Introdução
Era un farsante. Si. ¿Qué significa ello? farsante es quien vive la farsa. Greco sentía a la vida como una gran farsa en la que un día es algo que al día siguiente está lejos de serio. El vivía la farsa del mundo. La gozaba. Y la amaba como un niño sorprendido. Con candor. Y en este candor ante la vida residía su bondad y su maldad. Vivía así papeles en su vida muy diversos y opuestos. Todos como si cumpliera un rito con la vida. (Noé, 1970-1996).
Para nos aproximarmos de Alberto Greco (1931 1965), é necessário abraçarmos condições paradoxais, contradições e dúvidas que escapam de serem sanadas. O que Luiz Felipe Noé nos diz, na citação acima, é que não havia um só Alberto Greco. De fato, não devemos criar separações entre seus processos, seus trabalhos e sua maneira de performar papeis e de ser um artista público. Isso não significa dizer que Greco era um “performer”. Não se trata disso. Greco encarnava modos de ser intimamente ligados ao tipo de arte que propunha. Ou seja, ele tornava inseparável parte da sua existência pública como artista do que apresentava de sua arte. Tentar compreender sua obra é perguntar por quem foi Alberto Greco, principalmente quando falamos das realizações da segunda metade de sua trajetória. Paradoxalmente, o artista que torna-se um ícone de si mesmo, propunha uma iconoclastia radical que resultava numa espécie de aversão à tradição. Greco necessitava das ruas, da propaganda, do lixo, do movimento, do fogo, da efemeridade, do corpo e do sangue.
Repassar a biografia de artistas bastante conhecidos raramente é algo necessário e pode resultar em uma narrativa maçante. Greco é uma das exceções e não apenas por possuir uma vida aventuresca. A inevitabilidade de apontarmos parte de sua trajetória se dá por outra razão: as anedotas sobre sua vida e sobre sua carreira são elementos constitutivos de suas propostas. Ao considerarmos a fala de Noé, que era amigo do artista (Abreu, 2013: 32), percebemos que Greco propositalmente mesclava os fatos crus de sua vida artística com construções ficcionais e poéticas em torno do seu nome. Como compreender os processos de um artista que mistura vida e obra de maneiras tão profundas? Para aqueles que preferem separações rígidas entre ficção e realidade, entre obra e artista, entre proposta e produto, entre Ser e Estar, Greco pareceria apenas um brincalhão inconsequente ou um mitômano incorrigível (Pellejero, 2011: 11). Se pensarmos para além dessa rigidez, Greco se faz mito ainda vivo. E como todo o conteúdo mítico, a factualidade não é relevante. A mítica de Greco espelha e influencia a realidade, o cenário do qual ele fez e faz parte. Ele se torna capaz de encarnar narrativas exemplares sobre lugares e épocas. Essa indissociação entre os modos de ser dos artistas e os processos de concepção de seus trabalhos nos diz muito sobre o movimento de atravessamento Arte/Vida que se aprofunda durante a década de maior transformação da obra de Greco: 19551965. Essa intencionalidade da aproximação entre Arte e demais esferas da sociedade pulsa de modo tão intenso naqueles anos, que continuará a expandir-se nos anos seguintes.
1. O informalismo de greco
Greco é enquadrado, historicamente, no interior do Movimento Informalista Argentino, o que é correto. Restringi-lo a esses limites, no entanto, seria compreender erroneamente não apenas os processos deste artista, mas do próprio Informalismo. Embora seja costumeiro apontar o ano de 1959 e as mostras “Movimento Informalista”, na Galeria Van Riel, e fazer referência à subsequente mostra dedicada aos informalistas no Museo de Arte Moderno, realizada no edifício do Museo de Artes Plásticas Eduardo Sivori (Abreu, 2012: 1937), devemos sempre remontar ao cenário que permitiu que tais mostras fossem realizadas.
O período que antecede a retomada democrática na Argentina foi marcado pelo transitar, nos debates latino-americanos, do que se chamou de “transição à democracia”, que alimentou um sentimento de renovação e questionamento no campo da arte não apenas da figuração tradicional, mas também do abstracionismo geométrico em evidência até então (Giunta, 2001: 92). No interior desse sentimento de renovação, havia uma variedade de caminhos possíveis para a arte argentina. Nesse contexto, destacaram-se historicamente o Movimento Espartaco e o Movimento Informalista. Enquanto o primeiro respondia à uma tradição muralista de fundo social e foi longevo, o segundo atirou-se num impulso inicial e teve vida curta, ainda que tenha deixado consequências para o desenvolvimento da arte contemporânea local. No interior do Informalismo argentino, haviam propostas que iam da abstração lírica às colagens que remontavam a um ideário Dada (López Anaya, 2003). Durante aqueles anos e nos anteriores, artistas como Greco e Keneth Kemble já realizavam mostras individuais e desenvolviam interesses além da pintura e em ruptura com materiais tradicionais (López Anaya, 1998), (Figura 1 ).
Nesse sentido, quando Greco expôs em sua individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em abril de 1958, ele vai intervir com uma “conferência
exposição” e ser considerado como um dos precursores da arte performática no Brasil. Também, ao retornar da estada de cerca de dois anos no Brasil e abrir a mostra “9 artistas de San Pablo”, em Buenos Aires (García, 2010: 1000), Greco já pensava em um Informalismo mais estrutural do que formalista (Longoni,
2004: 35). Quanto à espécie de informalismo que passa a professar e praticar, ela estava fortemente mesclada pelo cunho de intervir no quotidiano. O Greco intervencionista que já existia quando inscrevia “Greco Puto” em saunas públicas, se evidencia em todas as vezes em que anuncia seu falecimento, se torna inegável quando afixa cartazes pelas ruas de Buenos Aires com os dizeres de “Greco, o maior artista informalista vivo” e se torna memorável com o “Manifesto Vivo del Arte Dito”, de 1962.
Os seus “vivo dito”, que muitas vezes se resumiam a um efêmero círculo de giz riscado sobre a calçada (Figura 2), coroam sua defesa de uma ação direta da arte sobre o quotidiano e afirmam a vida do artista como o seu mais potente trabalho. Os cartazes e placas continuaram presentes, mas não como a impressão mecanizada de sua intervenção nos muros de Buenos Aires, ou seja, a materialidade do tipo de intervenção que propunha continuava a ser informalista. Os cartazes que demarcam pessoas, animais e paisagens como “Obras de Arte de Alberto Greco” são feitos à mão, com pedaços de papelão, madeira e tinta barata. O que demarca o sentido de tais placas são a sua assinatura, a sua presença e a sua atitude.
2. Um acontecimento em Piedralaves
Um evento no qual podemos perceber todos esses elementos foi a passagem de Greco por Piedralaves. Em 1963, o artista se fixou por alguns meses num pequeno povoado espanhol. Durante sua estada, Greco desenvolveu uma intervenção interativa que fomentou a reunião de pessoas locais e parcerias. Para tal, utilizou como elemento de suporte um conjunto de rolos de papel higiênico que denomina “Gran Rollo Manifiesto del Arte Vivo-Dito” (Figura 3). Nesses rolos, havia anotações, rabiscos e desenhos, uma letra de tango, versos, e metros de papel deixados em branco para as intervenções de crianças locais. Não possuiríamos detalhes sobre essa experiência de compartilhamento e intervenção participativa, caso não ocorresse a fortuita passagem da fotógrafa Montserrat Santa María por Piedralaves, durante aquele verão. Em parceria com a fotógrafa, Greco propõe diversas ações públicas que espalham seu nome em placas e cartazes pelo povoado e Montserrat as registra. Dentre aquelas ações, um acontecimento se destaca. Eles retomam o “Gran Rollo” e o desenrolam pelas ruas (Figura 4 e 5). As fotografias documentam o processo interativo entre os moradores e o artista num acontecimento fora dos grandes centros, das disputas institucionais ou das expectativas de formas colaborativas em galerias ou museus. Nessa proposição pouco planejada, impetuosa e com registros fotográficos como frutos do acaso, o “vivo dito” extraiu caminho para fazer a arte acontecer
Fonte: https://www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/gran-manifiesto-rollo-arte-vivo-dito-large-vivodito-art-manifesto-roll-2
publicamente. De fato, os “vivo dito” somente são possíveis quando fazem parte do quotidiano, quando acontecem nas relações entre pessoas e espaço público (Figura 6). No caso de Piedralaves, se percebe como a materialidade informalista jamais desaparece dos processos relacionais de Greco. O precário, o efêmero, o barato ou o descartado falam mais do dia-a-dia do que o projetado, o limpo, o caro ou o permanente. O informalismo de Greco permanece enquanto os seus “vivo dito” acontecem. Dois anos depois, Greco daria um fim para a sua existência-processo. Os seus “vivo dito” foram a dissolução de artista, arte e vida.
Para pensar o desenrolar daquele dia de 1963, uma aproximação entre as intervenções de Greco e o sentido conceitual de “acontecimento” como exposto por Deleuze - que posiciona acontecimento como o que diz respeito às relações temporais e subjetivações entre conjuntos de instantes - é um meio, entre outros, de reavaliar o poder performático do artista argentino. Sob esse eixo, uma sequência de instantes, como acontecimento, se dá a perceber no momento “entre” o que acontece e o já acontecido, o por vir. O “acontecimento” é um “incorporal”, no sentido estóico (Deleuze, 2015: 6), ou seja, não pode ser reduzido à coisa ou à proposição. Para a percepção e as relações de tempo-espaço, o “acontecimento” se faz sentir, deixa marcas, nos feri e deve ser representado, sem ser a representação de algo (Deleuze, 2015: 151-152). O sentido de um acontecimento não pode ser apontado, pois reside no que acontece, quando acontece e deve ser “querido”. Na proposição de desenrolar o “Gran Rollo”, temos
acesso aos vestígios desse sentido pelos registros fortuitos da lente de Montserrat . Suas fotografias agregam corpo à proposição e permitem uma leitura que indica uma característica essencial do conceito deleuziano, quando este filosófo diz que o acontecimento deve ser “querido”, querer alguma coisa no que acontece. Sem dúvida, a intervenção de Greco trouxe uma provocação receptiva em Piedralaves.
Conclusão
Embora Andrea Giunta (2001: 181) demarque uma separação nítida entre a geração de artistas informalistas argentidos e a seguinte, dedicada ao happening, às novas mídias e aos conceitualismos, esse corte não deve ser tão seco. Naquele início de década de 1960, havia muitos artistas latino-americanos em Paris, em contato com o Novo Realismo e interessados em realizar ações efêmeras (Giunta, 2001: 193). Ainda que, numéricamente, a produção argentina de happenings não fosse alta, nomes significativos e a instauração de um largo debate sobre os seus sentidos já se fazia presente (Masotta, 2004:271-286). Greco se integra a tal debate e se firma, historicamente, como uma das mais sólidas pontes para se acessar as profundas transformações ocorridas na arte argentina dos anos 1960.
Não se trata apenas de uma continuidade entre as práticas informalistas e aquelas da Nueva Figuración, dos novos meios e conceitualistas. Sob o entendimento de “acontecimento”, o informalismo de Greco, após sua virada para os “vivo dito”, abarca aquilo que se apresenta aos corpos/pensamentos em proposições expressivas. Se algumas dessas proposições se fizeram com marcas efêmeras, como os círculos de giz nas calçadas e as pixações em saunas públicas, essas marcas se fazem ainda perceptíveis, como documentadas pela historicidade e pela visibilidade das fotografias.
Ainda, o acontecimento de Piedralaves não aponta somente para uma experiência performática do artista, mas para uma ação de subjetivação coletiva. Essa subjetivação está ligada à materialidade informalista de Greco, mas não apenas como continuidade do uso de objetos e materiais; o desenrolar do “Gran
Rollo” foi uma proposição expressiva que, como “acontecimento”, nos levou a
compreender uma tarde qualquer, num pequeno povoado, em 1963.