Introdução
Os dilemas morais são comuns no quotidiano. Com as crescentes dinâmicas digitais, essas terão assumido maior presença (Costa, 2020). As plataformas digitais, ao proporcionarem maior exposição pública dos sujeitos, geraram também maior número de opiniões a questões variegadas, o que terá gerado uma crescente multiplicação de dilemas morais (Bloom, 2011). Qual a parte que devo tomar relativamente a um tema em debate? Que argumento utilizar? Como e porquê? Inquietações desta natureza surgem nos mais diversos temas, e na paisagem digital em particular existem discussões sobre vários assuntos que implicam julgamentos morais. Todavia, a temática do ambiente é uma das que mais suscita debate na atualidade (Capoano & Costa, 2021), bem como as suas derivações (Carvalho, 2011).
Tanto a Sociologia da Moral como a Psicologia da Moral abordam o tema centrando-se em dualidades: bem e mal, certo e errado, justo e injusto (Weiss, 2015). No entanto, trabalhos anteriores propuseram a Teoria dos Fundamentos Morais (TFM) (Graham & Haidt, 2010), ampliando o conceito de moralidade em cinco fundamentos para além de justiça e dano: lealdade, autoridade e pureza (Graham et al., 2011; Haidt, 2009, 2012; Haidt & Kesebir, 2010).
A partir de uma perspetiva antropológica e psico-evolucionista, eis que foi proposta a TFM (Haidt, 2009). Isto é, morais e julgamentos sobre aspetos como “certo” ou “errado” inscrevem-se em cinco grandes fundamentos (justiça, dano, lealdade, autoridade e pureza), enquanto a predominância de um fundamento sobre outros varia em função das diferentes dinâmicas verificadas em diferentes grupos sociais (Graham et al., 2011).
Enquadramento teórico
A TFM, em muitas dimensões do julgamento, tem sido capaz de obter bastante aceitação por ser capaz de expor diferenças grupais. Idade, género, classe social e económica, escolaridade, profissão, entre outras, são fatores que tendem a gerar diferenças nos julgamentos morais (Haidt & Graham, 2007). Aliás, corroborando teses como as de Bourdieu (2001), Touraine (2005) ou Latour (2012). Grupos sociais diferentes associam-se a diferentes dinâmicas e diferentes agentes, e essas diferenças de associação geram dinamizações próprias.
Assim, e para quantificar e qualificar estas diferenças, a TFM desenvolveu o QFM - Questionário de Fundamentos Morais (Graham et al., 2011). Em contrapartida, Silvino et al. (2016) traduziram, adaptaram e validaram estatisticamente o QFM para o português.
A estrutura da TFM baseia-se em quatro fundamentos teóricos: nativismo, aprendizagem cultural, intuição e pluralidade (Graham et al., 2011).
O nativismo advém daquilo que é inato, tendo como objetivo destacar a vertente antropológica da moral e de seus fundamentos. Estes fundamentos terão sido selecionados para a resolução dos mais variados problemas sociais - psicologia evolutiva. O exemplo do senso de justiça, que se dá nas primeiras fases do desenvolvimento humano, destaca este lado inato da moral (Haidt & Joseph, 2007). Não obstante, este lado inato adere a dinâmicas de contingência, de contexto e de grupo, que posteriormente influenciam a individuação e a socialização (Neves & Costa, 2020).
Relativamente à aprendizagem cultural, importa sublinhar que esta aprendizagem irá proceder a uma segmentação dos fundamentos morais, onde constarão níveis de importância diferentes (Graham et al., 2009). Tendo em consideração a sociologia formista (Simmel, 2004) ou imitativa (Costa, 2021; Tarde, 1979), formas sociais e imitações privilegiadas conseguem gerar hierarquia entre fundamentos morais, fornecendo diferenças na intensidade, na direção e no impacto.
De seguida, a TFM sugere a intuição - tema caro a Kant (2010). Esta teoria avança sobre a tese de que os julgamentos morais são conduzidos por dinâmicas não conscientes e automáticas, o que conduz a experiência e o transcendental a dois sistemas diferentes: um processamento informacional automático e um processamento informacional controlado (Silvino et al., 2016). O julgamento moral surge, numa primeira fase, como heurística moral - gostar de algo ou não; julgar algo de negativo ou positivo. Numa segunda fase, a racionalização da justificação aparece como explicação da reação (systematic processing). Assim, na TFM, a heurística moral e o processamento sistemático explicam o aparecimento da intuição (Haidt, 2001).
Por último, a questão da pluralidade. Diferentes dinâmicas geram respostas e fenómenos diferentes. Fatores como a habituação, a imitação ou a individuação, tanto social como individualmente, geram trilhos de ação diferentes e diversos, gerando práticas grupais e práticas individuais diversas. A pluralidade de mecanismos psicossociais interfere nas escolhas, nos julgamentos e nos modos de ação (Bourdieu, 2001; Latour, 2012; Touraine, 2005). Simmel (2008) descrevia, a título de exemplo, que seguir modas vigentes aliviava o sujeito tanto do ponto de vista estético como do ponto de vista moral, pois limitava-o a poucas escolhas ou poucas linhas críticas - ainda que lhe restasse alguma margem para a personalização. No mesmo enquadramento, a imitação social preconizada por Tarde (1979) entendia a escolha moral como o reflexo da adoção de trilhos imitativos e contra-imitativos (Costa, 2021).
Tendo em consideração o exposto, Graham et al. (2011, citado em Silvino et al., 2016, p. 488) definem a TFM a partir de cinco grandes fundamentos:
(a) Dano (Harm) - refere-se ao sofrimento e inclui a noção de cuidado com o próximo e compaixão; (b) Justiça (Fairness) - diz respeito à noção global de justiça e direito, bem como à cooperação, competição e trapaça; (c) Pertença (Ingroup) - relacionado ao comprometimento com o grupo, ao autossacrifício, lealdade e vigilância contra traição; (d) Autoridade (Authority) - refere-se às obrigações relacionadas à hierarquia, obediência, respeito e cumprimento dos deveres; e (e) Pureza (Purity) - diz respeito à influência física e espiritual sobre a castidade, a salubridade e o controle dos desejos. Para os autores originais, é esperado que haja outros fundamentos além dos cinco propostos (Graham et al., 2011), no entanto, os cinco fundamentos oferecem uma explicação mais parcimoniosa para as diferentes manifestações culturais de moralidade. (Silvino et al., 2016, p. 488)
De um modo geral, as diversas críticas à TFM são positivas, sobretudo nos campos da Psicopatologia, Sociologia Política e Psicologia da Religião. Com a TFM tem sido possível encontrar “(…) diferenças tanto entre os países em seus respetivos níveis socioeconômicos. Esses achados ilustram que os fundamentos morais influenciam o comportamento de forma antes não esperada, e que a teoria tem valor pragmático para a descoberta de novas relações” (Silvino et al., 2016, p. 489). Além disso, o QFM resulta de uma amostra de 34 476 inquiridos (adultos) e assenta em dois fatores: um individualizante e outro de coesão. No individualizante, verificaram-se valores consideráveis na decência (0,7) e na castidade (0,67) e valores mais baixos na família (0,34) e na traição (0,48). Na coesão, segundo fator, os valores mais significativos foram encontrados nos itens fraqueza (0,65) e compaixão (0,63) e os menos significativos nos itens matar (0,35) e direitos (0,47). Para Silvino et al. (2016), os autores utilizaram testes fatoriais para perceber se os dois fatores estavam presentes cinco fundamentos arrolados, e tal verificou-se internamente satisfatório (Silvino et al., 2016).
Na tentativa de adaptação do QFM à língua portuguesa, Silvino et al. (2016) foram bem-sucedidos uma vez que os resultados encontrados foram de encontro aos
obtidos por Graham et al. (2011) onde o instrumento se dividiu em dois fatores (Individualizante - HF e Coesivo - IAP). A diferença centrou-se em dois itens de pertencimento que foram retidos no fator Individualizante e um de dano no Coesivo. Nesses casos, é factível rer que as palavras “lealdade” e “traição” ativem um referencial semântico mais fortemente associado a (in) justiça do que para pertencimento nesta amostra. O mesmo ocorre com um item de dano (“Nunca pode ser correto matar um ser humano”) que ficou no grupo IAP. A frase como está redigida pode ser associada a um mandamento religioso, podendo ser interpretado no contexto como próximo à pureza e à autoridade. Uma explicação alternativa é que o deslocamento dos itens seja fruto de diferenças culturais entre as amostras, tendo em vista as origens diferentes dos participantes do estudo de Graham et al. (2011) (maioritariamente estadunidense) e a brasileira. (Silvino et al., 2016, pp. 492-493)
Note-se que o fator HF corresponde a dano (Harm) e justiça (Fairness) e o fator IAP corresponde a pertença (Ingroup), autoridade (Authority) e pureza (Purity).
Neste caso concreto, iremos proceder a uma outra variação a partir da adaptação de Silvino et al. (2016): converter o QFM para a questão ambiental. Se o QFM está fortemente vocacionado para a medição de questões morais com forte pendor político e religioso na sua dinâmica fatorial individualizante e coesiva, as adaptações que iremos promover visam manter a estrutura das questões apuradas em Silvino et al. (2016), todavia com intervenção nos termos tanto em HF (harm and fairness - cuidado e justiça) como em IAP (ingroup, authority and purity - pertença, autoridade e pureza), de modo a substituir os aspetos morais gerais por aspetos morais ambientais. Os resultados serão provenientes de três países de língua portuguesa: Brasil, Moçambique e Portugal.
Método
Os desafios ambientais e sociais que se tornaram ainda mais evidentes e maioritariamente aceites, no início do século XXI, como a mudança climática, a perda de biodiversidade, a deflorestação, a poluição, a escassez de água potável, a sobrepopulação, o desenvolvimento urbano e a gestão de resíduos (World Wildlife Fund [WWF], s.d), lembram-nos de como o nosso bem-estar está intimamente ligado a um meio ambiente equilibrado e saudável. Demonstram, ainda, a existência de uma relação inversa: o impacto que as perceções humanas e mediáticas, as atitudes e, especialmente, os comportamentos, têm no bem-estar ambiental (Carvalho, 2011; Swim et al., 2011).
Assim, para avaliarmos a TFM na sua relação com o ambiente, consideramos necessário utilizar os dados gerados pelo QOCC - Questionário do Observatório do Consumo Consciente, que visa perceber a presença de uma atitude e um comportamento pró-ambientalista ou não (Viveiros, 2019), e que tem vindo a permitir a geração de um Índice Nacional do Consumo Consciente (Fórum do Consumo, 2017; Loureiro et al., 2017).
A relação que iremos estabelecer entre o QOCC e o QFM parte de uma análise comparativa entre as perguntas e os termos utilizados por ambos os questionários, bem como perceber e executar a necessária adequação e adaptação de um QFM32-ambiente. Para tal, teremos em consideração a validação efetuada no QOCC, de modo que se estabeleçam relações entre os fundamentos morais e as atitudes pró-ambientais, nomeadamente através da perceção de atitudes associadas a uma moralidade ambiental na sua relação com os fatores idade e género. Para tal, teremos em consideração os temas presentes no QOCC (Tabela 1), nomeadamente na parte 1 - atitudes e preocupações ambientais e socioeconómicas (Viveiros, 2019).
Dado que tanto o Brasil como Moçambique não possuem de uma resolução específica que trate de apreciação ética de pesquisa com humanos para a área de ciências humanas, e pelo facto deste projeto estar elencado à Universidade do Minho, as questões éticas e deontológicas estiveram a cargo do Conselho de Ética da Universidade do Minho (CEUMinho), órgão de consulta da Universidade de apoio à conceção e acompanhamento de políticas e ações de salvaguarda dos princípios éticos e deontológicos nas áreas da investigação científica, do ensino, da interação com a sociedade e do funcionamento geral da Universidade, de acordo com o estabelecido no artigo 70.º dos referidos Estatutos.
Participaram da validação do instrumento 179 pessoas: 43 pessoas na validação semântica e 136 na validação estatística. A idade variou entre os 12 e os 65 anos, com média igual a 24,73 anos (DP = 8,1) e mediana igual a 22 anos. A maioria (51,4%) possui nível de ensino médio/secundário/12º ano, seguido por bacharelato/ensino técnico/tecnológico/ licenciatura (34,1%) e depois por mestrado/doutoramento (6,1%) ou pós-graduação (6,7%).
Relativamente ao género dos inquiridos, 46,4% das respostas são do género masculino, 52,5% do género feminino e 0,6% consideram-se de outro género não especificado. Já relativamente à nacionalidade, 55,3% são brasileiros, 28,5% são portugueses e 16,2% são moçambicanos. Quanto às profissões ou ocupações, a amostra revela grande diversidade, embora a ocupação de estudante seja a mais dominadora (36,9%).
O instrumento adaptado é o Questionário de Fundamentos Morais em português (QFM32), que é composto por 32 itens divididos em duas partes. Na primeira parte, o respondente avalia 16 itens em termos de relevância para afirmar que algo é certo ou errado. A escala varia de 0 (zero = não é nada relevante) até 5 (cinco = extremamente relevante). O valor zero é ancorado com a frase “Esta consideração não tem nada a ver com meu julgamento de certo e errado”. O valor cinco é ancorado com a frase “Este é um dos fatores mais importantes quanto eu julgo o que é certo e errado”. Na segunda parte, são apresentadas 16 afirmações sobre as quais o respondente julga o quanto concorda com cada uma delas. A escala varia de 0 (discordo fortemente) até 5 (concordo fortemente).
Foi ainda adotado, para medir o comprometimento individual ambiental, a dinâmica implícita no INCC - Índice Nacional do Consumo Consciente através do Questionário do Observatório do Consumo Consciente (QOCC), de Loureiro et al. (2017), e utilizada também por Viveiros (2019) para aferir comportamentos pró-ambientais na comparação de Portugal Continental com o arquipélago da Madeira.
A adaptação do QFM original ao QFM-ambiental exigiu a utilização do protocolo de adaptação proposto por Humbleton e Zenisky (2011). Este protocolo visa verificar a similitude, entre as três variantes da língua portuguesa em questão, dos termos usados e respetivos significados, as formas e formatos dos itens, inclusive dos seus leiautes, os sentidos dos textos e suas passagens e os aspetos culturais, quer dizer, se existem graus de abstração ou familiaridade semelhantes nas variantes brasileira, moçambicana e portuguesa da língua portuguesa.
Além do protocolo de Humbleton e Zenisky (2011), utilizamos ainda a ATC - Processo de Adaptação Transcultural, uma vez que o nosso objetivo foi o de promover algumas alterações na moral ao centrá-la na temática do ambiente. Note-se que a equivalência é fundamental na ATC pois surge como medida não enviesada entre dois instrumentos traduzidos. Esta visa esclarecer que as diferenças encontradas entre grupos são reais e não algo resultante da ferramenta usada (Eremenco et al., 2005). Posto isto, a ATC levou-nos a considerar seis dimensões da equivalência: de conceito, de item, de semântica, de operacionalização, de mensuração e de funcionamento (Herdman et al., 1997, 1998). Em suma, utilizamos a equivalência conceptual efetuada por Silvino et al. (2016) em língua portuguesa, socorremo-nos de termos utilizados no QOCC (Loureiro et al., 2017; Viveiros, 2019) e mantivemos a estrutura semântica, operacional e de medida, através de revisão e de pré-teste com 43 estudantes universitários (Beaton et al., 2000).
Depois disto, e diante da versão final, obtivemos respostas em formato papel e em formato eletrónico. Foi garantida a inexistência de respostas duplicadas, nomeadamente na seleção de pessoas para as respostas em papel que nunca tivessem respondido online.
Em suma, foram feitas análises preliminares, no sentido de testar a amostra e de decidir sobre o número de fatores a ter em consideração na análise em SPSS. Assim, foram testados, de modo exploratório, modelos com 3, 5 e 6 fatores, ainda que no final, e tendo em consideração Graham et al. (2011), tenhamos ficado apenas pela extração de dois fatores. Optamos por um estudo da correlação bivariada entre cargas fatoriais do QFM (em brasileiro) e do QOCC, isto para aferir da validade convergente. Além disso, tendo em consideração o QFM e a sua estrutura teórica, aplicamos a estratégia de Fatoração dos Eixos Principais (PAF).
Amostra
De acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil tinha 213,3 milhões de pessoas a 1 de julho de 2021. Por seu turno, as estimativas oficiais de Moçambique contabilizam 31,2 milhões e em Portugal cerca de 10,3 milhões de pessoas no mesmo período (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2021). Logo, não temos uma distribuição de acordo com as quotas populacionais do universo total dos três países, que deveriam ser de 83,7% para brasileiros, 12,2% para moçambicanos e 4,04% para portugueses - em contraponto, obtivemos uma distribuição de 55,3% de brasileiros, 28,5% de portugueses e 16,2% de moçambicanos.
De acordo com os dados disponíveis, a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2019). Por seu turno, Portugal conta com 47,5% de homens e 52,5% de mulheres e Moçambique com 48,3% de homens e 51,7% de mulheres (INE, 2021). A nossa distribuição por género dos inquiridos encontra-se muito próxima dos resultados gerais dos três países: mais mulheres que homens e valores próximos (46,4% das respostas são do género masculino e 52,5% do género feminino).
Resultados
Os primeiros resultados deram indicações de uma considerável adequabilidade da amostra utilizada, pelo que um KMO de 0,845 tende a ser considerado como bom para Field (2013). Todas as variáveis desta conversão revelaram um MSA (adequação da amostra) 0,05: existiu ajuste de variáveis e verificou-se uma multicolinearidade ausente. Além disso, tanto a dimensão da amostra como o valor médio das comunalidades (0,57) estão de acordo com o critério de Kaiser. Neste sentido, e utilizando o valor de referência de carga fatorial verificado em Silvino et al. (2016), que é 0,30, utilizamos a mesma distribuição de dois fatores - ainda que posteriormente tenhamos em consideração os acrescentos relacionados com a questão ambiental (Tabela 2).
Tendo em consideração o QFM32 original, levamos em consideração a divisão de fatores promovida por Silvino et al. (2016), com pequenos ajustes oriundos do QOCC e sem modificar os itens e a sua estrutura, os verbos e as proposições e suas relações (Tabela 3).
Tendo em consideração um valor sem rotação e superior a um, os resultados sugerem sete fatores que concorrem para explicar a variância em 59,5%. De acordo com Laros (2005), que sugere a análise paralela e o screeplot, verificamos três fatores > 2,5. Com base nesses resultados, optou-se, no entanto, por considerar o critério de Kaiser (apenas considerando fatores>1), levando assim à extração de três e sete fatores com rotação oblíqua. Esta tipologia está de acordo com Graham et al. (2011).
Foi ainda testada uma estrutura com cinco fatores, fazendo corresponder cada um aos cinco fundamentos morais da TFM e do QFM. Na PAF - Fatoração dos Eixos Principais, são sete os fatores com 59,5% de variância acumulada - quatro possuem mesmo valor próprio de 1. No que concerne à matriz-padrão, quatro itens e dois fatores com apenas um item foram retirados. Os fatores 1 e 2 reuniram a maior retenção de itens: dez e nove, respetivamente.
Note-se que Graham et al. (2011) agruparam os itens em dois fatores: o individualizante, que junta dano e justiça (DJ), e o coesivo, que aglomera pertença, autoridade e pureza (PAP). Como tal, usamos a PAF - Fatoração dos Eixos Principais, com dois fatores e rotação Oblimin tendo em conta a normalização Kaiser (supressão de cargas fatoriais 0,30). Entre as 32 questões, foram retidas 40 (19 no individualizante e 21 no coesivo) (Tabela 4).
Tendo em consideração o exposto, é possível verificar tendências distintas na atitude das pessoas diante situações de julgamento moral em questões ambientais (Tabela 5).
Método de Extração: análise de Componente Principal. Método de Rotação: Oblimin com Normalização de Kaiser. Fator 1 (HF): círculo laranja | Fator 1 (IAP): círculo azul Fonte: Elaboração própria.
Quanto ao fator individualizante (HF) na relação moral com o ambiente, as questões 23, 17, 28 e 8 são de grande carga fatorial; já entre as menos significativas deste fator, estão as questões 1, 2, 3 e 29. Quanto ao fator coesivo (IAP), destacam-se as questões 9, 14, 15, 16 e 11, todas com cargas grandes; já entre as menos significativas deste fator, estão as questões 21, 20 e 31.
Conclusão
O objetivo deste trabalho foi adaptar o QFM em português para as questões relacionadas com o meio-ambiente. Pretende-se obter um instrumento metodológico que apure as tendências no seio da TFM. Partindo da divisão da moral em cinco dimensões, e assumindo que estes se relacionam de modo diferenciado com a temática ambiental, espera-se que, numa amostra composta por brasileiros, portugueses e moçambicanos, o QFM32-ambiental seja capaz de apurar os fundamentos, ora individualizantes, ora coesivos, com o ambiente.
Neste sentido, os resultados obtidos estão de acordo com os resultados de Graham et al. (2011) e de Silvino et al. (2016), na medida em que o instrumento e os resultados estatísticos permitem essa divisão em dois fatores: um individualizante (HF) e outro Coesivo (IAP). A diferença centra-se, fundamentalmente, nos pesos das cargas fatoriais quando comparamos HF e IAP com os resultados de Graham et al. (2011) e por Silvino et al. (2016). Ainda assim, as respostas demonstram uma carga ligeiramente maior no fator coesivo, ainda que a diferença seja curta.
Percebe-se que o fator coesivo é mais alto devido a uma maior presença de respostas que inquiridos que se consideram de esquerda (um em cada três inquiridos considera-se de esquerda quando cruzado o QFM com os posicionamentos político-ideológicos). O ambiente aparece assim, no julgamento moral, como fator de integração e coesão - de resto, tal como já havia sido confirmado, no geral, por Haidt e Kesebir (2010). O facto de esta versão encontrar relação entre posicionamento político-ideológico e ambiente, pela vertente coesiva, é para nós relevante, validando assim pressupostos teóricos indiciais (Carvalho, 2011). Além disso, este instrumento pode ser usado noutras dinâmicas de investigação entre portugueses, brasileiros e moçambicanos que, de algum modo, relacionem fundamentos morais e temática ambiental. Esta primeira versão ambiental requer ainda alguns cuidados por parte dos investigadores interessados na temática, mas avança já com potencial significativo para o estudo da moral ambiental nos três países em estudo.
Este instrumento fica, todavia, limitado à sua aplicação em língua portuguesa. Além disso, é limitado se não for aplicado continuamente, permitindo comparações entre amostras e diferentes momentos históricos, e limitado se, tal como indiciamos nesta conclusão, não forem feitos cruzamentos entre fatores sociodemográficos e respetivas respostas. Os próximos avanços deste artigo prendem-se com este aspeto: cruzar resultados com fatores político-ideológicos, de género e de idade.