentido restrito, pois, por definição, são de adesão voluntária e contam com voluntários. Neste âmbito, assume-se claramente uma perspetiva micro-analítica com incidência nos indivíduos e privilegia-se, sobretudo, o método qualitativo na investigação. Mais recentemente, a existência de grandes bases de dados internacionais, como por exemplo o European Social Survey, permitem conhecer mais em extensão os comportamentos em diversos países.

O interesse pelo estudo da participação nas associações sofreu vagas ao longo do tempo, pois, como dito antes, este objeto tem constituído também um projeto de sociedade, para citarmos os sociólogos franceses Laville e Sainsaulieu (1997). Saliente-se que uma primeira vaga de interesse pelo estudo das associações ocorre nos anos 1970, quando, por exemplo, o sociólogo suíço Albert Meister (1972) assina diversas obras do que chama sociologia das associações. O autor dedica-se plenamente ao seu estudo, por exemplo sistematizando as fases de evolução das associações e fazendo considerações sobre a tendência para a profissionalização.

Não havendo comunicação entre as duas tradições científicas, note-se que também D. H. Smith (2015) propõe uma sociologia das associações voluntárias e propõe a organização da diversidade associativa através de uma estrutura que integra: o âmbito geográfico das suas atividades, o grau de dependência relativamente ao trabalho remunerado, o grupo que beneficia com a sua atividade, o tipo de membro, o grau de formalização e de reconhecimento governamental, os seus objetivos, entre outos elementos.

Se o voluntariado e as associações interessam à sociologia, várias disciplinas se têm dedicado também ao seu estudo: desde franjas da ciência política, onde expressões como grupos de interesse ou de pressão são centrais, a franjas da psicologia social, que têm por exemplo investigado o dilema da ação coletiva e o fenómeno do freerider.

Institucionalização e investigação em Portugal

O reconhecimento e a institucionalização

Em Portugal, apesar da Constituição da República de 1976 integrar explicitamente o setor social e cooperativo, ao lado do Estado e do Mercado a estruturação de um TS verificou-se tardiamente dado o contexto de fragmentação das “famílias” que o compõem (Ferreira, 2015). Esta institucionalização deu-se a partir de 2009, por iniciativa governamental, com a criação da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), integrando o Estado e estruturas confederativas e estruturas federativas do cooperativismo (Confederação Cooperativa Portuguesa, Ccrl - CONFECOOP, Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal - CONFAGRI), das mutualidades (União das Mutualidades Portuguesas), das organizações com intervenção na ação social (Confederação nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e União das Misericórdias Portuguesas) e das organizações de desenvolvimento local (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local - ANIMAR). O Conselho Nacional para a Economia Social, criado em 2010, integra, além das estruturas federativas anteriores, a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD) e o Centro Português de Fundações, atém de outros.

Em 2013 foi aprovada, por unanimidade, a Lei de Bases da Economia Social, que fixou legalmente as fronteiras deste sector, seguindo o conceito europeu de ES, vinculando-a a formas legais e estatutos e, ainda, a um conjunto de princípios ES.

A Lei de Bases excluiu dois conceitos marcando, ainda hoje, os debates do campo, o de empresas sociais e o de economia solidária. A ausência do conceito de economia solidária não tem favorecido a sua validação político-institucional, nem fortalecido a afirmação identitária do movimento (Hespanha & Santos, 2016). Há, segundo Roque Amaro (2009), uma clara confrontação e desconfiança no reconhecimento da expressão de economia solidária. Este cenário não tem impedido a afirmação, por via de instituições representativas e de base e da própria academia2. Prova disso é a RedPES - Rede Portuguesa de Economia Solidária, criada em 2015, e o recém criado (2022) Fórum das Cooperativas Integrais, um coletivo informal que agrega várias cooperativas interessadas na partilha e reflexão sobre organização e gestão alternativas.

A investigação

Os temas do associativismo, cooperativismo e ES foram objeto de atenção entre os percursores da sociologia em Portugal, influenciados pelo positivismo Comteano e o socialismo de Fourrier e Owen. Mencionamos, seguindo de perto Estivill (2017a; 2017b) a este propósito, o trabalho de Costa Gooldopim que, em 1876, fez um estudo quantitativo e qualitativo da evolução do associativismo e ligou-o à questão social e à proteção social. Estivill (2017a, 2017b) situa as primeiras discussões teóricas sobre ES no âmbito de crítica à economia política dominante, com expressão em 1840, na Revista Litteraria do Porto. De um ponto de vista doutrinário e pragmático, António Sérgio é a figura que encabeça o projeto de difusão do cooperativismo a partir de 1933 quando regressa de França onde privou nomeadamente com Charles Gide (Garrido, 2016).

Os olhares da sociologia têm incluído a relação do TS com o Estado-Providência. Num modelo de bem-estar social típico da Europa do Sul, o TS centra-se na provisão de serviços sociais em parceria com o Estado, e depende fortemente do pagamento dos utilizadores desses serviços (Hespanha et al., 2000).

A abordagem do institucionalismo à ES/TS tem tido como enquadramento as instituições do Estado Providência, por exemplo, nos estudos sobre as empresas sociais desenvolvidos por várias sociólogas (Ferreira, 2021; Perista, 2001; Perista & Nogueira, 2002; Quintão et al., 2018). Outras temáticas trabalhadas são o seu papel na promoção do emprego (Paiva et al., 2015; Parente, 2012), nas políticas locais (Monteiro, 2014) e no desenvolvimento local (Melo & Carmo, 2008). Estes temas têm sido, também, discutidos sob o conceito de inovação social. Um dos seus usos remete para a capacidade inovadora das OTS para responder a novos e velhos problemas sociais (Vieira et al., 2017). Outros entendimentos associam os processos de inovação social ao desenvolvimento local (André & Reis, 2009; Diogo et al., 2010). A análise destes contributos reporta-nos para um outro tema atual que é o da avaliação e mensuração dos resultados dos projetos ou do impacto das organizações (Lopes, 2022).

A sociologia tem trazido uma perspetiva crítica às delimitações do campo, discutindo a presença de diferentes conceitos e os seus significados, debatendo as especificidades espáciotemporais e as próprias relações entre os diferentes conceitos (Vieira et al., 2017). Neste âmbito, questiona-se a pertinência de associar o conceito de inovação social ao investimento privado em organizações sociais (Parente et al., 2015).

Do âmbito da sociologia das organizações e do trabalho estuda-se a profissionalização (Marcos, 2017; Rego, 2007), profissões e práticas profissionais (Caria, 2013; Diogo, 2017) e da igualdade de género (Parente & Martinho, 2018), o trabalho em equipa e a liderança das mesmas (Pais & Parente, 2015).

Uma investigação sobre “Empreendedorismo Social em Portugal”, analisou as estruturas e dinâmicas do empreendedorismo social nas organizações da economia social (Parente, 2014). A perspetiva dominantemente coletivista do conceito de empreendedorismo social dos estudos sociológicos (Parente, 2014; Quintela, 2014) contrapõe-se à abordagem individualista do conceito, com enfoque nas lideranças individuais e na sustentabilidade económica adotada pela gestão e economia.

Em Portugal, a economia solidária “versão macaronésia”, vem-se afirmando desde meados dos anos de 1980, muito associada aos primeiros programas europeus de luta contra a pobreza, decorrentes da nossa adesão à então Comunidade Europeia (Amaro, 2009). A preocupação em demonstrar dinâmicas que colocam as pessoas no centro da vida das organizações e da economia tem sido refletida em biografias de microempreendedores (Hespanha, 2011; Portela, 2009).

Os desafios colocados pela economia solidária à teoria dos movimentos sociais (Esteves, 2014), à economia dos comuns e comunitárias (Serra & Allegretti, 2020), às economias feminista e dos cuidados e a sua aproximação aos movimentos decrescentista (Rojão, 2022) tem relevado a heuristicidade do conceito do ponto de vista teórico e da sua aplicação ao campo das organizações de base, coletivos e iniciativas informais.

O seu equacionamento na relação com o desenvolvimento local (Domingues, 2021) em contexto de territórios de baixa densidade e rurais, as práticas das moedas sociais/locais (Coelho, 2019), bem como consumo e a produção responsável tem também sido objeto de atenção nomeadamente com a abordagem à agricultura de proximidade e aos circuitos curtos de produção (Hernandez, 2021; Moreira & Morell, 2020). O mapeamento das iniciativas da economia solidária (Guerreiro, 2013; Hespanha & Santos 2016) é uma abordagem que reúne estudos que procuram contrariar a invisibilidade do campo, integrando-se numa tendência geral de mapeamento.

Entre nós, o tema do voluntariado parece merecer, comparativamente com outros assuntos já cobertos neste artigo, uma atenção reduzida, muito embora haja, por exemplo, material que permita um balanço feito há alguns anos por Serapioni et al. (2013). Não raramente estes estudos aparecem enquadrados por iniciativas das próprias organizações, como sucede com a primeira caracterização do voluntariado social em Portugal (Delicado et al., 2002).

Quanto ao tema do associativismo, este permanece de forma dispersa, mas prolífica e, em geral, sem contacto com a anterior literatura. Os estudos têm focado o associativismo migrante, étnico, socioprofissional - incluindo dos próprios sociólogos (Costa, 2018), de consumidores, estudantil, ambiental, de moradores, cultural, sindical e empresarial, etc. Uma linha particular do estudo do associativismo merece destaque, pela relação que estabelece entre associativismo e democracia (Viegas, 2014).

No que se refere a delimitações estatísticas, é de mencionar que as primeiras quantificações do TS em Portugal estiveram associadas a projetos internacionais (Chaves & Monzón, 2007; Franco et al., 2005; Monzón & Chaves, 2012). Mais recentemente, a Conta Satélite da Economia Social, tem permitido desenhar um retrato do sector a partir de indicadores económicos. O Inquérito ao Trabalho Voluntário, é publicado conjuntamente com a Conta Satélite (Instituto Nacional de Estatística [INE] & Cooperativa António Sérgio para a Economia Social [CASES], 2019). De destacar, o trabalho de Ana Carvalho (2010) sobre as bases de dados dos Quadros de Pessoal para caracterizar o sector não lucrativo.

Notas conclusivas

Se neste artigo o nosso intuito foi ensaiar uma reflexão sobre a especificidade do olhar da sociologia sobre um objeto complexo, sabendo do desafio que era circunscrevê-lo, podemos dizer que o esforço foi feito e, por isso, consideramos que o objetivo terá sido cumprido. Múltiplos sociólogos têm estudado práticas, atitudes, representações, discursos, padrões de comportamento, organizações, políticas e instituições do campo da “Sociedade civil, economias alternativas e o voluntariado”.

Dizer que existe uma especificidade do olhar sociológico, ou porventura, vários olhares, não invalida que estejamos em permanência perante uma dificuldade em delimitar o objeto. Importa, pois, assumir que se trata de um objeto multidisciplinar e onde a própria especificidade sociológica pode surgir dissolvida. Da gestão à ciência política, passando por diversas outras disciplinas, investigadores e profissionais têm dado outros contributos também. Este será um objeto/campo onde o conhecimento é motivado pelo “problema” ou “fenómeno social” e não por uma delimitação epistemológica formal.

Este artigo não pretendeu ser exaustivo, mas trazer para a literatura sociológica portuguesa uma consciencialização da delimitação de um campo de saber, tendo em conta os estudos sociológicos que, de forma dispersa, se têm vindo a desenvolver em universidades, centros de investigação e nas próprias organizações, tanto no estrangeiro como entre nós, há décadas. Não constituindo base suficiente para uma autonomização, permite reconhecer o papel que a sociologia também desempenha neste campo/objeto.

De forma sintética podemos concluir:

o campo/objeto ao longo do tempo foi suscitando interesses variados por parte dos sociólogos, também entre nós;

existe um corpo teórico e um campo empírico específico da sociologia para o conhecimento e intervenção neste campo/objeto;

o campo/objeto é de difícil delimitação, mas isso não deve pôr em causa nem a sua existência nem a necessidade de o nomear, clarificar e profundar;

o interesse científico e profissional tem oscilado em função dos regimes políticos e das conjunturas económicas;

existe variabilidade teórica e empírica moldada, por tradições e contextos geográficos.

No final desta sistematização, ficamos também a saber as lacunas deste exercício e as áreas de investigação que não abordámos ou aprofundámos. Este é o caso, por exemplo, do exercício histórico no caso português. Ao privilegiarmos focar estudos mais recentes, ignorámos, sobretudo, os que foram feitos no pós-revolução democrática. Finalmente, temos consciência que ignorámos, por incapacidade de abarcar tudo, muitas teses de mestrado e algumas de doutoramento realizados nas diversas escolas de sociologia em Portugal e no estrangeiro, entre outras publicações.

Notas

Por decisão pessoal, as autoras do texto escrevem segundo o novo acordo ortográfico.

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1 Para esta afirmação contribuiu, também, a criação da ISTR — International Society for Third Sector Research.

2Destaque o projeto editorial ACEESA—Associação do Centro de Estudo de Economia Solidária do Atlântico, liderado por Rogério Roque Amaro desde 2009.

Recebido: 27 de Outubro de 2022; Aceito: 30 de Março de 2023

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