Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista :Estúdio
versão impressa ISSN 1647-6158
Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012
CORPOS
Enquadramento: Corpos
Context: Bodies
Paulo Serra*
*Conselho editorial; Universidade da Beira Interior, Faculdade de Artes e Letras, Covilhã, Portugal.
O conjunto de textos que se seguem trata, de uma forma ou de outra, da temática do corpo na arte: do corpo esculpido, pintado, fotografado, manipulado, activo, performativo. Podemos, desde logo, interrogar-nos porque é que o corpo humano ocupa um lugar tão proeminente na arte ocidental – e isto pelo menos já desde os Gregos.
Uma resposta possível é a de que o corpo é o centro da mediação, de todas as mediações: entre o eu e os outros, a natureza e a cultura, a vida e a morte, o aqui e além, o antes e o depois. Todas essas categorias e distinções pressupõem o corpo, dependem do corpo, passam pelo corpo. Como disse Merleau-Ponty, "le corps est notre moyen général d'avoir un monde" (Merleau-Ponty : 171).
Dado este seu carácter central e seminal, não admira que o corpo seja, também, o lugar potencial de todas as violências, das mais físicas às mais simbólicas. É precisamente neste sentido que se pode entender o texto "Marina Abramović, dimensões da culpa. Do corpo da vida sacra" (Ricardo Mari Neto), que discute a performance Rhythm 0, apresentada em 1974 pela artista Marina Abramović. Essa discussão é feita à luz do conceito agambeniano de homo sacer, que para o autor assume "um duplo cárater: insacrificável e, porém, matável". O corpo aparece, aqui, como instância de mediação entre o individual e o social, mesmo que essa mediação se reduza à mais bárbara das brutalidades – a que não tem causa.
Já no texto "Antonio León Ortega, un escultor de frontera" (Franco Romero & Maqueda Perez) do que se trata é precisamente do contrário, isto é, da escultura de corpos que, precisamente pelo facto de serem sacrificados (ou de se sacrificarem a si mesmos), não podem ser "matados" porque deixam de ser "deste mundo". Nestes corpos que não morrem por serem objecto de sacrifício, e que assim instauram e asseguram a mediação entre o aqui e o além, reside o segredo essencial das religiões.
O texto "Expor intimidade / Falar intimidade: Elina Brotherus e Carla Filipe" (Sónia Neves) procura conjugar as criações de dois criadores. No caso da artista/fotógrafa Elina Briyhesus o corpo revela-se (e assume-se) como aquilo que verdadeiramente é: o lugar da mediação e transição entre o eu e o mundo, mesmo quando desse mundo está aparentemente ausente. Já no caso de Carla Filipe tratar-se-á, sobretudo, de interrogar as condições em que espaços naturais, alguns extremamente agrestes, podem ser habitados pelos corpos dos homens e tornar-se, assim, espaços humanizados pela mediação do seu trabalho/cuidado.
Em "Entre Cyborgs e Avatares: produções artísticas no seio da tecnologia ou o advento de novos invólucros humanos" (David Etxeberria), o autor centra-se em duas das formas contemporâneas de mediação entre o humano e o pós-humano: uma, o híbrido entre o corpo carnal e o corpo tecnológico (o cyborg); a outra, a projecção virtual do corpo carnal (o avatar). Se, por um lado, tais formas nos fazem pensar que nada do que é humano pertence, como tal, à natureza – o humano é, por definição, da ordem do artifício -, por outro lado elas permitem-nos uma espécie de variação eidética em torno do conceito de "humano" (quais são os limites?).
Por fim, o texto "Um Sussurro imanente – O corpo na pintura de Miguel Branco" (Carlos Correia) analisa a pintura de Miguel Branco a partir da perspectiva específica do corpo, identificando nela quatro tipos de manifestação: o corpo como tema, o corpo da tradição, o corpo como suporte e o corpo como observador. De certo modo, estas diferentes manifestações do corpo acabam por ilustrar o que dizíamos a iniciar este texto acerca da centralidade do corpo na arte. Nesse sentido, a pintura de Miguel Branco poderia ser vista, também, como uma reflexão da arte sobre a essência da própria arte.
Mas, poderá perguntar-se: não é nisso que consiste, afinal, toda a verdadeira arte?
Referências :
Merleau-Ponty, Maurice (1945) Phénoménologie de la perception. Paris : Gallimard. [ Links ]
Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.
Correio eletrónico: pserra@ubi.pt (Paulo Serra).