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Revista :Estúdio
versão impressa ISSN 1647-6158
Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012
TROPICALTERIDADE
A simbiose visual de Roberta Carvalho: a árvore humana na arte contemporânea da Amazônia brasileira
The visual symbiosis of Roberta Carvalho: the human tree in the contemporary art of the Brazilian Amazon
Sissa Aneleh Batista de Assis*
*Brasil, cineasta, documentarista e actriz. Mestrado em Artes, Universidade Federal do Pará (UFPA). Pós-graduação em Gestão e Produção Cultural pela Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro.
RESUMO
Este artigo consiste na análise da obra de arte contemporânea brasileira Symbiosis da artista visual Roberta Carvalho. O projeto nos transmite a busca por novos suportes para a arte, o impacto das novas práticas artísticas ao interferir no cotidiano da vida urbana local e uma diferente forma de relação do artista contemporâneo com a tecnologia ao provocar uma interação entre arte, tecnologia e natureza.
Palavras-chave: Artes Visuais, Arte Contemporânea, Natureza, Estética.
ABSTRACT
This paper presents the analysis of the contemporary work of art Symbiosis from the Brazilian visual artist Roberta Carvalho. The project is a search for new media to the arts, and explores the impact of new artistic practices by interfering in local daily urban life and establishing a different kind of relationship between the artist and the contemporary technology in order to promote interaction between art, technology and nature.
Keywords: Visual Arts, Contemporary Art, Nature, Aesthetics.
Introdução
Roberta Carvalho nasceu em 1980 na cidade de Belém, onde vive e trabalha atualmente como artista multimídia, designer e produtora independente. Graduou-se pela Universidade Federal do Pará em Artes Visuais em 2010. Conquistou prêmios nacionais e fez parte da publicação de mapeamento da arte contemporânea brasileira em Sequestros: Imagem na Arte Contemporânea do autor paraense Orlando Maneschy, publicada em 2007 pela editora Edupfa. Na exposição Contiguidades: Dos Anos 1970 aos Anos 2000, realizada no Museu Histórico do Estado do Pará em 2008, artista representou a geração do ano 2000 participou com o projeto Symbiosis, o qual foi escolhido para ser analisado neste artigo.
A artista utiliza a tecnologia nas novas práticas artísticas contemporâneas, diversificando a produção artística da cidade, promovendo um olhar atualizado e plural sobre a Amazônia brasileira em uma expressão artística multimídia com o uso de projeções. Além de lançar um olhar feminino ao provocar uma diferente tradução das técnicas e práticas artísticas contemporâneas. Este trabalho pretende contribuir para o desenvolvimento de novas leituras e interpretações sobre o universo artístico em outras regiões do Brasil.
1. A fusão entre Arte e Natureza
O projeto Symbiosis consiste em projeções de imagens videográficas e fotográficas de rostos humanos mapeados em copas de árvores. Há cincos anos a artista expõe o projeto em centros urbanos, praças, lugares turísticos, espaços abertos de festivais de arte, entre outros lugares arborizados que foram e são alvos do projeto. O rosto feminino é predominante nas projeções, como podemos ver o próprio rosto da artista (Figura 1) em uma das projeções realizadas em Belém, no primeiro semestre de 2011.
O nascimento humano também foi representado na ação Symbiosis, (re) nascer (Figura 2) realizada em Belém também no ano de 2011. Porém, nessa intervenção quem gera um ser humano é o útero de uma árvore, protegendo-o com seus galhos, penachos e nutrindo-o com sua própria vida, enquanto esse ser vivo estiver ali, o que nos remete ao estado de primeira infância, ao suspeitar em um sem-número de alegrias, que a Mãe-Natureza possa ser a verdadeira mãe da humanidade.
Neste viés de interação semiótica local, Carvalho posiciona a sua obra na esfera da estética relacional que envolve o local da ação, o público e o meio ambiente como suporte. O teórico francês Nicolas Bourriaud (1965) ao analisar a estética relacional, as formas e o olhar do outro nessa interação mutualística, encontrou uma interdependência da obra que nos olha ao mesmo tempo em que a olhamos.
Se, como escreve Serge Daney, 'toda forma é um rosto que nos olha', o que se torna uma forma quando está mergulhada nessa dimensão do diálogo? O que é uma forma essencialmente relacional? Parece-nos interessante discutir essa questão tomando a definição de Daney como ponto de referência, justamente por causa de sua ambivalência: já que as formas nos olham, como devemos olhá-las? (Bourriaud, 2009: 29).
Symbiosis nos transmite uma nova forma de olhar a relação do homem contemporâneo amazônico e das novas práticas artísticas ligadas ao meio ambiente. Se o objetivo da artista era que a natureza nos olhasse, a recíproca é mais provocativa ainda (e verdadeira também), pois passamos a olhar mais para a natureza e a imaginá-la como outra forma de vida humana enraizada na Terra Mãe, o que permite dar uma provisória vida humana para a natureza ao provocar uma simbiose no campo visual humano. Nasce dessa gestação um ser híbrido virtual dividido, como os centauros gregos, metade ser vivo na provocativa ilusão da luz do projetor, metade tronco de árvore na primeira realidade que a natureza nos transmite.
2. Deslocando a Arte Urbana
Carvalho deslocou a característica citadina da arte urbana de suas projeções do projeto Symbiosis em uma nova ação (Figura 3) já no final do ano de 2011, levando sua obra para um lugar não acostumado com o diálogo com a arte, a Ilha do Combú (próxima a capital belenense). Interferiu no cotidiano da comunidade amazônica ribeirinha, deu uma nova memória ao lugar, levou a obra para mais um espaço possível de interação entre arte, tecnologia, natureza e comunidade. O momento da estética relacional é a permissão da expansão dos diálogos e da interação social, indo além dos centros urbanos, espaços privados e herméticos, lugares delimitados e claustrofóbicos, para chegarmos ao que se pode chamar de uma Arte Relacional Expandida.
Na mudança do cotidiano do lugar que a arte urbana possui o seu maior potencial e se faz percebida. Do contrário, o público ignora a sua presença transitória ou permanente naquele espaço, caso a obra se perca na imensa desorganização do urbano esquizo com seus símbolos esmaecidos, desestetização da cidade, sujeitos apáticos e hipnotizados, sons atonais, músicas irritadiças revelando tons desconhecidos, propagandas atônitas, anacronismos dos costumes sociais, composição de cenários estéticos que não se pertencem e se chocam sem piedade. Segundo a pesquisadora Vera Pallamin:
A arte urbana é uma prática social. Suas obras permitem a apreensão de relações e modos diferenciais de apropriação do espaço urbano, envolvendo em seus propósitos estéticos o trato com significados sociais que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política (Pallamin, 2000: 24).
Esse tipo de arte requer a não-acomodação na confortável inércia, mas nos atrai a pulsão natural, expulsando a arte para fora do ambiente institucional alienante e elitista para o ambiente livre e acessível a todos, ligado à gênese da proposta da arte relacional. Toda arte deve ser impulsada para descobrir outros universos, transbordar seus limites fronteiriços, criar novas possibilidades de existência.
Conclusão
Symbiosis transmite as novas formas de relação do artista amazônico com a arte contemporânea ao provocar uma interação ambiental harmônica entre arte, tecnologia e natureza. A potência expressiva da obra se une a duas forças femininas: mulher e natureza. Portanto, o uso das novas tecnologias pelas mulheres artistas permitiu o aprimoramento das poéticas contemporâneas sob o olhar feminino. A essência feminina de Carvalho aproximou-a naturalmente da mãe-natureza, representada pela árvore personificada com olhos, boca, nariz e gestos humanos. Nasce desse entrebeijar-se, dessa ligação entre mortais, o que não pode ser indissociável, mãe e filha, arte e natureza, projeção e árvore, luz artificial e cor natural, luz e sombra, sensação e forma, ou será decretada a morte da ideia.
Referências
Bourriaud, Nicolas (2009) Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes. ISBN: 978-85-99102-8. [ Links ]
Carvalho, Roberta (2011a) Projeção Symbiosis Pulsantes, Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-12] Fotografia. Disponível em http://robertacarvalho.carbonmade.com/projects/2772434#3 [ Links ]
Carvalho, Roberta (2011b) Projeção Symbiosis (re) nascer , Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-12] Fotografia. Disponível em http://robertacarvalho.carbonmade.com/projects/2772434#4 [ Links ]
Carvalho, Roberta (2011c) Projeção Symbiosis Ilha do Combú , Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-12] Fotografia. Disponível em https://www.facebook.com/#!/photo.php?fbid=251692934874654&set=a.105590839484865.3703.100001018472647&type=3&theater [ Links ]
Pallamin, Vera M. (2000) Arte Urbana: São Paulo: região central (1945-1998), obras de caráter temporário e permanente. São Paulo: Annablume, FAPESP. CDD 711.4. [ Links ]
Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.
Correio eletrónico: sissadeassis@yahoo.com.br (Sissa de Assis).