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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.10 no.27 Lisboa set. 2019  Epub 30-Set-2019

 

Editorial

Arte: o que há de novo a dizer

Art: what is there new that is worth saying

João Paulo Queiroz*1 

11 Universidade de Lisboa; Faculdade de Belas-Artes (FBAUL); Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes 14, 1249-058, Lisboa, Portugal.


Resumo:

Refletindo sobre a arte enfrenta-se coisa difícil, e não raro temos de encarar o regresso à partida: a Arte é coisa antiga, ligação funda ao que diferencia o humano, assentando na arbitrariedade da sua cultura e na sua transmissão sígnica. A pergunta, na busca dos grandes signos, é quase simples: o que há de novo? Poderia dizer-se que a esta pergunta responde, cada um a seu modo, os 16 artistas, agora autores, desafiados pela convocatória desta revista: no Estúdio se faz a Estúdio.

Palavras chave: novidade; revista Estúdio; Congresso CSO

Abstract:

Reflecting on art is a difficult thing to do, and we often have to face a return to the game: Art is an old thing, a deep link to what differentiates the human, based on the arbitrariness of its culture and its symbolic transmission. The question, in search of the great signs, is almost simple: what is new? One could say that this question answers, each in its own way, the 16 artists, now authors, challenged by the call of this magazine: in the Studio is done Studio.

Keywords: art; novelty; Studio magazine; CSO Congress

1. O que há de novo

Na criação artística existe, ao mesmo tempo que uma expectativa de afirmação politica - ostatus, o poder instituído, o reconhecimento, a fama, a metáfora do bem coletivo, a metáfora do Estado -, existe também a resistência ao poder. Esta resistência dirige-se tanto ao poder instituído, como e sobretudo a um outro poder, o poder ideológico, ao consenso, à hegemonia. O alcance desta vertente do discurso e do pensamento artístico pode ser intencional, ou, de outra forma, também existir a um nível inconsciente do próprio agente, seja artista, curador, colecionador, ou público.

Esta é a dinâmica que centraliza a aventura artística como uma das demandas de autoconhecimento que diferenciam a humanidade, a par com as interrogações fundamentais que culminam com a indagação religiosa e o conhecimento científico.

2. Cultura e Revolução

Aqui se apresentam, em poucas linhas, alguns aspectos caracterizadores da atividade artística: ela é tão antiga quanto a humanidade, ela é novidade e ao mesmo tempo continuidade - tal como na definição de cultura - e ela também é arbitrária, como a língua e como o signo que a veicula. E ainda, ela é organizadora dos grupos e sociedades, ao mesmo tempo que promove a renovação, a mudança, e a revolução.

As revoluções não abdicaram das artes, e as artes anunciaram as revoluções, em bastantes instâncias. É revolucionário o ‹Doríforo,› de Policleto, os frescos da capela Scrovegni, de Giotto, a 'Madalena Arrependida,' de Donatello, a 'vista do Tamisa desde Richmond House,' de Canaletto, a 'Olympia,' de Manet, a 'Colagem' de 1912, de Picasso, a … Poderia tentar continuar, com uma pergunta latente sobre a procura destas obras maiores: o que há de novo? Assim percebe-se esta procura, espécie de pequena viagem (Queiroz, 2019).

3. A proposta

A proposta deste número 27 da Revista Estúdio é mesmo essa: lançar o olhar dos agentes, dos artistas, sobre os seus companheiros e desafiar a novidade, a intervenção. Inserido no projeto maior do Congresso CSO, Criadores Sobre outras Obras, que há dez anos se lança aos artistas, o desafio da Revista Estúdio tem permitido um olhar renovado. O congresso traz novidade, entre gravuras, (Salvatori, 2019) poesia visual e livro de artista (Paros, 2019; Bonani & Almozara, 2019), ou ainda o puro resgate de obras perdidas (Marques, 2019) ou à espera de serem estudadas (Fortes, 2019).

Também é ocasião para o estudo do pensamento artístico e para observar o artista pedagogo, desde o seu contexto cultural e criativo, e desde os seus apontamentos e registos (Sabino, 2019).

4. Os artigos da Estúdio 27

O artigo "Elementos brujesco-surrealistas en la obra escultórica de Iria do Castelo" de Rebeca López-Villar (Vigo, Espanha) evidencia as configurações pictóricas e escultóricas surrealizantes, desta artista da Galiza, Espanha, que ao mesmo tempo convocam e enfatizam os sinais de diferenciação e de simbolização em torno do género: os cabelos longos, os saltos de tacão, a invisibilidade da individualidade em benefício dos fetiches de género e de dominação, exibem uma exuberância reinvindicadora da identidade substituída, ou uma perplexidade pela feminização do corpo em parâmetros hiperbólicos.

Maria Jesús Cueto-Puente (Bilbau, Espanha) no artigo "Forma y espacio gravitatorio en la obra de José Zugasti" aborda a sistematização projetual que acompanha o escultor José Zugasti (n. 1952, Guipúzcoa, Espanha) nas suas esculturas públicas interpelantes, subtilmente antropomórficas, e plasticamente assertivas. O artigo "O Limite e a Tensão Atuante na Obra de Hugo Paquete" de Pedro Ferreira (Lisboa, Portugal) aborda a obra "Zoe: Actant" (2017) de Hugo Paquete (n.1979, Portugal), interpretando-a como uma prática pós-digital que explora tecnologias híbridas e os limites da perceptibilidade exacerbando a mediação tecnológica e explorando os artefactos inerentes.

Thomas Apostolou (Grécia e Vigo, Espanha) no artigo "Cesión del control en la obra de Fermín Jiménez Landa" apresenta uma leitura da obra do artista espanhol Fermín Jiménez Landa (n. 1979, Pamplona, Espanha), que se caracteriza por ser uma articulação de registos e de regras lúdicas, respeitantes a um objetivo performativo e subjetivo. Em 2012, para a obra "Las Puertas", desloca-se desde a sua casa até à Casa Encendida, Madrid, mediante o compromisso de não tocar em nenhuma porta que encontrasse no caminho.

O artigo "Jorge Macchi me despertou" de Lúcia Weymar (Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil) apresenta uma perspetiva sobre as intervenções e registos do argentino Jorge Macchi (n. 1963). Explorando o acaso e as propostas da deriva (Debord) onde combina o absoluto acaso e o mais determinado rigor, numa complexidade escalar mediante a complexidade urbana.

Bruno Trochmann & Luisa Paraguai (Campinas, São Paulo, Brasil) no artigo "Improvisação e drone: uma leitura metodológica de David Maranha" abordam o músico português David Maranha, no disco "Âncora" (2016), em grupo com Alex Zhang Hungtai e Gabriel Ferrandini, e no disco "Marches of the new world" (2007). Estabelece afinidades com ofree jazznegro, de John Coltrane, e com odrone, de Tony Conrad.David Maranha (n. 1969, Figueira da Foz, Portugal) é uma das presenças da música experimental desde que em 1989 criou o "Osso Exótico" com André Maranha, António Forte e Bernardo Devlin. O seu contexto é o de um contributo dofree jazz,e dodrone, que afirma um contra-discurso crítico das vanguardas ocidentais.

O artigo "O preto ao cubo branco: 'dos pesos que se carrega'" de Francione Carvalho & Karina da Silva (Juiz de Fora, Brasil) apresenta a obra do artista visual Matheus Assunção (n. 1993, Rio de Janeiro, Brasil). Trabalhando os territórios de expressividade entre a performance, a fotografia, o vídeo, o arista enfatiza os temas que problematizam o corpo, a sexualidade, o género, dissidentes num território herdeiro das marcas do tráfico negreiro. Propõem o 'Coletivo Descolônia,' em 2017, e apresentam a exposição "Preto ao Cubo", na Galeria Guaçuí, em Juiz de Fora, explorando os temas do descentramento e da pós colonização, com um imaginário pós pop e inserido na cultura urbana.

Daniela Cidade (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil) no artigo "Letícia Lampert e a paisagem afetiva urbana: estratégias do fotográfico diante do público e do privado" mostra o trabalho de Letícia Lampert, de 2013, intitulado "Conhecidos de vista: a cidade revelada através de olhares, janelas e fotografias,"que acompanha os moradores do centro histórico da cidade de Porto Alegre, interrogando a paisagem urbana e a tensão entre o público e o privado.

O artigo "O mundo exposto ao devir-mulher: videografia de Barbara Fonte" de Pedro Silva (Vigo, Espanha) expõe a sua abordagem sobre a videografia de Barbara Fonte (n. 1981, Portugal), discutindo pontos de convergência entre dois tópicos: a apresentação sexualizada do corpo e a sua redenção através da evocação matricial adâmica. Eva, o que é ser mulher, pela boca, pelo fruto, e pela interdição da pose, a evidência da sujeição da exposição e da vergonha.

Alice Geirinhas (Coimbra, Portugal) no artigo "'Uma Loja Cinco Casas e Uma Escola,' uma exposição coletiva com curadoria do artista João Fonte Santa" apresenta uma curadoria em dois espaços, em Coimbra e nas Caldas da Rainha (Colégio das Artes, Coimbra e Museu Bernardo, Caldas da Rainha), que propõe diferentes aproximações e reflexões em que a arte é apropriada numa metalinguagem. A intervenção reúne artistas, obras e exposições ao longo de vinte anos, numa estratégia de arquivo orgânico e não antológico, expondo-se trabalho inédito, e inserindo-se aqui a participação de Alice Geirinhas, Alexandre Estrela, Andrea Brandão, António Caramelo, António Olaio, Cecília Corujo, Eduardo Matos, Fernando Ribeiro, Inez Teixeira, Isabel Carvalho, Isabel Ribeiro, João Fonte Santa, Luís Alegre, Mafalda Santos, Margarida Dias Coelho, Maria Condado, Miguel Palma, Nuno Ramalho, Paulo Mendes, Pedro Amaral, Pedro Bernardo, Pedro Cabral-Santo, Pedro Pousada, Renato Ferrão, Sara & André, Susana Borges, Susana Gaudêncio e Xavier Almeida.

O artigo "Expandirse y replegarse: estructuras contingentes en la obra de Pep Montoya" de Oscar Padilla" (Barcelona, Espanha) aborda a exposição do catalão Pep Montoya (n. 1952, Barcelona) intitulada "No saber perquè però sabent per què" que decorreu no Centro de Arte Espronceda, em Barcelona, janeiro 2018. São estabelecidos paralelos geracionais entre Pep e artistas com Pedro Cabrita Reis ou Martin Kippenberger, na recuperação da operatividade plástica.

Anderson Paiva (Roraima, Brasil) & Mónica Mendes (Lisboa, Portugal) no artigo "A cosmicidade reflexiva em 'Snow Dust' de Rui Calçada Bastos: explorações interativas no ‹Além-Céu›» apresentam a obra de Rui Calçada Bastos (n. 1971, Lisboa), particularmente a série fotográficaSnow Dust(2013), assim como a instalaçãoSkyLoopSpace(2017), instalação interativa com captura de movimentos, utilizando okinect, e projeção no topo de imagens identificáveis e geradas pelos participantes podendo-se navegar desde as nuvens baixas até aos objetos astrais, numa viagem da nuvem às nebulosas.

O artigo "A Escultura Fragmento de João Castro Silva," de Luísa Perienes (Lisboa, Portugal), apresenta-se uma reflexão sobre a obra do escultor e professor na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. O escultor explora a agregação de tacos e de fragmentos de madeira numa reorganização identitária, quase esfíngica, que assume o silêncio da presença material e da grandeza inerente ao potencial humano.

Aline Basso (Fortaleza, Brasil) no artigo "Do vazio e do silêncio nos desenhos de Maria Laet" estuda a série 'Daquilo que não se vê' (2016), de Maria Laet (n. 1982, Rio de Janeiro) conjunto de livros em papel e a série 'Atividade Interna' (2017), série de dez desenhos a tinta da china. Evidencia-se a materialidade do papel e dos mofos, as manchas das humidades, que se articulam com as capilaridades da tinta.

Sissa de Assis (Taguatinga, Brasília DF, Brasil), no artigo "A artemídia na obra-processo 'Água' da artista Val Sampaio em seu fluir afetivo pela região Amazônica", constata uma presença feminina nos jovens artistas da Amazónia, em particular apresentando a obra da artista Val Sampaio (n. 1950). A artista percorreu o rio Amazonas com artistas convidados em duas expedições. Usando a geolocalização, osgeotags, e realidade aumentada são ensaiadas anotações urbanas na paisagem eletrónica. As duas expedições num barco de porte médio, passaram pelos municípios Oriximiná, Santarém e Óbidos, no Estado do Pará, no Norte do Brasil. A primeira expedição do projeto ocorre em 2009 na qual participaram Jarbas Jácome, Cláudio Bueno, Gilbertto Prado, Nacho Duran e Dênio Maués. Em 2011, na segunda expedição participam Rosangela Leote, Panetone, Marcos Bastos, Cláudio Bueno, Léo Pinto, Panetone, Gilbertto Prado e a própria Val Sampaio, em projetos de exposição interativos e ainda disponíveis na rede.

O artigo "Simon Zabell: Found in Translation" de Jesús Osorio (Granada, Espanha) aborda a obra de Simon Zabel (n.1970, UK, residente em Espanha), que se ocupa de uma diversidade de possibilidades criativas nas diferentes medialidades artísticas, pintura, escultura ou instalação, onde se salienta o seu carácter cenográfico e sintético, numa articulação entre a imagem, a história e a música.

Daniela Remião de Macedo (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil) no artigo "O tempo expandido e a miscigenação na fotografia: a representação da dança na obra de Clóvis Dariano" debruça-se sobre o extenso percurso do artista visual brasileiro Clóvis Dariano (n. 1950, Porto Alegre, RS) que explora na linguagem fotográfica uma relação privilegiada com a dança e o teatro, desde os anos 70 até a atualidade.

5. Conclusão: procurar com atenção

Refletindo sobre a arte enfrenta-se coisa difícil, e não raro temos de encarar o regresso à partida: a Arte é coisa antiga, ligação funda ao que diferencia o humano, assentando na arbitrariedade da sua cultura e na sua transmissão sígnica. A pergunta, na busca dos grandes signos, é quase simples: o que há de novo? O desafio da novidade é percebido inteiro na soma destas partes, e de outras a acrescentar. É preciso procurar, desafiar o conhecimento, vencer as resistências, olhar através do nevoeiro do conformismo, vencer o brilho da atração luxuosa das tendências dominantes, mas superficiais. Assim as tarefas ficam mais simples: é só prestar atenção, e procurar o que é realmente novo, realmente verdadeiro, realmente humano.

Referências

Bonani, André Amarante & Almozara, Paula (2019, janeiro) "Mira Schendel: materialidade viva, transparência do cosmos." Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):89-96. [ Links ]

Fortes, Arlinda Maria Eugénio (2019, janeiro) "'O encanto secreto das coisas e dos seres' na coleção artística de João da Silva." Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):63-69. [ Links ]

Marques, Inês Andrade (2019, janeiro) "Uma escultura nunca realizada de Martins Correia."Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):151-156. [ Links ]

Paros, Felipe Martins (2019, janeiro) "Seguindo o Meretrilho: sobre um poema de Maria do Carmo Ferreira." Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725 Vol. 7(13):36-43. [ Links ]

Queiroz, João Paulo (2019, janeiro) "Viagem ao Quintal" Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):12-16. [ Links ]

Sabino, Isabel (2019, janeiro) "Jorge Pinheiro (papéis das aulas): O Pátio da Cobrança das Rendas."Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):97-107. [ Links ]

Salvatori, Maristela (2019, janeiro) "Idiomaimagem na gravura de Magliani" Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539 e-ISSN 2182-8725. Vol. 7(13):18-28. [ Links ]

Recebido: 21 de Maio de 2019; Aceito: 01 de Junho de 2019

Endereço para correspondência Correio eletrónico: j.queiroz@belasartes.ulisboa.pt (João Paulo Queiroz)

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Portugal, artista visual e professor, coordenador da Revista Estúdio.

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