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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território
versão On-line ISSN 2182-1267
GOT no.7 Porto jun. 2015
https://doi.org/10.17127/got/2015.7.004
ARTIGO ORIGINAL
Cidades principais e secundárias na Europa: uma caracterização dos contrastes à escala da região urbana
Cardoso, Rodrigo1
1The Bartlett School of Planning, UCL Faculty of the Built Environment; Central House, 14 Upper Woburn Place, London WC1H 0NN; rodrigo.cardoso.11@ucl.ac.uk
RESUMO
O presente artigo compara três conjuntos de cidades principais e cidades secundárias europeias com o objectivo de verificar se existem padrões semelhantes nos respectivos contrastes estruturais e socioeconómicos à escala da região urbana. Esta questão é importante porque alguma literatura sugere diferenças fundamentais entre os dois tipos de região urbana que importa tornar visíveis. Uma análise geodemográfica revela de facto contrastes similares entre capitais e cidades secundárias, principalmente ao nível da distribuição e incidência dos diferentes grupos socioeconómicos. Explorar estas diferenças contribui tanto para uma tipificação dos dois tipos de cidade como para o estudo das diferentes formas de integração funcional e institucional da região urbana.
Palavras-Chave: cidade secundária, cidade-região, metropolização, geodemografia
ABSTRACT
This paper compares three sets of primate and second-tier cities in Europe to verify whether they follow similar patterns of socio-economic and structural contrasts at the urban region scale. This is important because some literature suggests fundamental differences between both types of urban region which should be made visible. A geodemographic analysis, based on existing syntheses or bespoke indicators, does show similar contrasts between primate and second-tier cities across Europe, notably regarding the incidence and distribution of socio-economic groups. Exploring these differences contributes both to a typology of these cities and to the study of forms of functional and institutional integration at the urban region scale.
Keywords: second-tier city, city-region, metropolisation, geodemography
1. Introdução
As cidades secundárias Europeias – cidades não capitais com significativa importância à escala nacional ou internacional – têm recebido nos últimos anos maior atenção, tanto em contextos de investigação como de políticas públicas, tal como ilustrado por estudos recentes (OCDE, 2012; ESPON, 2012). Uma rede densa de centros urbanos de média dimensão é uma característica definidora do sistema urbano Europeu (Christiaanse et al., 2009), mas estas cidades têm ainda de ultrapassar uma tradição de relativa negligência quando comparadas com as grandes capitais, ‘megacidades’ e cidades globais que absorvem a atenção de investigadores, planeadores e políticos.
Num continente caracterizado por inúmeras variantes culturais, políticas e climáticas, é de esperar que as condições de vida e da economia nas cidades secundárias variem significativamente nos vários países Europeus; e, de facto, um relatório recente do ESPON (2012) relaciona directamente esta variação com os diferentes sistemas urbanos nacionais: as cidades secundárias em países com capitais dominantes (Portugal, França, Reino Unido) tendem a sofrer maior negligência e ter menor sucesso económico relativo do que aquelas em países com sistemas mais descentralizados (Alemanha, Holanda, Suíça). Este artigo preocupa-se essencialmente com o primeiro grupo.
A investigação existente sobre as características e estratégias particulares das cidades secundárias deixou uma área importante pouco explorada, nomeadamente a crescente integração destas cidades com a ‘região urbana’ envolvente, e as potenciais vantagens deste processo. De facto, desenvolveram-se vastas regiões urbanizadas, policêntricas e interligadas tanto à volta das cidades secundárias como das grandes capitais, mas o fenómeno[1] tem sido tipicamente associado ao crescimento das metrópoles globais (Scott, 2001). No entanto, e no que respeita às eventuais vantagens da integração de grande escala, as cidades secundárias, enquanto centros urbanos individuais, estão habitualmente menos dotadas de funções urbanas importantes do que as cidades principais (BBSR, 2011), o que sugere a necessidade de recorrer à escala da região urbana para usufruir do conjunto de funções, actores e actividades económicas necessárias à obtenção dos benefícios da aglomeração (Ahrend et al., 2015; Meijers, 2008). Algo semelhante foi sugerido pelo primeiro relatório ESPON 1.1.1 (2005), onde se referia que o potencial de crescimento adicional de ‘políticas de integração policêntrica’ era menos significativo nas grandes capitais dominantes do que em muitas cidades médias menos hegemónicas. Por outro lado, no seu estudo sobre ‘regiões urbanas policêntricas’ (RUP), definidas como conjuntos de cidades de dimensão semelhante, relativamente próximas e significativamente interligadas[2], Dieleman e Faludi (1998) e Lambregts (2006) acrescentam que a ausência de uma cidade principal tende a prejudicar a definição de uma visão integradora coerente. A meio caminho entre a organização em rede das RUP e a forte hegemonia das cidades principais, as cidades secundárias podem ter melhores razões e maior capacidade para uma integração mais profunda com a região urbana. Isto justifica a relevância de considerar a ‘região urbana da cidade secundária’ como um tema específico, tanto ao nível da investigação académica como das políticas públicas.
Com diferentes reivindicações de universalidade, a procura de diferenças entre cidades principais (ou grandes capitais) e cidades secundárias centrou-se na actividade económica (Markusen et al., 1999; Hodos, 2011), trajectória histórica e social (Hall, 1998; King, 2010), e relação com os sistemas políticos (ESPON, 2012). Não existe muito trabalho comparativo sobre os padrões de estrutura espacial e socioeconómica que possam ilustrar estas diferenças à escala da região urbana. No entanto, alguns precedentes sugerem que se coloque esta questão como base para um estudo dos processos de integração de grande escala. A hipótese de Hohenberg de que as capitais crescem num contexto de ‘lugar central’ Christialleriano e as cidades secundárias tendem para um sistema em rede (2004), ou a distinção entre metrópoles ‘teia de aranha’ à volta de cidades dominantes de ‘primeira ordem’ e metrópoles ‘em rede’ noutros locais, sugerida por Heynen, Loeckx e Smets (1989) têm provavelmente uma manifestação espacial visível. Estas interpretações são particularmente bem descritas pelo modelo tripartido de desenvolvimento de regiões urbanas proposto por Champion (2001): o ‘modo centrífugo’, baseado na expansão e descentralização de um núcleo original monocêntrico; o ‘modo de fusão’, assente na integração e agregação de um conjunto de centros de dimensão semelhante (habitualmente atribuído às RUP); e o ‘modo de incoporação’, um modelo misto de expansão da cidade central que se mistura e interage com uma série de outros centros e fragmentos preexistentes com processos de desenvolvimento relativamente autónomos.
Pretende-se explorar estas diferenças no sentido proposto pela literatura citada acima: as cidades de ‘primeira ordem’[3] tendem a ter um papel historicamente dominante na respectiva região, que se assume nascer de “um longo processo de descentralização extensiva de grandes cidades centrais para núcleos adjacentes mais pequenos” (Hall e Pain, 2006: 3). Ao contrário, as cidades secundárias, menos dotadas de funções e actividades passíveis de descentralização, não gozaram, ao longo da sua história, da mesma hegemonia e capacidade atractiva (de pessoas, empregos e actividades) em relação à envolvente. Surge assim uma hipótese de carácter abrangente: as cidades secundárias evoluíram para regiões urbanas com menor impacto dos processos expansivos de grande escala da cidade central sobre a envolvente e os outros centros; assim, estão menos sujeitas a hierarquias funcionais entre centro e periferia e podem compor uma região urbana mais descentralizada e interdependente, ainda que mais fragmentada (Cardoso e Meijers, 2013). Este processo relaciona-se com o ‘modo de incorporação’ proposto por Champion (2001), por vezes ignorado pelo debate polarizado entre os outros dois modelos.
Importa, assim, conhecer os territórios morfológicos, funcionais e socio-económicos onde o processo de integração de regiões urbanas se desenvolve - aqui denominado metropolização, no sentido proposto por Indovina, 2004; ETH Basel, 2010; ou Meijers et al., 2012. Os factores subjacentes – complementaridade funcional, conectividade infra-estrutural, especialização local, dispersão urbana, direccionalidade dos fluxos e morfologia – e a forma como estes se agregam e relacionam, alteram as condições, velocidade e eventual sucesso dos processos de integração funcional, institucional e morfológica. No entanto, a integração tem sido vista como uma tendência geral de todos os territórios (Indovina, 2004), variando apenas em intensidade. De facto, algumas perspectivas (Roger, 2007; Ferrão, 2014) parecem interpretar estruturas diferentes como expressão de processos mais ‘avançados’ ou ‘atrasados’ de metropolização: as cidades principais tendem a dominar económica e funcionalmente a sua região, e, através da crescente descentralização, geram uma interdependência de grande escala fortemente hierárquica – por isso, estariam ‘avançadas’ no processo de integração. Pelo contrário, cidades menos dominantes não teriam projectado a sua ‘sombra’[4] sobre a região envolvente, produzindo menor impacto nos restantes centros urbanos e por isso não gerariam (ainda) um processo de integração significativo.
Note-se que a metropolização não espera necessariamente pela formação de uma hierarquia centrífuga e o caso das regiões urbanas policêntricas (RUP) demonstra outra forma de integração, neste caso de redes de cidades com especializações diferentes. Mas a posição das cidades secundárias algures entre as grandes cidades principais hegemónicas e as RUP em rede sugere uma situação mais ambígua e particular. O que falta, em suma, é uma interpretação da natureza diferente das regiões urbanas principais e secundárias enquanto territórios metropolizados, que não se limite a procurar quão próximas ou distantes as secundárias estão de um estado de progresso ‘desejável’, desenhado à medida para as principais. Falta ainda discutir como diferentes estruturas territoriais – em particular nas cidades secundárias - providenciam (ou não) condições férteis para diferentes processos de integração.
Em concreto, e a partir destas considerações teóricas e metodológicas, o presente artigo pretende discutir duas hipóteses de trabalho importantes para o estudo diferenciado dos potenciais de integração de regiões urbanas em cidades secundárias:
- As diferenças entre cidades primárias e secundárias acima propostas são visíveis tanto no processo histórico de formação da região urbana como na sua configuração espacial, funcional e sócio-económica actual, reflectindo a predominância do ‘path dependence’ habitualmente atribuído aos sistemas urbanos Europeus (Hohenberg, 2004) sobre os processos genéricos e uniformizantes de carácter global.
- Essas diferenças são detectáveis em vários contextos nacionais, nomeadamente onde exista um sistema de cidade principal e uma ou mais cidades secundárias, e, não obstante influências locais (como as políticas públicas de ordenamento territorial), definem um padrão comum de constrastes entre ambos os tipos de região urbana.
Na sequência de outras contribuições que pretendem iniciar esta discussão (por exemplo a comparação da distribuição funcional de Lisboa e Porto efectuada por Cardoso e Meijers, 2013), este artigo propõe comparar as diversas tipologias de região urbana através de uma análise geodemográfica (Singleton e Spielman, 2014) de três capitais e três cidades secundárias Europeias. Esta comparação não tem pretensões de universalidade: não se afirma que todas as relações seguem este padrão, nem se oferece uma tipologia ‘geral’ da estrutura metropolitana das capitais e cidades secundárias de aplicação indiscriminada. No entanto, e para além de clarificar as hipóteses propostas, a comparação sugere um conjunto de indicadores e características que podem servir para procurar as diferenças entre outros conjuntos de cidades, e para discutir que padrões podem ilustrar ou contestar os diferentes tipos de região urbana que a literatura acima citada sugere. Contribui-se assim para os métodos de investigação comparativa das cidades secundárias, assim como para as bases de uma análise mais diferenciada dos processos de metropolização.
2. Metodologia
As eventuais diferenças estruturais entre cidades principais e secundárias à escala da região urbana, baseiam-se na análise geodemográfica de três conjuntos de cidades Europeias: Porto e Lisboa, Antuérpia e Bruxelas, e Londres e Bristol. Para tal, utilizam-se sínteses ou ferramentas desenvolvidas pelos institutos estatísticos de cada país ou agregam-se diversos indicadores avulsos quando essa síntese não existir.
A escolha das cidades secundárias relevantes seguiu dois critérios: teriam que se localizar em países com uma capital dominante, onde sejam visíveis desproporções económicas (ESPON, 2012), políticas (Crouch e Le Galés, 2012) e funcionais (BBSR, 2011; Ferrão, 2000); e teriam que fazer parte de regiões urbanas de estrutura policêntrica e dispersa, sendo o núcleo institucional ou cultural sem serem funcional ou demograficamente hegemónicas – ou seja, nem cidades dominantes nem RUPs. As três cidades escolhidas cumprem estes critérios. De facto, tanto Porto como Antuérpia têm sido amplamente descritas como parte de uma ‘cidade extensiva’ ou ‘difusa’ (Portas et al., 2007; Domingues, 2008; Meulder, 2008; Grosjean, 2010). O crescimento urbano em Bristol é mais compacto, mas a cidade é o núcleo da região Britânica em que a transição para o policentrismo funcional tem ocorrido mais rapidamente (Burger et al., 2011).
2.1 Dados e Ferramentas
No caso do Porto e Lisboa, a fonte dos dados é o estudo ‘Tipologia socioeconómica das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto’, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2014) com base na informação dos censos de 2011. A área de análise corresponde às áreas metropolitanas de ambas as cidades, tal como definidas na Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro. O estudo baseia-se na definição de seis categorias socio-económicas construídas a partir da variação de alguns indicadores principais e dos seus sub-indicadores: envelhecimento da população, urbanização, movimentos pendulares, imigração e qualificações. Depois de aplicar uma metodologia de análise de clusters para definir estas categorias, os autores atribuíram-nas, conforme a sua predominância demográfica, às subsecções estatísticas do censo nacional e mapearam a sua distribuição geográfica em ambas as áreas metropolitanas, fazendo aparecer grupos dominantes em localizações específicas que podem ser associados a centros urbanos, subúrbios, zonas rurais, etc. As principais características das tipologias do INE estão resumidas na tabela seguinte. Os indicadores sem qualquer resultado apresentam resultados ambíguos e não são relevantes para construir a tipologia específica.
Enquanto as metodologias do INE e ONS são até certo ponto compatíveis, não foi possível encontrar um exercício de geodemografia semelhante para a Bélgica. Por isso, para comparar Antuérpia e Bruxelas foi necessário recorrer aos indicadores estatísticos individuais representativos das categorias acima, produzidos pelas entidades oficiais a partir dos censos nacionais de 2011, como se verá a seguir. Estes indicadores só existem à escala do município, o que os torna menos precisos do que os anteriores.
3. Resultados
3.1 Conclusões do INE sobre Lisboa e Porto
As principais diferenças entre Lisboa e Porto estão relacionadas com as origens e dinâmicas do processo de expansão e suburbanização. Lisboa corresponde ao conceito típico de uma área metropolitana que evoluiu para uma região urbana policêntrica de modo ‘centrífugo’: uma cidade central dominante que suportou historicamente uma expansão em ‘mancha de óleo’, gradualmente distribuída por áreas com pouco historial anterior de urbanização; uma cronologia linear de emergência de subúrbios socialmente diferenciados ao longo dos eixos de transporte mais importantes; forte presença da imigração, ilustrando tanto essa diferenciação social como a maior integração da cidade nos processos de globalização; e transformação sistemática de territórios claramente rurais em áreas claramente urbanas (Ferrão, 2014).
Em contraste, a região do Porto experimentou uma versão mais fraca destes processos, parcialmente diluídos por uma dinâmica lenta e contínua de urbanização difusa e localizada, baseada na densificação e diversificação funcional de fragmentos urbanos existentes em espaços genericamente rurais, mais do que na expansão da urbanização dominante sobre territórios por ocupar. Este processo foi suportado por uma rede viária densa e ‘rizomática’ (Domingues, 2008) que servia necessidades de mobilidade muito localizadas e actividades económicas dispersas nas proximidades da habitação, resultando numa estrutura polinucleada reticular (Sá Marques e Delgado, 2014), mais do que num policentrismo hierárquico. A ausência de núcleos concentrados de emprego não gerava movimentos casa-trabalho significativos.
Se a explicação completa destas diferenças remete para uma análise mais profunda da estrutura territorial difusa e policêntrica do Noroeste de Portugal, uma das razões para a sua permanência parcial até à actualidade relaciona-se com o impacto – a ‘força gravitacional’ - da cidade central sobre a região. O desenvolvimento do sector dos serviços no Porto é pouco significativo e tardio, em parte porque o sector industrial disperso e de pequena escala, que gerava muito emprego tanto em áreas urbanas como rurais, não se agregou para atingir massa crítica e agir como um consumidor maciço de serviços tradicionalmente concentrados na cidade central (Domingues, 1994). O efeito de capitalidade (Dascher, 2002), baseado na hierarquia de serviços públicos de alto nível em Lisboa, fez o resto: ao contrário da capital, o Porto-cidade nunca agregou serviços de alto nível e poder económico suficientes para consolidar uma centralidade funcional, justificar os movimentos pendulares da população entre centro e periferia e reunir massa crítica para despoletar um processo de descentralização no séc. XX da grande cidade central para centros menores (Hall e Pain, 2006). Deste modo, teve menos influência do que Lisboa na definição da estrutura espacial da região urbana.
As consequências desta comparação já foram amplamente discutidas, sob perspectivas morfológicas, históricas, institucionais e de planeamento (Rio Fernandes, 2004; Portas et al., 2007). No entanto, o estudo do INE torna estas diferenças visíveis, actualizadas, espacializadas e dá-lhes significado socioeconómico. Assim, e com base na presença relativa das tipologias socioeconómicas (em função da população metropolitana que agregam), são estas as diferenças essenciais entre Lisboa e Porto:
- Os ‘espaços autocentrados de menor densidade’ são um tecido conectivo ubíquo na região do Porto (52%) e quase residual na capital (6%). São áreas de baixa densidade populacional e de urbanização, com um parque habitacional envelhecido e dominado por habitação unifamiliar. Novos usos e modelos urbanos coexistem de forma fragmentada com processos de urbanização antigos, muitas vezes intocados pela suburbanização de grande escala que emana da cidade central. As necessidades de mobilidade, dominadas pelo automóvel, baseiam-se numa rede difusa de trajectos curtos casa-trabalho, devido à prevalência de emprego local e de baixas qualificações, com pouca integração funcional com os núcleos principais da região.
- Apesar de estar em franco decréscimo (entre 2001 e 2011), o ‘(sub)urbano não qualificado’ é muito significativo em Lisboa (21%) e menos importante no Porto (7%). Estas áreas aparecem normalmente na periferia imediata da cidade central e correspondem às expansões monofuncionais do séc. XX, baseadas em habitação colectiva, com pouca qualidade tanto da edificação como do espaço público, e uma população com qualificações mais baixas e longos movimentos pendulares para núcleos de emprego distantes, que influenciam pouco a escolha residencial, mais baseada em redes familiares e sociais de proximidade (Marques da Costa e Costa, 2009). O transporte público é o modo dominante e a imigração é ligeiramente superior à média.
- A presença dos ‘espaços de imigração’ é significativa em toda a região de Lisboa (12%) mas residual no Porto (2%). Estas áreas são dominadas por população nascida no estrangeiro, normalmente com elevada densidade populacional. Os restantes indicadores apresentam tendências mistas mas há alguma prevalência de utilização de transporte público e de arrendamento no acesso à habitação.
3.2 Comparação com outras regiões urbanas Europeias
As diferenças estruturais entre as duas grandes áreas metropolitanas são claras, e as razões fundamentais incluem os padrões de ocupação ao longo da história, o papel da expansão da cidade central na sua permanência ou desaparecimento, e a diferente integração de ambas as regiões nos processos de internacionalização (Hodos, 2011). Importa agora expandir a lógica de análise do estudo Português a mais casos de estudo e verificar se existem padrões semelhantes na comparação entre outros conjuntos de cidade principal e secundária, a partir de indicadores semelhantes, que possam contribuir, em parte, para uma tipologia do respectivo papel e influência na estrutura geodemográfica da região urbana como um todo.
No caso Britânico, como vimos, a maioria das categorias socioeconómicas utilizadas são relativamente parecidas, com cinco a sete tendências semelhantes em sete possíveis (a oitava, referente aos movimentos pendulares, não é utilizada pelo modelo do ONS). Algumas correspondências precisam de uma mistura de classificações: os ‘espaços autocentrados de menor densidade’ relacionam-se com a categoria ‘hard-pressed living’ do ONS, em termos de tipo de emprego e qualificações, mas contêm elementos de ‘rural residents’ no que respeita à localização na região e densidade; Portugal tem provavelmente menos residentes rurais mais idosos com maior poder económico e a vida fora dos centros urbanos é mais frequentemente sinónimo de uma população com menos qualificações e poder de compra. O (sub)urbano novo qualificado é semelhante à categoria ‘cosmopolitan’, mas aproxima-se dos ‘suburbanites’ em termos de modelo de habitação e uso do automóvel; os movimentos pendulares suburbanos em transporte público de populações mais qualificadas não estão talvez tão generalizados em Portugal como no Reino Unido, nomeadamente em redor de Londres.
Assim, em função da disparidade detectada entre Porto e Lisboa, as questões a colocar para verificar possíveis relações similares em Londres e Bristol são as seguintes:
- Há uma diferença visível no predomínio e localização das categorias ‘hard-pressed living’ e ‘rural residents’ nas regiões de Londres e Bristol?
- A categoria ‘multicultural metropolitans’ é claramente mais significativa à volta de Londres do que de Bristol (nomeadamente na forma de expansões do séc. XX?)
- A categoria ‘ethnicity central’ é também mais dominante em Londres?
As figuras 3 e 4 respondem a estas questões e podem estabelecer uma analogia com a relação contrastante entre Lisboa e Porto. Os ‘rural residents’ (cor verde) e ‘hard-pressed living’ (amarelo) dominam em 22% das subsecções estatísticas da região urbana de Bristol, com pequenos fragmentos dispersos dos primeiros ilustrando a ocupação mais antiga e menos afectada pelos processos de suburbanização centrados na cidade principal. Estes fragmentos concentram-se ao longo da rede viária reticular pré-autoestradas, da mesma forma que o tecido urbano disperso coloniza a rede viária na região do Porto (Portas et al., 2007). Os ‘hard-pressed’ também surgem dispersos por toda a área urbana mas dominam nas periferias externas dos núcleos urbanos principais – população menos qualificada, em áreas de baixa densidade e emprego principalmente local (incluindo os sectores primário e secundário)[5]. A conjugação de ambas as categorias não equivale ao tecido de baixa densidade ‘omnipresente’ visível no Porto[6] mas a sua distribuição e localização é semelhante: intercaladas com alguns ‘suburbanites’, elas dominam nas periferias externas e fora dos núcleos urbanos.
Como em Lisboa, estas categorias são menos significativas em Londres, quando comparadas com o domínio de outras tipologias, e, juntas, prevalecem em apenas 10% das subsecções estatísticas da região (quase exclusivamente fora da Grande Londres). ‘Hard-pressed living’ aparece muito mais longe da cidade principal e os ‘rural residents’ estão presentes ao longo da rede viária anterior às auto-estradas. No entanto, tal como na comparação Porto-Lisboa, ambas são ocultadas pelas categorias mais dominantes. A estrutura de Londres está visivelmente organizada em redor de um núcleo central, com anéis sucessivos de ‘cosmopolitans’ (11%), ‘multicultural metropolitans’ (23%) e ‘suburbanites’ (12%) sugerindo um processo de expansão centrífugo e socialmente diferenciado, tal como descrito para Lisboa (Ferrão, 2014). Apesar de visualmente mais fragmentadas devido ao método de mapeamento utilizado (e também a uma regulação urbanística historicamente mais permissiva fora dos núcleos principais), as categorias correspondentes ‘(sub)urbano não qualificado’ e ‘espaços integrados de menor densidade’ são igualmente visíveis a crescentes distâncias do centro de Lisboa.
Novamente em analogia com o contraste Porto-Lisboa, a categoria ‘multicultural metropolitans’ (semelhante, lembre-se, ao (sub)urbano não qualificado do INE: expansões predominantemente residenciais do séc. XX entre o centro e os subúrbios, com densidades relativamente elevadas e qualificações e emprego abaixo da média) é mais forte em Londres (23%) do que em Bristol (9%), onde domina apenas nas áreas de expansão intensa das décadas de 80 e 90 no limite Norte da cidade. Finalmente, e como seria de esperar, as áreas de imigração são muito mais relevantes em Londres (20%) do que em Bristol (3%). Uma diferença clara em relação a Lisboa é que em Londres estas áreas estão muito concentradas no centro, ao passo que na capital Portuguesa estão mais dispersas pela região urbana.
Uma ilustração clara do impacto diferenciado de um centro dominante numa região urbana é a forma como em Bristol os núcleos mais pequenos, mas historicamente importantes de Bath, Yate, Clevedon e Weston-super-Mare replicam em parte o padrão socioeconómico da cidade principal, com a maior parte das categorias presentes em proporções e localizações semelhantes. A hipótese sugerida é que uma centralidade urbana que agrega toda a diversidade de tipos socioeconómicos com relações mútuas semelhantes às de centros maiores pôde manter o seu papel de comunidade multifuncional e socialmente diversa, em vez de se tornar principalmente um satélite do centro dominante. Pelo contrário, muitos centros secundários em redor de Londres, como Slough ou Luton, são dominados por uma única tipologia (há 68% de ‘multicultural metropolitans’ em Luton e 93% em Slough), apesar da sua maior dimensão em comparação com as cidades perto de Bristol[7]. Só as cidades mais afastadas da capital, como Oxford ou Southend, ou pequenas cidades históricas, como Windsor, atingem uma diversidade tipológica equivalente[8].
Este aspecto do contraste entre cidades principais hegemónicas e cidades secundárias é mais claro no Reino Unido do que em Portugal. Em Lisboa, como em Londres, é visível o domínio da descentralização de grande escala a partir do centro, diluindo gradualmente outras centralidades históricas e produzindo uma hierarquia principal à escala da cidade-região. No caso do Porto, a aparente falta de outros centros que repliquem a maioria das tipologias socioeconómicas, como em Bristol, está menos ligada à questão da permanência do que à ausência original de núcleos urbanos com massa crítica suficiente fora da aglomeração principal. Tal como Antuérpia, a região é, como um todo, mais densa do que Bristol, mas tem menos picos de densidade e é não é tão ‘policêntrica’ (morfologicamente) como a região Britânica. Com a possível excepção da zona de Vila do Conde-Póvoa de Varzim, a restante região urbana caracteriza-se por uma urbanização mais contínua e homogénea, sem áreas de concentração excepcional.
Bruxelas e Antuérpia
Referimos já que a ausência de um estudo semelhante para o caso de Bruxelas e Antuérpia obriga a agregar indicadores individuais disponíveis à escala do município, o que torna a análise menos precisa. Por exemplo, não podemos confirmar se o tecido urbano de baixa densidade ‘coloniza’ a rede viária anterior às auto-estradas, como no Porto, ou se os centros urbanos menores replicam a diversidade socioeconómica da cidade maior (ou seja, mantêm o seu papel como centralidades de pleno direito), como em Bristol. Mesmo assim, a análise avalia alguns aspectos das diferenças estruturais entre cidades principais e secundárias assim formuladas nos dois casos anteriores:
- As cidades secundárias têm uma proporção maior de ‘espaços autocentrados de menor densidade’ / ‘rural’+‘hard-pressed living’ - territórios fragmentados longe dos centros principais, menos afectados pelas hierarquias funcionais de escala metropolitana, com densidades mais baixas, pouca imigração, baixas qualificações e mais emprego local, com movimentos pendulares mais curtos. São como um tecido conectivo de densidade variável em toda a região urbana.
- As cidades principais têm uma presença maior do ‘(sub)urbano não qualificado’ / ‘multicultural metropolitans’ – áreas mais densas, principalmente residenciais, com mais imigração e movimentos pendulares longos. Com o ‘(sub)urbano novo qualificado’ / ‘cosmopolitans’ e os ‘espaços integrados de menor densidade’ / ‘suburbanites’ tendem a agregar-se em ‘anéis’ a distâncias crescentes do núcleo, sugerindo uma expansão de tipo centrífugo e socialmente diferenciada.
- As áreas dominadas pela imigração são mais significativas nas cidades principais e tanto podem estar concentradas no centro como dispersas pela região urbana.
As figuras 5 a 10, produzidas pela ferramenta de mapeamento dos censos nacionais de 2011 (Direction générale Statistique, 2014) ou desenvolvidos para este artigo com GIS, ilustram os seguintes indicadores.
- Demografia: densidade populacional por município
- Qualificações: percentagem da população que concluiu o ensino secundário
- Habitação: moradias unifamiliares como percentagem do parque habitacional
- Imigração: residentes de nacionalidade estrangeira
- Localização do Emprego: pessoas a trabalhar no seu município de residência
- Uso do solo: uso residencial como percentagem da mancha construída
Tratando-se de cidades muito próximas, há mais aspectos comuns a ambas as regiões urbanas. A densidade populacional (fig. 5) é muito mais elevada no centro de Bruxelas, mas similar na restante área urbana de ambas as cidades. Uma urbanização contínua de baixa densidade é uma característica típica do território Belga desde o período pré-industrial, tal como no caso do Noroeste de Portugal, e com uma explicação semelhante (Meulder, 2008; Grosjean, 2010). Mas outros indicadores menos dependentes da permanência história da morfologia urbana demonstram a maior proximidade de Antuérpia a alguns aspectos ‘típicos’ das cidades secundárias:
- As zonas de baixa densidade em redor de Antuérpia têm uma população visivelmente menos qualificada do que os arredores de Bruxelas (fig. 6). Note-se que isto não nos diz que Antuérpia tem menos trabalhadores qualificados do que a capital, mas tipifica a respectiva distribuição geográfica em cada região urbana.
- Nestas áreas existe uma elevada percentagem de moradias unifamiliares (fig. 7), com pouca imigração, excepto nos municípios junto à fronteira Holandesa (fig. 8). Em contrapartida, a imigração, organizada em anel à volta da cidade central, é muito elevada na região de Bruxelas (30% contra 9% na província de Antuérpia).
- A percentagem de moradias unifamiliares também é elevada na região de Bruxelas, mas há um ‘anel’ mais visível em redor da cidade central com menor incidência desta tipologia (fig. 7), sugerindo uma urbanização mais densa.
- A região urbana de Antuérpia parece seguir uma tendência mais clara de emprego local e movimentos pendulares mais curtos, com maior percentagem de pessoas a trabalhar no seu município de residência (fig. 9).
- A região de Bruxelas tem uma proporção maior de uso residencial do território construído (fig. 10), sugerindo maior predomínio de expansão monofuncional de tipo suburbano à volta da capital, por oposição ao território multifuncional de Antuérpia, menos alterado pela expansão intensiva a partir da cidade dominante; um palimpsesto da ocupação histórica, onde “indústria, comércio, habitação e agricultura coabitam negligentemente.” (Meulder, 2008, p.29).
Pese embora o menor detalhe da análise, é assim possível sintetizar a resposta à configuração avançada para os outros dois casos da seguinte forma:
- Algumas tendências sugerem que categorias socioeconómicas semelhantes aos ‘autocentrados de menor densidade’ / ‘rural’+’hard-pressed living’ estão de facto mais presentes em Antuérpia do que em Bruxelas. Isto é visível nos indicadores que ilustram a distribuição geográfica da população com menos qualificações, menos imigração, uso do solo mais multifuncional e emprego mais localizado.
- Algumas tendências também sugerem que as tipologias socioeconómicas do tipo (sub)urbano não qualificado / ‘multicultural metropolitans’ dominam mais na região urbana da capital. Isto é visível nos indicadores que ilustram a distribuição geográfica de população mais qualificada, da imigração, densidade ligeiramente superior, predomínio do uso do solo residencial e maior distância casa-trabalho.
- Estes contrastes são parcialmente ocultados pelas semelhanças resultantes da proximidade entre as duas regiões urbanas e pela morfologia geral do território. Não se pode afirmar que Bruxelas condicione o processo de urbanização regional da mesma forma que Lisboa e Londres, nem que exista (ou não) uma hierarquia funcional diferenciada a esta escala. A permanência das estruturas morfológicas históricas parece ser mais forte na Bélgica, o que pode ter contrabalançado o processo típico de expansão e descentralização da cidade central.
- A proporção de áreas correspondentes aos espaços de imigração é o aspecto em que o contraste entre ambas as regiões é mais claro, aqui reforçado pelo papel internacional de Bruxelas. No entanto, a correspondência geográfica entre as áreas de imigração, de habitação unifamiliar e de qualificações mais altas sugere que este é um tipo socioeconómico de imigração diferente de Lisboa e Londres. Estas duas capitais estão mais perto da visão de Hodos (2011), que refere os fluxos de imigração maiores e menos selectivos, expressão de maior integração na globalização, como a diferença típica entre cidades principais e secundárias.
4. Discussão e Conclusões
Este artigo pretende contribuir para a investigação dos processos de metropolização das regiões urbanas secundárias como um problema específico, apesar da grande quantidade de investigação sobre o tema genérico da região urbana, e para uma tipificação das relações de contraste entre cidades principais e secundárias, cuja manifestação espacial e socioeconómica não foi alvo de tanta atenção como os aspectos políticos, históricos e sociais. As hipóteses em estudo são que as diferenças históricas dos processos de formação das regiões urbanas em cidades principais e secundárias são visíveis na sua configuração espacial e socioeconómica actual; e que essas diferenças, analisadas em contextos diferentes, constituem um padrão de contrastes ‘típicos’ entre os dois tipos de sistema urbano.
Da análise geodemográfica de três casos de estudo Europeus resulta que, de facto, apesar de Londres, Lisboa e Bruxelas serem muito diferentes entre si, tal como Bristol, Porto e Antuérpia, os contrastes entre cada cidade principal e cidade secundária seguem padrões aproximados. Alguns, como a presença maciça da imigração, são muito claros. Outros são mais ambíguos, mas suficientemente visíveis para justificar mais investigação de outros casos Europeus. As três regiões urbanas secundárias revelam uma presença maior de áreas de baixa densidade, maior ruralidade, menos qualificações e emprego mais local. Estas são áreas sobre as quais se pode sugerir que o impacto da expansão centrífuga da cidade dominante foi menor. Por outro lado, as três capitais revelam maior presença de zonas densas e monofuncionais, com distâncias casa-trabalho maiores, que podem ser associadas a uma descentralização intensiva e socialmente diferenciada. Enquanto nas cidades secundárias há uma maior tendência para que os centros menores mantenham a sua diversidade socioeconómica, as capitais tendem a transformar esses núcleos urbanos em ‘satélites’ de tipologia dominante. De uma forma geral, é possível afirmar que a configuração das regiões urbanas secundárias em estudo se aproxima do modo de incorporação teorizado por Champion (2001)
A ambiguidade prende-se com a forma como as regiões urbanas eventualmente se desviam do padrão. Cada caso tem as suas particularidades – a ausência de centros alternativos fortes na região do Porto, as densidades equivalentes causadas pela proximidade entre Antuérpia e Bruxelas, ou a pouca variação das distâncias casa-trabalho em Bristol. Cada contexto urbano está dependente de uma mistura complexa de acidentes históricos e processos de longa duração aos quais a relativa estabilidade do sistema urbano Europeu confere maior visibilidade – o ‘path dependence’ (Hohenberg, 2004). Da mesma forma, os processos de urbanização foras influenciados por um historial de políticas de ordenamento cujos traços são visíveis no território: a expansão de Londres no séc. 19 a partir de eixos ferroviários centrífugos pode ser confrontada com a pouca infrastrutura intra-regional em Bristol, por exemplo. Os condicionamentos locais são tão ou mais importantes que os modelos genéricos na evolução dos sistemas urbanos, o que pede uma metodologia de análise baseada no local e específico a par do universal e genérico.
Os resultados revelam diferenças fundamentais entre algumas cidades principais e secundárias, mas será necessária mais investigação para as explicar e generalizar. Por exemplo, serão estes padrões extensíveis à maioria dos sistemas urbanos nacionais baseados em capitais dominantes e cidades de ‘segunda ordem’, somando mais um aos contrastes detectados pelo ESPON (2012) e outros estudos? Terão os países com sistemas urbanos mais horizontais igualmente cidades ‘dominantes’ na região urbana, no sentido que aqui foi discutido?
Finalmente, estas diferenças sugerem processos de metropolização diferentes, e não mais ou menos ‘avançados’, como por vezes se sugere. A metropolização é tratada aqui no sentido da emergência de uma ‘cidade extensiva’ de escala regional, a partir da crescente integração funcional, espacial e institucional de regiões urbanizadas. Trata-se, em particular, de uma valorização da ideia de ‘cidade de cidades’ (Nello, 2001), mais do que do ‘urbano sem cidade’ que muitas vezes se associa (negativamente) à urbanização generalizada dos territórios. Mas se, como vimos, a literatura sugere que as cidades menores e menos dominantes têm maior necessidade de integração com a região urbana para congregar funções e massa crítica, e se a presença de uma cidade central – mas não hegemónica – até contribui para esse processo, então a visão de um processo de metropolização ‘atrasado’ não se justifica. A ausência de uma hierarquia funcional, socioeconómica e até cultural de grande escala entre ‘centro’ e ‘periferia’, não significa que um processo de integração não esteja em curso, inclusivamente de formas mais horizontais e menos condicionadas. Pelo contrário, uma história de relações horizontais, pouca percepção do domínio da cidade central, uma noção de interdependência geral e a semi-autonomia dos vários centros pode criar uma paisagem política diametralmente oposta às descrições de relações rigidamente hierárquicas nas regiões urbanas das grandes capitais (veja-se o estudo de Phelps et al. (2006) sobre a tensão entre a enorme dependência e a vontade de afirmação dos centros menores em redor das capitais). É importante saber se as características específicas de (algumas) regiões urbanas secundárias podem ser tornadas operativas como factores de uma estratégia de metropolização policêntrica, integradora e justa.
NOTA: "Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia - POPH/FSE: SFRH/BD/80157/2011"
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[1] Existe toda uma literatura dedicada a nomear e descrever este fenómeno, nas suas várias expressões. Os neologismos são inúmeros, desde a ‘cidade-região’ à ‘cidade metropolitana’, passando pela ‘cidade-território’, ‘metapolis’, ‘cidade extensiva’, entre muitos outros em várias línguas. Não cabe a este artigo estabelecer as diferenças entre as várias descrições (para um léxico mais completo, ver Rufi, 2003), e, para simplificação, será utilizado o termo ‘região urbana’. No entanto, é de notar que tanta variedade conceptual e linguistica sugere que a complexidade do fenómeno se presta mais a sínteses locais do que a grandes generalizações globais, sendo esta uma das fragilidades do corpo teórico que sustenta o tema.
[2] Os exemplos tradicionais na Europa são a Randstad holandesa ou a região do Ruhr, na Alemanha.
[3] Estas cidades podem ser tratadas de várias formas, em função da perspectiva da análise: cidades centrais, cidades principais, capitais, algumas até cidades globais. A partir deste momento, será utilizado o termo ‘cidades principais’ (equivalente às ‘primate cities’ em Inglês), de forma a estabelecer a distinção com as ‘cidades secundárias’.
[4] ‘Agglomeration shadow’ (Patridge et al., 2009) é um termo da Nova Geografia Económica que denota o impacto negativo dos grandes centros urbanos em núcleos mais pequenos na respectiva região, em termos de movimentos da população, localização das actividades económicas e disponiblidade dos serviços. Uma cidade sob a ‘sombra’ de um centro dominante teria menor crescimento e menos actividades do que uma cidade do mesmo tamanho relativamente isolada, devido à competição com o núcleo maior. A literatura discute igualmente o conceito oposto de ‘borrowed size’ (Burger et al., 2014), em que uma cidade junto a um centro urbano maior pode beneficiar da massa crítica atingida pelo sistema urbano como um todo.
[5] Embora estas actividades económicas tendam a estar mais dispersas pelas regiões do que os serviços de topo, tipicamente agregados em núcleos urbanos ou de tipo ‘edge-city’, não é claro que o caso de Bristol corresponda a movimentos pendulares mais curtos, tal como nos espaços ‘autocentrados’ da região do Porto. As distâncias casa-trabalho mapeadas pelo NOMIS (estatísticas económicas oficiais) mostram percursos relativamente longos (15-19 km) tanto fora como dentro dos núcleos urbanos principais da área de Bristol, excepto dentro da própria cidade de Bristol. Dado que as descrições dos ‘supergrupos’ socioeconómicos deste estudo não incluem movimentos pendulares, a associação entre áreas semi-rurais, com baixas qualificações e menor densidade e o predomínio de emprego mais localizado não pode ser feita da mesma forma que no caso do Porto. Os movimentos pendulares longos parecem prevalecer, pouco afectados pela tipologia socioeconómica da população ou a condição urbana de cada local. Em contraste, Londres revela uma hierarquia visível, centrada em Inner London, de crescentes distâncias casa-trabalho (NOMIS, 2014)
[6] O método de visualização de ambos os estudos também influencia esta percepção. O estudo do INE projecta a categoria dominante sobre toda a ‘mancha’ da delimitação geográfica de cada subsecção estatística, ao passo que o projecto Britânico restringe o mapeamento à morfologia efectivamente construída.
[7] Slough tem 140,000 habitantes e Luton 203,000. Bath tem apenas 89,000 habitantes, Weston-super-Mare 76,000 e Yate 35,000.
[8] Uma característica típica de Londres, visível ao ampliar os mapas Datashine OAC, é a replicação da estrutura socioeconómica completa em diversos centros dentro da cidade principal. Ao contrário das cidades próximas, dominadas por categorias únicas, alguns bairros de Outer London, como Ealing, Bromley e Kingston-upon-Thames parecem ser pequenas cidades de pleno direito, com ‘urbanites’, ‘cosmopolitans’ e ‘metropolitans’ misturados novamente a uma escala menor.